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Metodologia de ensino: primeiras aproximações...

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Metodologia de ensino: primeiras aproximações...

Léa das Graças Camargos Anastasiou

Professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação da Universidade Federal do Paraná

Abordar a questão da Metodologia de Ensino é sempre algo desafiante e alentador. Desafiante porque, quanto mais procuramos estudá-la, mais descobrimos o quanto temos a aprender sobre ela, e alentador exatamente porque nos possibilita, a cada momento, a tentativa de rompimento de nossos atuais limites.

E, portanto, dentro desta perspectiva de primeiras aproximações e da clareza da existência de estarmos vivendo um momento a ser superado por todos nós educadores, na construção de um vir-a-ser cada dia mais significativo metodologicamente, que nos propomos tratar neste artigo, desde o início.

Ao discutirmos método, muitos elementos nos vêm à mente, incluindo elementos referentes a técnicas e recursos. Etimologicamente, método vem do grego, sendo a composição de "metá", que quer dizer "através, para" e de ódos, que quer dizer "caminho". Portanto, método seria um caminho através do qual se chega a um determinado fim.

Gostaríamos de destacar que utilizamos métodos para as diferentes metas que buscamos alcançar. No caso do processo de construção do conhecimento, utilizamos método para pesquisa e método para transmissão do conhecimento, ou seja, é importante destacar que existem peculiaridades a cada um destes momentos.

Para o método de pesquisa, ou seja, para se "investigar" certos aspectos da realidade pesquisada, é necessário "apoderar-se da matéria em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e perquirir a conexão interna que há entre elas"; ao pesquisador é necessário "descobrir a lei dos fenômenos que ele pesquisa. Importa-lhe não apenas a lei que os rege, enquanto tem forma definida e os liga a uma relação observada em dado período histórico. O mais importante de tudo, para ele, é a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra, de uma ordem de relações para outra..." (Marx, 1987, p. 15-6).

Esta visão de metodologia de pesquisa já traz implícita em si a visão do movimento, da busca da lei de sua transformação e de seus determinantes, portanto, supera a visão cientificista do método científico de pesquisa.

Continuando, o autor nos alerta para o fato de que o método de pesquisa nos permite descrever adequadamente o movimento do real, pois se obteve seus pormenores, analisou-se suas diferentes formas de desenvolvimento e a conexão interna de seus determinantes. Pode-se, a partir dessa construção, construir uma estrutura teórica - a mais próxima e explicativa possível - do objeto pesquisado.

No método de investigação, o início é arbitrário, no que se diferencia substancialmente do método de explicitação, próprio do sistema de ensino.

Antes de iniciar o ato de ensinar em sala de aula, todo professor é um investigador que deve ter procedido conforme explicitamos anteriormente, pois, quando um professor se propõe a ensinar um conteúdo determinado, é necessário que o tenha aprendido neste nível anteriormente explicitado: deve-se dominar o fenômeno para além de sua aparência, em sua essência, com a clareza dos seus elementos determinantes, dos seus nexos internos, dos elementos que o fizeram ser assim como ele é: num quadro teórico de sua totalidade ou "rede". Só depois de percorrido esse caminho é que se pode pretender sua explicitação. Esta afirmação inclui em si o pressuposto de que ensinar vai além do simples dizer o conteúdo.

É nosso pressuposto que a visão/conceito do que seja ensino/aprendizagem adotada pelo professor vai determinar sua adoção metodológica. Ensinar deriva do latim in signare,que significa marcar com um sinal da vida, de busca do conhecimento, do possibilitar o despertar da consciência do indivíduo para a percepção de sua própria existência e de seu papel na construção desta mesma existência (Moraes, 1986). Portanto, vai além de uma simples transmissão e do simples ato de dizer o conteúdo.

Analisando a significação do termo ensinar, temos a contribuição de Sheffler (1974), que nos coloca que muitos verbos referentes à ação, portanto, que se referem à obtenção de uma meta, implicam uma utilização intencional e/ou de êxito; neste caso, o atingir a meta é que definiria o êxito da tentativa. Neste sentido, só se poderia dizer que houve ensino se de fato ocorreu a aprendizagem.

Ensinar é uma tarefa que inclui um uso intencional (algo que alguém se destina a fazer, portanto, com meta explícita) e um uso de êxito (resultado bem sucedido de ação). Inclui, assim, um conjunto de esforços e decisões práticas que se refletem em caminhos propostos, ou seja, nas opções metodológicas.

O professor, ao se propor a ensinar, realiza "uma atividade a que alguém se dedica, dirigido por uma meta, cuja consecução envolve normalmente atenção e esforço, proporcionando, ao mesmo tempo, uma definição relevante do êxito (Schefler, 1974, p. 75).

Assim, o ensino se constitui numa atividade que exige esforço, deixando lugar reservado ao exercício realizado pelo aluno, buscando o desenvolvimento de uma certa eficiência, dentro de um tempo determinado, sendo sempre orientada por uma meta. Esta atividade é constituída de períodos programados - lições -com características unitárias, contínuas ou não (conforme as metas), sendo que a seqüência estruturada das lições constitui um período mais complexo de atividades.

Isto vem ocorrendo de diferentes maneiras ou seguindo diferentes opções metodológicas. Nos estudos realizados pela Prof.a Lilian Anna Wachowicz, registra-se que existe uma lógica -isto é, o elemento que trata do método do pensamento - que fundamenta essas opções metodológicas.

O método de ensino se dirige ao conhecimento a ser apreendido pelas novas gerações e, no caso da Universidade, pesquisado por cientistas/professores. Quanto à lógica que fundamenta a visão do ensinar é a lógica formal, baseada nos princípios de identidade e de negação, os conceitos são vistos como conteúdos mentais a serem assimilados pelos alunos e elaborados a partir de experiências chamadas concretas. Ainda sob essa lógica, para possuir um conceito, a pessoa deve ser capaz de atribuir-lhe um signo e de dar-lhe um sentido, daí a importância das experiências chamadas "concretas". Para isso, seguem-se as etapas de introdução, generalização, abstração e simbolização dos conceitos. Se o aluno é capaz de chegar ao símbolo e através dele conceituar o objeto estudado, considera-se que ele aprendeu o conceito.

Diante desta lógica, o professor se preocupa em organizar situações onde o conhecimento seja apresentado - geralmente através de aula expositiva - e, quando tem a visão da necessidade das outras etapas, organiza atividades onde o aluno possa generalizar, diferenciar, abstrair e simbolizar os conceitos trabalhados. Quando o aluno demonstra, através da avaliação, que aprendeu o conceito ensinado, o professor considera que já realizou o seu papel de "ensinante" e passa a dizer o novo conteúdo do programa. Neste tipo de relação de ensino, o que se requer do aluno é o aprendizado do conceito enunciado, geralmente através de memorização. Isto, normalmente, propicia ao aluno o resultado necessário para sua aprovação na disciplina, ano e curso.

A proposta da Prof.a Lilian é que, daí onde a lógica formal propõe a verificação do domínio do conteúdo, qual seja, no símbolo, se continue a caminhada em direção à construção daquilo que chama de "o concreto pensado", isto é, a possibilidade do aluno reproduzir no pensamento e pelo pensamento os conteúdos trabalhados.

Nas palavras de Wachowicz,

aquilo que se convencionou chamar de cognição, enquanto possibilidade de expressar em símbolos conteúdos mentais apreendidos, não termina após formada a abstração desse mesmo conteúdo, mas inicia-se justamente aí, na abstração. Incorporando as operações realizadas, a cognição se realiza quando supera o isolamento em que se definem os conceitos, pondo-os em relação uns com os outros, de modo a comporem estruturas teóricas, estas sim, explicativas da realidade.

Esse método de ensino está fundamentado na lógica dialética, que considera que a realidade não pode ser diretamente apreendida pelo sujeito, sendo imprescindível que a mesma seja apreendida pelo pensamento e no pensamento, portanto, tendo a reflexão como condição básica. Isto vem responder também a muitos anseios dos professores, que constantemente vêm denunciando que "os alunos não sabem ou têm dificuldade em pensar, em raciocinar".

A lógica dialética considera que, além dos princípios de identidade e negação, na base do processo de construção do conhecimento estão princípios como o movimento, a contradição, a existência da tese, antítese e síntese sempre provisórias, a serem considerados no processo do pensar humano. Neste processo, a apreensão da realidade se efetiva a partir da determinação dos seus elementos constitutivos, que são apreendidos por um processo de reflexão que mediatiza a apreensão da realidade, devendo a escola considerar que o momento de chegada ao símbolo -etapa final do ensino baseado na lógica formal - se torna ponto intermediário do processo de apreensão pela lógica dialética. É necessário realizar-se todo um "caminho de volta" do símbolo ao ser confrontado com realidade e com a teoria existente.

Assim,

o trabalho da educação escolar, no cotidiano da sala de aula é um trabalho de reflexão pelo qual o pensamento dos alunos e professores vem a apossar-se do significado da realidade concreta, retomando-a a partir do abstrato, que é o conhecimento existente. Não se despreza o processo de formação de conceitos, tal como é visto na lógica formal. Apenas se considera que este, ao atingir a simbolização, é a pré-partida para a cognição. (Wachowicz, p.4)

A construção do concreto pensado se dará por ser o concreto a síntese das múltiplas determinações, síntese esta obtida pelo processo sistematizado de reflexão escolar, prevendo-se para isto, metodologicamente, ações docentes e discentes, próprias a cada área de conhecimento, respeitando-se suas especificidades, determinadas pelo objeto de conhecimento da área.

Num seminário onde se discute "Ensino Jurídico, Cidadania e Mercado de Trabalho", a proposta de se discutir a questão metodológica nos mostra que coordenações de curso/centros acadêmicos, portanto, docentes e discentes, encontram-se preocupados com a construção do conhecimento em sala de aula.

Estamos num momento histórico em que se discute a mudança de paradigma em várias dimensões do fazer humano. A história da Universidade nos impingiu um paradigma predominantemente marcado pela fala do professor, tomando-se o dizer do conteúdo como ato predominante no ensino. Sabemos hoje que, embora explicitar o conteúdo seja condição necessária ao ensino, ela não é condição suficiente, sendo necessário que o aluno realize, através das situações propostas pelo professor, a construção do conhecimento.

Nós, atuais docentes, fomos marcados pela Universidade do "dizer do professor" e precisamos construir hoje a sala de aula onde co-habitem tanto o dizer da ciência - através ou não do dizer do professor -quanto a leitura da realidade adversa que enfrentamos, da qual o aluno - futuro profissional - terá que dar conta. Esse desafio nos é posto em relação ao paradigma tradicional que vivenciamos como alunos e professores e a crescente necessidade da construção de um paradigma atual.

Caracterizando-os brevemente, podemos dizer que o paradigma tradicional é marcado pelo dizer o conteúdo por parte doprofessor que, desta forma, acaba por agir tal qual um palestrista, e pelo ouvir/memorizar o conteúdo por parte do aluno, que se torna, assim, um repetidor do que ouviu em sala de aula. Nesse modelo, alunos e professores estabelecem uma relação de sujeitos não-integrados, em relação a um conteúdo a ser medido e pontuado via avaliação, geralmente usada como instrumento de medida do saber memorizado e repetindo ipisis litteris... Podemos simbolizar esta relação pela equação professor x aluno.

No paradigma proposto atualmente, professores e alunos têm como compromisso "dar conta" do conhecimento científico existente, através de um contrato onde a parceria é elemento fundamental da relação. Cabe ao professor organizar, então, as atividades de ensino, de sua inteira responsabilidade -atividades estas que deverão atender às características do conteúdo, do curso, da disciplina e dos alunos envolvidos no processo. Sob este referencial serão também organizadas as atividades de aprendizagem dos alunos, atividades previstas para dentro e fora da sala de aula, individuais e coletivas, visando possibilitar aos alunos a apreensão do conteúdo em suas relações necessárias. O grande desafio nesta relação é o conteúdo a ser apreendido: desafio pela sua complexidade, heterogeneidade, singularidade e flexibilidade constante, uma vez que a ciência - também ela - está em constante mudança e construção. Esse é um dos elementos fundamentais a ser dominado por nós, docentes e pelos futuros profissionais que saem da Universidade. Em termos de equação, essa relação se representaria assim: (professor + aluno) x conteúdo.

Isto se constitui em mudança fundamental em relação ao atual fazer docente dominante na Universidade hoje.

Sem pretensão de esgotar a riqueza deste tema, deixaremos aqui registradas algumas considerações a respeito de um método dialético de ensino:

• O professor é responsável pela explicitação do quadro teórico a ser dominado pelo aluno em cada conteúdo. Para isso, é preciso que o domine ao nível de quadro teórico ou em rede, tendo, portanto, clareza do conteúdo a ser trabalhado, em suas relações necessárias, para aquele grupo de alunos, naquele momento do curso.

• A imagem da rede, tratada por Machado (1994), coloca que

compreender é apreender o significado; apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos; os significados constituem, pois, feixes de relações; as relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes, construídas socialmente e individualmente, e em permanente estado de atualização; em ambos os níveis -individual e social - a idéia de conhecer assemelha-se à de enredar, (p. 21)

• Para dar conta do "enredamento", há que se superar por incorporação a simples memorização. O aluno tem que ativamente refletir (no sentido de dobrar-se de novo e de novo - tanto quanto seja necessário) para apropriar-se do quadro teórico objetivado pelo professor/currículo/processo de ensino.

• É função do professor, na efetivação de sua profissão de docente, organizar atividades de ensino (de sua responsabilidade de ação, que também inclui o dizer, explicitar o conteúdo) e atividades de aprendizagem a serem realizadas pelo aluno - em processos individuais e de parceria, portanto, envolvendo o professor, os colegas e os autores/teorias estudados.

• Ensinar é uma tarefa extremamente complexa e que exige do professor um contínuo pesquisar dos elementos intervenientes do processo construído com o aluno, pelo aluno, pelo coletivo, na transmissão - assimilação - construção do saber escolar. O quadro teórico precisa ser dominado e estar sob constante processo de reflexão do docente, para que se garantam q as relações necessárias sejam dominadas pelos alunos.

• As ações docentes deverão respeitar tanto as características do conteúdo estudado, quanto as dos sujeitos da aprendizagem. Deverão proporcionar e objetivar que todos alunos teçam, enlacem, enredem as relações necessárias daquele conteúdo, naquele momento do curso - que deverá ocorrer em curso, portanto, como elementos de um quadro teórico global maior e cada vez mais atualizado.

• O quadro teórico que o aluno traz inicialmente para a escola deve ser o ponto de partida do trabalho docente, poi a "rede" poderá ser tecida a partir daí. Por isso, conhecer os alunos se torna condição fundamental do ensinar sob este enfoque.

• A metodologia utilizada pelo docente reflete a sua visão de mundo, do conhecimento, do aluno, de seu papel profissional, do processo de ensino/aprendizagem. Esta metodologia também é passível de mudanças quando ao professor é possibilitada uma reflexão sistemática sobre sua prática profissional.

• A universidade hoje, no que se refere à sua função de ensino, precisa esar comprometida com a capacitação de profissionais que dêem conta de lidar com a realidade em consante movimento e plena de contradições. Há, portanto, que possibilitar objetivamente o desenvovimento de um conjunto de operações de pensamento que habilitem o fututro profissional aqui formado a lidar com os conhecimentos apreendidos para enfrentamento da realidade adversa de um país de Terceiro Mundo à virada do século.

• A idéia e a afetivação de um curso precisa ser revista constantemente pelos profissionais que nele atuam. O conjunto de disciplinas não deve se constituir em mero aglomerado ou ajuntamento de dados do conteúdo, mas em grade curricular, portanto, curso em curso, no sentido das relações de conteúdo necessárias à formação profissional.

Para um início de reflexão, deixamos estas anotações que esperamos nos sejam úteis, pois deverão despertar contra-argumentos que auxiliarão na construção desta metodologia que propomos - ainda que sempre provisoriamente -contruir em nosso cotidiano da sala de aula.

  • MACHADO, Nilson José. Conhecimentos como rede: a metáfora como paradigma e como processo. Série educação para cidadania. São Paulo: USP, 1994. n.ş 9.
  • MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Difel, 1987. v. I.
  • SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva. 1974.
  • WACHOWICZ, Lilian Anna. O método didático: sua fundamentação na lógica dialética. Curitiba: UFPR (mimeo). [s.d.
  • ______. O método dialético na didática. Campinas: Papirus, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1997
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