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Escolha de uma escola federal de ensino médio integrado do interior brasileiro: a atualidade das contribuições de Bourdieu1 1 Esta pesquisa é fruto de um estudo de Doutorado que contou com o apoio financeiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG), na forma de bolsa de Doutorado para a primeira autora.

RESUMO

Este artigo, situado no campo dos estudos sociológicos sobre a escolha do estabelecimento de ensino, discute a atualidade das teorizações de Pierre Bourdieu para a compreensão da escolha da escola de ensino médio, em uma pequena cidade na área do semiárido brasileiro, no Estado de Minas Gerais. Mais especificamente, interroga a atualidade e a utilidade do conceito de capital cultural nesse contexto. Baseia-se em resultados de uma pesquisa sobre o processo de escolha, por jovens e suas famílias, do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e, especificamente, do curso de Técnico em Informática para Internet, integrado ao ensino médio, oferecido no Campus Janaúba do IFNMG. Os procedimentos metodológicos desenvolvidos foram: aplicação de questionários aos alunos e a seus responsáveis; realização de grupos focais com estudantes e de entrevistas com alguns deles e seus responsáveis. Os resultados apontam a necessidade de considerar, no contexto pesquisado, o conceito de capital cultural em uma acepção ampla, não necessariamente ligada à alta cultura, mas mantendo a ideia de recursos culturais que representam vantagens no campo acadêmico. Nesse sentido, a pesquisa reafirma a atualidade e a utilidade do conceito de capital cultural e, especialmente, da noção de capital informacional, na compreensão do processo de escolha do estabelecimento de ensino.

Palavras-chave:
Escolha da escola; Ensino médio integrado; Bourdieu; Capital cultural

ABSTRACT

This article, in the field of sociological studies on school choice, discusses the relevance of Pierre Bourdieu’s theories to understand high school choice, in a small town in the Brazilian semi-arid region, in the state of Minas Gerais. More specifically, it argues the relevance and usefulness of the concept of cultural capital in this context. It is based on the results of a study about the choosing process, by young people and their families, of Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), more specifically, the Technical Course on Internet Technology, integrated into high school, which is offered at the Janaúba Campus of IFNMG. The methodological procedures were: questionnaires to students and their guardians; focus groups with students, and interviews with some of them and their guardians. The results point to the need to consider, in the researched context, the concept of cultural capital in a broader sense, not necessarily linked to high culture, but keeping the idea of cultural resources that represent advantages in the academic field. In this regard, the research reaffirms the usefulness and relevance of the concept of cultural capital and, especially, of the notion of informational capital, when understanding school choice processes.

Keywords:
School choice; Integrated high school; Bourdieu; Cultural capital

Introdução

Vinte anos após o seu falecimento, continua grande, indicando questões ainda polêmicas, o debate em torno da obra de Pierre Bourdieu - um dos sociólogos mais citados do século XX (WACQUANT, 2002WACQUANT, Loïc. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 19, p. 95-110, 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-44782002000200007. Acesso em: 02 jul. 2022.
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), celebrado em diversos setores da pesquisa educacional (DAVIES e RIZK, 2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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). Ao longo das décadas, novos estudos foram erigidos a partir de críticas a seu trabalho, tais como os de Snyders (1976SNYDERS, Georges. École, classe et lutte des classes. Paris: PUF, 1976.), Charlot (1996CHARLOT, Bernard. Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 97, p. 47-63, 1996.; 2000), Lahire (1997LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo:Editora Ática, 1997., 2002), para citar apenas alguns. Contemporaneamente, discussões em torno do legado bourdieusiano - como as realizadas por Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), Davies e Rizk (2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), Nogueira (2021NOGUEIRA, Maria Alice. O capital cultural e a produção das desigualdades escolares contemporâneas. Cadernos de Pesquisa, v. 51, 2021. Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/7468. Acesso em: 10 fev. 2022.
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), dentre outros - colocam em pauta a atualidade e a contribuição explicativa de seus conceitos para o contexto atual.

Os balanços críticos realizados por esses autores discutem, entre outras questões, um dos primeiros e principais conceitos de Bourdieu: o capital cultural. Para Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), trata-se de um dos “concepts majeurs” (conceitos principais) em toda a Sociologia da Educação (p. 186). Davies e Rizk (2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), por sua vez, caracterizam-no como “Pierre Bourdieu’s signature concept” (p. 331) - a “assinatura” ou uma espécie de “marca registrada” desse importante sociólogo.

Bourdieu buscou, com esse conceito - elaborado a partir da década de 1960-, uma forma de explicar as diferenças de rendimento escolar obtido por crianças de classes sociais distintas, opondo-se às explicações provenientes da teoria do capital humano e da crença na existência de “aptidões” (BOURDIEU, 1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.). Contrariamente às afirmações de que as desigualdades no desempenho escolar seriam devidas simples ou unicamente a fatores econômicos ou ao “dom”, ele afirmou que essas desigualdades são frutos da distribuição, também desigual, do capital cultural entre as classes e as frações de classes: “O rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família” (BOURDIEU, 1998b, p. 74). Em alusão ao conceito marxista de capital (econômico), também em Bourdieu o capital cultural é herdado e guarda a possibilidade de se transformar em outros capitais ou de gerar mais capital. Trata-se de um “patrimônio cultural diversificado”, no âmbito da cultura socialmente dominante, “composto de estruturas mentais (maneiras de pensar o mundo), domínio da língua culta, cultura geral, posturas corporais, disposições estéticas, bens culturais variados (livros e outros materiais de cultura) etc.” (NOGUEIRA, 2017NOGUEIRA, Marlice de Oliveira. Quando os professores escolarizam os filhos na rede pública de ensino: da inevitabilidade à colonização. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 1-26, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edur/a/SwkbHMf9Pj7vMgcv67Jzqgb/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 08 fev. 2021.
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, p. 103). Investido no mercado escolar, esse capital gera dividendos ou vantagens, uma vez que a escola opera basicamente com essa cultura socialmente legitimada, em seus currículos e seus sistemas de avaliação (NOGUEIRA, 2017).

O objetivo do balanço realizado por Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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) foi avaliar o poder heurístico e a pertinência desse conceito para a compreensão dos processos atuais de reprodução social por meio da educação escolar, tendo-se passado mais de 50 anos desde sua primeira formulação. Por meio de uma revisão da literatura sociológica em língua francesa, os autores discutem a definição, a utilização e a apropriação do conceito de capital cultural, bem como sua rentabilidade escolar no presente momento histórico. Adicionalmente, discorrem sobre a crescente relevância de outros tipos de capitais como o econômico e o social - e suas conversões em capital cultural - para as desigualdades educacionais contemporâneas.

O levantamento realizado por Davies e Rizk (2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), por sua vez, visa a rever a evolução dos usos do conceito de capital cultural na pesquisa empírica em educação, com foco em estudos de língua inglesa, identificando e analisando três gerações de trabalhos. Almeja, com isso, avaliar a utilidade do conceito para pesquisadores em educação e apontar futuras direções de investigação.

Um dos campos da pesquisa contemporânea em sociologia da educação nos quais a teoria de Bourdieu e seu conceito de capital cultural têm sido fortemente utilizados é o dos estudos sobre a escolha dos estabelecimentos de ensino. Situando-se neste campo, o presente artigo pretende discutir a atualidade das teorizações de Pierre Bourdieu para a abordagem dessa temática, em um contexto bastante peculiar. Mais especificamente, o texto objetiva analisar a utilidade do conceito de capital cultural, elaborado pelo autor na segunda metade do século XX, na França, para compreender processos atuais de escolha da escola de ensino médio, em uma pequena cidade do interior do Brasil.

Para isso, discutiremos resultados de uma pesquisa sobre o processo de escolha, por jovens e suas famílias, do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e, mais especificamente, do Curso Técnico em Informática para Internet (CTII), integrado ao ensino médio, oferecido pelo Instituto no Campus de Janaúba - uma pequena cidade localizada na área mineira do semiárido brasileiro, marcada por altos índices de pobreza e vulnerabilidade social.

O curso enfocado foi escolhido por ser o único de oferta regular, e de forma integrada ao ensino médio, implantado no campus quando da realização do estudo. Para traçar o perfil socioeconômico e cultural dos alunos, conhecer sua trajetória escolar pregressa e levantar indicadores sobre o processo de escolha da escola, elaboramos um questionário que foi respondido por 97 dos 106 estudantes matriculados nas turmas de 2017, 2018 e 2019. Também foram enviados questionários aos pais/responsáveis dos estudantes, num total de 1422 2 O questionário para os pais/responsáveis continha apenas itens referentes ao perfil socioeconômico e cultural das famílias do IFNMG - Janaúba. Assim, ele foi aplicado também, já no segundo ano da pesquisa de campo, à turma ingressante em 2020 - embora essa turma não estivesse participando da pesquisa sobre a escolha propriamente dita, a qual contemplou as turmas de 2017 a 2019-, para apreender melhor as tendências relativas a esse perfil. , dos quais 114 foram respondidos. Além disso, para aprofundar a compreensão sobre o processo de escolha, foram realizados grupos focais com os alunos das turmas de 2017 e 2019 que se dispuseram a participar dessa etapa da pesquisa. Ao todo, foram realizados cinco grupos, com um total de 31 estudantes, organizados a partir dos critérios: ano de ingresso no IFNMG e escolaridade dos pais. Com relação a essa última, foram considerados três níveis: ensino fundamental incompleto ou completo; ensino médio completo; ensino superior completo3 3 Para cada nível de escolaridade foram realizados dois grupos focais (turma de 2017 e turma de 2019), com exceção do grupo de pais com ensino fundamental (grupo somente da turma de 2017), porque não houve ingressantes em 2019, dispostos a participar da pesquisa, que tivessem famílias com esse nível de escolaridade. . Também foram realizadas entrevistas individuais com um(a) estudante de cada grupo focal e com suas mães4 4 Solicitamos aos alunos o contato de um dos responsáveis para entrevistar e todos indicaram a figura materna. , totalizando dez entrevistas.

O presente texto será sistematizado em quatro seções. Considerando essa introdução como a primeira, na segunda seção apresentaremos uma breve síntese da discussão sociológica sobre o processo de escolha da escola, enfatizando a presença da obra de Bourdieu como referencial para tal discussão. Na terceira seção, analisaremos alguns resultados da pesquisa, buscando interpretá-los à luz da teoria bourdieusiana; em um primeiro momento, tomando aspectos mais gerais da teoria e, em seguida, focalizando mais especificamente a discussão do capital cultural. Na quarta e última seção, teceremos as considerações finais.

Os estudos sobre escolha da escola e seu diálogo com a obra de Pierre Bourdieu

Desde as décadas finais do século XX, a complexificação e a diferenciação das redes escolares - resultando na ampliação da possibilidade de escolha pelos usuários -, bem como a crescente preocupação dos pais ou responsáveis com o processo de escolarização de seus filhos fizeram com que a escolha da escola ganhasse centralidade na vida de muitas famílias (NOGUEIRA, 1998NOGUEIRA, Maria Alice. A escolha do estabelecimento de ensino pelas famílias - A ação discreta da riqueza cultural. Revista Brasileira de Educação, v. 1, n. 7, p. 42-56, 1998. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n07/n07a04.pdf. Acesso em: 02 jul. 2022.
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; 2005). No âmbito de uma reorientação teórica no campo da Sociologia da Educação - que deslocou o olhar das macroestruturas para o nível microssocial -, essa escolha passou a ser objeto de pesquisas em várias partes do mundo.

A obra de Pierre Bourdieu constitui uma referência fundamental para tais pesquisas. Embora tenha abordado, em alguns de seus trabalhos, a escolha do estabelecimento de ensino como parte das estratégias de reprodução social de famílias mais favorecidas (BOURDIEU e SAINT MARTIN, 1978BOURDIEU, Pierre; SAINT-MARTIN, Monique. Le patronat. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 20-21, 1978, p. 3-82. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1978_num_20_1_2592. Acesso em: 02 jan. 2022.
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; BOURDIEU, 1989; 1996), Bourdieu não tomou essa escolha, em si, como objeto de análise específica. No entanto, suas teorizações sobre o papel dos diferentes capitais (econômico, cultural, social, simbólico) na reprodução das desigualdades escolares e sociais - com destaque para o capital cultural - têm sido basilares para os estudos sobre a escolha do estabelecimento de ensino, desde os trabalhos “pioneiros” até os mais recentes. Conforme esses estudos, quanto maior o capital cultural, maior a predisposição da família a realizar uma escolha cuidadosa, informada e estratégica da escola para os filhos (NOGUEIRA, 1998NOGUEIRA, Maria Alice. A escolha do estabelecimento de ensino pelas famílias - A ação discreta da riqueza cultural. Revista Brasileira de Educação, v. 1, n. 7, p. 42-56, 1998. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n07/n07a04.pdf. Acesso em: 02 jul. 2022.
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) - destacando-se, então, o papel do que ficou conhecido como capital informacional da família, o qual seria um dos componentes do capital cultural.

No texto “A escola conservadora”, publicado originalmente em 1966, Bourdieu já afirma que uma das partes mais rentáveis do capital cultural na vida escolar é constituída pelo “capital de informações” sobre o mundo escolar e sobre as trajetórias possíveis dentro dele (BOURDIEU, 1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64., p. 45). Segundo o sociólogo, muitas famílias, mesmo tendo escolas de maior prestígio (como os liceus, no caso do ensino secundário francês) no entorno de sua moradia, não as conhecem e matriculam seus filhos em estabelecimentos de menor reputação. Ele afirma que “O liceu não faz parte do universo concreto das famílias populares” (BOURDIEU, 1998a, p. 45) e somente o sucesso excepcional dos filhos, aliado a conselhos do professor ou de outros membros da família, faria essas famílias cogitarem enviar para lá os seus jovens. Bem mais tarde, no capítulo “O novo capital”, publicado no livro “Razões práticas” (original de 1994), abordando a questão do modo de reprodução mediado pela escola - densamente tratado em “La noblesse d´etat” (BOURDIEU, 1989) -, o autor afirma os benefícios do capital informacional na trajetória escolar:

[...] aqueles que podem se beneficiar, através da família, [...] ou de suas relações, de uma informação sobre os circuitos de formação e seu rendimento diferenciado [...] podem alocar melhor seus investimentos escolares e obter melhor lucro de seu capital cultural. Essa é uma das mediações através das quais o sucesso escolar - e social - se vincula à origem social (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, Pierre. O novo capital. In: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Ed. Papirus, 1996., p. 42).

Nas pesquisas a respeito da escolha do estabelecimento de ensino, essas teorizações de Bourdieu têm sido confirmadas. As pesquisas de Ball, Gewirtz e Bowe (1994BALL, Stephen; GEWIRTZ, Sharon; BOWE, Richard. School choice, social class and distinction: the realisation of social advantage in education. Londres: Centre for Educacional Studies. King’s College. Relatório de pesquisa, mimeo, 1994.; 1995), realizadas em Londres à luz da teoria bourdieusiana, constituem um exemplo disso. Os autores evidenciam como diferentes grupos sociais orientam-se em relação à escolha da escolha dos filhos e o modo como essa escolha varia de acordo com o meio social de origem. Para um grupo de pais mais favorecidos do ponto de vista socioeconômico e cultural - os privileged/skilled choosers” (“escolhedores privilegiados/capacitados”) -, a escolha da escola é algo central em suas vidas e baseia-se no ajustamento entre as características das instituições e as dos seus filhos. Tais famílias dispõem de um conjunto de informações sobre o sistema de ensino (conhecimento das políticas educacionais, da prática pedagógica, do corpo docente, das diferenças entre estabelecimentos escolares) a partir das quais analisam os resultados acadêmicos produzidos pelos estabelecimentos, o clima e a clientela escolar. Os autores também chamam a atenção para a rede de relacionamentos da família, ou seja, o capital social, como denominado por Bourdieu (1998d), que influi diretamente nesse processo de tomada de decisão. Já para os “semi-skilled choosers” (“escolhedores semi-capacitados”), apesar da inclinação à escolha, a falta de conhecimento suficiente sobre os sistemas de ensino os impede de realizá-la por conta própria. Desse modo, para fazê-lo, baseiam-se na opinião de terceiros e na reputação das escolas. E para um último grupo, com menor nível de instrução - os “disconnected chooser” (“escolhedores desconectados”) -, a escolha da escola não se configura como algo central em suas vidas. Em um contexto marcado por necessidades econômicas e sociais prementes e pelo desconhecimento do sistema de ensino, essa decisão é baseada em critérios objetivos como a distância entre a casa e a escola e a segurança, por exemplo.

Na França, as pesquisas de, dentre outros, Héran (1996HÉRAN, François. École publique, école privée: qui peut choisir? Économie et Statistique, n. 293, 3, p.5-9, 1996. Disponível em: https://www.persee.fr/docAsPDF/estat_0336-1454_1996_num_293_1_6046.pdf . Acesso em: 02 jan. 2018.
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) e Ballion (1982BALLION, Robert. Less consommateurs d’école. Paris: Ed. Stock, 1982.), tal como os estudos ingleses, também apontam o papel crucial do capital cultural na escolha da escola, sobretudo do capital de informações sobre o sistema escolar. Segundo resultados de pesquisa realizada por Héran (1996), a posse de informações sobre o sistema de ensino permite às famílias realizarem uma escolha mais “ativa”, muitas vezes recusando o estabelecimento público designado pela lei de setorização francesa.

Ballion (1982BALLION, Robert. Less consommateurs d’école. Paris: Ed. Stock, 1982.) - embora alinhado à corrente do individualismo metodológico, afastando-se da perspectiva bourdieusiana ao analisar a escolha da escola como uma ação planejada e consciente, fruto de um cálculo racional baseado na análise de custos e benefícios - converge com os demais no que tange à importância da condição sociocultural das famílias no processo de escolha. O autor também chama a atenção para o papel dos pais-professores na escolha da escola, considerando o conhecimento de que dispõem do sistema de ensino.

Nos trabalhos mais contemporâneos, o papel dos capitais familiares também se destaca na análise da escolha do estabelecimento escolar, confirmando a atualidade das formulações de Bourdieu. Os estudos de Van Zanten (2009), por exemplo, ao mesmo tempo que colocam em destaque aspectos como os processos de segregação escolar e o “efeito do lugar” onde se localiza a escola e onde moram as famílias, tomam os capitais econômico, cultural e social como elementos fundamentais nas análises. Nas pesquisas realizadas por Oliveira (2005) - com famílias de uma elite econômica intelectualizada - e por Pinto (2009PINTO, Juliana da Silva. A escolha de escolas Waldorf por famílias das camadas médias, Belo Horizonte,2009. 126f. Dissertação ( Mestrado em Educação) Programa de Pós Graduação - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/FAEC-83UK69. Acesso em: 02 jul. 2022.
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) - com frações “superiores” das camadas médias -, as autoras identificaram que a escolha da escola foi realizada considerando o conhecimento que os pais dispunham do mercado escolar, focalizando-se a rede privada em ambas as investigações. Os capitais familiares permitiram, no caso, orientar as escolhas, por exemplo, pela proposta pedagógica da escola (OLIVEIRA, 2005), pela adequação do currículo às características dos filhos, bem como pelo ensino de valores e princípios valorizados pelos pais (PINTO, 2009PINTO, Juliana da Silva. A escolha de escolas Waldorf por famílias das camadas médias, Belo Horizonte,2009. 126f. Dissertação ( Mestrado em Educação) Programa de Pós Graduação - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/FAEC-83UK69. Acesso em: 02 jul. 2022.
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). Outras pesquisas mais recentes também têm constatado que, mesmo entre setores menos favorecidos da população, realizam-se processos ativos de escolha do estabelecimento de ensino; porém, a capacidade de escolha varia entre os grupos, conforme os diferentes capitais e, especialmente, o capital informacional das famílias (ALVES, 2010ALVES, Fátima. Escolhas Familiares, Estratificação Educacional e Desempenho Escolar: Quais as Relações? Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 447- 468, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/nhhCKqXgjWtHnTL4Xyjn6Fw/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 02 jan. 2018.
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; NOGUEIRA; RESENDE; VIANA, 2015NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; RESENDE, Tânia de Freitas; VIANA, Maria José Braga. Escolha do estabelecimento de ensino, mobilização familiar e desempenho escolar. Revista Brasileira de Educação, v. 20, n. 62, p. 749-772, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/6Mjc3v7xvpmLTHLgGmDfz5p/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 30 jul. 2017.
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).

Em síntese, segundo a literatura do campo, a escolha do estabelecimento de ensino possui um caráter social e, por conseguinte, depende de diversas variáveis objetivas e subjetivas (RESENDE; NOGUEIRA; NOGUEIRA; 2011RESENDE, Tânia de Freitas; NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. Escolha do estabelecimento de ensino e perfis familiares: uma faceta a mais das desigualdades escolares. Educ. Soc., Campinas, v. 32, n. 117, p. 953-970, , 2011. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87321425003. Acesso 02. jul. 2022.
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). Entre elas, destacam-se: as possibilidades de escolha de cada grupo social, considerando a estrutura de oportunidades educacionais “disponíveis” e os custos diretos e indiretos (mensalidades, transporte, tempo investido etc.); os critérios levados em consideração pelas diferentes famílias (a distância da escola, a proposta pedagógica/qualidade do ensino, a clientela escolar etc.); a importância dada à escolarização, associada às expectativas dos alunos e pais; e o tipo e volume de capitais familiares.

Considerando todas essas questões é que nos propusemos a analisar como essa escolha se processa na vida de jovens estudantes, que ingressaram em uma instituição de ensino médio federal, localizada no interior de Minas Gerais, na cidade de Janaúba.

A escolha do IFNMG pelos jovens e suas famílias: uma discussão a partir da perspectiva bourdieusiana

Uma escolha atrativa especialmente para os estratos médios da população

O Instituto Federal de Minas Gerais (IFNMG) é uma instituição pública federal de educação superior, básica e profissional, que conta atualmente com 11 campi, dentre eles o de Janaúba. Nessa cidade, ele compõe a estrutura de oportunidades educacionais para o ensino médio, juntamente com mais nove escolas públicas estaduais e três escolas privadas.

Nos anos de 2018 e 2019, o Instituto ficou classificado em primeiro lugar no ranking de desempenho do Exame Nacional do Ensino médio (ENEM) entre as escolas públicas da cidade e como segundo colocado no conjunto de todas as escolas de ensino médio do município. Assim - tal como os demais Institutos Federais de ensino brasileiros, de modo geral -, trata-se de uma escola pública reputada socialmente como uma instituição de excelência.

Além dos resultados em processos avaliativos, essa reputação advém, também, de condições diferenciadas face a outras escolas públicas, como alto nível de titulação dos professores (no IFNMG, 86% são mestres ou doutores, segundo levantamentos internos do próprio Instituto), carreiras docentes diferenciadas, boa infraestrutura e recursos de ensino adequados (como laboratórios, equipamentos). Outro fator crucial para compreender o desempenho destacado dos Institutos Federais é a forma de recrutamento de estudantes. Diferentemente do que ocorre nas escolas estaduais e municipais, os candidatos a ingressar na maioria dos Institutos Federais de Educação precisam passar por um exame de seleção. No caso do IFNMG, o ingresso no ensino médio integrado ao técnico depende da aprovação em uma prova objetiva, com questões de português, matemática, ciências humanas e ciências naturais. Nesse sentido, sobressaem os alunos com melhores desempenhos, o que intensifica a seleção social e legitima a hierarquia escolar, como afirmam Bourdieu e Passeron (2008BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008.). Esse tipo de seleção privilegia os mais favorecidos socialmente (MENDES, 2015MENDES, Izabel Alves Macedo. O perfil do aluno do IFNMG Campus Januária em perspectiva sociológica. Santa Catarina, 2015. 145f. Dissertação ( Mestrado em Sociologia Política) Programa de Pós Graduação - Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/160654. Acesso em: 02 jul. 2022.
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) e aqueles com boa formação no ensino fundamental (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Nilza Helena de. Instituições Federais de Educação Tecnológica: estabelecimentos escolares de referência no Ensino Médio brasileiro - o caso do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. 390f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós Graduação em Educação - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/FAEC-842P5D. Acesso em: 02 jul. 2022.
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), de modo que parte do desempenho da escola precisa ser atribuído não (apenas) a um efeito do estabelecimento em si, mas à “qualidade escolar e social de seu público” (DUBET, 2004DUBET, Françóis. Onde estariam as promessas de mudanças no sistema escolar? Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v. 10, n. 59, p. 49-52, 2004., p. 50). Como discute Arco Netto (2011ARCO NETTO, Nicolau Dela Bandera. Os nerds e o prodígio: a produção do sucesso escolar na Escola Técnica Federal de São Paulo. Anais da 34ª Reunião Anual da ANPED, Natal, 2011.), em relação à Escola Técnica Federal de São Paulo, um público altamente selecionado na entrada é mais suscetível à ação pedagógica da instituição que já é, inicialmente, diferenciada das demais escolas públicas.

Contudo, não podemos afirmar, também, que nesta instituição não ingressem alunos menos favorecidos do ponto de vista socioeconômico, uma vez que, desde o ano de 2012, vigora a política de cotas instituída pela Lei nº. 12.711/2012 (BRASIL, 2012). Em conformidade com essa lei, 50% das vagas do processo seletivo do IFNMG são destinadas aos alunos que cursaram integralmente o ensino fundamental na rede pública, havendo ainda, dentro dessa porcentagem, reserva para aqueles de menor poder aquisitivo, além de negros e indígenas.

Os aspectos distintivos dos Institutos Federais atraem a atenção de diferentes segmentos da população, que vêm neles buscar o acesso a uma formação de melhor qualidade. E com vistas não a um ensino de caráter terminal e ingresso no mercado de trabalho, mas sim visando a um melhor preparo para o ingresso em universidades públicas.

Os resultados dos questionários respondidos pelos estudantes do IFNMG, num total de 97, apontam exatamente nessa direção. A grande motivação apontada pelos jovens para a escolha dessa escola está relacionada ao ensino superior. Ao serem indagados sobre o grau de importância dos fatores que levaram à opção pelo Instituto Federal, os mais recorrentemente indicados como decisivos ou importantes para essa escolha foram: a boa reputação da escola/qualidade do ensino (assinalada por 95 dos respondentes) e a boa chance de aprovação no vestibular/ENEM (94). A opção “ingressar pelas cotas em uma universidade pública” foi considerada como decisiva ou importante por 75 dos 97 respondentes. Quando questionados se realizariam o curso técnico em que estavam matriculados caso esse fosse desvinculado do ensino médio, apenas 28 responderam que sim. No tocante aos planos para o futuro, a maioria (93) dos estudantes respondeu que ao concluir o ensino médio pretendia realizar um curso superior. Com base nessas respostas, é possível afirmar que a “qualidade de ensino”, que possibilitaria a continuidade da escolarização, é o principal indicador a ser levado em conta no discurso dos sujeitos, quando chamados a justificar sua opção.

Além disso, a pesquisa também mostrou que, à medida que o IFNMG se tornou mais conhecido na cidade, a concorrência pelas vagas aumentou (passando, no caso do curso CTII, de 5,95 candidatos por vaga no ano de 2016 para 9,82 no ano de 2019), com consequente aumento da nota mínima para aprovação no processo seletivo (ampla concorrência: de 19, em 2016, para 23, em 2019; e na reserva de vagas / cotas: de 18, em 2016, para 26, em 2019).

Esses dados indicam que, na disputa pelo acesso ao ensino superior na cidade de Janaúba, uma vaga no Instituto - considerando a combinação singular de qualidade diferencial, gratuidade e ainda a possibilidade de acesso ao ensino superior público por meio das cotas - configura-se como um “bem raro”, objeto de competição mais acirrada do que as vagas nas demais escolas públicas. No entanto, isso não significa que a aspiração a essa vaga seja igualmente distribuída entre todos os grupos sociais da cidade. Em termos bourdieusianos, pode-se afirmar que tanto a existência da aspiração quanto as estratégias para obter a vaga pretendida são tributárias da estrutura de capitais familiares.

Nesse sentido, vale analisar o perfil social e econômico do alunado do Instituto Federal. Os dados obtidos por meio dos questionários mostraram que a maior parte dos alunos é parda ou preta, iniciou ensino médio em idade regular (14 ou 15 anos), possui trajetória escolar linear, pais com, no mínimo, ensino médio completo e renda familiar de até três salários mínimos. Ademais, são, em sua maioria, oriundos da rede pública de ensino, “estudantes em tempo integral” (ROMANELLI, 2003ROMANELLI, Geraldo. Famílias de camadas médias e escolarização superior dos filhos: o estudante-trabalhador. In: NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir. Família & Escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 99-123.), provenientes de famílias nucleares, cujos pais apresentam ocupações qualificadas, e que dispõem de acesso a um conjunto variado de benefícios, como casa própria, computador/notebook, acesso à internet, veículos automotores, entre outros.

Considerando o contexto socioeconômico de Janaúba - município que, como mencionado, localiza-se na região do semiárido brasileiro, marcada por elevados índices de pobreza -, é possível afirmar que esse perfil do corpo discente do IFNMG o situa entre os estratos médios da população da cidade. Em uma região caracterizada pela baixa renda, as famílias usuárias do Instituto, embora não pertençam às elites, dispõem de algumas vantagens relativas, na comparação com a maioria da população, especialmente no campo da escolaridade5 5 Encontram-se, entre as 114 famílias do IFNMG que responderam aos questionários da pesquisa, aproximadamente 40% de mães e 25% de pais com ensino superior completo, 44% de mães e 29% de pais com ensino médio completo. Em 2010, segundo o Atlas de Desenvolvimento Social, os índices para os respectivos níveis de ensino na população de Janaúba eram de apenas 8,3% para o ensino superior e 20,4% para o ensino médio. .

Esse perfil mediano em termos sociais também encontra explicação na teoria de Pierre Bourdieu. Segundo o autor, a relação que se tem com a escolarização vincula-se, assim como toda a esfera das práticas, ao grupo social de pertencimento. Ou, em outras palavras, a maneira de se relacionar com a escola pode, conforme Bourdieu, ser compreendida, de modo geral, a partir da origem social dos estudantes e suas famílias, ressalvadas as exceções que, para o sociólogo francês, contribuem para confirmar a regra. E são as camadas médias e suas frações que, de acordo com a teoria bourdieusiana, mais investiriam na educação escolar, uma vez que a possibilidade de ascensão social para esses grupos estaria localizada quase exclusivamente na escola (NOGUEIRA, 1991NOGUEIRA, Maria Alice. Trajetórias escolares, estratégias culturais e classes sociais. Notas em vista da construção de um objeto de pesquisa. Teoria & Educação, v. 3, n. 3, p. 89- 112, 1991.). Diferentemente, tanto as camadas populares quanto as mais altas tenderiam a investimentos mais moderados na escola. Para as primeiras, a escolarização representaria um investimento muito oneroso e de retorno incerto, dadas suas condições materiais de existência. Já as elites não dependeriam da escola para a manutenção de sua posição social6 6 Evidentemente, essa forma generalizada de apresentar a relação dos grupos sociais com a escolarização não faz jus às muitas nuances que existem entre as formas descritas por Bourdieu e que nos parecem referentes a pólos de um contínuo, que precisa ser matizado. Nesse sentido, importante lembrar os trabalhos sobre escolarização em meios populares e sobre a escolarização das elites, que se debruçam justamente sobre esses matizes do contínuo. .

Nesse sentido, o fato de o corpo discente do IFNMG ser composto majoritariamente pelos estratos médios, considerando-se o conjunto da população do município de Janaúba, encontra na obra de Bourdieu uma explicação bastante clara. Sendo essa uma instituição considerada de qualidade diferencial, ela atrai as famílias cuja possibilidade de mobilidade social é fornecida, grandemente, pela escola.

Relacionada a isso também está a explicação da baixa presença, no Instituto, de estudantes de estratos inferiores das camadas populares. De acordo com Bourdieu (1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.), as aspirações e exigências dos grupos menos favorecidos tendem a ser limitadas pelas condições objetivas, “que excluem a possibilidade de desejar o impossível”, levando-os a considerar, em relação a escolas e cursos de maior prestígio: “isso não é para nós” (p. 47). Essa seria uma “expressão da necessidade interiorizada” que exprimiria “ao mesmo tempo uma impossibilidade e interdição” (BOURDIEU, 1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.), indicando a existência do que o autor chama de “causalidade do provável”, ou seja, uma relação de causalidade entre as chances objetivamente existentes de acesso a esse tipo de oportunidade educacional e as expectativas subjetivas em relação a ela.

Isso significa que, para as famílias dos estratos inferiores das camadas populares em Janaúba, o ensino superior e o próprio Instituto Federal provavelmente não constituam uma aspiração. Os jovens desses estratos que chegam a cursar o ensino médio no IFNMG configuram, nos termos de Bourdieu (1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.), casos de “superseleção”, em que muitos obstáculos tiveram de ser superados, em uma seleção desigualmente severa ao longo das trajetórias. Um exemplo é o de Maria7 7 Todos os nomes dos sujeitos, neste trabalho, são fictícios, considerando a necessidade de resguardar o seu anonimato, conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por eles assinado. Cabe também ressaltar que este artigo é derivado de uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e, por conseguinte, atende aos preceitos éticos da pesquisa científica conforme previsto nas Resoluções 510/2016 e 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentam a pesquisa com seres humanos no Brasil. , aluna da turma ingressante em 2017, autodeclarada preta, proveniente de família monoparental feminina, cuja mãe, sem emprego estável, ora realizava trabalhos como diarista/doméstica, ora como trabalhadora rural, para sustentar os quatro filhos. A família sempre passou por muitas dificuldades de ordem econômica e, inclusive, por privação alimentar. A escolha pelo IFNMG - instituição até então desconhecida pela família - foi influenciada por um amigo de Maria, que participava junto com ela de um projeto social e que lhe falou sobre essa escola. Estudante de desempenho destacado no ensino fundamental, Maria conseguiu a aprovação no processo seletivo para o acesso ao Instituto. Contudo, diferente da maioria dos ingressantes na instituição que, como vimos, almejava a continuidade dos estudos por meio da aprovação no vestibular, ela não tinha esse tipo de expectativa. Suas condições objetivas de vida não lhe permitiam sonhar com o ingresso no ensino superior. A necessidade de subsistência impôs-lhe a exigência do trabalho desde a infância (como babá e vendedora ambulante) e era o trabalho que estava no seu horizonte de possibilidades. Nas palavras da própria Maria: “Antes a gente não via muita oportunidade pra nós [...] de baixa renda, assim, é só trabalhar mesmo, e arrumar um serviço bom [...], na verdade, de carteira assinada já era bom”.

O depoimento de Maria ilustra as proposições de Bourdieu (1998cBOURDIEU, Pierre. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. (orgs.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 81-126.), segundo as quais os planos formulados para o futuro por uma pessoa são resultados da interiorização das chances possíveis de realização de um determinado objetivo para a média da categoria social à qual ela pertence. No entanto, para o sociólogo, as aspirações regulam-se também por meio de uma “estimativa empírica”, ou seja, com base em dados da realidade vivida. Nessa direção, determinados eventos externos podem modificar a percepção interna de um indivíduo quanto às suas chances de obter determinado bem ou posição, realizando o que o autor denomina de “mediação por situação interposta” (BOURDIEU, 1998cBOURDIEU, Pierre. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. (orgs.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 81-126.). No caso de Maria, parece-nos que o fato de estudar no IFNMG possibilitou essa mediação, fazendo com que ela aspirasse (e realizasse, ainda que com limitações e dificuldades) o improvável para o seu grupo social. Isso porque, algum tempo depois de terminar o ensino médio, Maria ingressou no curso de Psicologia em uma faculdade privada de Janaúba. Embora não se trate de um segmento prestigiado do ensino superior - principalmente considerando que a estudante se matriculou no período noturno, pela necessidade de conciliar estudo e trabalho -, ainda assim representa um importante processo de mobilidade, tendo em vista a origem social da jovem. E, principalmente, leva-nos a pensar que centenas de jovens da mesma cidade, de origem socioeconômica semelhante à dela, não puderam sequer construir a aspiração ao ensino superior.

Uma escolha mediada pelo capital cultural

Se famílias de origem popular, como a de Maria, de modo geral tendem a não formular aspirações em relação ao ensino superior e ao Instituto Federal, é também, conforme afirmamos anteriormente, porque elas, muitas vezes, não possuem informações suficientes a respeito dessas oportunidades educacionais. Em termos bourdieusianos - e confirmando outros estudos sobre escolha do estabelecimento de ensino já aqui citados -, a opção pelo IFNMG guarda estreitas relações com o capital cultural e, dentro dele, com o capital informacional das famílias dos estudantes.

Bourdieu dedicou-se, desde o início de sua obra, à discussão sobre o peso diferenciado dos fatores econômicos e culturais no destino escolar dos indivíduos. Em texto publicado originalmente em 1966, o autor afirma o papel central, para o rendimento escolar, da distribuição desigual do capital cultural entre as classes sociais e as frações de classe. Discutindo os dados obtidos pela demografia francesa à época, ele afirma: “[...] com diploma igual, a renda não exerce nenhuma influência própria sobre o êxito escolar e [...] ao contrário, com renda igual, a proporção de bons alunos varia de maneira significativa segundo o pai não seja diplomado [...]” (BOURDIEU, 1998aBOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64., p. 42).

De modo similar, a caracterização socioeconômica realizada na presente pesquisa mostrou que, na comparação com os rendimentos da população em geral da cidade de Janaúba, a renda das famílias dos alunos do IFNMG não se diferencia sobremaneira. Contudo, no tocante à escolarização dos pais, ocorre algo bastante diverso, na medida em que as famílias dos estudantes do IFNMG apresentaram níveis de escolaridade bem mais elevados do que das demais escolas públicas locais e da maioria da população janaubense. Esses dados apontam para a especificidade do público demandatário desse ensino médio integrado ao técnico e para a atualidade e relevância do conceito de capital cultural de Pierre Bourdieu para compreender a escolha de um estabelecimento de ensino.

Cabe, aqui, uma breve discussão sobre o que se está considerando como capital cultural no cenário de Janaúba. Em seu balanço crítico, Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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) abordam diferentes definições e utilizações do conceito de capital cultural, agrupando-as em dois tipos: definição restrita e definição ampla. O primeiro grupo restringe a noção de capital cultural às obras culturais consideradas legítimas. Já o segundo tipo de definição amplia o conteúdo do conceito, ao considerar as disposições dos indivíduos e as suas relações com os bens de cultura. Os autores afirmam que aqueles que utilizam a definição restrita de capital cultural tendem a questionar seu papel na explicação das desigualdades escolares atuais. Por outro lado, ao nos valer da definição ampla do conceito de capital cultural, esse questionamento perderia sua força. Isso porque, segundo os autores, o capital cultural deve ser compreendido como um processo e não como um atributo dos sujeitos. Eles defendem ser necessário atentar para a dimensão relacional que Bourdieu sempre atribuiu à sua sociologia - conforme também argumenta, por exemplo, Grenfell (2018GRENFELL, Michael. Introdução. In: Grenfell, Michael. Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais. Petropolis: Vozes, 2018.).

De acordo com Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), atualmente, seria mais importante a maneira com a qual cada um se relaciona com determinado objeto cultural do que o objeto em si mesmo. Nesse sentido, os autores afirmam que, muito embora os conteúdos culturais mais rentáveis na escola contemporânea possam ter se alterado, o fato de que há algo mais rentável escolarmente e que beneficia (mais) a alguns do que a outros não se modificou.

Na análise realizada por Davies e Rizk (2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), encontram-se argumentos em direção semelhante. Segundo eles, ao forjar o conceito de capital cultural, Bourdieu se referiu aos elementos da alta cultura tradicional europeia, por ser ela valorizada e recompensada nas escolas francesas. Porém, isso não significa que falar de capital cultural em termos bourdieusianos implique tomar esses mesmos parâmetros, independentemente do contexto. O próprio Bourdieu manifestava essa preocupação, “afirmando que o capital cultural é um conceito relacional, não substantivo” (DAVIES E RIZK, 2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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, p. 347, tradução nossa), sendo necessário levantar, em cada meio em relação ao qual se deseje utilizá-lo, quais são os bens culturais socialmente valorizados.

Segundo Davies e Rizk (2018DAVIES, Scott; RIZK, Jessica. The three generations of cultural capital research: A narrative review. Review of Educational Research, Toronto. v.88, n.3, p. 331-365, 2018. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/0034654317748423. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), alguns autores apontam que o sucesso escolar não depende necessariamente de acesso à alta cultura, pois a escola recompensa hábitos mais corriqueiros como o de trabalho disciplinado e, especialmente, o de leitura. Mantendo, assim, a ênfase em recursos culturais que geram vantagens escolares, a qual está na base da ideia de capital cultural, ampliam-se as possibilidades de recursos a serem considerados.

Essas interpretações mais alargadas e flexíveis do conceito de capital cultural é que nos parecem mais adequadas ao contexto brasileiro de forma geral e, especialmente, a cidades como Janaúba. Nesse sentido, indicar um “maior capital cultural” das famílias dos estudantes do IFNMG, comparativamente à população de Janaúba, não significa dizer que se trata de um grupo com forte acesso à cultura socialmente legitimada, muito menos a uma “alta cultura”. Quanto aos estudantes investigados nesta pesquisa, na maior parte dos casos a quantidade de livros em casa é baixa (quase 60% têm entre um e 20 livros na residência); aproximadamente 63% afirmam nunca ter feito curso de inglês fora da escola; 45% dos estudantes conhecem no máximo dois estados brasileiros e apenas três estudantes (menos de 4%) já foram a outros países. Falar em “maior capital cultural”, em termos relativos para a realidade da cidade, significa, então, fazer referência a vantagens como a maior escolaridade do grupo familiar, o acesso a um capital de informações sobre o sistema de ensino, bem como a alguns hábitos que, associados a famílias mais escolarizadas, podem ser rentáveis na escola, como o hábito de leitura. No questionário respondido pelos estudantes, 94% deles afirmaram ter o hábito de ler outros livros além daqueles prescritos pela escola.

Compreendido dessa forma, voltamos a ressaltar que a pesquisa confirmou a centralidade do capital cultural na construção da escolha da escola e, sobretudo, da escolha mais rentável. Tal centralidade fica clara ao se comparar o processo de escolha nos grupos de estudantes formados conforme a escolaridade dos pais.

O grupo cujas famílias têm baixa escolaridade (pais e mães com ensino fundamental completo ou incompleto, havendo um pai analfabeto) foi formado por sete alunos da turma de 2017. Nele, apenas duas famílias conheciam o IFNMG antes da época da seleção de entrada; as demais não tinham informações anteriores sobre a instituição. Os filhos é que tomam conhecimento desta, às vésperas do processo seletivo, por meio de conhecidos e professores da escola de ensino fundamental frequentada. Nesse sentido, são levados a assumir o protagonismo da escolha. Porém, as expectativas em relação ao Instituto não são claras e essa escolha pode ter alcance limitado, como vimos no caso de Maria: uma escolha realizada pela própria jovem, sem apoio familiar, a qual só foi possível em virtude de uma série de acontecimentos aleatórios, especialmente a indicação da escola por parte de um amigo, o que lhe permitiu conhecer o IFNMG. Vemos, aqui, a imagem da “embarcação ao léu” - usada por Viana (2003VIANA, Maria José Braga. Longevidade escolar em famílias de camadas populares: algumas condições de possibilidade. In: NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (orgs.). Família & Escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 45-60.) para descrever trajetórias de longevidade escolar nos meios populares -, considerando que, em virtude do volume muito baixo de capital informacional da família, a escolha não foi fruto de um projeto deliberado, e sim de uma construção gradativa e “artesanal” (TETZLAFF, 2017TETZLAFF, Iris Maria Bosco. Escolhas ou escolhidos? Estudantes das camadas populares em uma escola de Ensino Médio técnico federal, Ribeirão Preto, 2017. xf. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. .Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59140/tde-19122017-084222/pt-br.php . Acesso em: 02 jul. 2022.
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), realizada a partir das oportunidades que surgiram ao longo do caminho.

Já no grupo de alunos cujas famílias têm escolaridade mediana (composto por doze estudantes, seis da turma de 2017 e seis da ingressante em 2019, cujos pais e mães têm, em sua maioria, ensino médio completo), a quase totalidade das famílias já conhecia o IFNMG antes do processo seletivo (até um ano antes do processo de seleção). Identificamos, nesse grupo, famílias “mobilizadas” em prol do processo de escolarização dos filhos e inclinadas à escolha pela “boa” escola. Carla, por exemplo - aluna da turma ingressante em 2017, autodeclarada branca, proveniente de família nuclear, cujos pais exercem trabalho remunerado (mãe decoradora autônoma e consultora empresarial e pai eletricista concursado) - relatou que, ao saber do processo seletivo para o ingresso no IFNMG, por meio de amigos que estudavam na instituição, fez sua inscrição e comentou com os pais, que buscaram informações sobre a escola imediatamente, realizaram visita para conhecê-la e incentivaram o ingresso da jovem após sua aprovação no processo seletivo.

Em relação ao grupo de alunos em que pelo menos um dos pais tem o ensino superior completo (formado por doze jovens, cinco da turma de 2017 e sete da ingressante em 2019, com pais que desempenham ocupações “qualificadas”, desenvolvendo atividades de nível superior, como professora, administrador de empresa, entre outras), o volume de capital informacional - como seria de se esperar, com base na teoria de Bourdieu - é muito maior. Exemplo disso é que há aqui situações de pais que já conheciam o IFNMG e inclusive o “apresentaram” aos filhos, ao contrário do ocorrido nos demais grupos. Nesse cenário, destaca-se o papel decisivo das famílias no processo de escolha da escola, influenciadas por sua rede de sociabilidade - amigos e parentes cujos filhos estudavam no IFNMG ou já haviam se submetido à seleção. Trata-se, em termos bourdieusianos, do capital social das famílias - também considerado de modo relativo, face à realidade do município de Janaúba - sendo reconvertido em capital cultural. Nesse grupo, a participação dos pais na escolha da escola não se limita ao apoio dado aos filhos. O papel exercido por alguns deles é direto e decisivo, inclusive impositivo, nos casos em que os filhos se opõem à indicação escolar. E, mesmo nos casos - menos numerosos - em que a escolha foi feita pelos estudantes, influenciados por professores do ensino fundamental e por amigos, observa-se a “presença” dos pais, também, na forma de um background de informações e de disposições com o qual esses jovens contam para realizar sua escolha.

Neste último grupo, o processo de escolha diferencia-se dos demais pelo seu caráter mais “estratégico”, sobretudo por parte dos alunos e famílias oriundos da rede privada de ensino. Para essas famílias, estudar no IFNMG representa ter, sem custos, um curso de qualidade equiparada à que poderiam obter no ensino privado, e que ainda oportuniza acessar o ensino superior por meio do sistema de cotas voltadas a estudantes de escolas públicas. No caso de Dayse, por exemplo - aluna da turma ingressante em 2017, que sempre estudara em escolas privadas antes de ir para o IFNMG, autodeclarada branca, proveniente de família nuclear, cuja mãe é professora concursada e o pai comerciante - a escolha da escola foi realizada pela mãe, considerando a qualidade de ensino e a possibilidade de a filha ingressar no ensino superior por meio das cotas. A aluna afirmou, na entrevista individual, que sua mãe “pensou muito”, levando em conta o fato de a filha ser branca e vir de escolas particulares. Segundo Dayse, narrando a conclusão da mãe: “[...] se eu fosse de escola pública, eu teria um pouco mais de facilidade. [...] quando eu fosse pra faculdade eu poderia entrar nesse tipo de cota também”. Cabe destacar que a escolha foi precedida de uma avaliação sobre a capacidade de a instituição preparar para o vestibular, “medida” por meio do seu desempenho no ENEM. E foi também realizada aquilatando o desempenho da própria filha, que, no cálculo da mãe, não era bom o suficiente para prescindir das cotas, como explicita Dayse: “E, por conta mais das minhas notas que não eram tão maravilhosas. Mesmo sendo boas, elas não eram aquelas notas que poderiam ser passadas direto”. Trata-se, como se vê, de uma família que, tendo alto capital informacional sobre o sistema de ensino, consegue “jogar” com suas regras, o que pode ser também atribuído à inserção ocupacional da mãe, que é professora. Como aponta Nogueira (2013NOGUEIRA, Marlice de Oliveira. Efeito pai professor: o impacto da profissão docente na vida escolar dos filhos. Revista Brasileira de Educação, v. 18, n.52, p. 65-79, mar. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/nzQxczMG6zWkLjPTkxzfsfx/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 mai. 2020.
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), os pais professores são uma espécie de “pais profissionais”, pois dispõem de “trunfos” decorrentes da profissão, capazes de rentabilizar o percurso educacional dos filhos, considerando, especialmente, o conhecimento que dispõem do sistema educacional.

Considerações finais

Passados mais de 50 anos desde as formulações iniciais da teoria de Bourdieu no contexto francês, muitos questionam se, diante das transformações econômicas, sociais e culturais ocorridas desde então, a relevância de seus contributos se mantém. Ainda se pode afirmar que a dimensão cultural da posição social é central para o desempenho escolar? O conceito de capital cultural conserva hoje sua atualidade e relevância? Em que termos?

Este texto se ocupou de uma aplicação específica do conceito de capital cultural e das teorizações de Bourdieu de modo geral: a compreensão do processo de escolha da escola. Considerando a dimensão processual e, sobretudo, relacional do conceito de capital cultural, discutimos como ele pode contribuir para compreender as condições em que se realiza - e os significados que assume para diferentes grupos de famílias - o processo de escolha de uma escola de ensino médio integrado ao técnico, do interior de Minas Gerais. Mostramos que os estudantes do IFNMG e suas famílias possuem níveis de escolaridade bastante elevados em relação à população local. Fato que não ocorreu no tocante à renda familiar. Ou seja, podemos inferir que para estudar nessa escola é preciso ter pais com escolaridade superior à da população janaubense em geral (o que não necessariamente significa ter escolaridade de nível superior). Ou ainda, em termos bourdieusianos, é preciso ter capital cultural, considerado de modo relacional no contexto específico.

Além disso, a pesquisa realizada também mostrou que, no processo de escolha do IFNMG, o capital informacional familiar desempenhou importante papel. Não obstante jovens provenientes de meios populares com pouco ou nenhum desse capital também estejam estudando nessa escola, para aqueles casos em que havia elevado capital informacional a escolha foi mais estratégica. Com base nos resultados da investigação que apresentamos aqui, seria possível afirmar que estudantes de estratos inferiores de camadas populares que frequentam o IFNMG chegaram ali de modo relativamente aleatório, enquanto para os jovens de camadas médias a escolha foi intencional e bastante orientada. Embora fuja ao escopo do estudo realizado, pode-se supor que esses distintos processos de escolha tenham implicações também diferenciadas nas trajetórias escolares.

Esses resultados indicam ainda que, muito embora não estejamos nos referindo a uma “alta cultura” quando mencionamos o capital cultural de algumas famílias de estudantes do IFNMG, é notório que algumas informações e conhecimentos beneficiaram mais a uns do que a outros no processo de escolha dessa escola. Isso vai na direção da adoção de uma definição mais ampla do conceito de capital cultural que, segundo Draelants e Ballatore (2014DRAELANTS, Huges; BALLATORE, Magali. Capital culturel et reproduction scolaire. Un bilan critique. Revue française de pédagogie. n. 186, 2014. Disponível em: http://journals.openedition.org/rfp/4430. Acesso em: 02 jan. 2018.
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), é mais adequada para nos valer da obra de Bourdieu no contexto atual.

Nesse sentido, os resultados da pesquisa objeto de discussão do presente trabalho indicaram que o conceito de capital cultural é válido para se compreender o processo de escolha de estabelecimento de ensino, mesmo quando este se encontra tão distante histórica, social e culturalmente do contexto em que o autor formulou esse conceito. E que as teorizações de Bourdieu continuam oferecendo relevantes instrumentos conceituais para a compreensão das realidades educacionais - ainda que, evidentemente, seus postulados precisem ser considerados a partir de cada realidade específica, como defendido pelo próprio autor.

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1590/S0104-44782002000200007
  • 1
    Esta pesquisa é fruto de um estudo de Doutorado que contou com o apoio financeiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG), na forma de bolsa de Doutorado para a primeira autora.
  • 2
    O questionário para os pais/responsáveis continha apenas itens referentes ao perfil socioeconômico e cultural das famílias do IFNMG - Janaúba. Assim, ele foi aplicado também, já no segundo ano da pesquisa de campo, à turma ingressante em 2020 - embora essa turma não estivesse participando da pesquisa sobre a escolha propriamente dita, a qual contemplou as turmas de 2017 a 2019-, para apreender melhor as tendências relativas a esse perfil.
  • 3
    Para cada nível de escolaridade foram realizados dois grupos focais (turma de 2017 e turma de 2019), com exceção do grupo de pais com ensino fundamental (grupo somente da turma de 2017), porque não houve ingressantes em 2019, dispostos a participar da pesquisa, que tivessem famílias com esse nível de escolaridade.
  • 4
    Solicitamos aos alunos o contato de um dos responsáveis para entrevistar e todos indicaram a figura materna.
  • 5
    Encontram-se, entre as 114 famílias do IFNMG que responderam aos questionários da pesquisa, aproximadamente 40% de mães e 25% de pais com ensino superior completo, 44% de mães e 29% de pais com ensino médio completo. Em 2010, segundo o Atlas de Desenvolvimento Social, os índices para os respectivos níveis de ensino na população de Janaúba eram de apenas 8,3% para o ensino superior e 20,4% para o ensino médio.
  • 6
    Evidentemente, essa forma generalizada de apresentar a relação dos grupos sociais com a escolarização não faz jus às muitas nuances que existem entre as formas descritas por Bourdieu e que nos parecem referentes a pólos de um contínuo, que precisa ser matizado. Nesse sentido, importante lembrar os trabalhos sobre escolarização em meios populares e sobre a escolarização das elites, que se debruçam justamente sobre esses matizes do contínuo.
  • 7
    Todos os nomes dos sujeitos, neste trabalho, são fictícios, considerando a necessidade de resguardar o seu anonimato, conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por eles assinado. Cabe também ressaltar que este artigo é derivado de uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e, por conseguinte, atende aos preceitos éticos da pesquisa científica conforme previsto nas Resoluções 510/2016 e 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentam a pesquisa com seres humanos no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2022
  • Aceito
    28 Ago 2022
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