ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA
Pensar o texto: subsídios para a reformulação dos conteúdos e da metodologia do ensino de língua portuguesa no 2º grau
Solange Torres Bittencourt
Mestra em Educação pela UFPR, Professora - Assistente do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação da UFPR
1 - INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA
Deve-se ensinar a língua materna, na escola, por meio de regras (gramática da frase) - ou por meio de textos Gramática do Texto e/ou de uma Lingüística Textual)?
Via de regra, quando se fala sobre o ensino da língua, especialmente a materna, tem-se em mente o ensino da gramática.
O modo pelo qual se faz o ensino da língua nas escolas do mundo ocidental é idêntico e catastrófico: significa torturar o aluno com regras gramaticais - e, ou, atualmente, aboli-las totalmente, transformando-se este ensino em algo completamente inócuo.
O que não se pode, entretanto, é negar a utilidade das regras para o gramático, para o estudioso, para o professor, para o usuário (que faz uso delas até inconscientemente), para um aluno que necessite descobrir os mecanismos da língua e da linguagem, não apenas como sistema e instrumento de compreensão e comunicação, mas como fonte de fruição, de prazer.
Em nosso estudo não faremos um caminho históricosistemático sobre a evolução da gramática e o nascimento da ciência da linguagem (Lingüística) - apenas tocaremos parcialmente sobre fatos que auxiliem no esclarecimento de pontos obscuros, dando saltos cronológicos, tentando explicar o problema do texto e da sua gramática.
1.1 - O ensino da língua deve ter bases gramaticais* * WUNDERLICH, D. (1968). Pragmatik, Sprechsituation, Deixis. Linguistik, 9, Univ. Stuttgart Citado por MARCUSCHI, L.A. in: Lingüística do Texto: o que é e como se faz. Série Debates. Recife, 1983. p. 25. ou textuais?** ** OOMEN, Úrsula, citado por Marcuschi, p. 27-28.
Quando se fala em "bases gramaticais", em geral se pode traduzir a referência como gramática tradicional, isto quer dizer, um ensino voltado para a descrição de taxionomias e nomenclaturas supostamente lógicas, porque herdadas da tradição greco-latina. Essa tradição, ao mesmo tempo que focaliza os aspectos de conservação e transmissão culturais, cristaliza aspectos considerados intocáveis e dogmáticos. Impediu, mesmo, a evolução e o tratamento científico do objeto "língua".
Inúmeras pesquisas' têm constatado historicamente casuísmos pedagógicos no ensino da língua. Malgrado os ditos casuísmos e ortodoxias gramaticais terem tido seu lugar sagrado e ritualisticamente conservado pelas escolas, vão, aos poucos, sendo discutidos e dissecados por estudiosos que ousam duvidar dos dogmas intocáveis da língua. Alguns poucos exemplos são suficientes para tal revelação: a "análise lógica2 - assunto para milhares de horas-aula - não tem muito ou quase nada em comum com a lógica; a língua como o espelho do pensamento reduz o ato de pensar e o de falar a um modelo fechado e convergente, quando, na realidade, os atos de pensar e falar são abertos, divergentes, criadores e evidentemente tão complexos que apenas uma mínima parte deles é o objeto do nosso estudo: o texto escrito.
Por que então se preocupar com o fato de ensinar a língua, ou melhor dizendo, de aprender a língua no sentido de linguagem, do seu uso, de suas significações em bases de uma gramática tradicional e/ou textual? Qual a diferença?
As respostas mereceriam estudos diferenciados, sistemáticos, profundos e longos; no entanto, restringiremos nossos limites aos conceitos de Texto e Discurso.
Dando um enorme salto no tempo, podemos constatar que o estado atual das gramáticas escolares - herdeiras das tradicionais gramáticas descritivas, hoje não se classificam nem como "pedagógicas", nem como "científicas" - é caótico, e para ilustrar, vejamos o que diz PEYTARD e GÉNOUVRIER3 a respeito da terminologia oficial NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira). Diz ele que a terminologia oficial tem provocado não apenas dúvida, mas confusão, porquanto quem aprende, isto é, o aluno, se defronta com explicações que ora se referem ao sentido (para explicar o substantivo, o objeto), ora à forma (para explicar as preposições e conjunções, função e sintática).
Desse modo, nossos alunos devem dar conta de um modelo de categorias que não dominam e, para tal, transformam-se em verdadeiros "arúspices" na decifração dessa terminologia.
Essa gramática, portanto, reduz a língua portuguesa aos modelos da língua latina; tenta evidenciar as relações da lógica e da razão com a língua; consagra o português como língua de cultura e poder, define normas e as impõe; além disso, não dá conta de fenômenos como a correferência, a pronominalização, a seleção dos artigos (definido ou indefinido), a ordem das palavras no enunciado, a relação tópico-comentário, a entonação, as relações entre sentenças não ligadas por conjunções, a concordância dos tempos verbais4, entre outros fatos.
Essas são algumas falhas ou lacunas que a gramática da frase não consegue explicar, a não ser em termos de texto, ou fazendo referência a um expresso contexto situacional.
As causas que motivaram os lingüistas a desenvolver uma lingüística textual estão acima relacionadas; obrigaram igualmente à revisão de inúmeros conceitos, tais sejam: os de língua/linguagem (e todas as suas implicações); de som/fonema; língua culta, língisa padrão (como língua oficial); variação lingüística: dialeto, regionalismo, gíria, etc.; de gramática da palavra/gramática da frase/gramática do texto; fala-se por frases ou textos?5, bem como conceitos de frase, de texto, de discurso, macroestrutura - superestrutura, textualidade, coesão, coerência, etc.
As tentativas para se elaborar uma gramática textual surgiram em vários lugares e com diferentes cientistas da linguagem, que eram estruturalistas, principalmente HAR-RIS e PIKE. Ambos haviam compreendido que as frases de um enunciado fazem parte de um discurso coerente e que o sujeito falante deve conhecer as regras subjacentes a este discurso. "Sem isso seria impossível produzir enunciados textuais coerentes - sua competência é necessariamente textual ... O sentido de um texto não é simplesmente a soma dos sentidos de suas frases"6.
Como se sabe, a Gramática Gerativa tinha a preocupação de enumerar e descrever estruturalmente o conjunto de frases da língua. O "discurso" era considerado como , uma longa frase, ou como um fato de realização - isto é - como enunciado e não como unidade máxima formal de uma gramática. Tais argumentos puseram em dúvida a pertinência das gramáticas frásicas gerativas, até mesmo no seu próprio domínio, pois não davam conta de descrever as estruturas de frases.
CONTE (1977)7 sintetiza o surgimento das Gramáticas Textuais em três (3) momentos, a saber:
No primeiro momento - trata da Análise Transfrásica. Analisa as regularidades que transcendem os limites do enunciado.
No segundo momento - trata da construção das Gramáticas Textuais. Neste momento, como no primeiro, as considerações giram em torno da definição ou conceituação do objeto "Texto",avançando um pouco além de Chomsky, ao superarem os limites da frase, e colocando em foco a Compreensão e a Produção do Texto. Surge a famosa e importante distinção entre "Competência Frasal" e a "Competência do Falante - ou Competência Textual". A partir destes aspectos e de outros, como: texto coerente/incoerente; resumo do texto; paráfrase do texto, é que se pensou em juntar as habilidades do falante em um conjunto sistematizado de dados para constituir uma gramática textual.
As tarefas básicas de uma gramática textual são, portanto, segundo FÁVERO e KOCH,6:
a) verificar o que faz com que um texto seja um texto...;
b) levantar critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais do texto;
c) diferenciar as várias espécies de texto - ou tipologias."
É importante ressaltar que, neste segundo momento, apesar das divergências ainda existentes, surgem LANG9 e PETÕFI.10
Este último descreve sua gramática com uma base textual fixada de modo não linear - e garante que seu modelo permitiria, entre outras coisas, a análise de texto; a síntese de textos e a comparação de textos. Cabe ressaltar que é neste modelo que o léxico surge em lugar de destaque, pois tenta dar conta de suas múltiplas representações semânticas. PETÕFI prova, neste modelo, a inserção e a possibilidade do componente pragmático, pois pensava ser impossível separar a sintaxe da semântica e da pragmática.
Pensa também que a Gramática Textual constitui um dos elementos apenas da Teoria de Texto.
No terceiro momento - surge o texto no seu contexto pragmático. Este tópico, embora sintetize a situação, amplia o âmbito da investigação, isto é, as pesquisas não se limitam aos elementos internos (textuais); agora já coloca em questão os elementos extratextuais: o contexto; assim, estudam-se os fatores de produção, a recepção e a interpretação do texto.
Os autores, que são inúmeros, contribuem: CAMPBELL e WALLES (competência comunicativa, 1970); WUNDER-LICH (1968) considera a competência comunicativa como uma "metacompetência", a qual permitiria a possibilidade de modificar as regras vigentes da geração de frases; aprender novas línguas.
Essas idéias são derivadas ou influenciadas pelo surgimento das Teorias dos ATOS de FALA de SEARLE11, da Lógica das Ações e da Teoria Lógico-Matemática dos Modelos.12
Retornando ao tópico inicial (1.1), podemos dizer, embora não tenhamos esgotado o assunto, que o ensino da língua materna (o português) deve ser estudado com base na Lingüística Textual.
Trata-se, portanto de
mudar de dimensão e de estado de espírito, de observar os fatos da língua, mesmo o detalhe, em uma perspectiva fazendo intervir, bem além dos limites da frase, aquilo a que eles referem explicitamente, as redes e caminhos nacionais ou formais aos quais eles estão ligados ou dependentes, às condições as mais diversas, nas quais elas são emitidas e de onde decorrem as modalidades, efeitos de ordem complexa do que não se pode fazer economia sem romper as realidades da comunicação.13
1.2 - O problema: Gramática da Frase ou Lingüística Textual?
Atualmente, aceita-se o fato de que "O Texto é a unidade lingüística hierarquicamente mais alta.14 Embora os estudiosos aceitem a afirmação como verdadeira, as escolas, os professores e os alunos continuam estudando a língua e a linguagem de modo fragmentado; nós diríamos mesmo "aos pedaços", quer dizer, por meio de frases.
O problema dos avanços lingüísticos fica restrito aos cursos de pós-graduação e aos poucos estudiosos que os fazem. Portanto, a escola continua trabalhando com a gramática da frase, mesmo tendo chegado ao gerativismo chomskyano, e faz ainda uma divisão grosseira entre teoria e prática da língua. Isso significa uma oposição entre interpretação (leitura) e produção (escrita). Esta dicotomia não consegue explicitar a leitura de um texto e/ou sua interpretação (já que do ponto de vista pragmático a leitura é também uma forma de produção: ter-se-á tantos textos quantas leituras forem realizadas pelo mesmo indivíduo ou por outros), bem como a produção do texto escrito, sua criatividade textual, e a avaliação das produções escritas.
Ora, é forçoso reconhecer que a "FRASE não é dimensão ideal para um estudo sério dos problemas de comunicação",15 nem a sua gramática.
A solução do problema começa a se esboçar nos princípios da Lingüística Textual. Portanto, não é apenas com o auxílio das gramáticas paradigmáticas e dicionários, que, segundo WEINRICH,
não passam de instrumentos de referência, cuja prática resulta na divisão dos textos em partes, ou melhor, de classificá-los, operação que não dá conta evidentemente das estruturas textuais.16
O autor do TEMPUS não proíbe totalmente as descrições de caráter paradigmático, que são necessárias, do contrário, a lingüística não teria utilidade; define o âmbito da gramática de texto como, "fragmento de uma gramática". Para ele, a gramática de texto permite uma investigação dinâmica do texto, já que os signos lingüísticos vêm e voltam por meio dos textos dentro dos quais eles desenham "redes ou caminhos de valores textuais", onde eles funcionam de maneira indicial.
Encontrar, reencontrar, descobrir, inventar estes caminhos, traçando e entrecruzando cadeias isotópicas de índices em diferentes planos de análise, tal é o papel da GT. que WEINRICH17, considera um verdadeiro programa de trabalho
.
2.0 - REVISÃO DA LITERATURA
2.1 - O dilema conceituai: Texto ou Discurso?
Embora se faca uma diferença entre Gramática Textua! e Lingüística textual entre muitos autores, VAN DIJK afirma não ter sentido provar que a Gramática de Texto ou a Lingüística Textual são "incorretas", uma vez que ambas tratam do discurso.
Em muitas línguas não existe outro termo além de "texto". Em português há texto e discurso e o fato tem gerado controvérsias. Para esclarecer tal dilema, é necessário recorrer a autores que tratam dos dois termos.
Entre os autores que fizeram um estudo exaustivo do assunto citamos FÁVERO & KOCH,18 KOCH19 e MARCUSCH1.20
É bom lembrar que as três grandes escolas de estudos lingüísticos - a Saussuriana e de seus seguidores como a Escola de Praga, a Dinamarquesa ou Escola de Kopenhagen com Hjmeslev e a Escola Americana com Bloomfield e Z. Harris - ocuparam-se de conceitos até hoje tidos como fundamentais para a Lingüística, e entre estes, o de "Texto".
Faremos um levantamento não exaustivo do conceito, para que possamos aclará-lo. ISENBERG (1970): "Texto é uma seqüência coerente de enunciados".21 HARWEG (1968): definia texto como "uma sucessão de unidades lingüísticas constituída mediante uma concatenação pronominal ininterrupta".22 Os autores que tentam conceituar "Texto" nesta fase são: Isenberg, Thümmel, W., Steinitz, R. e Kartunen, L. Para estes, o texto não é tratado ainda de modo autônomo como uma unidade formal e homogênea.
O autor que consegue conceituar "Texto" em um âmbito mais amplo é STAMMERJOHANN23 (1975), incluindo no conceito tanto textos orais, quanto os escritos.
Para OOMEN24 (1969), "Texto são seqüências de signos verbais sistematicamente ordenados (como processos ordenados de complexidade relacional, permitem ser incluí dos na noção de sistemas, no sentido da Teoria Geral dos Sistemas)".
LEWANDOWSKI (1975) diz por exemplo: "Texto" é sinônimo de "discurso".25
LEONTÉV (1969-1970) - "O texto não existe fora de sua produção ou recepção".26
COSÉRIU (1967): "No texto existem fatos e procedimentos, não apenas lingüísticos e sistemáticos, mas também todas as possibilidades de utilização da fala".27
HARTMANN (1971): É o "signo lingüístico original, a possibilidade fundamental de ocorrência da língua" - ou ainda, - "porção suficiente de discurso capaz de exercer funções ... no sentido e no quadro de uma função discursiva .
DRESSLER: "unidade lingüisticamente completa, conforme a intenção do emissor ou do receptor, construída segundo regras de gramática".29
Esta última definição aproxima-se do conceito de Weinrich, quando afirma ser a gramática textual "um fragmento de Gramática", e que também não se pode abolir ou desprestigiar as gramáticas paradigmáticas. O texto é igual a discurso ou é diferente?
O dilema conceituai tem levado as discussões a um impasse, pois em muitas línguas não existe esta diferenciação, donde a implicação ou conseqüência lógica: Texto é sinônimo de Discurso, pelo menos em inglês e holandês Justificam-se expressões como Gramática de Texto e Lingüística de Texto.
VAN DIYK, porém, faz uma diferença entre Discurso (type) e Texto (Token).30 "Discurso seria a unidade passível de observação" e o "Texto a unidade teoricamente reconstruída, subjacente ao discurso", quer dizer, implícita obrigatoriamente no discurso.
Para HJELMSLEV,31 o "Texto equivale a todo e qualquer processo discursivo e, para HARWEG,32 é importante a distinção entre Texto ÊMICO e Texto Ético.
O texto ÊMICO seria "o conjunto finito e ordenado de textemas semanticamente integrados ... os quais representam, em virtude de sua natureza semiológica, estados de coisas complexas".33 O Texto Ético seria "uma unidade semântica dotada de uma determinada intencionalidade pragmática que se realiza numa concreta situação comunicativa, mediante um enunciado ou, quase sempre, mediante uma seqüência finita e ordenada de enunciados".
O texto ético que pode ser traduzido como os textos possíveis ou como o resultado do falar, isto é, visto como uma "unidade semântica e pragmática" e pode ser constituído de um enunciado único e até de um Iexema - como acontece, em geral, com provérbios, máximas, anúncios e outros, mas pode apresentar uma extensão sintagmática de grandes proporções como: discursos políticos, uma obra de filosofia ou uma obra narrativa.
Sob esse ponto de vista, isto é, o texto como unidade semântica e pragmática,
resulta de um ato de enunciação e de um ato de recepção; o texto realiza-se no quadro de um processo comunicativo, implica determinadas "situações pressupositivas complexas" que conglobam fatores psicológicos, culturais, sociais, etc., constitui-se segundo determinadas estratégias comunicativas do emissor e do receptor, manifesta um certo potencial ilocutivo e comporta um certo potencial perlocutivo que se reportam aos domínios dos universos simbólicos, dos sistemas de crenças e convicções e da interação social. Assim a competência textual é a capacidade de um emissor produzir textos e de um receptor decodificar textos, pressupõe, necessariamente, a competência lingüística de ambos, mas requer outras competências e saberes que se situam num âmbito translingüístico - desde o conhecimento das pressuposições pragmáticas ao conhecimento das regras de argumentação e das normas e convenções de um gênero literário, por exemplo".35 Não é sem razão que a retórica tem sido considerada como uma disciplina antecessora sob muitos aspectos da teoria de texto, de acordo com a tese de OSAKABE.36
Para esclarecer melhor o conceito de texto seria interessante rever os trabalhos de BENVENISTE.
Embora não discuta explicitamente o termo "discurso", tenta delimitar um aparelho teórico para estabelecer a correlação entre aquilo que caracteriza a linguagem e aquilo que caracteriza o discurso e as entidades a ele, intimamente, veiculadas como os pronomes e os tempos verbais.
O conceito "texto e ou discurso" foi trabalhado pelos autores Géneviève Provost, M. Pêcheux e L. Guespin, Harris, D. Slakta, todos citados por OSAKABE.
Harris, por exemplo, considera o discurso como um conjunto de classes formais definidas por um critério distribucional. O tratamento dado por Harris para a análise do discurso, visto por G. PROVOST, não dá conta do que Benveniste considera a característica fundamental do discurso: a relação de pessoa que nele se estabelece; desconhece a importância que poderiam ter nos discursos aqueles enunciados onde ocorre a primeira pessoa e cujo objetivo é o envolvimento da segunda pessoa. O discurso visto sob esse ângulo se restringe a uma função puramente informativa.37
O termo discurso tem sido aplicado à caracterização das análises de "Textos ou discursos políticos", tal como o fez Pêcheux na AAD (Analyse Automatique du Discours) e citado por ORLANDI.38
No Brasil, ORLANDI explica: Discurso é conceito teórico e metodológico e Texto é conceito analítico.
Diz ORLANDI que o Texto é uma unidade pragmática, não-formal - ou seja - aquela unidade em cujo processo de significação também entram os elementos do contexto situacional.
Para FÁVERO (São Paulo/IPE/PUC) não se deve fazer tal distinção e para efeitos metodológicos adota tão somente o conceito de "Texto". Ora, todo texto é produzido por um autor/locutor cheio de intenções, o qual se coloca em uma situação para informar ou convencer (argumentar) um ouvinte/alocutário/destinatário e fazê-lo aceitar (aceitabilidade) seus argumentos. Quando isso ocorre, dá-se uma INTERAÇÃO DISCURSIVA. O que nos interessa é descobrir estes mecanismos de funcionamento estudando o que é que faz com que um texto "seja um texto".
Antes de observarmos todas estas condições, é necessário saber de que 'tipo de texto ou discurso estamos tratando. O "tipo" é uma configuração de traços formais associados a um efeito de sentido caracterizando a atitude do locutor face ao seu discurso e através desse, face ao destinatário".39
3 - O ESTUDO DO TEXTO NA ESCOLA: PROPOSTA
O estudo do texto, ou seja, dos tipos de texto, é um dos grandes objetivos da Lingüística Textual, pois provoca o exercício das competências lingüísticas e textuais dos sujeitos, bem como a vontade de manipular o jogo da dominância em cada prática discursívo-textual. Logo, a noção de "Tipo" é fundamental para efeitos didático-metodológicos.
As pesquisas contemporâneas sobre a COMPREENSÃO e a MEMORIZAÇÃO podem afirmar que a competência discursiva dos sujeitos, é, ao mesmo tempo, constituída por uma competência comunicacional e textual. É por meio desta competência textual geral que o sujeito, o leitor, é capaz de dizer se uma narrativa pode ser denominada de "interessante", "cativante", "lenta ou aborrecida", além de reconhecer intuitivamente se o texto é narrativo, descritivo ou argumentativo. O leitor consegue selecionar o tipo de texto que lhe apraz; ele sabe, igualmente, que não se pode ler da mesma maneira um diálogo, um poema ou um anúncio. Ora, se esse leitor é um aluno - a responsabilidade da escola aumenta, e estes tipos de textos tão diversos exigem estratégias e competências adequadas. O que não se pode é reduzir o estudo do texto a um tipo único, fechado. A abordagem global do texto é o que se propõe por ora. Embora não haja uma teoria geral dos esquemas de todas as superestruturas, textuais não se pode ainda deixar de observar o texto por meio de esquemas textuais ou globais tais sejam: narrativo, descritivo, explicativo, instrucional, conversacional, injuntivo e argumentativo, já que conduzem a uma tipologia.
Quando se trata de escrever ou de fazer análise de um texto, a análise textual defronta-se, de início, com vários problemas: o tipo de texto (narrativo, descritivo, argumentativo, preditivo, injuntivo, conversacional, polêmico, lúdico, etc.), qual deles, entre tantos? A dúvida perturba, porque o professor ainda está longe da percepção clara sobre o assunto, dado que não há texto que se possa classificar de modo tão específico e restrito; ora, os manuais escolares e as gramáticas pedagógicas sequer abordam o problema das tipologias de texto e de sua análise. O que se entende por "texto" na escola atual? A tradução do sentido de texto para o aluno - é que o texto é uma narrativa escrita, imposta "autoritariamente" pelo livro ou pelo professor e serve para "informar como fazer o dever", a lição" - não tem "dupla mão" para discussão dos vários sentidos (polissemia), como diria ORLANDI.
A relação única com a referência é imposta pelo autor do livro e/ou pelo professor. Só há uma verdade, pois não há modo e meio de se conseguir uma troca de papéis no "tipo polêmico", o qual, não existindo, tende a zero.
- Para que fins e objetivos se presta o estudo do texto? Na escola, principalmente, se prestaria a muitos objetivos, tais como: melhorar as competências do aluno em relação à leitura e à produção escrita. Como seus conhecimentos são insuficientes para a discussão e o debate ou defesa de uma tese, dever-se-ia propor: quanto à compreensão: modos para melhor manipular o léxico, pois embora os alunos tenham um bom léxico (isto é, relativamente extenso), a maneira pela qual apreendem um texto é inadequada; são levados, em geral, por generalizações muito amplas, ou ainda, por sus próprias conotações, sem perceber o caminho lógico do autor, a natureza e as condições de produção da escrita que analisam; quanto à expressão escrita: melhorar as maneiras imprecisas de resumir o texto ou de apresentar um capítulo, pois, em geral, há falta de rigor, de organização, as frases se sucedem sem relação aparente; a pontuação é rara e a divisão em parágrafos parece arbitrária.
Por estas razões, tanto no 1.º grau, mas especialmente no 2.º grau, onde se exige muito mais a "produção de texto", ou seja. a redação, impõem-se novas maneiras de estudar a língua, e uma delas é sem dúvida, o pensar e o re-pensar o texto e seus diferentes tipos.
NOTAS E REFERÊNCIAS:
17 - dem, citado por CORTÉS, p.30.
36 ______ . op. cit., p.26.
- 1 - BALLY, Charles (1944). Lingüístique Générale e Lingüistique Française A. FRANCKE, Bernard, 4.ed. 1965.
- 2 - DUCROT, O. (1968). Estruturalismo e lingüística Cultrix. São Paulo Trad. José Paulo Paes, 1980.
- 3 - GÉNOUVRIER, E. e PEYTARD, J. Lingüística e ensino do português Trad. R. ILARI. Almedina, Coimbra, Julho, 1974.
- 4 - FAVERO, L. L. e KOCH, I. G. V. Lingüística textual: uma introdução São Paulo: Cortez, 1983, p.12.
- 5 - VAN DIYK, Teun. Gramáticas textuais e estruturas narrativas. in: Semiótica Narrativa e Textual Org. Claude CHABROL. Trad. Leyla Perrone Moisés et alii. S. Paulo. Cultrix EDUSP, 1977. p. 196-229.
- 6 - VAN DIJK, Teun. p.202-203.
- 7 - CONTE, M. E. La Linguistica Testuale Feltrinelli Economica. Milão, 1977.
- 8 - FAVERO, L.L. e KOCH, I.G.V. p.14.
- 9 - LANG, E. (1971). Quand une Gramaire de Texte est elle plus adequate qu'une Grammaire de Phrase? LANGAGES, 7:75-80.
- 10 - PETÕFI, J. citado por Favero e Koch, p.91-105.
- 11 - SEARLE, John R. Os atos de fala Trad. Carlos VOGT. Al medina, Coimbra, 1984.
- 12 - GROSS, Maurice. Modelos matemáticos em lingüística Trad. da 1 .ed. de 1972 por ZAHAR, Rio, 1976.
- 13 - CORTÉS, Jacques. La grande traque des valeurs textuelles. Le FRANÇAIS DANS LE MONDE, avril, 1985. Hachette-Larousse. Paris, p.30.
- 14 - DRESSLER, W. citado por Fávero e Koch, p.21.
- 15 - CORTÉS, Jacques, p.30.
- 16 - WEINRICH Harald. Le Temps Editions du Seuil. Paris, 1973. Traduction de TEMPUS, Stuttgart, 1964, citado por Cortés, J. (p.30).
- 18 - FÁVERO, e KOCH, p. 18-24.
- 19 - KOCH, I. G. V. Argumentação e Linguagem São Paulo. Cortez, 1984. (p.21-23).
- 20 - MARCUSCHI, L. A. Lingüística de texto: o que é e como se faz . .Séries. Debates Recife. UFPE. 1983, (p.04-11).
- 21 - ISENBERG, H. in: CONTE, La lingüística testuale Feltrinelli Economica, Milão, 1977.
- 22 - HARWEG, R. (1968). Pronomina und Textkonstituition. Fink. Munique, citado por Fávero, L. L. e Koch, I. G. V., p.13.
- 23 - STAMMER JOHANN (1975), citado por Fávero, L. L. e Koch, I. G. V. p.
- 24 - OOMEN, Ursula. (1969). Systemtheorie der texte. Folia Lin güística 5, 1/2, 12-34, citado por Fávero e Koch, p. 19-21
- 25 - LEWANDOWSKI, Th. Citado por Fávero e Koch, p.21.
- 26 - LEONTÉV, A. A. (1969): 1977), cit. por Fávero e Koch, p.22.
- 27 - COSÉRIU, E. (1967). Determinación Y Entorno. Dos Problemas de una lingüística del hablar", cit. por Fávero e Koch, p.22.
- 28 - HARTMANN, P. (1971). Texte, Texteklassen von Texten, cit. por Fávero e Koch, p. 19.
- 29 - DRESSLER, W. (1970). Towards a Semantic Deep Structure of Discourse Grammar. Papers from the sixth Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society, 202-209
- 30 - VAN DIJK, T. A. (1977). Gramáticas Textuais e Estruturas Narrativas. In: CAHBROL, C. et. al. Semiótica Narrativa e Textual Trad. bras. Cultrix, São Paulo.
- 31 - HJELMSLEV, L. Prolegômenos para uma teoria da linguagemCol. Os Pensadores. Trad. Carlos Vogt et al., 2.ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978.
- 32 - HARWEG, R. Apud, Fávero e Koch, p.18.
- 33 - SILVA, Victor M. A. (1979). O Conceito de texto lingüístico. Teoría da Literatura 4.ed., Almedina, Coimbra, p.534.
- 34 - SILVA, Victor M. A. p.535.
- 35 - OSAKABE, Haquira. Argumentação e discurso político (ver. cap. Retórica ou Ação pela linguagem, p. 131-165).
- 37 - PROVOST, Geneviève. Problèms Théoriques et Méthodologi ques en Analyse du Discours.
- 38 - ORLANDI, E.P. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Brasiliense, S. Paulo, 1983, p. 19.
- 39 - MARANDIN, J. M. (1979). Problèms de L'Analyse du Discours. Essai de description du discours français sur la Chine. LANGAGES, HACHETTE - Larousse, Paris.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Mar 2015 -
Data do Fascículo
Dez 1987