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Apresentação

Apresentação

Este número especial é resultado de um conjunto bastante diversificado de trabalhos de distintas orientações teóricas e recortes metodológicos. Tal diversidade, no entanto, não é fruto do acaso, mas de uma intenção coletiva de tratar temas pertinentes ao fazer e à condição docente.

Assim, será possível encontrar, aqui, trabalhos que tratam alguns desses temas de forma conceitual, como a noção de comprometimento e suas implicações para a aprendizagem, a concepção da avaliação como objeto de investigação e de reflexão na formação de professores, e um estudo sobre diferentes formas de conceber noções e conceitos usados em sala de aula por professores e alunos. Outros trabalhos são dedicados a problemas específicos e o desenvolvimento de estratégias metodológicas para a formação do professor de ciências, educação física, matemática, estatística e leitura. O uso de novas tecnologias é objeto de reflexão no ensino de ciências, mas também tangencia a formação do tutor nos cursos de Pedagogia na modalidade a distância, entendendo o tutor como mediador do processo formativo.

Com um olhar voltado para a complexidade não apenas intelectual e cognitiva do processo formativo, outros trabalhos indicam que a história de vida do educador/professor pode tornar-se uma forma de reconhecer a dimensão afetiva e emocional deste processo e suas implicações para a efetividade de seu trabalho. Assim, as narrativas de educadores e estudantes de enfermagem são discutidas em pesquisas que consideram a experiência e o relato da situação vivida uma estratégia alternativa na produção do conhecimento e consolidação da aprendizagem.

Num escopo um pouco mais amplo aparecem os trabalhos que tratam de questões sociais relacionadas com a educação e o fazer docente, como a efetividade do direito à educação e o problema da violência familiar e na escola.

Um último grupo de trabalhos trata das condições históricas de trabalho e da formação profissional do professor. Assim, a construção da memória e a escrita da história são entendidas como espaços potencialmente reflexivos e que podem ajudar a compreender as transformações ocorridas na identidade do docente como profissional da educação.

A variedade e complexidade de temas nos mostram o quanto é difícil definir o que é formar o professor/educador na sociedade contemporânea, pois essa formação é perpassada pelas mais distintas facetas do processo de subjetivação destes profissionais. Ela passa obviamente pelo aprofundamento de conhecimentos academicamente produzidos e acumulados, pelo domínio de um conjunto de procedimentos e perspectivas teórico-metodológicas, mas certamente também toca em questões sócio-históricas como a compreensão das condições de vida das crianças, jovens e adultos em formação, assim como sua própria condição profissional no mundo contemporâneo.

É disso tudo, portanto, que trata este número especial, considerando, de um lado, a pertinência e a vantagem de trazer a contribuição de múltiplos olhares, e, de outro, a própria limitação que a diversidade nos impõe, ou seja, a impossibilidade de aprofundar ainda mais cada um dos vários temas aqui apresentados.

Se a complexidade e variedade dos temas da docência parecem evidentes e, para muitos, um fenômeno relativamente recente, datado pelas complexas e intensas mudanças sociais e no mundo do trabalho que a segunda metade do século XX nos trouxe, a história nos mostra que o papel do professor e o escopo da sua formação nunca foram o resultado simples, prático e seguro de um conjunto de concepções mais ou menos consensuais sobre sujeito, escola e sociedade.

Segundo Cambi (1999, p. 381), foi nos anos oitocentos e novecentos que

a educação torna-se quase um centro de gravidade da vida social: o momento em que se organizam processos de conformação às normas coletivas, em que a cultura opera sua própria continuidade, em que os sujeitos superam sua própria particularidade (de indivíduos, de etnia, de classe) para integrar-se na coletividade, mas através do qual também recebem os instrumentos para inserir-se dinamicamente neste processo, solicitando soluções novas e mais abertas.

Na contemporaneidade, a educação segue desempenhando um papel central na sociedade, pois por ela passam os diversos problemas da convivência social e das perspectivas políticas, científicas e filosóficas. Consequentemente, a formação de professores e educadores está implicada por um longo processo em que a educação perde seu caráter dogmático, invariante e supra-histórico, para tornar-se "o saber das transformações e das formações históricas" (CAMBI, 1999, p. 642).

No entanto, foi no século XX, especialmente nas últimas décadas que, segundo Hobsbawm (2009, p.113), se operaram as maiores mudanças no mundo social gerados por esse papel ao mesmo tempo equilibrador e transformador da educação contemporânea. Segundo o historiador,

O século XX permitiu um considerável aumento da mobilidade social e profissional, e creio que o próximo século só irá intensificar esse processo. E não apenas no âmbito de uma única geração. Os filhos são mais educados, desde a alfabetização até os cursos secundários e superiores. Na escala em que vem se dando, este é um fenômeno muito recente, restrito às três últimas décadas. Pela primeira vez na história, no século XXI a maior parte da população mundial será alfabetizada, isto é, poderá ler e escrever, e um percentual muito alto terá formação universitária. (HOBSBAWM, 2009, p.113)

Obviamente, o aumento da escolarização em si mesmo não garante melhoria das condições de vida, mas provocam uma melhoria nas relações de trabalho e de profissionalização. Assim, a centralidade da educação na sociedade contemporânea exige o que Cambi denomina na citação acima de soluções novas e mais abertas. Se a educação torna-se, ao mesmo tempo, o saber das transformações e das formações históricas, espera-se que ela seja capaz de compreender as transformações cada vez mais rápidas e intensas da sociedade contemporânea, assim como possa inserir-se de forma dinâmica nesses processos formativos que, por serem históricos, são também geradores de novos modelos de sociedade e de subjetividades.

Assim, estudar a docência na contemporaneidade exige do investigador esse olhar voltado para os aspectos mais centrais de sua investigação, pois cada objeto/recorte solicita uma metodologia específica de estudo e tratamento conceitual, ao mesmo tempo em que perscruta os aspectos mais amplos relacionados com o campo educacional. Ainda que pareça uma obviedade, essa não é uma tarefa fácil. Portanto, os trabalhos aqui apresentados, localizam-se neste percurso e embora façam recortes mais específicos, dialogam com os problemas mais gerais da formação subjetiva e do fazer pedagógico.

Apresentaremos os trabalhos, a partir de agora, agrupados em cinco grupos temáticos divididos em: Questões conceituais e metodológicas; Uso de novas tecnologias na educação; Experiência, narrativa e aprendizagem; Formação de professores, violência e justiça social; Trabalho, história e condição docente.

No primeiro e maior grupo temático - Questões conceituais e metodológicas - apresentamos inicialmente o estudo de Vera Lucia Felicetti e Marília Costa Morosini, que parte de um estudo de caráter biobibliométrico, intitulado sugestivamente como "Do compromisso ao comprometimento: o estudante e a aprendizagem". As autoras buscam quantificar, classificar e analisar os trabalhos apresentados em dois bancos de dados de referência para o campo educacional: o da ANPED e o da CAPES. Neste estudo, buscam-se identificar pesquisas voltadas para a noção de comprometimento no processo de ensino-aprendizagem, especialmente os estudos que focam o comprometimento do estudante com sua formação e seus efeitos sobre a aquisição e consolidação de conhecimentos. Numa primeira busca, ressalta, segundo as autoras, o quase silêncio sobre o tema, pois há pouquíssimos trabalhos publicados sobre ele. Uma das hipóteses das pesquisadoras é de que "isto pode refletir a presença de um paradigma educacional voltado ao ensino da mesma forma que indica a não presença de um paradigma voltado à aprendizagem".

Foram investigados oito anos de ANPED (2000 a 2007) e vinte anos nos dados da CAPES (1987 a 2006) resultando em sete trabalhos publicados nos anais da ANPED e duas dissertações registradas no banco de dados da CAPES. Estes trabalhos, no entanto, estão vinculados a distintas áreas de conhecimento, como Educação de Jovens e Adultos, Psicologia da Educação, Didática, Movimentos Sociais, Currículos, entre outros. Os trabalhos foram agrupados pelas autoras, para fins de análise, em três categorias: currículo e cidadania, novas metodologias, e qualidade institucional. Na análise destes estudos as autoras nos mostram de que formas o tema vem sendo tratado, ficando um duplo convite ao leitor: depreender destes trabalhos o quanto o comprometimento do estudante pode afetar a aprendizagem e, por outro, como há poucos trabalhos publicados sobre o tema, engajar-se em estudos como estes, em que os participantes das pesquisas ora são os sujeitos da investigação ora são objeto de observação do pesquisador.

Ainda numa perspectiva conceitual da aprendizagem, embora partindo do confronto das práticas de sala de aula de professores do ensino fundamental com as orientações teóricas de documentos oficiais fundamentados emVygotski e Leontiev, "Avaliação da aprendizagem conceitual", de Marta Sueli de Faria Sforni e Vanize Aparecida Misael de Andrade Vieira, propõe uma reflexão sobre a distância entre o que se compreende teoricamente e o que se faz como prática cotidiana na escola.

A partir de entrevistas e observações realizadas na escola, as pesquisadoras conseguiram perceber que muito do que se preconiza, de forma genérica, sobre a avaliação como processo é conhecido e compreendido pelos professores. No entanto, se estes conceitos são compreendidos e mesmo defendidos pelos docentes e seus formadores, especialmente nos cursos de formação continuada, muitos deles ainda se sentem inseguros ao definir o que será avaliado como manifestação de que o aluno apreendeu os conhecimentos trabalhados. Assim, as autoras convidam o leitor a pensar em que consiste a aprendizagem e, consequentemente, avaliar o que seria o conteúdo da avaliação e não apenas o modo de avaliar, ou seja, a definição de instrumentos avaliativos.

Se concordarmos que a aprendizagem seria a apreensão de um determinado conhecimento/conteúdo, e que os vários sujeitos devem estar engajados e comprometidos com sua formação, podemos imaginar que essa apreensão depende de fatores diversos, como a experiência e a capacidade de abstração e memorização de cada sujeito. Assim, alunos do ensino fundamental, estudantes universitários e professores, por exemplo, podem apresentar diferentes formas de compreensão de conceitos sejam eles simples ou complexos. O estudo aqui apresentado sobre "Concepções e concepções alternativas de média: um estudo comparativo entre professores e alunos do Ensino Fundamental", por Sandra Magina, Irene Cazorla, Verônica Gitirana e Gilda Guimarães busca compreender alguns dos fatores condicionantes dessa diferença.

Partindo de uma proposta de letramento estatístico, as autoras nos chamam a atenção para o fato de que a vida cotidiana das pessoas está permeada de conceitos e procedimentos estatísticos como gráficos, tabelas, médias, entre outros, que muitas vezes orientam tomadas de decisão importantes. Considerando a necessidade de compreensão crítica das informações estatísticas, no final da década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais passaram a incluir o Tratamento da Informação como conteúdo do quarto bloco de conteúdos da Matemática do Ensino Fundamental. No entanto, segundo as autoras, a maior parte dos cursos de formação de professores não oferece um tratamento específico para este tipo de conteúdo, o que tem gerado uma infinidade de distorções. Para compreender em que medida a falta de uma formação adequada tem afetado a compreensão destes conteúdos por professores e estudantes do ensino fundamental, as autoras apresentam alguns resultados de sua investigação em relação à compreensão do conceito de média.

Partindo de uma pesquisa exploratória, as pesquisadoras aplicaram inicialmente um instrumento diagnóstico a todos os participantes, que totalizaram 285 sujeitos, divididos em cinco grupos entre alunos da 4ª. e 5ª. Séries, alunos iniciantes e concluintes do curso de Pedagogia e professores do ensino fundamental.

Após analisar quantitativa e qualitativamente os resultados obtidos, as autoras nos mostram que, embora haja diferenças significativas entre os resultados e formas de conceber o conceito de média, todos os grupos apresentaram, em níveis distintos, algum grau de dificuldade no tratamento do conceito e que é preciso seguir investindo na formação docente e no letramento estatístico.

Com uma preocupação semelhante, o trabalho de Pedro Rodrigo Sandoval Rubilar, Miguel Frit Carrillo, Ana Carolina Maldonado Fuentes e Francisco Rodríguez Alveal, busca diagnosticar o domínio em habilidades de raciocínio e conhecimento matemático e compreensão leitora de estudantes ingressantes do curso de Pedagogia de duas universidades conceituadas no Chile.

Partindo da observação dos resultados de vários tipos de exames para a avaliação da aprendizagem, como o PISA e alguns exames de nível nacional, os autores se propõem a desenvolver uma pesquisa diagnóstica de finalidade descritiva e comparativa, de corte transversal, ou seja, aplicada uma única vez a todos os participantes. Foram aplicadas duas provas: uma no campo do conhecimento matemático e outra no campo da compreensão leitora. Após a apresentação e análise quantitativa dos dados, os autores consideram que, embora a mostra seja pequena, ela apresenta semelhanças com outros segmentos da população, também estudantes de Pedagogia. Os autores se permitem, portanto, fazer algumas generalizações e chegar a conclusões importantes: eles acreditam, a partir do cruzamento dos dados, que a melhoria das habilidades de compreensão leitora pode melhorar consideravelmente as habilidades de raciocínio matemático. Assim, a prática de leitura na escola e sua problematização na formação docente assumem um papel duplamente relevante nos processos formativos, ou seja, é necessária para o aprimoramento dos resultados da educação linguística, assim como para o aprimoramento dos resultados da educação matemática. Espera-se, segundo os autores, que as políticas públicas para a formação docente contemplem o estabelecimento de padrões mínimos de conhecimentos e habilidades para o ingresso à formação profissional, de forma a assegurar que os docentes possam dominar os conteúdos e desenvolver as habilidades que devem ensinar.

A definição do papel da leitura na formação básica e na formação docente também é objeto de discussão do artigo de Rosa Maria Hessel Silveira, intitulado provocativamente como "A leitura e seus poderes - um olhar sobre dois programas nacionais de incentivo à leitura". Numa perspectiva discursiva, fundamentada tanto nas reflexões de Michel Foucault quanto nas reflexões dos autores da Análise Crítica do Discurso (ACD), a autora busca fazer uma análise dos documentos oficiais de dois programas nacionais de incentivo à leitura: o PNL (Plano Nacional de Leitura) de Portugal, e o PNLL (Plano Nacional do Livro e da Leitura) do Brasil.

Cotejando os documentos, comparando as diferentes condições de possibilidade de emergência dos discursos, a autora nos mostra o que há neles de comum e de peculiar. Segundo a autora, ambos acabam da mesma forma construindo verdades e consagram a leitura como dispositivo capaz de redimir sujeitos e países das dimensões negativas em que estão mergulhados. A autora então convida o leitor a fazer outras conexões e a refletir sobre esse papel consagrado à leitura, compartilhando com ele a crença de que, embora estes discursos preconizem verdades construídas por práticas discursivas e condições de produção, a leitura, por si só, pode não ter esse poder de converter as pessoas em pessoas melhores, mas sem dúvida, podem "não deixar o leitor no mesmo estado".

Esse "não deixar o leitor no mesmo estado" poderia ser o mote do segundo grupo temático - Uso de novas tecnologias na educação - deste dossiê. Dessa forma, segundo Neusa Nogueira Fialho e Elizete Lucia Moreira Matos, outros instrumentos também são capazes de não deixar o sujeito no mesmo estado, especialmente o aluno da escola básica. Em "A arte de envolver o aluno na aprendizagem de ciências utilizando softwares educacionais", as autoras se propõem a fazer uma apresentação e análise de três softwares educacionais entendendo-os como ferramentas de apoio ao trabalho docente, capazes de motivar e dinamizar suas aulas provocando a participação e interação entre professor e aluno, de tal forma que ambos aprendam e construam juntos.

Os softwares analisados são voltados para o ensino de ciências e desenvolvidos por instituições distintas. O Carbópolis, por exemplo, foi desenvolvido pelo Instituto de Química da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) em conjunto com o Programa Especial de Treinamento do Instituto de Informática da UFRGS. Outros softwares são analisados também com fins comparativos, ou seja, para que seu potencial educacional possa ser evidenciado. São eles: O jogo das coisas e Comprando compostos orgânicos no supermercado.

O quadro comparativo elaborado pelas autoras traz dados sobre o ambiente virtual, a qualidade e variedade do conteúdo, participação do jogador, interatividade etc. Cada jogo é avaliado em pontos positivos, negativos e são feitas ainda algumas sugestões de uso.

Segundo as autoras, apesar de já termos um grande número de softwares educacionais direcionados às áreas científicas é importante incentivar o uso de novas ferramentas e procedimentos metodológicos visando à consolidação de uma prática mais inovadora e coerente com as concepções contemporâneas.

Nessa mesma perspectiva, buscando o aprimoramento e a inovação das práticas docentes, a pesquisa-ação desenvolvida por Mauro Betti com professores da escola básica mostra o potencial do trabalho com material midiático, partindo do argumento básico de que as mídias, em especial a televisão, exercem influência crescente e decisiva sobre a cultura corporal de movimento, informando e ditando formas, construindo novos significados e modalidades de entretenimento e consumo. Seu trabalho, intitulado "Imagens em avalia-ação: uma pesquisa-ação sobre o uso de matérias televisivas em aulas de Educação Física" apresenta uma discussão teórico-metodológica, localizando o papel da pesquisa-ação no campo da Educação Física e o lugar do uso das novas ferramentas e tecnologias da comunicação/informação no ensino e na formação dos sujeitos. Em seguida, são descritos alguns passos da pesquisa juntamente com a análise dos resultados obtidos em cada etapa. Embora os professores tenham percebido que a inserção de outras ferramentas, como as imagens de um episódio de televisão, provocou uma reação diferente e uma reflexão sobre as situações vividas no cotidiano, eles não estabeleceram uma relação de causa-ação, considerando que a mudança de valores e atitudes só poderia acontecer no longo prazo. No entanto, os interlocutores-professores acreditam que têm conseguido provocar algumas mudanças nos alunos com quem convivem há mais tempo.

O uso de novas ferramentas e novas tecnologias da comunicação/informação no campo educacional engendraram também a criação de novas modalidades de ensino, especialmente de formação em serviço e formação continuada de educadores e docentes. Os cursos de EaD (Educação a Distância), hoje, não se restringem às especializações de profissionais já inseridos no mercado, mas abrangem, não sem polêmicas e discussões acaloradas, os cursos de formação inicial. Junto com os professores formadores e coordenadores de cursos, os tutores desempenham nestes cursos um papel de mediação fundamental.

O segundo trabalho deste grupo temático busca discutir e trazer contribuições à definição do papel do tutor. Assim, Lilian Schwab Gelatti, Vânia Ben Premaor e Alexandre Ramos de Araújo apresentam a proposta do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRGS, focando especialmente a tutoria como eixo de reflexão. Os autores estabeleceram como fonte as informações contidas no Guia do tutor e nas ações desenvolvidas pela coordenação do curso para qualificar cada vez mais este profissional que acaba tangenciando o trabalho docente em muitos aspectos. Ao descrever e discutir as funções pedagógicas, sociais e organizativas dos tutores do curso contidas no Guia, os autores apresentam também algumas das características gerais deste profissional, cuja formação e grau de condições de envolvimentos com o ambiente virtual podem variar bastante. Assim, o ambiente virtual ao qual o tutor estará vinculado também é objeto de descrição e discussão.

Os autores mostram as vantagens de se investir neste profissional no intuito de romper com a divisão funcional em um corpo conteudista, um corpo técnico e outro implantador, em busca de uma atuação conjunta entre docentes e tutores, visando uma prática coerente com o discurso pedagógico que preconiza a existência de interações contínuas e qualitativas entre todos os envolvidos no processo formativo.

Por outro lado, o envolvimento de diversos profissionais no ambiente educacional não é privilégio dos cursos de EaD. Toda escola, e/ou instituição de ensino, conta com um corpo de profissionais, mais ou menos variado. Em alguns casos, por exemplo, o educador torna-se um dos principais agentes do processo formativo, envolvendo-se com os educandos de forma tão significativa que suas vidas também passam a sofrer mudanças ao longo do processo.

Para abrir o terceiro grupo temático - Experiência, narrativa e aprendizagem -, que conta com apenas dois trabalhos, apresentamos, inicialmente, algumas experiências relatadas por Ana Maria de Campos e Graziela Giusti Pachane em seu estudo sobre as narrativas de educadoras dos grupos de alfabetização de jovens e adultos que atuaram no Projeto LETRAVIVA, desenvolvido na cidade de Campinas/SP, entre 2003 e 2004.

As autoras apresentam sua pesquisa como um caminho investigativo trilhado na companhia de muitas pessoas. É por conta desse percurso trilhado em conjunto com as educadoras que ela "hospeda", carinhosamente, as narrativas das educadoras populares a fim de amplificar suas vozes para que sejam audíveis nos espaços acadêmicos. O foco do trabalho investigativo é o processo de transformação que essas educadoras sofrem e relatam em suas narrativas. Com o sugestivo título de "Vamos fazer da nossa vida uma obra de arte?", as autoras ao mesmo tempo em que analisam as narrativas, discutem a noção de experiência fundamentada nas reflexões de Freire e Larrosa.

Fundamentados em uma perspectiva teórica um pouco distinta, e tendo como referencial o pensamento de John Dewey e David Ausubel - entre outros autores -, Verônica Santos Albuquerque, Carlos Otávio Fiúza Moreira, Suzelaine Tanji e André Vianna Martins também discutem o potencial formativo da narrativa em "A narrativa da prática como uma estratégia de construção do conhecimento na formação superior em saúde".

Neste estudo, os autores apresentam a narrativa como alternativa metodológica para a formação de profissionais de saúde que, hoje, privilegia a especialização precoce e o uso intensivo de tecnologia com procedimentos de alto custo. A pesquisa envolveu os alunos do Curso de Enfermagem da UNIFESO (Centro Universitário Serra dos Órgãos). Ao descrever e discutir as etapas da pesquisa com o desenvolvimento das narrativas dos estudantes de enfermagem, os autores apresentam de que modo os registros da experiência podem ajudar a refletir sobre o vivido reconstruindo-o e criando, dessa forma, o espaço da aprendizagem.

Após analisar os resultados dessa experiência com as narrativas no Curso de Enfermagem da UNIFESO, os autores defendem que ela se constitui numa importante estratégia de construção do conhecimento. Se as situações-problema, formuladas pelas comissões de currículo, visam articular conteúdos pré-definidos, a narrativa da prática, feita a partir de situações vividas/experiências, amplia a própria percepção da realidade e serve para dar sentido prático ao conhecimento.

Apontando para uma faceta diferente, a relação entre o conhecimento teoricamente elaborado e a expectativa de atuação efetiva também podem ser analisadas em outras áreas de formação. No caso da formação de professores de Educação Infantil, a distância entre as informações recebidas em cursos de formação e a condição para atuar de forma efetiva pode ocasionar sérios problemas quando se trata de identificar crianças vítimas de violência familiar.

O quarto grupo temático - Formação de professores, violência e justiça social -, inicia com o estudo de Cléa Adas Saliba Garbin, Artênio José Isper Garbin, Ana Paula Dossi de Guimarães e Queiroz e Adriana Alves Costa, com um universo de 236 profissionais de 59 escolas de educação infantil da cidade de Araçatuba/SP, e mostra que a maioria dos entrevistados declara sentir-se responsável pela notificação aos órgãos competentes, mas que poucos se sentem preparados e seguros para identificar os casos de violência contra as crianças.

Os dados apresentados no estudo intitulado "Formação e atitude dos professores de Educação Infantil sobre violência familiar contra criança" foram colhidos através de questionários e tratados de forma quantitativa e qualitativa ao mesmo tempo. Os autores partem do princípio de que a cooperação entre setores tão diversos como os da saúde, educação, serviços sociais, a justiça e a política são indispensáveis para resolver o problema da violência. Assim, o conhecimento destes profissionais é fundamental no momento de atuar contra os agressores e proteger a criança. No entanto, segundo os autores, consideram-se importantes, mais que o conhecimento, as atitudes expectantes e uma capacidade acentuada de observação, que podem ser suficientes para diagnosticar sinais e sintomas de maus-tratos, como lesões mal explicadas. Para os autores a dificuldade dos profissionais deve-se, como mostram os dados, ao sentimento de irresponsabilidade de alguns frente ao problema, à falta de clareza do que consiste o seu dever como profissional, e ao desconhecimento da legislação atual. Muitos temem ser implicados legalmente ou alegam dificuldades diante da resposta negativa da criança e da falta de marcas físicas. Para os autores, é preciso aprimorar a formação destes profissionais, tanto no que tange ao conhecimento legal do tema quanto no que tange à identificação dos casos de maus tratos.

Ainda com a mesma preocupação sobre a questão da violência, o estudo bibliográfico de Joyce Mary Adam de Paula e Silva e Leila Maria Ferreira Salles aponta os caminhos percorridos pelas discussões acadêmicas sobre o tema. O artigo, intitulado "A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção" pretende refletir, por meio de uma revisão de estudos na área, sobre as tendências teóricas que têm permeado a discussão.

Partindo de uma reflexão sobre as relações entre escola e violência, as autoras apresentam ao leitor como estes estudos têm abordado o tema, explicitando o que entendem por violência: o desrespeito, a negação do outro, a violação dos direitos humanos. Estas agressões tomam uma proporção ainda maior se associadas à miséria, à exclusão, à corrupção, ao desemprego, à concentração de renda, ao autoritarismo e às desigualdades sociais.

Ao analisar estes estudos, as autoras definem o que se entende, hoje, academicamente por maus tratos e bullying e suas consequências para a vida pessoal e social dos indivíduos envolvidos nos casos de violência. As autoras ainda analisam de que forma as relações estabelecidas entre professores e alunos, e entre estes e seus familiares, podem tanto gerar mais violência como serem permanentemente implicadas por ela. Em seguida, as autoras fazem uma discussão sobre algumas propostas de intervenção de instituições governamentais, tanto no Brasil quanto em outros países, como a Espanha, no combate à violência escolar. Por fim, as autoras concluem que os programas de prevenção devem ampliar a reflexão sobre as variáveis intervenientes na violência escolar, incorporando reflexões sobre condições concretas de vida, valores, preconceitos e a questão política e ideológica.

O terceiro e último trabalho deste grupo temático, "A busca pela efetividade do direito à educação: análise da atuação de uma Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do interior paulista", faz o relato das ações de uma promotoria na defesa na efetivação do direito à educação na cidade de Ribeirão Preto. Segundo a autora, Adriana Dragone Silveira, as ações da promotoria se destacam por vários aspectos, entre eles a realização de Audiências Públicas, a disposição da instituição para o recebimento de representações da sociedade civil, a criação da Promotoria da Comunidade, que vai até a população, e a criação de Conselhos Regionais Escolares.

Após uma revisão legal do processo de criação do Ministério Público e das Promotorias de Justiça pela Constituição Federal de 1988, a autora passa a analisar a atuação da promotoria de Ribeirão Preto, como no caso da falta de mais de 50% das vagas necessárias para o público atendido pela Educação infantil na cidade. Outros casos são relatados visando demonstrar o importante papel desempenhado pela Promotoria. Segundo a autora, portanto, é necessário reconhecer o papel fundamental que algumas promotorias e o Ministério Público têm desempenhado na defesa do direito à educação. É preciso estabelecer políticas institucionais e fortalecer o trabalho das Promotorias em conjunto com a sociedade, reconhecendo suas demandas reais.

O último e quinto grupo temático - Trabalho, história e condição docente - é composto de cinco trabalhos, começando por "Educação para além da formação do trabalhador alienado", de Natália Regina de Almeida, que configura-se como um estudo bibliográfico em torno da relação entre educação, trabalho e capital. Partindo de uma reflexão sobre o papel da educação na construção de uma sociedade mais igualitária, a autora faz uma revisão teórica buscando conceituar o sujeito a partir de uma perspectiva marxista. Ao problematizar o tema com questões como "o que a educação pode oferecer?" e "o que nós queremos da educação?" a autora defende a ideia de que é preciso reconceituar as dimensões histórica, cultural e política nas atividades práticas do trabalho articuladas a situações concretas das práticas sociais. Com a reinvenção da educação seria possível, aos indivíduos, a construção autônoma de suas subjetividades como um verdadeiro ato revolucionário.

Numa perspectiva diferente, mas igualmente comprometida, o trabalho sobre "Mulheres e professoras: repercussões da dupla jornada nas condições de vida e no trabalho docente", de Marli Lúcia Tonatto Zibetti e Sidnéia Ribeiro Pereira, caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa sobre as condições de vida e trabalho de mulheres que atuam na docência em educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental de três redes municipais do interior de São Paulo.

As autoras iniciam seu estudo numa perspectiva de gênero com uma discussão sobre o trabalho doméstico como responsabilidade feminina, ainda que elas estejam inseridas no mercado de trabalho. Após essa breve discussão as autoras apresentam os dados da pesquisa de que foram extraídos visando evidenciar a realidade em que vivem as mulheres que se dividem entre o trabalho doméstico e profissional, o cuidado com os filhos, a casa e as demandas dos cursos de formação. A pesquisa, realizada com 80 professoras de municípios do estado de Rondônia, traz os resultados dos depoimentos dados por elas em encontros de grupo focal.

Após analisar qualitativamente os dados obtidos, as autoras concluem que, considerando que a maioria do quadro docente é feminina, qualquer medida que se proponha a melhorar a qualidade da educação deve considerar as questões de gênero. Por outro lado, é preciso que as próprias professoras compreendam as condições em que estão inseridas para poder superar as desigualdades de gênero existentes, ampliando sua atuação como sindicalistas, educadoras, formadoras de opinião e produtoras de cultura.

Para compreender as condições atuais de profissionalização é importante, no entanto, recuperar alguns projetos históricos que marcaram o desenvolvimento de algumas áreas de atuação no Brasil, como o magistério e a saúde. Compreender os projetos intelectuais e governamentais para estas áreas pode nos ajudar a compreender algumas práticas que ainda permanecem nestes espaços. Os três últimos artigos deste grupo temático são de trabalhos desenvolvidos no âmbito da história da educação: um voltado para as atividades desenvolvidas pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em 1942, para a educação sanitária da população das regiões produtoras de matéria-prima; o segundo busca discutir a atenção dada pelo Ministério da Educação e Saúde, na década de 1930, aos estabelecimentos do Ensino Secundário; o terceiro é uma análise das reflexões de José Veríssimo sobre o problema educacional brasileiro no contexto da disputa entre abolicionistas e escravagistas, republicanos e monarquistas, durante o final do século XIX e início do século XX.

O trabalho de Rogério Dias Renovato e Maria Helena Salgado Bagnato sobre "O Serviço Especial de Saúde Pública e suas ações de educação sanitária nas escolas primárias (1942-1960)" analisa os acordos entre as agências brasileiras e norte-americanas que deram origem ao Serviço e suas atribuições. As principais fontes de análise dos autores são os Boletins SESP, publicados para divulgação dessas ações. Uma delas será a criação dos Clubes de Saúde nas escolas primárias, envolvendo crianças, pais e professores em projetos específicos, como as hortas caseiras, a organização de bibliotecas, entre outros. Além disso, o SESP promoveu cursos de capacitação para professoras primárias para que pudessem ensinar conhecimentos básicos de educação sanitária, cuidados com a higiene, quadros sintomáticos de enfermidades como a Malária comuns em algumas regiões etc.

Segundo os autores, um verdadeiro caldo de elementos se entrecruzavam nas ações do SESP: práticas de subjetivação, práticas de interdição, como também práticas de resistência na imensidão de um Brasil ainda em busca de identidade.

O trabalho de Geysa Spitz Alcoforado de Abreu, intitulado "A homogeneização do ensino secundário na década de 1930: estratégias de eficiência, racionalidade e controle" busca estudar a eficácia das inspeções e do controle federal sobre as instituições de ensino secundário a partir dos relatórios de inspeção do Ginásio Belmiro César, em Curitiba, durante a década de 1930.

Após discutir a legislação da época e suas possíveis implicações para as instituições de ensino, a autora convida o leitor a conhecer um pouco da história do Ginásio, que em 1935 solicitava a inspeção do Ministério para receber autorização de funcionamento. Além dos relatórios são analisados artigos de jornal, como "O Dia" e o acervo do Ginásio. Segundo a autora, o Ginásio conservou um acervo cuja fertilidade das fontes permite inúmeros estudos, possibilitando o exame da história do ensino secundário no Brasil sob uma nova perspectiva de análise, de maior alcance explicativo.

A superação das desigualdades e a inclusão de todos os brasileiros num projeto comum, de unidade nacional, não é uma preocupação recente dos intelectuais brasileiros. Considerados os distanciamentos temporais e ideológicos essa também era a preocupação do sociólogo e escritor José Veríssimo, autor consagrado e membro da Academia Brasileira de Letras do final do século XIX até o início do século XX.

O trabalho de Sônia Maria da Silva Araújo discute as interpretações dadas por Veríssimo para os problemas nacionais e, em especial, às questões educacionais. Ao realizar uma revisão biobliográfica sobre José Veríssimo, a autora oferece ao leitor um quadro das suas preocupações e expectativas de superação das condições de vida do povo brasileiro, especialmente do povo amazonense. Ao analisar suas ideias progressistas e abolicionistas, a autora percebe em Veríssimo um intelectual dividido entre os padrões de civilidade e modernidade urbanos e europeus e a simplicidade desejada da vida simples do interior amazonense. Segundo a autora, assim como outros pensadores de seu tempo, Veríssimo irá identificar os espaços do território nacional onde não houve desenvolvimento econômico e social como o Brasil do atraso. Por isso, Veríssimo defendia em sua obra "A Educação Nacional" a ideia de que a República representava a descentralização do poder e que a Educação seria partilhada por todos. Segundo a autora, ele acreditava que o Brasil republicano alargara as oportunidades ao estender educação a todos.

Com estes cinco grupos temáticos - Questões conceituais e metodológicas; Uso de novas tecnologias na educação; Experiência, narrativa e aprendizagem; Formação de professores, violência e justiça social; Trabalho, história e condição docente -, discutidos pelas mais variadas perspectivas teóricas e metodológicas, buscamos apresentar uma mostra da produção acadêmica atual que trata da educação e da docência fazendo cruzamentos entre os sujeitos da educação, suas crenças e práticas, e sua condição de vida pessoal e profissional. Boas leituras!

Deise Cristina de Lima Picanço

  • CAMBI, Franco. História da Pedagogia São Paulo: Editora UNESP, 1999.
  • HOBSBAWM, Eric. O novo século. Entrevista Antonio Polito. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    2010
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