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Apresentação

Nas sociedades ocidentais, os avanços da democracia tornaram possível o alargamento da base social da escola e o acesso das classes sociais desfavorecidas a processos de escolarização, trazendo novos desafios às práticas dos professores da Educação Básica. Atuar no contexto de heterogeneidade e complexidade da sala de aula do séc. XXI requer práticas pedagógicas diferenciadas e autonomia docente, a par do fortalecimento da profissão através do estudo e da pesquisa. Nesse contexto, e considerando ainda as tendências políticas atuais para o reforço de lógicas educativas neoliberais prioritariamente focadas na obtenção de resultados, nos rankings das instituições e na burocratização crescente dos processos de garantia de qualidade, importa manter em aberto o debate sobre a formação de professores, acreditando-se no potencial contributo da profissionalização docente para as transformações educativas e sociais. Entende-se, acima de tudo, que a formação de professores deverá fomentar uma escola de orientação humanista e democrática, rumo a uma sociedade também mais humanista e democrática.

Nessa sociedade ainda por vir, o papel do professor se destaca e se dignifica viabilizando a cidadania como dimensão coletiva. Nos contextos de formação, parece ser fundamental potencializar este profissional para a busca de soluções que atualizem suas práticas e as qualifiquem pelo estudo sistematizado, pela prática da pesquisa e produção de conhecimento sobre suas experiências educativas. Acredita-se que o desenvolvimento da autonomia pedagógica dos professores pode potenciar a sua responsabilidade social enquanto intelectuais críticos e agentes de mudança, e que a formação profissional pode favorecer processos de reconstrução do seu pensamento e da sua ação, num movimento de aproximação entre as universidades e as escolas que favoreça a construção coletiva de novas visões para a formação e a educação.

Nesse enquadramento, importa fortalecer o debate em torno das questões que permeiam hoje o cenário dos Mestrados Profissionais em Educação no contexto brasileiro, destacando os desafios e as novas perspectivas desta proposta formativa voltada aos profissionais da Educação Básica, e trazendo para esse debate contributos de outros contextos de formação onde a emancipação profissional e a transformação educativa são também prioridades estratégicas. É esse o objetivo central deste Dossiê temático, intitulado Mestrado Profissional e Formação de Professores: Experiências, Desafios e Perspectivas para a Educação Básica.

O Dossiê, composto por oito artigos e uma resenha, reúne os olhares de um grupo de pesquisadores-formadores provenientes do Brasil, Espanha, México e Portugal, que atuam em programas de pós-graduação e que nos seus textos problematizam como vem se desenvolvendo essa modalidade da formação docente nos seus contextos, apresentando suas convicções e experiências, suas pesquisas em torno da formação e suas perspectivas acerca de como este campo se vem constituindo e se pode desenvolver no futuro.

Na organização do Dossiê, procurou-se agrupar os textos em função de aproximações temáticas ou metodológicas que permitissem uma leitura focada em três dimensões centrais abordadas, embora por vezes cruzadas:

  1. processos de consolidação dos Mestrados Profissionais;

  2. metodologias em contexto formativo;

  3. resultados da formação à luz da análise dos trabalhos finais dos mestrandos.

O primeiro tema inclui três artigos. Os dois primeiros tratam de como vem se constituindo essa modalidade de formação docente no cenário brasileiro, através de uma perspectiva mais abrangente no primeiro e mais específica no segundo, apontando para os desafios vencidos ou outros a superar. O terceiro artigo apresenta o processo de constituição da formação profissional em educação ambiental no contexto mexicano.

No artigo intitulado Mestrados Profissionais em Educação: novas perspectivas da pós-graduação no cenário brasileiro, Nadia Hage Fialho e Tânia Maria Hetkowski (Universidade do Estado da Bahia) problematizam o processo de institucionalização desse modelo de pós-graduação profissional no Brasil, recente e ainda inconcluso. Sublinham que os mestrados profissionais anunciam perspectivas no campo da pesquisa e da formação, fortalecem relações entre Educação Superior e Educação Básica, incorporam a perspectiva da aplicação, da intervenção ou do desenvolvimento, criam intersecções entre mundo acadêmico e setor produtivo, setor público e setor privado, educação e formação de trabalhadores, nas mais diversas práticas sociais.

Dando continuidade ao debate, Marília Andrade Torales Campos e Ettiène Guérios (Universidade Federal do Paraná) sustentam, no artigo Mestrado Profissional em Educação: reflexões acerca de uma experiência de formação à luz da autonomia e da profissionalidade docente, que o compromisso das instituições de ensino superior com a formação dos profissionais que atuam na Educação Básica tem sido tema de discussão em diferentes momentos históricos e políticos. Partindo dos conceitos de autonomia e profissionalidade docente, discutem o processo de estruturação e desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino, da Universidade Federal do Paraná.

No terceiro artigo deste primeiro tema, intitulado La formación de educadores ambientales en México: avances y perspectivas, Édgar J. González-Gaudiano (Universidad Veracruzana) e Miguel Ángel Arias-Ortega (Universidad Autónoma de la Ciudad de México) relatam o desenvolvimento de programas de formação profissional sob a forma de diplomas, especializações e mestrados em educação ambiental. Mostram que no contexto mexicano a esfera da profissionalização se expandiu para além do circuito dos educadores ambientais, o que favorece o diálogo e o intercâmbio criativo e produtivo com outras áreas da educação, incluindo a educação intercultural, conservação, ciência, alterações climáticas, literatura e poesia, o que contribui para uma perspectiva multidisciplinar do processo de profissionalização dos educadores ambientais nesse país.

Os dois artigos seguintes focam metodologias formativas que podem ser exploradas nos currículos de programas de formação pós-graduada de professores (contínua e inicial), reportando-se aos contextos português e espanhol. Em ambos os textos se propõe uma abordagem experiencial e investigativa na formação.

O artigo La pedagogía de casos como estrategia catalizadora del cambio hacía la autonomía del alumno y del profesor en la formación inicial del profesorado de secundaria é apresentado por Manuel Jiménez Raya (Universidade de Granada). O autor argumenta a favor do desenvolvimento de uma pedagogia de casos na formação inicial de professores (mestrados em ensino), como metodologia na qual o conhecimento profissional é construído tendo por base associações entre experiência, reflexão e teoria, o que pode ajudar o professor em formação a compreender a complexidade da docência, encorajando abordagens indagatórias na busca de alternativas pedagógicas.

No segundo texto, intitulado Formação pós-graduada de professores: construindo uma pedagogia da experiência, rumo a uma educação mais democrática, Flávia Vieira (Universidade do Minho) defende uma pedagogia da experiência na reconfiguração do pensamento e das práticas dos professores, ilustrando-a com uma estratégia desenvolvida numa disciplina de um mestrado destinado a professores profissionalizados. Analisa narrativas de experiências pedagógicas desenvolvidas nesse contexto e produzidas por professoras mestrandas, discutindo o potencial emancipatório da abordagem na construção de uma visão crítica da educação e de práticas pedagógicas de orientação democrática.

O terceiro tema do Dossiê incide em resultados alcançados em programas de pós-graduação a partir da análise de trabalhos de conclusão de curso, em dois casos no âmbito de Mestrados Profissionais em Educação desenvolvidos em instituições brasileiras, e no terceiro caso num programa de formação inicial (mestrado em ensino) desenvolvido numa instituição portuguesa.

Marli André (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e Lisandra Princepe (Universidade Paulista e Faculdade Sumaré - UNIP) apresentam o artigo O lugar da pesquisa no Mestrado Profissional em Educação. Tendo como referência o Mestrado Profissional em Educação: Formação de Formadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, focam a sua atenção no modo como se tem procurado articular investigação e prática pedagógica na estrutura curricular do curso e apresentam uma análise dos trabalhos finais defendidos pelos mestrandos, destacando temas, metodologias e resultados obtidos, o que permite avaliar a consecução dos objetivos pretendidos.

No artigo seguinte, Mestrado Profissional em Educação: Teoria e Prática de Ensino - qualificação dos processos de educar na pesquisa da Educação Básica, Claudia Madruga Cunha e Neila Tonin Agranionih (Universidade Federal do Paraná) analisam as dissertações produzidas pela primeira turma do Mestrado em Educação: Teoria e Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná, destacando a construção da identidade do programa de formação de professores. Buscam os efeitos da instrumentalização da pesquisa na elucidação da experiência docente e as possíveis intervenções nos contextos profissionais dos seus autores, encontrando três tendências nos estudos analisados: exploração da experiência na busca de contribuir para o próprio campo; uso da tecnologia para a inovação da prática; problematização do meio escolar no desenvolvimento do profissional e nas condições da sua profissionalidade.

No último artigo, os Desafios e possibilidades na formação de professores - em torno da análise de relatórios de estágio, Ana Isabel Andrade e Filomena Martins (Universidade de Aveiro) trazem por foco um curso de mestrado de formação inicial de professores (Mestrado em ensino) e tentam compreender, a partir de relatórios finais de estágio das futuras professoras, as potencialidades de um trabalho formativo e pedagógico que elege a diversidade linguística como objeto de reflexão e intervenção. Analisam o conteúdo do discurso dos relatórios enquanto produtos de um dispositivo de ação, investigação e formação, buscando caracterizar processos de construção de conhecimento profissional sobre práticas de educação para a diversidade.

O Dossiê termina com a resenha da obra Pedagogias do século XXI, de Jaume Carbonell (Porto Alegre: Penso, 2016, 3. ed.), na qual Jocilene Gordiano Lima Tomaz Pereira (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e Douglas Ortiz Hamermüller (Universidade Federal do Paraná) nos conduzem numa viagem por oito Pedagogias que o autor discute a partir da questão: "quais são os novos discursos e práticas pedagógicas que estão emergindo e iluminando este novo século e partir de onde se constroem?" São elas: as pedagogias não institucionais; as pedagogias críticas; as pedagogias livres não diretivas; as pedagogias de inclusão e de cooperação; a pedagogia lenta, serena e sustentável; a pedagogia sistêmica; as pedagogias do conhecimento integrado; as pedagogias das diversas inteligências. Através das trajetórias, marcas identitárias e vivências educativas de cada uma destas Pedagogias, compreendemos a complexidade do campo educativo, mas, também, como sublinham os autores da resenha, as suas incompletudes e possibilidades futuras. Trata-se de uma obra relevante para o tema deste Dossiê, na medida em que a pedagogia é o foco central da formação de professores.

Com o conjunto de textos apresentados neste Dossiê temático, almeja-se não só contribuir para amparar a reflexão sobre o processo de implantação dos Mestrados Profissionais em Educação no cenário brasileiro, mas também favorecer um debate mais alargado acerca das finalidades e natureza da formação profissional pós-graduada de professores, no sentido de compreender que relações se estabelecem entre teoria e prática, entre investigação e ensino, entre acadêmicos e professores, e de que forma a formação se orienta para a construção de práticas educativas mais humanistas e democráticas nas escolas. O envolvimento dos (futuros) docentes em processos de reflexão, ação e pesquisa com vista à compreensão e à transformação da realidade educativa afigura-se, nos cenários formativos em análise, o eixo central de um desenvolvimento profissional emancipatório, que atenda simultaneamente aos desenvolvimentos teóricos do campo da Educação, às circunstâncias socioculturais das escolas, à necessidade de potenciar as aprendizagens dos alunos e ao imperativo de construir escolas e sociedades mais inclusivas e participadas.

Reconhecendo que a formação de professores, o ensino e a mudança educacional são campos complexos e controversos, nos quais se jogam questões de ordem prática, ética e política, entendemos que entre eles se devem criar dinâmicas geradoras de novos conhecimentos e novas práticas, importando discutir como se articulam nos espaços formativos, que desafios se colocam nesses espaços e que perspectivas de desenvolvimento se desenham no presente e para o futuro.

Claudia Madruga CunhaFlávia Vieira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
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