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O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937)

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937)

Caroline Baron Marach

Graduanda em História na Universidade Federal do Paraná, Bolsista de Iniciação Científica, atualmente desenvolvendo o Projeto de Pesquisa A trajetória de Erasmo Pilotto no âmbito do Movimento pela Escola Nova: levantamento, catalogação e análise de fontes históricas, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Eduardo Vieira. karoldoscopio@yahoo.com.br

VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001.

Em busca de uma compreensão mais sutil do campo educacional brasileiro na primeira metade do século XX, Diana Gonçalves Vidal traz o foco de sua pesquisa para uma instituição em especial. Sua problemática se dá em torno do Instituto de Educação do Distrito Federal nas gestões de Anísio Teixeira e posteriormente de Fernando de Azevedo, ambas na década de 30.

A pesquisa que gerou a tese de doutorado e mais tarde a obra da autora, procura analisar o cotidiano das normalistas cariocas através de um vasto levantamento de fontes dos arquivos administrativos e educacionais do Rio de Janeiro. Assim, os argumentos apresentados na obra estão baseados em um rigoroso trabalho de análise documental. É com essa riqueza de dados que o leitor de Vidal é levado a refletir sobre o rico universo simbólico do ambiente educacional referido na obra da autora. Pode-se, até mesmo, compreender os tênues detalhes da mentalidade da sociedade à que servia o Instituto do Rio de Janeiro dessa primeira metade do século.

As gestões de Fernando de Azevedo e de Anísio Teixeira, como um segundo recorte, são prioridade na pesquisa da autora. Esta estabelece claramente a relação entre as práticas do Instituto de Educação carioca e as idéias da Escola Nova. Tais idéias constituíram a linha pedagógica desses intelectuais que coordenaram aquele Instituto de Educação e outras experiências no campo educacional.

Na aplicação das práticas desse novo ideário que questiona os antigos métodos de ensino de Herbart, surgia a necessidade de que fossem feitos testes e experimentos que tornassem essas novas práticas trazidas pela Escola Nova válidas para as escolas brasileiras que, até então, pouco as conheciam. Para isso, houve espaços únicos, verdadeiros laboratórios, em que a experimentação era também um recurso pedagógico para induzir ao conhecimento autônomo do aluno. Experimentar era para os diretores do Instituto de Educação carioca essencialmente uma vivência geradora de conhecimento.

É muito comum, na historiografia corrente, entender o papel dos intelectuais no ambiente cultural brasileiro da primeira metade do século XX como indivíduos que se autodelegaram a função de guias de uma nação sem identidade. Eram os forjadores da cultura brasileira com seus símbolos e histórias. Nesse sentido, também muito se explicou o papel de intelectuais como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Contudo, na obra de Vidal esses intelectuais não aparecem como guias civilizadores. Têm seu papel relativizado pelo caráter humano de seu projeto. Antes de uma proposta de civilização e conformação das massas, dispunham-se a compreender o universo do cidadão brasileiro comum. Queriam, portanto, tomar conhecimento do modo de vida de todos os estratos sociais. Era a todos, como mandam os preceitos democráticos, que deveriam dispor educação. Como é comprovado, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo teriam exigido inquéritos minuciosos que possibilitavam aos educadores estarem mais próximos da população a que eram dirigidos os programas educacionais do Instituto.

Na preocupação de reconstruir mentalmente o espaço físico da instituição carioca em análise, descreve-se a grandiosidade que fora sonhada e pretendida para todos os centros educacionais brasileiros. A grande infra-estrutura do Instituto de Educação equipada com bibliotecas, programas de rádio e laboratórios são indícios concretos do ambicioso projeto político-cultural dos intelectuais acima citados.

Às bibliotecas, Vidal destina um capítulo especial. Cita as principais obras utilizadas na formação das normalistas e uma grande quantidade de dados são levantados sobre o movimento do acervo bibliográfico daquele Instituto em análise.

Enfatizando a importância que a leitura tinha no processo de aprendizagem defendido pela Escola Nova, a autora analisa a presença do livro na escola primária do Instituto e de todo o país. Aquele material, que já não era mais visto como um simples depósito de dados abstratos era concebido pelos reformadores como peça que conciliava experiência e conhecimento. Devia estar sempre à disposição do aluno em grande quantidade. Dentro da concepção da Escola Nova, as bibliotecas, assim, também tinham um novo papel pedagógico. Eram, pois, centros de cultura e para tal precisavam estar bem equipadas de modo a fornecer suporte ao aluno em sua busca pelo conhecimento dentro das suas experiências. Podemos imaginar, pela descrição feita na obra, as dimensões da Biblioteca Central cujo acervo

contava com obras norte-americanas, francesas, inglesas, italianas e espanholas. Até 1937 contava com 16.621 peças catalogadas, desdobradas em 24.942 volumes... Possuía 577 filmes educativos de 16 mm e 45 educativos e culturais, aparelhos de projeção e outros equipamentos. (VIDAL, 1999, p. 167)

A pesquisa de Vidal também aponta uma lenta mudança na relação bibliográfica utilizada pelas normalistas na Biblioteca do Instituto do Distrito Federal ao longo da década de 30. Essa alteração na bibliografia do acervo é vista em decorrência das mudanças no pensamento educacional a partir da década de 20 no Brasil. As atenções voltaram-se para novas áreas que dialogavam com a Pedagogia, como a Psicologia, as Ciências Sociais e a Biologia.

Tendo o livro como gerador de experiência e a biblioteca como centro de cultura, o modo como a mensagem era lida e interpretada também chamava a atenção dos pensadores da Escola Nova. Nesse sentido, aponta-se na obra algumas práticas e métodos correntes entre os mestres daquele Instituto que induziam o aluno a uma leitura inteligente, silenciosa e dinâmica.

Concebendo a experiência como meio para o conhecimento, Diana Gonçalves Vidal via na prática experimental o principal recurso pedagógico utilizado pelos alunos e mestres do Instituto de Educação do Distrito Federal. Dentro de um centro educacional onde tudo parecia um grande experimento, era essencial o exercício disciplinado do olhar - análises, inquéritos, avaliações - para que a prática fosse incorporada ao cotidiano escolar, como no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e posteriormente, irradiada para todos os outros centros educacionais do país.

Texto recebido em 20 fev. 2001

Texto aprovado em 27 mar. 2002

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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