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Apresentação

No mês de setembro deste ano, Paulo Freire completaria 95 anos de existência (19/09/1921). Este Dossiê constitui-se em uma homenagem que a Educar em Revista presta ao Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, educador que tem inspirado movimentos de transformação, no Brasil e no exterior.

Este Dossiê registra as contribuições de Paulo Freire como referência epistemológica suleadora da prática pedagógica e da formação de professores. O legado e a reinvenção da Pedagogia freireana são registrados em pesquisas que anunciam a materialidade desse pensamento atual e fecundo, em diferentes níveis e modalidades da educação pública e no contexto dos movimentos populares. Objetiva-se explicitar as condições em que se deram as diferentes recriações do paradigma de formação permanente, proposto por Paulo Freire, e as contribuições dessas experiências para a prática pedagógica, como proposta contra-hegemônica aos modelos que legitimam a ordem social vigente.

O Dossiê temático Paulo Freire, a Prática Pedagógica e a Formação de Professores se apresenta como espaço legítimo de compartilhamento de compreensões, que possam nutrir nossa força e esperança, em face ao clima político que vive o país e o mundo. O contexto de inquietude e indignação, diante dos fatos, mobiliza autores nacionais e internacionais a ocupar espaços, tempos e movimentos, com alento no olhar esperançoso de Freire, que nos convida a seguir na busca esperançosamente crítica por uma prática pedagógica e uma formação de professores, de matriz emancipatória. A leitura do conjunto das produções convida a reconhecermos as contradições do tempo presente, como elemento necessário para a mobilização do conhecimento em ação transformadora.

O pressuposto de que a educação se constitui e institui como ato político e historicamente situado é o esteio comum de oito artigos, da entrevista e da resenha. Os textos apresentam vinculação com os objetivos do Dossiê, dando-lhes materialidade, quais sejam: analisar o contributo epistemológico de Paulo Freire, como suleador da formação de professores, da prática pedagógica e/ou da educação popular; abordar o legado e a reinvenção da pedagogia freireana, registradas em pesquisas realizadas, em âmbito nacional e no exterior; compreender a materialidade do pensamento freireano em diferentes níveis e modalidades da educação pública ou no contexto da arte, cultura e educação populares.

O Dossiê principia com o artigo de Ana Maria Saul e Alexandre Saul, que aborda as contribuições de Paulo Freire como fundamentos e práticas da formação de educadores de um paradigma contra-hegemônico. O texto expõe um panorama das críticas que vêm sendo feitas às políticas e práticas de formação de educadores e às racionalidades subjacentes às propostas que disputam projetos nesse campo de estudos e pesquisas. São apontados resultados da pesquisa "Paulo Freire na atualidade: legado e reinvenção", que busca evidenciar a materialidade e a reinvenção do pensamento de Freire, em diferentes contextos educativos da realidade brasileira, decorrentes de uma pesquisa que tem origem na Cátedra Paulo Freire da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), envolvendo uma rede que congrega 28 pesquisadores vinculados a 14 Programas de Pós-Graduação em Educação, distribuídos em 10 estados.

O segundo artigo, de autoria de Marco Raúl Mejía Jiménez, traz um olhar desde a Colômbia, sobre o diálogo-confrontação de saberes e negociação cultural como eixos das pedagogias da educação popular, uma construção a partir do sul. Por meio de um resgate histórico versa sobre o desenvolvimento da educação popular da nossa América, desde o início do século XIX, quando Simón Rodríguez propõe ao Conselho de Caracas implementar a proposta na sua educação. Hoje, quando a educação popular é proposta como uma aposta para toda a sociedade e ao conjunto dos/as educadores/as, o texto mostra como esse arcabouço pedagógico reflete na proposta atual, fundada no diálogo, confronto de saberes e negociação cultural, tornando possível um exercício educativo que integra intraculturalidade, interculturalidade e transculturalidade como aposta na transformação do mundo, reconhecendo que somos humanamente diferentes, culturalmente diversos e ainda continuamos a viver em sociedades profundamente desiguais.

As contribuições de Paulo Freire para o desenvolvimento de práticas crítico-reflexivas na formação de educadores dão corpo ao terceiro artigo, apresentado por Ana Lúcia Souza de Freitas e Mari Margarete dos Santos Forster. O texto apresenta uma proposta de ensino-investigação desenvolvida em um Curso de Mestrado Profissional, como possibilidade de formação de gestores crítico-reflexivos. A metodologia utilizada fundamenta-se em Paulo Freire para propor dispositivos de formação que têm como objetivo o desenvolvimento da reflexão, do registro, da observação e da escuta. A documentação da experiência de três edições da disciplina Gestão do Ensino Básico foi realizada por meio de diários de pesquisa e outras modalidades de registros reflexivos elaborados pelos/as mestrandos/as. A análise contribui para a investigação sobre o tema da gestão escolar, ressignificando o próprio ensino e corrobora a compreensão acerca das contribuições de Paulo Freire para o desenvolvimento de práticas educativas crítico-reflexivas no âmbito da docência e da gestão da escola.

O quarto artigo, de autoria de Maria Socorro Lucena Lima e Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga, aborda a relação ensino-aprendizagem da docência que revela traços da pedagogia de Paulo Freire no Ensino Superior. Com o objetivo de contribuir com o debate sobre a docência no Ensino Superior, compreendendo-a como fenômeno educativo concreto e historicamente situado, o artigo aponta elementos para uma práxis dialógica na formação do professor universitário. O reconhecimento das contradições inerentes ao contexto político e sua influência na formação para a docência no espaço-tempo da universidade indica a pesquisa como princípio formativo e ato de conhecimento mediador do contato e da reflexão com e sobre a realidade da sala de aula na universidade, com vistas a compreender e objetivar ações e relações autenticamente formadoras.

A cultura popular e a educação popular como expressões da proposta freireana para um sistema de educação ganham corpo na discussão do quinto artigo, na autoria de Carlos Rodrigues Brandão e Maurício Cesar Vitória Fagundes. O artigo discute a proposta de cultura e educação popular, desenvolvida a partir dos anos 1960, por Paulo Freire, como possibilidade de articular e fundamentar a proposta e/ou sistema de educação, contemplando da alfabetização à universidade. Proposta que reúne elementos com forte suficiência para pensar a educação para além da concepção dita tradicional, em que a "informação cultural" em suas múltiplas expressões e a educação eram, ou ainda são, utilizadas como recursos pedagógicos para transferir a setores populares conhecimentos eruditos, carregados da lógica dominante. O estudo indica a importância de reconhecer valores da cultura de grupos e comunidades populares como elementos próprios da reflexão coletiva sobre as condições de vida que consubstancie o pensamento do povo de um sentido humano e crítico.

O sexto artigo problematiza a formação de professores, na perspectiva da formação humana, como uma tarefa necessária e possível. Suzana Cini Freitas Nicolodi e Valentim da Silva analisam essa formação baseados em uma experiência vivenciada e integrada entre estudantes de uma turma do Curso de Licenciatura em Ciências e de uma turma do 9° ano do ensino fundamental no litoral paranaense. Compreendendo a importância de buscar a ruptura epistemológica com o paradigma educacional dominante, foram construídos novos sentidos e maneiras de fazer e fazer-se na docência. Em docência compartilhada, via aprendizagem por projetos e apoiados na pedagogia freireana, os autores apresentam suas percepções sobre os processos de mediação na formação de professores e na formação humana. Apontam como principais aprendizados a necessidade de intervenção nos espaços formativos; o reconhecimento do contexto local para a ressignificação de conceitos e valores; a garantia de espaços de escuta e de fala; e, sobretudo, o cuidado afetivo com o outro.

Eliete Santiago e José Batista Neto discutem a formação de professores e a prática pedagógica na perspectiva freireana, com base na categoria diálogo, constituindo, assim, o sétimo artigo deste Dossiê. A prática pedagógica ganha centralidade como categoria de análise e como atividade formadora, tratada numa perspectiva institucional e plural, enquanto que a prática pedagógica docente se constitui em uma das suas traduções. A dimensão relacional é destacada como característica e base do pensamento freireano, bem como explicação das relações ensino-pesquisa, docência-discência, sujeitos da educação-contexto socioeducacional.

Encerrando os artigos, Licínio C. Lima traz, a partir de pesquisas realizadas na Europa, seu olhar sobre a educação cultural e ético-política dos professores. Observa que a formação de professores como educadores profissionais tem sido dominada pela razão instrumental. Políticas educativas baseadas no gerencialismo, na performance competitiva da escola, em padrões de avaliação, têm sublinhado a necessidade de um novo tipo de professor: um professor altamente racional, dotado de um perfil fortemente técnico. Essas tendências instrumentais e os riscos envolvidos no processo de didatização da educação dos professores são criticados com base na importância de uma educação cultural e ético-política de professores. Os trabalhos de Paulo Freire foram escolhidos como a principal fonte para refletir sobre algumas das exigências básicas para alguém se tornar um professor, de acordo com uma agenda democrática e crítica. De acordo com a prespectiva freiriana, as possíveis contribuições resultantes de uma educação emancipatória e transformadora de educadores profissionais exigirão a capacidade de combinar formação técnica, científica e profissional com educação política, sonho e utopia.

Encerram este Dossiê uma entrevista e uma resenha. A entrevista foi realizada por Alexandre Saul e Ana Maria Saul com Ira Shor sobre Paulo Freire, "O poder que ainda não está no poder": Paulo Freire, pedagogia crítica e a guerra na educação pública - uma entrevista com Ira Shor. Ira Shor é professor na City University of NY's Graduate Center (Phd Program in English) e no Departamento de Inglês do College of Staten Island (CSI). O Dr. Shor tem se dedicado ao ensino de alunos da graduação e pós-graduação, na perspectiva da educação crítica. O trabalho de Shor com Freire teve início em 1980 e se estendeu até 1997. Ambos são coautores do primeiro livro falado de Paulo Freire intitulado, no Brasil, "Medo e Ousadia: o cotidiano do professor". Na entrevista, concedida aos professores Alexandre Saul e Ana Maria Saul, o professor Shor discute a importância da pedagogia crítica na formação de professores, diante de um cenário global de crescente conservadorismo e adoção de políticas públicas de educação neotecnicistas, que contribuem para obstaculizar a autonomia das escolas e dos professores. Ele fala da atualidade do pensamento de Paulo Freire como uma possibilidade factível de construção de uma educação pública e democrática no bojo da qual a formação de professores precisa se fazer com diálogo, respeito aos diferentes conhecimentos e formas de conhecer, horizontalidade nas relações humanas e indissociabilidade entre teoria e prática. Ira Shor destaca que, para Paulo Freire, a construção de um mundo mais justo, para todos, necessita de uma utopia que tenha raízes bem plantadas na história. Enfatiza a impossibilidade da neutralidade da educação e a necessidade da conscientização para transformação da realidade.

Este Dossiê, Paulo Freire, a Prática Pedagógica e a Formação de Professores finaliza com a resenha do livro Paulo Freire: gênese da educação intercultural no Brasil, realizada por Fernanda Quatorze Voltas. A obra em referência é fonte de pesquisa bibliográfica de autoria de Ivanilde Apoluceno de Oliveira e discute as possíveis contribuições do pensamento de Paulo Freire para a gênese histórica da educação intercultural, no Brasil. As questões que a pesquisadora se propõe a responder sobre a temática escolhida são detalhadamente descritas na "Introdução" e formuladas a partir do reconhecimento de que a matriz de educação defendida por Freire valoriza e respeita as diferenças culturais e os saberes de experiência feitos dos sujeitos, ao não dicotomizar cultura, conhecimento e poder. A obra permite compreender algumas das raízes teóricas e categorias fundantes do pensamento filosófico e pedagógico de Paulo Freire, no bojo dos movimentos de educação popular dos anos 1960. Ao apontar obras do autor nas quais a questão do multiculturalismo se faz presente, oferece ao leitor as bases iniciais para suas próprias pesquisas e aprofundamento sobre a temática.

Gratidão diz bem da alegria e honra de articular contribuições de um coletivo de educadores que lutam e labutam por uma ética social do bem-comum.

Maurício Cesar Vitória FagundesMaria Margarete Sampaio de Carvalho Braga

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
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