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O conhecimento e a interdisciplinaridade: primeiras reflexões

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O conhecimento e a interdisciplinaridade: primeiras reflexões

Antonio Lineu Carneiro; Elinor Eschholz Ribeiro; Martha G. de Sánchez; Sílvia M. Müller; Sonia Mª C. Haracemiv; Sonia Mª M. Carneiro

Professores do Departamento de Métodos e Técnicas, Universidade Federal do Paraná

Conhecimento é uma procura e não uma posse.

Japiassú

Este grupo interdisciplinar formou-se a partir de interesses comuns e da necessidade de discutir a sua prática pedagógica dentro do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação, do Setor de Educação da UFPR. Embora o primeiro momento fosse gerado pela equipe docente que trabalha no projeto de Alfabetização de Adultos, outros participantes foram se agregando ao grupo inicial.

Trata-se de um grupo heterogêneo, mas, de acordo com José Bleger1 1 BLEGER, José. Grupos operativos eno Ensino. Revista de Psicologia e Pscicoterapia de Grupos, p.11, 1961. , é a heterogeneidade que produz o enriquecimento das discussões e investigações. A princípio o grupo enfrentou dificuldades em se organizar e em sistematizar os debates para iniciar uma divulgação doa avanços de uma nova abordagem da prática educativa. As diferenças oriundas da bagagem de conteúdos e das variadas formas de ler o mundo, não impediram um caminhar progressivo na realização dos primeiros trabalhos. Algumas questões têm sido discutidas como: interdisciplinaridade, metodologia interdisciplinar, metodologia científica e conhecimento.

De modo especial o conhecimento doi estudado, refletido e discutido pelo grupo, que sentiu a necessidade de esclarecimento nesta temática específica, quanto às seguintes questões:

- como se constrói o conhecimento em sala de aula?

- qual o papel da interdisciplinariedade?

- qual o compromisso do professor interdisciplinar em relação à produção do conhecimento? Após as leituras vinculadas aos temas, o grupo chegou a algumas conclusões:

- conhecer é um processo que permite ao homem ler o mundo de muitas maneiras;

- essa leitura não deve ser apenas contemplativa, desinteressada, mas sim reflexiva e conseqüente, em vista da ação do homem no seu mundo na busca de uma melhor qualidade de vida.

Segundo Prestes,2 2 PRESTES, Nadja. O conhecimento e a escola. Revista ABT (Tecnologia Educacional), Rio de Janeiro, mar./jun. 1989, n.87-88, p.24-26. nesta relação sujeito e objeto (fato, fenômeno e realidade) dá-se o processo do conhecimento, que é fundamental ao desenvolvimento da cidadania. Neste sentido, o homem, numa ação coletiva e de posse do conhecimento, tem condições de agir de forma consciente e co-responsável na construção da sociedade onde ele vive.

Sob esta perspectiva, os participantes do grupo passaram a explicitar alguma evidências em relação à construção do conhecimento em sala de aula.

Seguem-se duas ilustrações de atividades pedagógicas, respectivamente, numa disciplina em nível de 3º grau e num Grupo de Alfabetizados Adultos; em ambos os casos evidencia-se a construção do conhecimento dentro do enfoque interdisciplinar.

Para o efeito de se verificar os processos, pode ser utilizada a seguinte técnica: distribui-se uma tira de papel dobrável (o que permite que cada aluno se expresse livremente) e em cada dobra pede-se que o aluno escreva o nome de uma coisa que acredita "conhecer bem". Desta forma os alunos não sabem a princípio o que é que os colegas terão escrito. A seguir, todas as respostas são listadas no quadro negro.

É muito grande o leque das possibilidades de discussão. Por exemplo: verifica-se uma enorme diversidade de "coisas conhecidas": aparecem cem conhecimentos ligados tanto ao cotidiano, quanto ao âmbito profissional e até ao referencial efetivo e político. Isso pode ser deduzido pelos próprios alunos e permite fazer uma primeira classificação das idéias apontadas.

Posteriormente, uma análise lingüística permite identificar as formas gramaticais mais usadas (substantivos, como "a casa", "conduzir um carro", se utilizando de verbo em infinitivo...). Com freqüência surgem outros elementos, como adjetivos possessivos: "meus filhos", "meu jeito", "minha igreja", etc.

É fácil elaborar junto aos alunos uma síntese à guisa de fecho: o conhecimento está ligado à realidade, "representa" essa realidade e se apropria dela. Conseqüentemente, o conhecimento é construído.

O Enfoque Metodológico Interdisciplinar que está no quadro 1 foi elaborado a partir da ação do grupo que trabalha no Projeto Alfabetização de Adultos da UFPR, traduzindo momentos de vivência do grupo.


Quanto à questão da interdisciplinaridade, na produção do conhecimento poder-se-ia dizer que o conhecimento interdisciplinar se apresenta como uma possibilidade de reoganização do saber para a produção de um novo conhecimento. Esta postura vem ganhando relevo cada vez maior em nossos dias, aparecendo como um procedimento metodológico que vem se opor à fragmentação do ensino, buscando a totalidade e o unitário. Para tanto, se faz necessário que as disciplinas (ciências ensinadas) em seu processo constante e desejável de interpenetração, fecundem-se cada vez mais reciprocamente. O primeiro passo pois seria o estudo de um objeto, um tema, um problema sob diferentes ângulos. A interdisciplinaridade, sob esta ótica, não se apresenta apenas como um constructo teórico, mas impõe-se como uma prática fundamentada nas relações interpessoais e na organização do saber. Segundo Fazenda, "a interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, mas vive-se exerce-se.3 3 FAZENDA, Ivani Catarina. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro. São Paulo: Loyola, 1979. p.8

Este frupo, porém, no seu processo acadêmico, discute até que ponto a interdisciplinaridade não pode ser ensinada?

Percebe-se que antes de ser interdisciplinar, é preciso pensar interdisciplinaridade, partindo do pressuposto de que nenhuma forma de conhecimento é em si acabada; aparece como necessário o diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se por elas interpenetrar. Isto implica numa visão holística de mundo, aceitando o conhecimento como produo do conjunto das relações: saber crítico-homem-sociedade. Quanto ao compromisso do professor interdisciplinar na produção do conhecimento, as discussões se desenvolvem no seguinte sentido: na educação, o ensino interdisciplinar, nasce da proposição de novos objetivos, novas metodologias, novos conteúdos, enfim, de uma nova Pedagogia; - a Pedagogia da Comunicação. Esta pedagogia encaminha uma construção do conhecimento que, embasado numa dinâmica de criação e recriação, impeça a pura transferência e aplicação de teorias, conteúdos ou tecnologias. Uma postura interdisciplinar crítica só pode existir quando há uma dialógica entre o conhecimento e sua aplicação na prática social. Este procedimento deve nos levar à ousadia da busca e da pesquisa, transformando a insegurança num exercício do pensar, num construír coletivo e universal.

Como diz Fazenda, a produção do conhecimento deve constituir-se num trabalho de parcerias, onde um pensar venha a se complementar no outro. Também afirma a citada autora, "Queiramos ou não, nós educadores sempre somos parceiros; parceiros dos teóricos que lemos, parceiros de outros educadores que lutam por uma educação melhor, parceiros de nossos alunos, na tentativa da construção de um conhecimento mais elaborado.4 4 FAZENDA, Ivani Catarina. Fundamentos de uma prática interdisciplinar a partir da tese "Interdisciplinaridade: um projeto em parceria". Revista ANDE, São Paulo, v.12, n.19, p.41, 1993.

Ainda segundo fazenda, a "interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação."5 5 Idem., p.42. Por sua vez, o grupo considera que na ação pedagógica, a questão não é só o que ensinar, mas também os procedimentos envolvidos no como ensinar. Assim, o educador, nesta perspectiva, deve estar sempre questionando seu saber e discutindo sua prática. Deve também despertar no educando o espírito de busca, de sede da descoberta, pela imaginação criadora, e a insatisfação constante no domínio do saber, ensinar-lhe a aprender a se contruir e a se reconstruir.

Embora, na construção do conhecimento, como açõa educativa, é necessário considerar a multiplicidade de fatores intervenientes no processo pedagógico. Neste contexto, vale evocar a metáfora de Sandra Lúcia Ferreira:

O conhecimento é uma sinfonia. Para a sua execução será necessária a presença de muitos elementos: os instrumentos, as partituras, as músicas, o maestro, o ambiente, a platéia, os aparelhos eletrônicos etc. A orquestra está estabelecida. Todos os elementos são fundamentais, descaracterizando, com isso, a hierarquia de importância entre os membros. As partes se ligam, se sobrepõem e se justapõem num movimento contínuo, buscando um equilíbrio entre as paixões e desejo daqueles que a compõe. O projeto é único: a execução da música.

6 6 FERREIRA, Sandra Lúcia. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1991. p.33

  • BLEGER, José. Grupos operativos no Ensino. Revista de Psicologia e Pscicoterapia de Grupos, n. 1, p. 11, 1961.
  • DEMO, Pedro. Introdução à Metodologia da Ciência São Paulo: Atlas,. p. 29-46.
  • FAZENDA, Ivani Catarina. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: Efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1979.
  • ______. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1991.
  • ______. Práticas interdisciplinares na escola São Paulo: Cortez, 1991.
  • ______. Fundamentos de uma prática interdisciplinar. Revista ANDE, São Paulo, v.12, n.19, p. 39-42, 1993.
  • ______ et al. A prática de ensino e o estágio supervisionado Campinas: Papirus, 1991.
  • FERREIRA, Sandra Lúcia. Práticas interdisciplinares na escola São Paulo: Cortez, 1991. p.33-35.
  • JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro: Imago, 1976.
  • ______. Atitude interdisciplinar no sistema de ensino. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 108, p. 83-94, jan./mar., 1992.
  • PRESTES, Nadja. O conhecimento e a escola. Revista ABT (Tecnologia Educacional), Rio de Janeiro, v.18, n.87-88, p.24-26, mar./jun., 1989.
  • 1
    BLEGER, José.
    Grupos operativos eno Ensino. Revista de Psicologia e Pscicoterapia de Grupos, p.11, 1961.
  • 2
    PRESTES, Nadja. O conhecimento e a escola.
    Revista ABT (Tecnologia Educacional), Rio de Janeiro, mar./jun. 1989, n.87-88, p.24-26.
  • 3
    FAZENDA, Ivani Catarina.
    Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro. São Paulo: Loyola, 1979. p.8
  • 4
    FAZENDA, Ivani Catarina. Fundamentos de uma prática interdisciplinar a partir da tese "Interdisciplinaridade: um projeto em parceria".
    Revista ANDE, São Paulo, v.12, n.19, p.41, 1993.
  • 5
    Idem., p.42.
  • 6
    FERREIRA, Sandra Lúcia.
    Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1991. p.33
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1994
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