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Christoph Wulf, Le scienze dell'educazione in Germania

Christoph Wulf, Le scienze dell'educazione in Germania** Resenha da obra Resenha da obra Le scienze dell'educazione in Germania.Tuglie: Sallentum Editriche, 1998.

Pedro Goergen*** Resenha da obra Resenha da obra Le scienze dell'educazione in Germania.Tuglie: Sallentum Editriche, 1998.

Duas razões nos levam a apresentar ao leitor brasileiro esse livro estrangeiro: primeiro, trata-se de uma obra importante e de grande interesse internacional, que fornece um quadro sinóptico do desenvolvimento mais recente da ciência da educação na Alemanha e, segundo, esse livro deverá, ¾ depois das edições francesa, italiana e espanhola, ¾ ser em breve traduzido para o português.

Pode parecer estranho que um livro de um autor alemão seja resenhado com base em uma edição italiana. Esta aparente incongruência explica-se pelo fato de o texto alemão ter sido profundamente retrabalhado para sua edição em italiano, razão pela qual o próprio autor a considera como versão original.

Como se trata de um autor ainda desconhecido em nosso meio, parece-me pertinente apresentá-lo rapidamente. Cristoph Wulf estudou ciência da educação, filosofia, história e literatura em Berlim, Marburgo, Paris e nos Estados Unidos. Depois de ter lecionado pedagogia geral e educação comparada em Marburgo, é hoje professor titular de antropologia e educação na Universidade Livre de Berlim. Também é professor convidado da Universidade de Stanford (Estados Unidos). Suas pesquisas mais recentes concentram-se no campo da antropologia histórica.

Wulf é autor de importantes obras, destacando-se, dentre as mais recentes: Transfigurationen des Körpers. Spuren der Gewalt in der Geschichte (Transfigurações do corpo. Rastros da violência na história), Berlim: Dietrich Reimer, 1989; Rückblick auf das Ende der Welt (Um olhar para trás sobre o fim do mundo), Munique: Klaus Boer, 1990; Anthropologie nach dem Tode des Menschen (Antropologia após a morte do homem), Frankfurt: Surkamp, 1994. Publicou também numerosos artigos em revistas especializadas de diferentes países, além de obras em conjunto com outros autores, dentre as quais destacam-se: (com Günter Gebauer) Mimesis. Kultur-Kunst-Gesellschaft (Mímesis. Cultura-arte e sociedade), Hamburgo, 1998 e Praxis und Ästhetik. Neue Perspektiven im Denken Pierre Bourdieu (Práxis e estética. Novas perspectivas no pensamento de Pierre Bourdieu), Frankfurt: Surkamp, 1993; (com S. Sting) Education in a period of social upheavel. Educational theories and concepts in Central East Europe (Educação em período de agitação social. Teorias e conceitos educativos na Europa Central do Leste), Münster, 1994; Einführung in die pägadogische Anthropologie (Introdução à pedagogia antropológica) Weinheim, 1994; Vom Menschen. Handbuch histporische Anthropologie (Sobre o Homem. Manual de antropologia histórica) Weinheim und Basel:, Beltz, 1997.

Le scienze dell'educazione (em francês: Introduction aux sciences de l'éducation) é uma importante introdução às principais correntes da ciência da educação na Alemanha. Partindo da constatação de que as ciência da educação tornou-se, ao longo das últimas décadas, uma das disciplinas mais desenvolvidas entre as ciências humanas e sociais, Wulf busca, nessa obra, responder à pergunta de quais são os paradigmas epistemológicos constitutivos dessa disciplina e, em especial, esclarecer quais os aportes teóricos que, no seu desenvolvimento, podem ser considerados como uma contribuição alemã para o desenvolvimento da ciência da educação.

A escolha desse procedimento metodológico encontra-se intimamente relacionada ao próprio objeto que, na Alemanha, ostenta peculiar ancoragem filosófica, pelo menos desde o início do século. O interesse do autor, porém, não se restringe apenas à reconstrução do desenvolvimento da ciência da educação na Alemanha com base no desvendamento de seus fundamentos epistemológicos, mas objetiva também a elaboração de um instrumento capaz de alimentar e enriquecer tanto a pesquisa quanto a prática pedagógicas.

Wulf reconstrói o debate cultural e os temas epistemológicos com base nos quais desenvolveu-se e afirmou-se a ciência da educação. Examina também a relação que se estabeleceu entre os paradigmas assinalados que envolvem, além dos aportes teóricos, também os aspectos práticos e da própria pesquisa.

O autor constata que a ciência da educação teve um grande impulso a partir dos anos 60 e 70, quando ¾ seja pela reconfiguração da organização institucional da prática educativa por meio das reformas então levadas a cabo, seja pelas inovações propriamente teóricas ¾, ao lado da tradição humanística, vão tomando corpo outras duas orientações: a empírica, de recorte neopositivista, e a teórico-crítica, baseada nas principais teses da chamada Escola de Frankfurt.

Como esses três paradigmas ¾ o humanístico, o empírico e o teórico-crítico ¾ assumem significado central no processo de desenvolvimento das ciências da educação, é preciso abrir seus pressupostos epistêmicos para facultar uma melhor compreensão do processo de autoconstrução das ciências da educação. Este é precisamente o objetivo do autor: reconstruir em linhas gerais as principais posições assumidas no âmbito da ciência da educação, na tentativa de reconstruir seus fundamentos teóricos. Nesse seu intento, Wulf mostra que o trabalho no interior de cada um desses paradigmas não ficou restrito aos seus próprios limites, mas que o confronto entre eles produziu efeitos novos que se refletiram no próprio desenvolvimento da construção teórica.

Até os anos 60, o paradigma hegemônico foi o da pedagogia humanista. Essta corrente funda-se nas obras de Schleiermacher (1768-1834) e Dilthey (1833-1911), afirmando-se, no início do presente século, nas contribuições de Hermann Nohl, Theodor Litt, Eduard Spranger, Wilhelm Flitner e Erich Weniger.

A partir da década de 1970, no contexto do movimento de reforma do sistema educativo alemão, a pesquisa empírica passa a ocupar, definitivamente, seu espaço nas ciências da educação. O significativo número de professores universitários que atualmente se ocupam com pesquisas empíricas básicas testemunha a importância que tal abordagem conquistou no contexto da ciência da educação. O principal representante dessa corrente é Wolfgang Brezinka, que se inspira diretamente no racionalismo crítico de Karl Popper.

A teoria crítica da educação ¾ o terceiro dos paradigmas abordados na obra de Wulf ¾ fundamenta-se nas principais teses da teoria crítica dos pensadores da chamada Escola de Frankfurt, dentre os quais merecem destaque Adorno, Horkheimer, Marcuse e Habermas. Como se sabe, essa linha de pensamento distancia-se tanto da pedagogia humanista quanto da pedagogia empírica, colocando ênfase no caráter histórico-social da educação. Centrada nos aspectos críticos, essta teoria não pretende formular uma teoria positiva própria da educação. Contudo, mesmo impondo-se tais limites, a teoria crítica tem tido importante significado para a orientação teórico-crítica da prática educativa. Esse aproveitamento, porém, só se tornou possível com a reelaboração pedagógica das teses críticas gerais, afetas, sobretudo, à crítica da cultura e da racionalidade, desenvolvidas pelos pensadores de Frankfurt.

Wulf, portanto, desenha um quadro de transformações da ciência da educação que a levaram à conformação de uma área disciplinar complexa e heterogênea. Os paradigmas, antes mencionados, constituintes desse quadro complexo e heterogêneo, preservam suas respectivas legitimidades na visão de sua lógica interna, não podendo ser substituídos um pelo outro. A relativização da legitimidade de cada corrente levou a uma espécie de pluralismo radical no campo das ciências humanas. Esse pluralismo foi traduzido adequadamente pelo conceito de "saber educativo", que reúne formas muito diversas de saber. Trata-se de um conceito elaborado com base nos debates estabelecidos entre os diferentes paradigmas epistêmicos, que pretende dar conta das formas diferenciadas de conhecimento pedagógico. É, portanto, uma espécie de balanço reflexivo que acentua, uma vez mais, a importância dos diversos paradigmas para o desenvolvimento da ciência da educação.

Baseando-se nessas constatações, Wulf conclui que "a ciência e o saber científico são concebíveis somente na perspectiva da pluralidade" (p. 166). O acento fica, assim, posto sobre as formas diversas do saber. Essa compreensão interfere diretamente na forma institucional normativa da ciência da educação, trazendo para o campo do debate e da constituição do saber discursos diversos como o administrativo, o social, o político, o biográfico etc. No conceito de saber pedagógico encontram abrigo o saber prático, o saber reflexivo, o saber-fazer, o saber diagnóstico, o saber-orientar-se e o saber-agir (p. 166). Da mesma forma, o saber pedagógico tem dimensões utópicas, críticas, ativas.

Em resumo, depois das críticas de Feyerabend e Lyothard, voltadas contra o caráter absoluto do saber científico moderno, a situação epistemológica da ciência da educação também mudou, a qual passa a aceitar diversas formas de saber e diversos regimes de discurso. Talvez seja este um caminho epistemológico novo que, abandonando a pretensão de domínio e de redução de um saber ao outro, abre espaço à pluralidade de saberes diversos, sob o abrigo do conceito de saber pedagógico.

** Professor titular do Departamento de Filosofia e História da Educação, FE- Unicamp

  • * Resenha da obra
    Resenha da obra Le scienze dell'educazione in Germania.Tuglie: Sallentum Editriche, 1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Abr 1999
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