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Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?

IMAGENS & PALAVRAS

Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?* * Resenha do livro de Newton Duarte (Campinas: Autores Associados, 2003. 160p).

Eliana Nunes da Silva

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora da (UNOPEC – Sumaré/SP). E-mail: eli.nunes@uol.com.br

Neste livro, Newton Duarte reúne quatro ensaios através dos quais analisa, sob a perspectiva crítico-dialética, importantes questões educacionais que estão na ordem do dia do debate contemporâneo. Com profundidade o autor transita pelo campo da didática, da psicologia e da filosofia da educação, criticando desde o início as adesões ao pensamento pedagógico pós-moderno, ancorando-se nas teorias de Marx, Vigotski e Saviani. "A filosofia marxista tem consistência e atualidade de sobra", argumenta o autor, para se contrapor àquelas que alimentam a "sociedade das ilusões", como alusão à sociedade capitalista.

No capítulo 1, "As pedagogias do 'Aprender a Aprender' e algumas ilusões da assim chamada Sociedade do Conhecimento", Duarte abarca tendências pedagógicas recentes tecendo uma análise crítica de seus pressupostos. Estabelece vínculo entre a pedagogia das competências, o construtivismo e a escola nova, denominando-os de pedagogias do "aprender a aprender". Contesta as bases de seus fundamentos, os quais tendem a considerar que a aprendizagem do indivíduo por si mesmo tem mais valor que a aprendizagem por meio da transmissão por outras pessoas. (Sendo que a pedagogia das competências alimenta a ideologia da renovação e adaptação constantes e necessárias para se viver na sociedade dinâmica – por isso sociedade do conhecimento). O autor então enfatiza os aspectos ilusórios (ideológicos) contidos nesses referenciais e alerta para a adesão intelectual no campo dessas novas idéias.

No capítulo 2, "Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo", Duarte discorre sobre fundamentos filosóficos, psicológicos e didáticos voltados para a elaboração de uma teoria do trabalho educativo. A partir das discussões sobre as concepções que embasam o trabalho dos professores, destaca a questão do modelo epistemológico interacionista/construtivista quando aponta semelhanças e/ou diferenças entre Piaget e Vigotski.

O autor refuta qualquer proximidade entre Vigotski e Piaget, uma vez que o modelo epistemológico biologizante de Piaget "não é compatível com os fundamentos ontológicos de uma concepção histórico-social da formação dos seres humanos" (p. 19). Problematiza que as implicações pedagógicas da adoção do modelo interacionista levam a uma "secundarização do ato de ensinar e da transmissão de conhecimentos".

Utilizando o conceito de trabalho educativo de Saviani, como sendo o ato de produzir a humanidade em cada indivíduo, e a concepção histórica de Marx de que "cada nova geração tem que se apropriar das objetivações resultantes da atividade das gerações passadas", o autor busca as fundamentações para uma abordagem histórico-social do processo de conhecimento.

No capítulo 3, "A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco", Duarte elabora uma articulação entre o pensamento de Marx, Vigotski e Saviani. Com base no método dialético de Marx, analisa os pressupostos vigotskianos na questão da apropriação da cultura pela criança mediatizada pelos adultos, de modo que essa transmissão não é somente necessária, mas fundamental:

Talvez não seja demais explicitar que ao ressaltar esses aspectos da epistemologia de Marx, da psicologia de Vigotski e da pedagogia de Saviani, estou intencionalmente contrapondo-me à tônica dominante nos ideários pedagógicos contemporâneos, os quais freqüentemente concebem o processo educativo como um processo de interação entre significados subjetivos e individuais em oposição à transmissão de um saber objetivo socialmente construído. (p. 77-78)

Finaliza argumentando, pois, sobre a importância da educação escolar, da transmissão do saber objetivo pelo trabalho educativo na escola, levando o indivíduo à superação dos conceitos cotidianos pelos conceitos científicos, conhecendo de forma mais concreta, pela mediação das abstrações, a realidade da qual faz parte (p. 82).

No capítulo quatro, "Ideal e Idealidade em Ilyenkov", o autor discute no campo da filosofia da educação, o pensamento do filósofo soviético Ilyenkov, acerca da análise que desenvolveu sobre os conceitos de ideal e idealidade, contribuindo para a reflexão sobre a formação dos seres humanos como seres essencialmente sociais, e para o debate sobre as correntes filosóficas e concepções epistemológicas as quais irão embasar as tendências pedagógicas.

Nesta obra, Newton Duarte expõe, de forma original, as possibilidades de resistência ao paradigma pós-moderno que "tomou conta" da educação e recupera com mestria o debate em torno dos modelos de construção x transmissão do conhecimento lançado pela onda construtivista. Nesse sentido, a teoria do trabalho educativo defendida pelo autor aponta para uma valorização do trabalho dos professores, no sentido clássico e não tradicional (como diz Saviani), em tempos em que estes necessitam mais de esperanças do que de ilusões.

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    Resenha do livro de Newton Duarte (Campinas: Autores Associados, 2003. 160p).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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