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A crise dos paradigmas e a emergência da reflexão ética, hoje

Paradigms crisis and the emergence of an ethic reflexion

Resumos

O artigo analisa os paradigmas mais influentes na história do pensamento moderno, sobretudo nas doutrinas hegelianas e marxistas sobre a sociedade e a ética. Seu alvo é apresentar dúvidas sobre o próprio conceito de "paradigma", tal como ele é aceito e veiculado nas chamadas "ciências" sociais brasileiras.

paradigma; modelo; corpo; instrumento; química; biologia


The article analyses the most influential paradigms in the history of the modern thought, mainly the Hegelian and Marxist doctrines on society and ethics. Its aim at raising a few doubts on the paradigm concept itself in the ways it is accepted and widespread in the field of the so- called "social sciences" in Brazil.


A crise dos paradigmas e a emergência da reflexão ética, hoje

Roberto Romano** Professor titular de Filosofia Política e Ética na Unicamp. Professor titular de Filosofia Política e Ética na Unicamp.

Resumo: O artigo analisa os paradigmas mais influentes na história do pensamento moderno, sobretudo nas doutrinas hegelianas e marxistas sobre a sociedade e a ética. Seu alvo é apresentar dúvidas sobre o próprio conceito de "paradigma", tal como ele é aceito e veiculado nas chamadas "ciências" sociais brasileiras.

Palavras-chave: paradigma, modelo, corpo, instrumento, química, biologia

Discorrer sobre a crise dos paradigmas nas ciências humanas, vinculando o tema à emergência da reflexão ética, hoje, é dar testemunho de uma hybris inaudita. Isso faz lembrar, imediatamente, um título do satírico Luciano: "Para você que disse, `tu és um Prometeu em palavras"'. Encontramos, no pensamento grego, nos seus variados matizes, esta desconfiança no verbo inflado, no desejo sem moderação de falar sobre tudo e todos, desde as coisas físicas, passando pelas religiosas e políticas, até chegar às técnicas e às artes.

Essa desconfiança conduziu a luta platônica contra os sofistas e demagogos, levou Aristóteles à elaboração de uma lógica dirigida para afastar as manhas dos sabichões, suscitou a desconfiança cínica e cética no verbo fácil, definiu a urgência de uma canônica do pensamento e da palavra entre os estóicos, alertou os epicuristas contra as superstições da fala. Semelhantes cautelas reuniram-se, como num estuário, num tratado ético decisivo em nossa cultura, o terrível De Garrulitate, escrito por Plutarco. Tal pequeno escrito urdiu os Adagia de Erasmo, além de ajudar na construção formal do espantoso Elogio da loucura. Sua presença é estratégica nos Ensaios de Montaigne e de Francis Bacon. Sem o texto plutarquiano sobre a língua solta, são ininteligíveis peças inteiras de Shakespeare, bastando recordar a conversa de surdos entre Hamlet e Polônio: "o que o senhor está lendo? `Palavras, palavras, palavras'".

Nos séculos XVII e XVIII, de Pascal até Rousseau, incluindo Diderot, o mencionado livro das Moralia foi um modelo de pensamento decoroso e cheio de rigor ético e lógico. É pena que um texto assim não tenha sido exposto, ainda, em nossa língua, juntamente com o De Curiositate, outro diagnóstico essencial do indivíduo que se dedica, sem discrição, ao exercício de ouvir, ver, falar sobre o universo físico e humano. As finas análises de Heidegger, nos §§ 35, 36 e 37 de Ser e tempo, bem como toda a armação do seu estupendo trabalho sobre Heráclito, traduzido recentemente para o português, trazem as marcas inconfundíveis daqueles escritos plutarquianos. É de particular relevância o § 37 de Ser e tempo, sobre o equívoco. Sobre isso, voltarei no final deste escrito. A cura da palavra, e através da palavra, tem sido, desde milênios, um tormento dos filósofos.

Tratando-se da ciência e da arte, os gregos inventaram uma armadilha para o orgulhoso e dogmático que julga poder falar, sem obstáculos, sobre as coisas naturais e divinas. Todos conhecem o desafio a quem promete fazer coisas fora de seus limites, num ditado recolhido por Erasmo, na trilha de Plutarco (Adagia, 3, 28): "Aqui está Rodes, aqui tu podes saltar!". Sabemos o uso idealista desse traço do espírito, no intróito da Filosofia do Direito: impossível ir além do mundo atual, vencendo os momentos da História. E conhecemos, também, a crítica corrosiva, no plano ético e lógico, desta noção do "desenvolvimento", feita por Nietzsche: "olhem os joelhos dos hegelianos, rasgados de tanto se curvarem diante da História...". Desse modo, tentarei ser modesto, apreciando os próprios termos contidos no desafio.

Para evitar mal-entendidos, preciso desde já mencionar que não irei, ao longo das próximas considerações, discutir as teses e os argumentos de Thomas Kuhn1 Notas sobre a "comensurabilidade", ou "incomensurabilidade" entre paradigmas científicos, no debate sobre os progressos ou não das ciências. Tais considerandos circulam desde longa data na comunidade universitária, especialmente no que tange "à crise dos paradigmas". Também são conhecidas as reservas e concórdias sobre tais pontos, feitas por Putnam, entre muitos.2 Notas Estarão supostas, nas linhas seguintes, questões já levantadas por Herbert Marcuse, ao redor de Max Weber, e discutidas por Jurgen Habermas, especialmente no seu antigo texto sobre a tecnologia e a ciência como "ideologia".3 3. In: Technik und Wissenschaft als Ideologie. F.A.M. Suhrkamp Verlag, 1968. Meu propósito é simples. Tentarei analisar a noção de paradigma, em primeiro plano, indicando as suas ressonâncias na filosofia, nas artes e na política. Darei um exemplo de uso problemático de um só paradigma, no chamado "materialismo dialético" e na constelação em que ele surgiu, a filosofia hegeliana. Trata-se de evidenciar o quanto é necessário, hoje, se não romper com a imagética daquele ideário, pelo menos abrir a imaginação para modelos novos, dirigindo os sentidos para todos os setores da inventividade humana, nas artes especialmente.

"Paradigma" surge num campo da língua antiga que se liga a deiknumi, cujo sentido é "mostrar", "demonstrar", "indicar". Quando acrescido da partícula "para", significa "mostrar, fornecer um modelo". Termo importante na técnica dos oradores.4 3. In: Technik und Wissenschaft als Ideologie. F.A.M. Suhrkamp Verlag, 1968. A raiz deik-, por sua vez, refere-se ao ato de "mostrar mediante a palavra", mostrar "o que deve ser", donde a conseqüência de união com dike a lei, a regra.5 5. Cf. Benveniste, E. Vocabulario de las instituciones indoeuropeas. Madri: Taurus, 1983, pp. 301 e 303. Uma interpretação do pensamento platônico, pelo menos em determinadas passagens, coloca o paradigma como ilustração de uma evidência sensível que remete para uma necessidade inteligível.6 6. Cf. Goldschmidt. Les dialogues de Platon. Structure et méthode dialectique. Paris: PUF, 1947, p. 207.

A noção de paradigma cobre, na Antiguidade, os campos hoje distantes da ciência, da técnica, das artes. A filosofia deu-lhe vários estatutos, todos eles capitais para as atitudes éticas herdadas por nós. Na expressão grega, paradeigma tem a ressonância de modelo, exemplo, plano de arquiteto. Em Heródoto (5, 62), o termo é usado para indicar o esforço dos atenienses na construção do templo, em Delfos: "sendo muito ricos e, como seus pais, homens de reputação, eles trabalharam no templo para que ele tivesse uma forma mais bela do que a posta no paradigma".7 7 . Cito seguindo a edição da Loeb Classical Library. Herodotus. Cambridge: Harvard University Press, 1971, volume III, pp. 66-67. Tradução de A.D. Godley.

O contexto dessa passagem de Heródoto é de luta política contra o despotismo. Nela, o elemento político une-se à ética e à estética.

Em Platão, o termo refere-se, entre vários reflexos semânticos, ao modelo do pintor. Na República (500e), Sócrates discute com Adimantos sobre o homem ético e sábio, cujo pensamento está fixado nas coisas eternas e verdadeiras. Um tal homem não tem lazer para inspecionar as mesquinharias dos homens, mas dirige seus olhos para as coisas do eterno, com sua ordem imutável. Quanto mais admira aquelas coisas, mais ele se produz à sua semelhança e assimila a si mesmo a elas. Após várias considerações sobre o povo, e seu modo inconstante de viver e opinar, Sócrates retoma a tese de que, à semelhança do homem reto, a cidade apenas será feliz "se as suas linhas forem traçadas por artistas em pintura, os quais usam o paradigma celeste".8 7 . Cito seguindo a edição da Loeb Classical Library. Herodotus. Cambridge: Harvard University Press, 1971, volume III, pp. 66-67. Tradução de A.D. Godley.

No mesmo diálogo, de 591c até 592b, lemos que o homem reto une à saúde física a justiça sapiente, operando de modo a estabelecer harmonia entre sua alma e seu corpo. Desse modo, ele será o músico verdadeiro, afastando a desmedida que impera na multidão, no relativo às riquezas. Ele enxerga a harmonia de sua alma, fugindo ao excesso ou falta de bens. Tal homem fará, com prazer, em público ou em privado, tudo o que não dissolva o hábito (de hexis, donde "ética") de sua alma. Assim, ele não irá voluntariamente se misturar à política. Sua participação será dirigida para a cidade, não a de seu nascimento, mas a que é descrita na República, "cujo modelo (paradigma), talvez esteja no céu, para quem deseja contemplá-la e se tornar seu cidadão. Mas não faz diferença alguma se ela existe agora ou se ela está sempre se tornando. A política dessa cidade sempre será apenas dele, e de nenhum outro". E assim termina o livro 9 da mais eminente obra sobre ética e política de nossa cultura. No trecho, encontramos vinculados exemplos das artes, da música entre outras, com a busca da medida ética e cívica. Como sabemos, Platão julga ser necessário forçar o homem reto e sábio a se comprometer com a vida política, mesmo que ele, voluntariamente, respire melhor na celeste harmonia.

O último texto platônico, que irei recordar, é o Timeu. Nele, o filósofo distingue, na teorização do universo,

o que sempre é e não tem devir e o que está em devir e nunca é. O primeiro pode ser captado pelo pensamento com a ajuda da razão, pois é idêntico a si mesmo, enquanto o outro é conjecturável pela opinião com a ajuda da sensação desprovida de razão, pois é gerada e perece. Aliás, tudo o que nasce deve necessariamente nascer de uma causa, pois nada pode, sem causa, nascer. Assim, pois, quando o operário (demiurgo) que forma um objeto, com os olhos fixos no imutável, toma um modelo (paradigma) desse tipo, aquele objeto, executado desse modo, deve necessariamente ser belo; mas sempre que ele olha para o que vem à existência e usa um modelo (paradigma) produzido, o objeto assim executado não será belo (28 a-c).

E Platão passa a discutir o Demiurgo ou Pai do cosmos, interrogando "qual modelo (paradigma) foi usado pelo Arquiteto para construí-lo? Foi o que é sempre idêntico a si mesmo e uniforme, ou segundo o que vem à existência? Ora, se o cosmos é belo e seu construtor é bom, é claro que ele fixou os olhos no que sempre é". Portanto, "ele construiu o cosmos segundo o modelo do perceptível pelo pensamento e pela razão, e, pois, é idêntico a si mesmo".9 9. Cito a partir da edição Loeb Classical Library, Plato, 9, pp. 50-53. Tradução de R.G. Bury. Cf. também a tradução de Th. Henri Martin, Le Timée de Platon. Paris: Vrin, 1981, pp. 82-85. Segundo Henri Martin, a presença constante do termo "paradigma" reforça a interpretação do pensamento platônico segundo a qual, para ele, com exceção de uma só essência, a indivisível e imutável, todas as demais essências das coisas nada oferecem de estável, sendo, portanto, estranhas ao domínio da ciência.10 9. Cito a partir da edição Loeb Classical Library, Plato, 9, pp. 50-53. Tradução de R.G. Bury. Cf. também a tradução de Th. Henri Martin, Le Timée de Platon. Paris: Vrin, 1981, pp. 82-85.

O demiurgo, o fabricante do cosmos a partir das idéias que ele contempla, e da matéria preexistente, é descrito no Timeu através de várias formas de trabalho técnico e artístico. Ele é um modelador de cera, um operário que recorta a madeira, um construtor que sintetiza todos os elementos, um fabricante (poietés).11 11. Cf. Brisson, Luc. Le même et l'autre dans la structure ontologique du Timée de Platon. Paris: Klincksieck, 1974, p. 31 ss. Nem é preciso recordar a polissemia de poietés, no transcurso da história ocidental. Fala-se em demasia do ódio platônico aos artistas. Mas não se toma em suficiente conta as expressões da beleza no artifício chamado cosmos, resultado de um trabalho artístico. Conhecemos os lugares comuns da história da filosofia sobre Platão, "inimigo das artes" e defensor da ciência.

Todas as modernas objeções à teoria platônica da arte estão centradas na assertiva de que o seu racionalismo o impede de reconhecer o caráter específico da criação artística. Ele é acusado de modelar a arte segundo a ciência, a qual deve copiar a natureza do modo mais verdadeiro possível. Diz-se ter ele esquecido que a arte verdadeira não copia uma realidade existente, mas cria uma nova realidade que brota da fantasia própria ao artista, e que o caráter espontâneo dessa expressão garante o valor independente das puras qualidades estéticas.

Não irei ampliar este ponto, bem discutido por W.J. Verdenius.12 11. Cf. Brisson, Luc. Le même et l'autre dans la structure ontologique du Timée de Platon. Paris: Klincksieck, 1974, p. 31 ss. Importa notar, nessa passagem, o termo "criação".

Hans-Georg Gadamer, analisando o Timeu, avança um traço que tem dividido os filósofos e demais teóricos, especialmente na sociologia. Refiro-me ao problema da unicidade ou do plano múltiplo, na compreensão do paradigma. Os filósofos, guardando a lição platônica, são econômicos em termos numéricos. Para eles, o paradigma é noção única, ou, no máximo, abarca alguns modelos. Os pensadores sociais não consideram problemático admitir a existência de múltiplos paradigmas. Gadamer retoma a idéia de Platão de que o paradigma deve ser único, porque ele serve ao demiurgo para moldar o universo, o qual tudo inclui em si mesmo. Entre o paradigma e as suas cópias, estas são múltiplas, haveria uma diferença importante. Muitos debates entre filósofos e cientistas sociais seriam resolvidos, se os termos, e as suas origens, fossem expostos, sem permanecerem como um silencioso não-dito. Naturalmente, tal vexata questio não pode ser resolvida em curto prazo, e menos ainda num artigo. Fica a lembrança para futuros desenvolvimentos.13

Sobretudo após a moderna hegemonia romântica, que potenciou o cristianismo, para o qual o universo é criado por Deus a partir do nada,14 foi desvalorizado o difícil trabalho do "poeta" demiurgo, que luta com a matéria rebelde e fluente para construir um artefato. O mundo da arte, como o da religião, invoca um Deus onipotente, o qual "cria" o universo ex nihilo. Essa idéia, aplicada ao gênio romântico, afastou os termos "modelo", "imitação", e outros, essenciais no argumento platônico. Nem todos os coetâneos do romantismo, no século XIX, assumiram essa mística da arte e da ciência. Hölderlin, o poeta cujo nome recorda a união de Alemanha e França, das Luzes e das origens gregas, não entendia o ato de poetizar à maneira romântica.

Cito um de seus intérpretes mais lúcidos:

Para Hölderlin, como, ele mesmo pensa, para os gregos, para um Píndaro, arte significa artesanato, técnica. A estética, isso não existe. É belo o que foi bem feito, "o belo trabalho" ...Hölderlin falava da mechané dos poetas antigos: homens de ofício, o que dava ao seu gesto uma excepcional destreza. Nem hesitação nem desfalecimento: eles sabem o que fazem, como bons artesãos. Um artesão não é o que hoje se chama "um homem da arte".

Assim, é possível constatar, na escrita de Hölderlin,

a busca da palavra exata, da palavra que ressoa corretamente ao mesmo tempo pela sua extrema exatidão semântica, sua adequação à imagem, e por sua tonalidade, enfim, pelo lugar que ela ocupa no duplo movimento superposto da cadeia semântica e do encadeamento rítmico. Nada, pois, é improvisado, mas ao contrário, trata-se de um imenso, sutil e paciente trabalho, uma pesquisa nunca realmente satisfeita consigo mesma, nunca acabada. Lembremos Saint-John Perse: "a poesia é exigência; o resto é palavrório".15

Para a sensibilidade romântica, a qual tentou produzir uma ciência "superior" do mundo, recusando padrões mecânicos e racionais, é blasfêmia aproximar, à idéia do poeta, o produtor e o técnico. O poema que parte de um paradigma torna-se desprezível para o "autêntico" poeta, cuja fonte é criadora, como o Deus cristão, mas encontra-se na subjetividade sublime, absoluta. Hegel, com exato chiste, chama esse tipo de auto-idolatria como "o Absoluto em negligé ". O "gênio natural" romântico, como dizia Addison, defendendo essa tese, compreenderia Homero, Píndaro, os poetas do Antigo Testamento, Shakespeare. Eles seriam "os prodígios da humanidade, e apenas pela força de suas partes naturais, e sem assistência nenhuma da arte ou do estudo, produziram obras que são as delícias de seus próprios tempos, e o assombro da posteridade". Os outros gênios, são os "formados através de regras, e submeteram a grandeza de seu talento natural às correções e restrições da arte". Entre estes últimos, Addison coloca Platão, Virgilio, Milton.

Desse modo, a "inspiração" torna-se um leitmotiv romântico, em detrimento do mimetismo e do paradigma. Dentre os modelos recusados com vigor, encontra-se o das técnicas e da ciência, especialmente na sua definição mecânica, que vem desde o Timeu platônico até as concepções newtonianas de um universo perceptível pela razão e que pode ser exposto, especialmente através das formas geométricas e matemáticas. O lugar-comum romântico, ligado à idéia do gênio criador, e "original", é o pretenso desencanto do mundo, trazido pela ciência abstrata. Esse ideário, presente em Novalis, Schiller, e outros, foi discutido por mim em livro de 1981, novamente editado em 1997.16 Basta lembrar a guerra dos românticos contra a óptica newtoniana. Na frase de Keats, "Newton destruiu toda a poesia do arco-íris, ao reduzi-lo às cores prismáticas". M.H. Abrams, em texto clássico sobre o tema, analisa longamente essa luta. É sintomático o título de um seu capítulo: "O arco-íris de Newton e o do poeta".17 17 . The mirror and the lamp. Romantic theory and the critical tradition. Londres: Oxford University Press, 1971.

Recusando os paradigmas e a precedência do material a ser elaborado pelo artista, o pensamento e a prática românticos atingiram paroxismos na busca da "originalidade". O apelo aos estímulos externos, para ampliar a força inventiva da imaginação, é um clichê nesse ideário. O uso do ópio, e de outros excitantes, corresponde à negativa da realidade prosaica, do mundo técnico e científico, mecânica repetição de imagens, palavras, atos.18 17 . The mirror and the lamp. Romantic theory and the critical tradition. Londres: Oxford University Press, 1971. 0 pesadelo romântico é a infertilidade ou, na percepção aguda de Hegel, em sua crítica desse pensamento, a "arte sem obra de arte". O apelo ao "sensível", ao "interior", a recusa das técnicas e ciências mecânicas, surgiram na virada do século XVIII para o XIX, tendo Rousseau como um dos seus iniciadores. A partir daí, a imediatez entre sujeito e natureza, a intuição, expulsou os modelos no trabalho poético, colocando os demais artistas como inimigos das regras. Contra o paradigma mecânico, o imaginário romântico empreendeu uma luxuriante representação do mundo, dos homens, da cultura, das ciências e das artes como algo próprio ao organismo. Plantas, animais, pedras, todos esses elementos passaram a simbolizar a unidade mística entre homem e "natureza". Para o romantismo "o Todo é um organismo que se reflete em cada uma de suas partes; cada membro do universo é solidário a ele, como o dedo do homem é solidário com seu corpo, como o homem é solidário com a terra...".19O tema encontra sua expressão clara em A. Schlegel: "Nas belas artes, como no domínio da natureza, soberana artista, todas as formas autênticas são orgânicas".20

No século XVIII ainda resiste o que se convencionou chamar o tipo "clássico" de considerar arte e ciência. Na música, Jean-Philippe Rameau evidencia tal atitude. Comentando o polêmico compositor e teórico, Catherine Kintzler21 21. Cf. Rameau, Jean-Philippe. Splendeur et naufrage de l'esthétique du plaisir à l`Age Classique. Paris: Le Sycomore, 1983. avança que, segundo Rameau, para se entender a música, "é preciso tomar o modelo dos físicos e partir do abstrato. Sem conceitos e sem princípios, o conhecimento tateia às cegas e só pode colher particularidades". No intelecto de Rameau,

a razão, que dirigia o físico nas regiões invisíveis, permitindo-lhe compreender o mundo visível, irá conduzir os ouvidos para o inaudito, verdadeiro objeto da música, o qual deve conceder o entendimento da essência do som, o que nunca se ouviu. O ouvido "selvagem" e ingênuo permanece surdo e insensível aos refinamentos da harmonia que o ouvido cultivado percebe, mede, aprecia. Há uma idéia cara à estética clássica: o conhecimento e a análise racionais, longe de empobrecer o espírito, eles próprios geram prazer. Os sentidos nunca julgam melhor do que ao neles interferir a razão. Considerar necessário abster-se de pensar para conseguir prazer é próprio de um bárbaro e de um bruto; os ignorantes que recusam pagar o preço da cultura e da reflexão desconhecem o que perdem.22 21. Cf. Rameau, Jean-Philippe. Splendeur et naufrage de l'esthétique du plaisir à l`Age Classique. Paris: Le Sycomore, 1983.

As controvérsias de Rameau com Rousseau e com D'Alembert, muito conhecidas, estão centradas nesse ponto: a importância das matemáticas e o estatuto da física. Rousseau, caminhando a passos largos para a sensibilidade hegemônica, acentuou o fator "melodia", ao contrário de Rameau, partidário da harmonia. "Se a música", diz Rousseau, "só pinta através da melodia, e dela extrai toda a sua força, segue-se que toda música que não cante, por mais harmoniosa que ela seja, não é música imitativa, e não pode nem emocionar nem pintar com seus belos acordes, cansa bem cedo os ouvidos, e sempre deixa o coração frio".23 23. Rousseau, J.-J. "Dictionnaire de musique". In: Oeuvres completes. Coll. Pleiade. Paris: Gallimard, 1995, v. 5, p. 885.

Assim, a música "fala ao coração, permite efusões, une os homens" (Kintzler). O que leva a resultados "antiintelectualistas: uma vez que a música é efusão e emoção, ela não precisa de discurso e reclama o silêncio do espírito".24 23. Rousseau, J.-J. "Dictionnaire de musique". In: Oeuvres completes. Coll. Pleiade. Paris: Gallimard, 1995, v. 5, p. 885. Na fórmula de uma outra escritura: para Rousseau, "a harmonia é cor, a melodia é o desenho".25 25. Cf. Didier, Béatrice. La musique des lumières. Paris: PUF, 1985, p. 32. A autora procura mostrar que não é correto ver Rousseau apenas como defensor da melodia, e Rameau apenas como defensor da harmonia. As coisas são mais complexas. Entretanto, embora se dando razão a Didier, o símile da pintura para a música, "desenho" e "cor", mostra a decidida opção de Rousseau pela "cor". Só nesse enunciado, temos a diferença do pensamento clássico e a fuga para o romântico. Jean Starobinski, discutindo a Crítica da faculdade de julgar, indica o primado do desenho no suposto "neo" classicismo.26 25. Cf. Didier, Béatrice. La musique des lumières. Paris: PUF, 1985, p. 32. A autora procura mostrar que não é correto ver Rousseau apenas como defensor da melodia, e Rameau apenas como defensor da harmonia. As coisas são mais complexas. Entretanto, embora se dando razão a Didier, o símile da pintura para a música, "desenho" e "cor", mostra a decidida opção de Rousseau pela "cor". D'Alembert denuncia Rameau por um outro lado, mais interessante, no meu entender, para nosso debate. Rameau, segundo o enciclopedista, abusou do paradigma científico na teorização da música. Ele teria assumido como "modelo demonstrativo" a música, imersa no empírico. Rameau, pretendendo "demonstrar" os fundamentos da música, não contente em submetê-la ao modelo matemático, coloca-a como paradigma de todo saber, de toda ciência, de toda ética. A crítica de D'Alembert toma por mote a própria idéia de uma "demonstração" científica. "Nenhuma ciência física é demonstrável, para falar propriamente. Todas são, de certo modo, conjecturais, pois se apóiam em parte nos dados empíricos. Uma ciência física só pode imitar um modelo dedutivo, sem poder atingi-lo inteiramente".27 27. Kintzler, p. 40. Enquanto Rousseau desconfia do excesso racional de Rameau, por um lado, D'Alembert desconfia do mesmo excesso, mas recusando um modelo particular, se tomado como universal e totalizante. "Harmonia", afirmara Rameau, é um conceito sem o qual tornam-se impensáveis o governo, a moral, o corpo humano, a astronomia, a arquitetura, a pintura. O paradigma tornou-se "imperial", assustando não apenas D'Alembert, mas os enciclopedistas, entre eles, Diderot. O sobrinho de Rameau expõe, em toda sua dramaticidade, o desarrazoado de um modelo, racional na origem, que se torna ensandecido e infértil. O fracasso de Rameau, como, no outro pólo, o dos românticos, no desejo de encontrar uma explicação totalizante do mundo físico, artístico, ético, político, exigiu prudência dos que viveram nos inícios do século XX.

Mas, como sabemos, tal não foi o caso. Nos dois campos, mecânico e orgânico, as figuras que deveriam apenas aproximar o pensamento do conceito se congelaram em dogmas e linguagens rígidas, tanto na chamada "esquerda", quanto na "direita". Mais, funcionando o que Jean Pierre Faye intitulou a "ferradura ideológica", conceitos fixos e inertes de um campo foram pouco a pouco passando ao outro. Não raro uma base "orgânica" e profundamente evolucionista uniu-se ao mecanicismo brutal, por exemplo nos discursos oficiais e nos livros da escola "materialista dialética". Não raro formulações mecânicas serviram como lógica na explicitação dos fins nazi-fascistas. Ademais, a reação do romantismo ao predomínio da ciência newtoniana, desde o século XIX, mostra o quanto é difícil, ao longo de nossa história, a convivência do pensamento científico com as artes. Tentativas infrutíferas, anteriores ao romantismo, se realizaram, em muitas ocasiões, para enunciar conceitos da ciência através da poesia e vice-versa. Um dos maiores fracassos, nesse plano, são as "poesias científicas do século XVI", em especial as produzidas por Du Bartas.28 27. Kintzler, p. 40. Foi notável o fiasco dos filósofos e poetas, como Novalis, Schelling, e outros, no sentido de estabelecer, no século XIX, uma `'filosofia da natureza", submetida à intuição poética da genial subjetividade, supostamente superior ao vulgo, preso aos pensamentos e atos mecânicos.29 29 . Cf. Ayrault, R. La Genèse du Romantisme allemand. Paris: Aubier, 1976. Cf. também Stenzel, G. (org.). Die Deutschen Romantiker. Salzburg: Das Bergland-buch, s/d.

E chegamos ao ponto: desde Platão, até os nossos dias, encontramos nas teorizações sobre a natureza, a sociedade, o homem, paradigmas extraídos especialmente do nosso próprio corpo, ou dos instrumentos por nós produzidos. Ou projetamos o cosmos e o social como imenso corpo, e ampliamos ao máximo o modelo do organismo, ou ideamos o universo na figura de refinada máquina, construída por um demiurgo, cujo ato devemos repetir. À linhagem mecânica, de Platão a Hobbes e aos philosophes das Luzes, contrapõe-se a seqüência orgânica, seguindo de Aristóteles aos estóicos, e deles aos românticos. Evidentemente, nenhum desses paradigmas foi utilizado, sempre, de modo unívoco ou sem "contaminações" pelo seu oposto. Nem tudo em Aristóteles é "orgânico". Georges Canguilhem mostra as dificuldades encontradas, nesse sentido, para se definir uma ou outra perspectiva.30 30. "Devemos, na realidade, fazer descer até Aristóteles a assimilação do organismo a certa máquina (...) Aristóteles encontrou, na construção das máquinas de guerra, como as catapultas, a permissão de assimilar a movimentos mecânicos automáticos os movimentos dos animais. (...) Ele assimila efetivamente os órgãos do movimento animal aos `organa', ou seja, partes de máquinas de guerra, por exemplo, o braço de uma catapulta que vai lançar o projetil (...) Ele foi fiel, neste ponto, a Platão, o qual, no Timeu, definiu o movimento das vértebras como se fossem os de gonzos". Cf. Canguilhem, G. "Machine et organisme", in: La connaissance de la vie. Paris: Vrin, 1980, pp. 107-108.

No Renascimento teve enorme impulso o paradigma instrumental, mecânico, o que repercutiu até no século XX. Entre inumeráveis exemplos, tomemos o do matemático Henri de Monantheuil, que apresentou, na trilha do Timeu, Deus como um mechanikos e mechanopoios, com o resultado de que o mundo seria "a máquina mais eficaz, sólida e bela de todas as máquinas" ("Mundus enim hic machina est, quidem machinarum maxima, efficacissima, firmissima, formosissima'').31 31. Henricus Monantholius. Aristotelis mechanica, Graeca emendata, Latina facta, et comentariis illustrata. Paris: 1599. Cf. Bredekamp, Horst. Nostalgia dell'antico e fascino della macchina. II Futuro della storia dell'arte. Milão: Il Saggiatore, 1996, pp. 48 e 136. Por outro lado, os limites da representação mecânica já surgiram no século XVIII, especialmente nas elaborações de Denis Diderot. Como diz um comentador do pensamento científico das Luzes, Diderot e outros pensadores da época perceberam que "a máquina só existe através do artífice que a construiu... ela só é plenamente explicável a partir do exterior". O ser vivo, enquanto isso, "é, para si mesmo, o seu próprio fim".32 31. Henricus Monantholius. Aristotelis mechanica, Graeca emendata, Latina facta, et comentariis illustrata. Paris: 1599. Cf. Bredekamp, Horst. Nostalgia dell'antico e fascino della macchina. II Futuro della storia dell'arte. Milão: Il Saggiatore, 1996, pp. 48 e 136. O sonho do mundo-máquina e do homem autômato,33 33. Entre muitos autores que apresentaram a história do ideal mecânico e do automatismo, lembro o bonito livro de Chapuis, Alfred (e Droz, Edmond): Les automates. Figures artificielles d'hommes et d'animaux. Histoire et technique. Neuchâtel: Editions du Griffon, 1949. que orientou filosofias poderosas como a de René Descartes, transformou-se no pesadelo romântico, com seu ideal de uma natureza originária, não maculada pelo intelecto e pelo mecanismo. São demasiado conhecidas as críticas filosóficas e literárias, e políticas, no plano romântico, contra as Luzes, as quais seriam estritamente sem alma e mecânicas.34 33. Entre muitos autores que apresentaram a história do ideal mecânico e do automatismo, lembro o bonito livro de Chapuis, Alfred (e Droz, Edmond): Les automates. Figures artificielles d'hommes et d'animaux. Histoire et technique. Neuchâtel: Editions du Griffon, 1949. Tanto Frankenstein quanto O homem de areia mostram o pânico do romantismo diante do cálculo e do mundo-máquina, horror que se apresenta ainda em 1984, ou na filmografia de cineastas refinados de hoje, como Stanley Kubrick, bastando para isso indicar os espetaculares 2001, uma odisséia no espaço, o O iluminado e Full Metal Jacket. Por exemplo, Hall, em 2001, apresenta capacidades letais apavorantes. Trata-se de um computador assassino. "O sonho cartesiano e renascentista de impor um jugo à natureza se transforma em pesadelo. Quando submetido ao maquinismo ensandecido, o homem transforma-se, ele próprio, em instrumento de destruição somática, voltado contra si mesmo e contra os seus iguais".35 35. Esse imaginário romântico, em Kubrick, foi analisado por Maria Sylvia Carvalho Franco, e por mim, em artigo conjunto. Cito apenas uma passagem: "É possível sublinhar o nexo entre 2001 e O iluminado. Parece bastante certo o símile entre Hall, o computador que se desregulou, passando a nutrir-se do ser humano, consumindo-se e endeusando-se, e o `Overlook Hotel' (de O iluminado), que também se desarranja e inverte o seu sentido: de instrumento para a contemplação, a ser supervisionado, passa a agente da `supervisão', dirigindo os destinos postos em seu poder. `Overlook', o substantivo que nomeia o hotel, pode ser verbo, com os sujeitos da ação trocados pela sintaxe cinematográfica. No caso de Hall, mudança análoga acontece: o computador é objeto constante de cuidados e lisonja dos astronautas que dele se servem, até que essa dependência é por ele tomada como um culto, fetichizada. A partir daí, o olhar de Hall controla os corpos e almas dos astronautas, levando-os à morte em caso de qualquer atitude suspeita contra sua integridade. Outra homologia na estrutura dos dois filmes aparece nas seqüências do osso lançado pelo primata, do enigmático transmissor espacial e da caneta flutuando na espaçonave, em 2001, e os episódios do machado e do taco de baseball em O iluminado. O que é invenção preliminar na ficção científica mostra suas implicações funestas ao término do conto de terror". Cf. Carvalho Franco, M.S. e Romano, R. "O iluminado de Stanley Kubrick", in: Leitura: Teoria & Prática. Ano 12, junho/1993, número 21, p. 37 ss.

Uma reflexão prudente, sobre esses pontos, encontra-se no texto de M.H. Abrams citado acima. "Uma vez que ambos, mecanismo e organicismo (...) exigem incluir tudo em seu escopo, nenhum dos dois pode deter-se enquanto não dissolver o arquétipo do outro. Em conseqüência, como o mecanicista extremo declara que os organismos são máquinas de ordem máxima, assim também o organicista extremado, no seu contra-ataque filosófico, mantém que as coisas físicas e seus processos são apenas formas muito rudimentares de organismo".36 36. Op.cit., p. 186. Nem todos os grandes filósofos foram unívocos nesse ponto. Mesmo no interior do romantismo, como indica Judith Schlanger,37 37. Les metaphores de L'organisme. Paris: Vrin, 1971. persistem noções mecânicas. Os mais refinados sistemas filosóficos do século XIX, como o de Hegel, por exemplo, procuraram estabelecer uma seqüência que vai do abstrato ao concreto, entre a esfera mecânica da existência, até o momento orgânico, incluindo nessa marcha, cujo fim é o Espírito livre, instâncias intermediárias, como a química.38 37. Les metaphores de L'organisme. Paris: Vrin, 1971. O discurso autoritário, ou totalitário, se queremos repetir esse termo problemático, usou extensamente motivos mecânicos ou orgânicos para definir uma retórica "científica" nos planos políticos, econômicos, sociais, históricos etc.

As bases da sociologia, na passagem do século XIX para o XX, foram construídas por oposição, afastamento, unidade contraditória entre os exemplos da máquina e do organismo. Sem eles, ficam ininteligíveis propostas como as defendidas por Durkheim, Tönnies, e outros nomes do pensamento francês e do alemão, românticos ou racionalistas. "Solidariedade mecânica e orgânica", "comunidade e sociedade", tais esquemas heurísticos surgem de semelhantes paradigmas. É crucial, para pensar as formas de teorias sobre a sociedade, ter presente essas figuras, sobretudo se precisamos, com os novos processos tecnológicos, transcendê-las.

Um filósofo nuclear nos inícios de nosso tempo, Henri Bergson, pensando os vínculos entre ciência, mecanismos, vida humana no plano social, avançou alguns pontos que podem ser ainda hoje discutidos, mas apresentam elementos para a reflexão: "Não há dúvida", afirmou ele em As duas fontes da moral e da religião, "que os primeiros esboços do que mais tarde deveria ser o maquinismo tenham sido desenhados ao mesmo tempo que as primeiras aspirações à democracia".39 39 . Cf. Les deux sources de la morale et de la religion. In: Oeuvres. Édition Du Centenaire. Paris: PUF, 1959, p. 1237. Esse vínculo, observado de muitos prismas, constituiu a preocupação dos que meditaram sobre as bases científicas, técnicas, políticas, éticas e religiosas de nossas culturas. As machines désirantes do Anti-Édipo resultam de semelhante obsessão, produzindo novos modos de encarar a cadeia que enlaça os homens aos seus inventos. É claro que na época dos computadores, e dos recursos complexos da informática e da comunicação planetária, todos esses traços passam a desafiar a imaginação dos teóricos, na busca de novos modelos. Se eles são antropomórficos ou instrumentais, ou se unem os dois aspectos, é algo de que apenas podemos suspeitar, hoje. Os trabalhos sobre inteligência artificial estão ajudando, e muito, nesse sentido.

Mas voltemos a Platão, e ao nexo entre paradigma e conceito. Como vimos, o paradigma abarca figuras instrumentais, ofícios, técnicas, para tentar uma aproximação da realidade. Naquela palavra, temos uma gama quase infinita de ressonâncias plásticas, científicas, jurídicas, éticas. Nos próprios textos platônicos, especialmente no Timeu, toda a imagética mecânica não exclui figuras de ordem vital.40 39 . Cf. Les deux sources de la morale et de la religion. In: Oeuvres. Édition Du Centenaire. Paris: PUF, 1959, p. 1237.

Um símile estratégico, naquele texto, é o do arquiteto. Sabemos a fortuna que tal imagem sofreu na filosofia moderna, ao lado de uma outra figura, importantíssima para o pensamento técnico desde o século XVI, mas sobremodo no século XVII e XVIII: a do relojoeiro. O uso paradigmático da imagem arquitetural, nos séculos XIX e XX, ajudou a construir um discurso sobre a natureza e a sociedade, incluindo a história, cujos resultados foram desastrosos, possibilitando impor sistemas de governo tirânicos e embotar os espíritos.

Refiro-me ao famoso símile, proposto por Karl Marx, sobre a "infra" e "super" estrutura no conhecimento dos variados modos de produção e de organização social. Gostaria de referir-me ao paradigma indicado, aproximando-o de outros, presentes em Marx. Ainda não superamos a ruptura entre ciência e arte. Mesmo no interior da filosofia, há quem acredite que o labor do filósofo é alheio, estranho ou mesmo hostil à forma literária. Trabalhos recentes procuram modificar essa concepção estrita e estreita,41 41 . Entre muitos, citemos o rigoroso estudo de Cahné, Pierre-Alain. Un autre Descartes. Le philosophe et son langage. Paris: Vrin, 1980. Também Ribeiro dos Santos, Leonel, Metáforas da razão. ou economia poética do pensar kantiano. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1994. a qual desconhece, como demonstrou o eminente Giorgio Colli, que

Platão inventou o diálogo como literatura, como tipo particular de dialética escrita, de retórica escrita (...) A esse novo gênero literário, o próprio Platão chama pelo nome de `filosofia'. Depois de Platão, esta forma escrita permaneceu como algo adquirido, e ainda que o gênero literário do diálogo tenha se definido no gênero do tratado, mesmo assim continuou a chamar-se "filosofia" à exposição escrita de temas abstratos e racionais, eventualmente estendidos, após a confluência com a retórica, a conteúdos morais e políticos.42 41 . Entre muitos, citemos o rigoroso estudo de Cahné, Pierre-Alain. Un autre Descartes. Le philosophe et son langage. Paris: Vrin, 1980. Também Ribeiro dos Santos, Leonel, Metáforas da razão. ou economia poética do pensar kantiano. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1994.

Tomemos a imagem da infra-estrutura, a qual se tornou um paradigma exclusivo e excludente, mesmo nas interpretações acadêmicas do texto marxista. Inevitável citar o trecho célebre. A nota de Marx começa ironizando os economistas de seu tempo, para os quais as noções de natureza ou de arte só poderiam ser aplicadas de modo unívoco. Assim, "artificial" seria toda instituição perempta. "Natural" seria a sociedade burguesa. Num só golpe, Marx afirma que os conceitos de "natural" e de "artificial" constituem algo mais cheio de matizes, e identifica o nexo unívoco de conceitos e real como idiossincrasia dos maniqueus ou fanáticos religiosos. A seguir, vem uma réplica da acusação, "feita por um jornal germânico-americano", da Crítica da economia política (1859).

Diz-se ali que a minha opinião é que todo modo particular de produção, e as relações de produção que lhe correspondem em cada momento dado, resumindo, a estrutura econômica da sociedade, é a base real (die reale Basis), sobre a qual se edifica uma superestrutura (Überbau) jurídica e política, à qual correspondem formas determinadas de consciência social. O modo de produção da vida material determina o processo geral da vida social, política e espiritual.43 43. Das Kapital. In: Marx/Engels Gesamtausgabe. (MEGA), Dietz Verlag, Berlin, 1987, Band 6, p. 112. Tradução de B. Fowkes, B. Capital, v. 1, Pelican/New Left Review, 1976, v. 1, p. 175.

Aqui temos o paradigma da arquitetura. Mas esta última supõe um arquiteto, pelo menos desde o Timeu. Se o pensamento de Marx ficasse no prédio, sem o seu planificador e construtor, teríamos uma tese "objetiva": a sociedade "é" um "edifício" que se divide em dois segmentos. Tudo o que se passa no segundo deve-se ao primeiro. Esse modo de ler conduziu às piores caricaturas na assim chamada "Diamat", ensinada aos milhões de militantes. O demiurgo só é encontrado, em O capital, se formos além desta figura estática.

O "arquiteto" é analisado por Marx quando discute a produção da mais-valia absoluta.44 43. Das Kapital. In: Marx/Engels Gesamtausgabe. (MEGA), Dietz Verlag, Berlin, 1987, Band 6, p. 112. Tradução de B. Fowkes, B. Capital, v. 1, Pelican/New Left Review, 1976, v. 1, p. 175. Aqui, o filósofo alude ao instrumento como paradigma, para chegar ao seu produtor, o artífice. "O instrumento é uma coisa (Ding) ou complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre ele mesmo e o objeto (Gegenstand) do seu trabalho, e que serve como um condutor (Leiter) de sua atividade (Tätigkeit) sobre esses objetos". Algumas considerações conceituais são necessárias aqui. Trata-se de uma passagem que vai do registro natural ao sujeito, marcando a diferença ontológica entre os dois. O instrumento é modificação de algo natural, por isso recebe o nome de coisa física (Ding) ou de um complexo de coisas. O modo filosófico mais apropriado para nos referir à "coisa", no sentido do sujeito, é, como sabemos, Sache. Entre o sujeito e a natureza, os "objetos" (note-se que também aqui Marx não usa o termo científico, Objekt, o qual implicaria uma universalidade abstrata), o instrumento é um "condutor". Um "edifício", seja ele espiritual, científico, social, não é construído sem instrumentos. O homem, atividade permanente, "utiliza as propriedades mecânicas, físicas ou químicas das coisas, como instrumentos de seu poder (Machtmittel) e de acordo com seus fins''. O contexto político da frase é claro: um instrumento não apenas aumenta a força física do homem mas amplia o seu poder.45 45. O trecho de Hegel, citado por Marx neste passo, trata da teleologia, e da idéia de mediação, de instrumento, de quimismo etc. Fundamental é que Hegel une a astúcia (a produção de meios para se apropriar dos objetos) ao poder da razão. O sentido político, inclusive do ponto de vista religioso, fica claro na nota da Enciclopédia citada por Marx. Cf. Hegel, G.W.F. "Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften" 1, § 209 e nota. In: Werke in zwanzig Bänden, F.A.M, Suhrkamp, 1970, p. 365. Tanto em Marx quanto em Hegel, por ele citado nesse momento, a "razão", ou seja, o pensamento humano ativo, mostra seu "poder" (Macht), produzindo instrumentos, meios entre o sujeito e a natureza física, colocando o homem como diferente da pura physis. Contra o mimetismo em arte, Hegel aflrmara a superior alegria do homem que "inventou instrumentos técnicos como o martelo e a chave".46 45. O trecho de Hegel, citado por Marx neste passo, trata da teleologia, e da idéia de mediação, de instrumento, de quimismo etc. Fundamental é que Hegel une a astúcia (a produção de meios para se apropriar dos objetos) ao poder da razão. O sentido político, inclusive do ponto de vista religioso, fica claro na nota da Enciclopédia citada por Marx. Cf. Hegel, G.W.F. "Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften" 1, § 209 e nota. In: Werke in zwanzig Bänden, F.A.M, Suhrkamp, 1970, p. 365.

Do exemplo arquitetônico, passando pelo instrumento, Marx chega, via "astúcia da razão", ao modelo orgânico. Note-se que não há repulsa de um pelo outro, mas ambos são integrados: com o instrumento, "a natureza torna-se um dos órgãos da atividade humana, o qual o homem anexa aos seus próprios órgãos". Voltemos um pouco antes dessa descrição fenomenológica da consciência que produz instrumentos. Reencontramos o símile do edifício, sim, mas não posto na sua exterioridade, como algo fatal a ser aceito pelos homens. O edifício, agora, é pensado com o demiurgo, sem que Marx deixe de movimentar as figuras do instrumentos mecânicos e as propriedades físicas, químicas etc. O conceito fundamental, então, é o de passagem entre homem e natureza (por isso, o instrumento é definido como um "condutor"). O "edifício", nesse passo, é o próprio corpo humano, modificado em relação ao animal, pela arte e pela técnica. A forma arquitetônica adquire movimento com o ato racional.

Lugar-comum do marxismo, é o símile da abelha, da aranha, dos homens. Tal paradigma vem dos pré-socráticos, e foi elaborado por Platão, sendo fundamental no Renascimento. Trata-se da "astúcia dos animais". "Talvez sejamos ridículos quando nos vangloriamos de ensinar os animais. Deles, prova-o Demócrito, somos discípulos nas coisas mais importantes: da aranha no tecer e remendar, da andorinha no construir casas, das aves canoras, cisne e rouxinol no cantar, por meio da imitação". Isso é o que diz Plutarco.47 47. Cf. "Democrite" In: Les écoles présocratiques. Édition établie par Jean-Paul Dumont. Paris: Gallimard (Folio) 1991, p. 537. (Cf., também, "Demócrito de Abdera", In: Os pré-socráticos. Fragmentos. doxografia e comentários. Seleção de J.C. de Souza. São Paulo: Abril, 1978, p. 333. O próprio Plutarco tem um pequeno texto satírico, sobre a superioridade ética e racional dos animais sobre os homens. Cf. "Animais são racionais", Moralia. Loeb Classical Library, v. 12, tradução de H. Chernisss e W. Hembold, p. 481 ss. No Renascimento, Francis Bacon, Montaigne, e, um pouco mais tarde, Cervantes usam, discutem, ou refutam tal símile. Não é preciso insistir nas ressonâncias éticas e morais extraídas desse trato mimético entre homens e bichos, em Esopo e no amigo dos jansenistas, La Fontaine.48 47. Cf. "Democrite" In: Les écoles présocratiques. Édition établie par Jean-Paul Dumont. Paris: Gallimard (Folio) 1991, p. 537. (Cf., também, "Demócrito de Abdera", In: Os pré-socráticos. Fragmentos. doxografia e comentários. Seleção de J.C. de Souza. São Paulo: Abril, 1978, p. 333. O próprio Plutarco tem um pequeno texto satírico, sobre a superioridade ética e racional dos animais sobre os homens. Cf. "Animais são racionais", Moralia. Loeb Classical Library, v. 12, tradução de H. Chernisss e W. Hembold, p. 481 ss. Gregory Vlastos, num ensaio fundamental sobre Demócrito, sublinha a originalidade do pensador arcaico, especialmente na idéia de que o homem constrói a si mesmo, tanto no plano ético quanto no seu relacionamento com o cosmos.49 49. Cf. "Ethic and Physics in Democritus". In: Studies in presocratic philosophy. . Allen, R.E e Furley, David J. (orgs.). Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975, p. 381 ss.

Marx recusa o mimetismo entre homem e animais, estratégico nas figurações da cultura, com lembrança comparativa e lógica ainda em Claude L. Strauss. Basta recordar, entre muitas obras do antropólogo, O pensamento selvagem.50 49. Cf. "Ethic and Physics in Democritus". In: Studies in presocratic philosophy. . Allen, R.E e Furley, David J. (orgs.). Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975, p. 381 ss. 0 autor de O capital usa, para realçar a diferença entre homens e animais, justamente, a consciência.

Uma aranha efetiva operações parecidas com as do tecelão, e a abelha poderia envergonhar muito arquiteto humano (Baumeister), pela construção de suas celas. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que o arquiteto constrói (gebaut) a cela na sua cabeça antes de construí-la na cera. No final de todo processo de trabalho, emerge um resultado que já tinha sido concebido na representação (Vorstellung) no início, logo já existia de modo ideal (ideell).

Esse campo conceitual e imagético amplia a metáfora arquitetônica, mas sem a carga da exterioridade "objetiva", suposta numa leitura isolada do trecho sobre a "superestrutura". Nesse item, Marx retoma Hegel.51 51. "...a pior idéia que venha à cabeça do homem é mais elevada do que qualquer produto da natureza, porque em tais idéias sempre se apresentam a espiritualidade e a liberdade". Hegel, G.W.F. "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden. F.A.M. Suhrkamp, Theorie Werkausgabe, 13, I, p. 14. Nas Lições sobre a estética, ao se discutir a arquitetura, entre outras artes, afirma-se que ela "não imita a natureza".52 51. "...a pior idéia que venha à cabeça do homem é mais elevada do que qualquer produto da natureza, porque em tais idéias sempre se apresentam a espiritualidade e a liberdade". Hegel, G.W.F. "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden. F.A.M. Suhrkamp, Theorie Werkausgabe, 13, I, p. 14. Ao redor dos conceitos filosóficos utilizados por Marx, notemos o termo "Ideell". Este é um ponto estratégico no que tange ao exercício do pensamento. Não temos, em nossa língua, equivalente para o matiz, encontrável no alemão e no francês, entre "Ideal" (modelo, protótipo), e "Ideell" (o que está no pensamento, na representação, "Vorstellung", de quem concebe). Muitas hermenêuticas do texto marxista perderam esse elemento ativo, o qual supõe o ato subjetivo de imaginar e de refletir.

Ainda um trecho supostamente "conhecido", mas necessário para definir a consistência do paradigma da arquitetura e do demiurgo arquiteto, no momento em que Marx rompe com o mestre Hegel.

Meu método dialético, nas suas fundações, é não só diverso perante o de Hegel, mas o seu oposto direto. Para Hegel, é o processo de pensamento, o qual ele transforma, sob o nome de Idéia (Idee) num sujeito independente, o demiurgo do efetivo (der Demiurg des Wirklichen), o qual seria apenas a sua aparência externa figurada. Para mim, pelo contrário, o ideal (das Ideelle) nada mais é do que o material invertido e traduzido (überzetzte) na cabeça do homem.53 53 . Cf. Das Kapital. Prefácio à 2ª edição. Ed. Dietz Verlag, Berlin, 1975, p. 27. Tradução de Fowkes, p. 102. Boas razões tem Marx para indicar, em Hegel, o "Espírito" como demiurgo, e arquiteto do efetivo, da cultura. Basta abrir as "Lições sobre a estética" para encontrar, muitas e muitas vezes, afirmações como as seguintes: "Aquilo que as artes particulares realizam nas obras de artes singulares são, segundo o conceito, apenas as formas universais da Idéia da beleza no seu desdobramento. Como sua efetivação externa, ergue-se o amplo Panteão da arte, cujo construtor ( Bauherr) e arquiteto ( Werkmeister) é o Espírito da beleza, o qual constrói a si mesmo, mas que será completado apenas no desenvolvimento da História do Mundo, em milhares de anos". Werke in zwanzig Bänden. 13, I, p. 123.

Na tradução de Fowkes, "demiurgo" é posto como "criador",54 53 . Cf. Das Kapital. Prefácio à 2ª edição. Ed. Dietz Verlag, Berlin, 1975, p. 27. Tradução de Fowkes, p. 102. Boas razões tem Marx para indicar, em Hegel, o "Espírito" como demiurgo, e arquiteto do efetivo, da cultura. Basta abrir as "Lições sobre a estética" para encontrar, muitas e muitas vezes, afirmações como as seguintes: "Aquilo que as artes particulares realizam nas obras de artes singulares são, segundo o conceito, apenas as formas universais da Idéia da beleza no seu desdobramento. Como sua efetivação externa, ergue-se o amplo Panteão da arte, cujo construtor ( Bauherr) e arquiteto ( Werkmeister) é o Espírito da beleza, o qual constrói a si mesmo, mas que será completado apenas no desenvolvimento da História do Mundo, em milhares de anos". Werke in zwanzig Bänden. 13, I, p. 123. o que impõe ao pensamento de Marx a forma cristã e romântica, retirando-lhe as ressonâncias filosóficas originais. É possível captar a diferença entre os dois pensadores, nesse ponto, se nos dirigirmos às Lições sobre a história da filosofia, exatamente no instante em que Hegel discute o nexo entre matéria e demiurgo no Timeu.

Parece que Platão admite que Deus seria apenas o demiurgo, isto é, o ordenador da matéria, esta sendo eterna e dele independente, na forma do caos. Mas isso é falso. Estes não são dogmas, filosofemas de Platão, que ele tomasse a sério, mas simples representação (Vorstellung); tais expressões não possuem nenhum conteúdo filosófico.55 55. "Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie". In: G.W.F. Hegel, Werke in zwanzig Bänden. 19, II, p. 88.

0 nó górdio, pois, encontra-se no estatuto da matéria. Marx, conhecedor das Lições hegelianas, e da inversão antropológica de Feuerbach, aponta o homem como demiurgo efetivo, e considera a anterioridade da matéria como algo sério, um filosofema.

Note-se que o termo usado por Marx para recusar Hegel, "Idéia", traz o caráter de modelo e modelador do mundo, fora deste último. Para Marx, o paradigma está no interior do universo, ele é o material (já enfrentado pelo demiurgo platônico como preexistindo ao cosmos), "traduzido" no pensamento. Essa idéia ativa de "tradução" retorna sempre na pena de Marx. Nela, diz-se inexistir "criação" do mundo e da cultura, contra o idealismo e contra o romantismo. Quem traduz possui um texto anterior diante de si. Mas, como diz Marx no 18 Brumário de Luis Bonaparte, há variações de maestria na arte de traduzir. O tradutor noviço ignora as sutilezas da língua estrangeira, impõe a sua própria forma sintática e semântica ao material alheio. Pouco a pouco, ativamente, de forma poética (como acentua ainda o 18 Brumário), ele "assimila o espírito da nova língua", só usando-a livremente quando esquece o idioma pátrio. Mas não basta conhecer o já escrito, o modelo anterior. Dominando-o, com os instrumentos apropriados, urge produzir novas formas para captar objetos hostis. A revolução social, diz Marx, contrariando com isso os românticos conservadores, "só pode extrair sua poesia do futuro".56 55. "Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie". In: G.W.F. Hegel, Werke in zwanzig Bänden. 19, II, p. 88.

Entre a fixidez da superestrutura, a imagem posta no início, e os modelos desenvolvidos de Marx, ampliando as sugestões do mesmo exemplar, há uma grande distância.57 57. Leitor e crítico de Hegel, e homem culto sobremodo, Marx conhece o estatuto hegeliano da arquitetura, "a mais incompleta das artes". "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 131. Seria estratégico seguir os traços desse modelo arquitetural ao longo do escrito de Marx. Por exemplo, quando ele se refere ao imenso trabalho cooperativo cristalizado nas construções asiáticas, egípcias ou etruscas,58 57. Leitor e crítico de Hegel, e homem culto sobremodo, Marx conhece o estatuto hegeliano da arquitetura, "a mais incompleta das artes". "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 131. e se refere à divisão do trabalho na manufatura como "produtora" do modo capitalista (por ironia, Marx usa agora o termo costumeiro na língua cristã, "Schöpfung", algo "espiritual", como se fosse ex nihilo).59 59. Das Kapital, MEGA, p. 353. Marx recusa a tese cristã da criação, e rompe com a idéia de uma imanência absoluta do pensamento ao pensamento, mas para Hegel e Marx, a arquitetura é uma "arte exterior", na escala que vai, num processo de interiorizaçao, à poesia.

Os paradigmas mecânicos e instrumentais fundem-se na escrita de Marx, incorporando _ sempre na trilha de Hegel, mas negando a transcendência do pensamento _ novos paradigmas, como é o caso do modelo químico. Arte, poesia, romance, filosofia, ciências, conhecimentos tecnológicos, tudo isso se reúne na fenomenologia da consciência imersa no mercado, onde o indivíduo perde seu estatuto de sujeito livre, demiurgo, para se pensar como certa mercadoria a mais, a força de trabalho. Há diferença entre definir o instrumento como poder (Macht) e descrever o homem reduzido à força física (Arbeitskraft). Vejamos como Hegel mobilizou o paradigma da química 62 61. "Wissenschaft der Logik". Werke in zwanzig Bänden,.6, II, p. 428 ss, "Der Chemismus". para expor a consciência social e política moderna. Depois, acompanharemos o uso feito por Marx desse mesmo símile, ligado à fragmentação dos corpos e das almas, bem como das sociedades.

0 momento químico é último, na Lógica, antes de se atingir a teleologia, passagem para o Conceito, com o processo da vida e do Espírito. "Quimismo", adianta Hegel, na trilha da Goethe das Afinidades eletivas, vai além dos atos puramente elementares: "No ser vivo, a relação dos sexos encontra-se sob esse esquema, esta também é a base formal nos relacionamentos espirituais, como os do amor, amizade etc." A própria pessoa "é uma base referida no começo apenas a si mesma". Mas isolada, uma base nada produz. "O objeto químico não pode ser concebido por si mesmo; nele, o ser de um objeto é o ser de outro". O objeto químico, um contraditório, "representa uma tendência (Streben) para eliminar a determinação de sua existência (Dasein), e dar existência (Existenz) à totalidade objetiva do Conceito". Dado que no quimismo cada objeto ao mesmo tempo se contradiz e se elimina, sua unidade ainda resulta de uma violência exterior.63 63. "A integração dos elementos, alma do quimismo, permanece a tal ponto marcada pela exterioridade e pela linearidade, que Hegel a remete para uma certa unidade com o mecanismo". Mas, "o quimismo é um sistema de relações que se aplica em todos os domínios da natureza e do espírito, e que consiste nisto: os objetos que ele comporta entretêm uns com os outros relações que são as dos termos do juízo: eles devem exprimir sua identidade real na universalidade que os pôs como tais". Cf. Labarrière, P.-J. e Jarczyk, G. Nota em Hegel, G.W.F . Science de la logique. Paris: Aubier-Montaigne, 1981, t. 2, pp. 246 e 239, respectivamente. Entre os extremos contraditórios, ocorre um termo médio, a neutralidade abstrata. "No mundo corporal, a água desempenha esse papel de meio; no espiritual, quando ocorre um análogo desse processo, esse meio é o signo em geral, e, mais propriamente, a linguagem".64 63. "A integração dos elementos, alma do quimismo, permanece a tal ponto marcada pela exterioridade e pela linearidade, que Hegel a remete para uma certa unidade com o mecanismo". Mas, "o quimismo é um sistema de relações que se aplica em todos os domínios da natureza e do espírito, e que consiste nisto: os objetos que ele comporta entretêm uns com os outros relações que são as dos termos do juízo: eles devem exprimir sua identidade real na universalidade que os pôs como tais". Cf. Labarrière, P.-J. e Jarczyk, G. Nota em Hegel, G.W.F . Science de la logique. Paris: Aubier-Montaigne, 1981, t. 2, pp. 246 e 239, respectivamente.

Um termo químico que retorna em Hegel com freqüência é "dissolução" (Auflösung).65 65. A partir deste passo, sigo mais estreitamente meu artigo, citado acima, "O sublime e o prosaico: Revolução contra reforma". Ele foi emprestado, a partir de Kant, passando por Schelling, da química contemporânea. Na Filosofia real, ele define o próprio elemento químico, quando unido ao calor: "a matéria calórica é existência, possibilidade de difundir-se perfeitamente; os elementos já estão perfeitamente dissolvidos, carecem entre si de massa, de existência (...). Trata-se da matéria, dissolvida por si mesma (...) que existe enquanto dissoluçao". "O que é a luz?", pergunta-se Hegel. Ela é "a pura unidade, raio puro, alma do ser-em-si, matéria química toda vez que a massa foi totalmente dissolvida nesse raio". Do plano químico, Hegel avança para o nível orgânico, como o fará, mais tarde, Marx. Sempre o termo "dissolução" é mantido, em todas essas passagens. O sangue, no animal, "é a simples dissolução, que não apenas contém tudo, mas que é calor, unidade de si e da figura, o devorar-se a si mesmo. Desse modo, o organismo está tenso como indivíduo inteiro perante o exterior, tem fome e sede. É um todo que devora a si mesmo, assim é sentimento de sua negatividade". É pequena, nessas passagens de Hegel, a distância entre a sua idéia de "química" e a prosa poética...

Na Fenomenologia do espírito, na Lógica, e nos demais textos de Hegel, ficamos gelados de horror diante da descrição de toda uma tecnologia da morte, a pintura do processo evolutivo que define as bases para o nascimento do homem. O ente humano partilha a negatividade onipresente no mundo, verdadeira guerra eterna, ontologicamente percebida: "a pele", diz Hegel, "é arma exterior; o osso, a interior; os lábios recebem, mas não beijam apenas: eles se tornam uma presa com os dentes". Assim, não estranhamos a definição do plano das artes, das ciências e das técnicas, na Fenomenologia, como "o reino animal do Espírito".

A concepção, em Hegel, do relacionamento entre indivíduos e todo social é de unidade e compenetração. O todo só é, através do singular. E o singular só no universal encontra a base firme de sua existência. Caso o indivíduo se apóie apenas em si mesmo, negando o universal, faz surgir o ideal. Este, por sua vez, começa a corrosão, a dissolução do Todo existente. O mundo ético, a reunião do universal, já se encontra elaborada, sempre para o indivíduo, na forma de um ordenamento legal, necessidade exterior. O Estado já possui a força física e o constrangimento espiritual. A adesão à racionalidade objetiva do Estado pode ser uma submissão simples, ou pode nascer de um recolhimento livre e meditado.

"A verdade é o todo". Não existe dito hegeliano mais banalizado do que este, salvo a tradução ruim do aforismo que diz " tudo o que é efetivo é racional, e tudo o que é real é efetivo", onde "efetivo" foi substituído por "real". Mas leiamos a passagem inteira: "o verdadeiro é transe, delírio báquico, no qual todo membro está embriagado; e como ele dissolve em si, imediatamente, cada um de seus integrantes que dele procura escapar, ele é também o repouso simples e transparente" (Fenomenologia..., Prefácio). Note-se a figura usada pelo teórico: a sua lembrança das Bacantes (Eurípides) não é casual. A roda que move o coletivo, o ético, gira com extrema violência. A frase mestra, no trecho citado sobre a verdade e o todo, se concretiza na cortante palavra: Auflösung. O delírio desmembra, despedaça, pulveriza, dissolve cada membro do social que procura dele fugir.

O todo nutre os indivíduos, deles se alimentando em contrapartida. Nas Bacantes se desencadeia a fúria de Dionisios, o deus despedaçado e que dilacera.

Ainda na Fenomenologia do espírito, discutindo o texto de Diderot, O sobrinho de Rameau, Hegel descreve a forma do ser moderno, e seu íntimo estraçalhamento. Nele, todos os elementos sólidos se dissolvem, numa perversão generalizada. Na vida moderna, diz o filósofo, "o Bem e o Mal, ou a consciência do bem e do mal, nobre e vil, são desprovidos de verdade; todos esses momentos se pervertem uns nos outros e cada um deles é o oposto de si mesmo". Esse é o reino do "puro cultivo". Nele, o espelhamento rege os atos dos indivíduos e grupos. Todos os partícipes da experiência social se integram nela, de modo pervertido: "exercem um para o outro uma justiça universal; cada um tornou-se estranho a si mesmo, em si mesmo, enquanto se insinua em seu oposto, e o perverte do mesmo jeito".

A "boa consciência", que deseja "moralizar" esse mundo social perverso, extraindo a violência e a dominação astuciosa dos indivíduos, uns contra os outros, fica aquém dele. Sua crítica unilateral, "positiva", não o atinge. "Se a consciência simples lamenta a dissolução (Auflösung) de todo esse mundo perverso, ela não pode pedir ao indivíduo que o abandone, pois o próprio Diógenes, mesmo em seu tonel, é por ele condicionado...". Quem possui consciência ética do mundo sofre. E faz sofrer. É como um turbilhão dissolvente. O próprio mundo, nessa sua consciência, "tem, sobre si mesmo, o sentimento mais doloroso e o olhar mais verdadeiro _ o sentimento de ser a dissolução (Auflösung) de tudo o que se consolida (sich Befestigen), de ser dilacerado através de todos os momentos de sua existência, fragmentado em todos os seus ossos. Ele é, também, a linguagem desse sentimento e do discurso espirituoso que julga todos os lados de sua condição...". Os paradigmas do corpo, e das substâncias físicas e químicas, servem para aproximar o conceito do Real, diluindo o ente humano para a liberdade absoluta, não sujeita à natureza.

Nesse ponto, Marx separa-se de Hegel. Certo ou errado, com otimismo sem base ou não, ele predica para um determinado momento da história social, o capitalista, os horrores da absoluta dissolução, especialmente a partir da química. Perdoem o trecho que cito a seguir, presente em O capital,66 65. A partir deste passo, sigo mais estreitamente meu artigo, citado acima, "O sublime e o prosaico: Revolução contra reforma". mas com origem no Manifesto Comunista. Com a burguesia,

todas as relações sociais sólidas tornaram-se enferrujadas; com seu cortejo de concepções e intuições, elas se dissolvem. (Allefesten (...) Verhältnisse (...) werden aufgelöst); as que subsistem envelhecem antes mesmo de esclerosar. Tudo o que era estabelecido e estável evapora; tudo o que era sagrado se profana. Os homens são, finalmente, constrangidos a considerar com um olho desiludido o lugar que eles ocupam na vida, e nas suas mútuas relações.

A sociedade capitalista impede todo repouso (Ruhe), qualquer solidez (Festigkeit), segurança (Sicherheit) para o trabalhador.

Marx pensa que a solução (Lösung) desse horror está na própria dissolução (Auflösung). Quanto mais a burguesia esmigalha o trabalhador, em seu "sangue, músculo, ossos", mais ela precisa liberar conhecimento e técnicas para o indivíduo: "sim, a grande indústria obriga a sociedade, sob pena de morte, a substituir o indivíduo fragmentado, o mero portador de uma função produtiva de detalhe, pelo indivíduo desenvolvido que saiba cumprir funções sociais diversificadas do trabalho, e lhe impulsione a diversificação de suas capacidades naturais ou adquiridas".

Lucidez extrema de Marx na descrição do processo dissolvente, mas confiança problemática no caráter "educador" e libertário da grande indústria.67 67. Comentando esta passagem do Manifesto, Habermas ( Técnica e ciência como Ideologia, ed. cit.) aponta a atitude assumida por Marx como "ambivalente". É pouco. São fundamentais, entretanto, ainda hoje, os considerandos de Habermas, no mesmo escrito, sobre a "dissolução" do modelo institucional tecnocrático, que tanto imperou entre os "quadros" do Partido Comunista, quanto impera, hoje, nas salas dos "economistas" a serviço do mercado sem limites. A técnica anuncia a essência humana, como solução e dissolução. Claro, nessa perspectiva finalmente otimista, a humanidade não se coloca problemas irresolúveis. Na dialética, assim captada, o puro negativo exige o positivo, e vice-versa. Esse processo é o do esmagamento da corporeidade viva e da alma dos submetidos. A dor dilacera. Leiamos novamente O capital com esse símile químico: estaremos longe do paradigma excessivamente mecânico, que dominou a Diamat, o "marxismo oficial". Mas também nos distanciamos dos alegres passeios de um pós-moderno, com a sua fórmula pacificadora: "Tudo o que é sólido desmancha no ar". Entre a dissolução dos sólidos, descrita por Hegel e utilizada por Marx para figurar o estilhaçamento do corpo humano no mercado absoluto, e o "desmancha no ar", notamos uma distorção formal dos modelos mobilizados pelos que, a exemplo de Hegel e Marx, tentaram pensar a ética e a política reunindo o paradigma do corpo e do instrumento.

Hegel, ao descrever a antropogênese com o modelo químico, não viu nele o fim real da natureza, do homem, do espírito. O químico, nos momentos do saber, vem após o físico, o mecânico, sendo seguido pelo orgânico e pelo espírito. Ou seja, a dissolução dos sólidos, ocorrida naquele plano, tem como solução uma etapa mais elevada no desenvolvimento da Idéia. O nexo entre esta última e o conceito, por exemplo, não se enuncia completamente no âmbito do paradigma químico. Conceito e real, na sua unidade, "não se neutralizam, perdendo ambos a sua peculiaridade e qualidade, como o potássio e o ácido se neutralizam no sal". O conceito permanece como dominante, construindo por si mesmo a realidade como sua, como autodesenvolvimento.68 67. Comentando esta passagem do Manifesto, Habermas ( Técnica e ciência como Ideologia, ed. cit.) aponta a atitude assumida por Marx como "ambivalente". É pouco. São fundamentais, entretanto, ainda hoje, os considerandos de Habermas, no mesmo escrito, sobre a "dissolução" do modelo institucional tecnocrático, que tanto imperou entre os "quadros" do Partido Comunista, quanto impera, hoje, nas salas dos "economistas" a serviço do mercado sem limites. As artes, da mais exterior, a arquitetura, à mais interior ao espírito, constituem um caminho,

uma liberação do espírito do conteúdo e da forma do finito, com a presença e a reconciliação (Versöhnung) do absoluto no sensível e no aparente, como um desdobramento da verdade, a qual não se esgota como história natural, mas se revela na história do mundo, da qual ela mesma, a arte, constitui o lado mais belo e a melhor recompensa do árduo trabalho no efetivo e da ácida (Sauren) fadiga do conhecimento.69 69. "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 573.

Ao recusar essa "reconciliação", obtida na Idéia, a qual, na filosofia, ultrapassa as artes, como também a religião, Marx não rompeu com os paradigmas extraídos da natureza. Embora negando o idealismo hegeliano na base, seu materialismo permaneceu preso, finalmente, ao modelo da ciência natural imperante em seu tempo. Infelizmente, é preciso levar a sério as afirmações, inscritas por Marx nos portais de O capital. Após citar de modo indireto o lugar clássico da Lógica hegeliana sobre a dificuldade inicial das ciências, Marx não pisca os olhos ao comparar o assunto de sua obra maior, em termos de modelo, às ciências da natureza. "O físico observa os processos naturais ou naquele lugar onde eles apresentam-se de modo mais significativo e menos obnubilados por influências perturbadoras, ou tenta, onde é possível, realizar experimentos sob condições que assegurem o processo na sua pureza".

Logo a seguir, o teórico afirma-se defensor do método "do desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo da história natural''.70 69. "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 573. O apego à física, paradigma da pesquisa mesmo em assuntos não imediatamente naturais, coexiste em Marx com o modelo orgânico: "a sociedade presente não é um cristal sólido, mas um organismo submetido a transformações, e constantemente empenhado num processo de mudança".71 71. Marx, op. cit., ed. cit., p. 16. As conseqüências desse pêndulo entre physis e organismo foram danosas ao pensamento que o sucedeu. Com efeito, boa parte dos textos `'filosóficos'' produzidos pela Diamat, fariam corar mecanicistas do século XVIII, estando em formidável atraso, mesmo diante de autores como Diderot. Não por acaso, este último teve uma acolhida bastante fria na URSS, especialmente no reino de Zhdanov, o policial do espírito que perseguiu Anna Akhmatova, Prokofiev, Shostakovich, Eisenstein e todos os filósofos que se desgarrassem do "método dialético".72 71. Marx, op. cit., ed. cit., p. 16. E Marx, em O capital, defendia a "pesquisa científica livre" em economia, contra "as paixões mais violentas, mais mesquinhas, e mais repugnantes que se aninham no peito humano"...73 73. Marx, ed. cit., p. 16. Se escrevesse na URSS, submetido à censura do Partido, o pensador certamente iria dar com os costados na Sibéria, como ocorreu com muitos marxistas que acreditaram na "livre pesquisa".

Marx, apesar dos refinamentos trazidos pelas lições hegelianas, no conceito estratégico de O capital, a passagem via instrumentos entre homem e natureza, deve muito a Moleschott e ao materialismo fisiologista deste último.74 73. Marx, ed. cit., p. 16. Apesar de ser crítico de Hegel, pela demiurgia da Idéia, e do materialismo "abstrato" que "se modela nas ciências naturais, excluindo o processo histórico" (é sua afirmação, ainda em O capital ), ele encontra-se entre as duas doutrinas como entre Cila e Caribdes, deixando sua descendência em suspenso, ou pior, sempre em vias de exasperar o modelo mecânico, ou ampliar desmesuradamente o paradigma orgânico.

Uma das mais lúcidas análises desse ideário encontra-se no pequeno texto de Merleau-Ponty, "A dialética em ação", sobre Trotsky e suas contradições.75 75 . In: Les aventures de la dialectique. Paris: Gallimard, 1955. Os modelos orgânicos e mecânicos, e sua coexistência nas representações marxistas, são sublinhados por Merleau-Ponty, com as ressonâncias hegelianas que restaram na retórica do "materialismo histórico". Este último afirma que "a dialética reside na matéria do todo social, isto é, que o fermento da negação é trazido por uma formação histórica existente, o proletariado". Com essa figura da química, é pensada a negação, personificada pelos proletários. Mas, o que se passa quando o negativo torna-se poder de Estado, quando os proletários, através do Partido, instauram o seu mando? "Só existe ditadura do positivo", ironiza o filósofo. Ou seja, os atos dissolventes encontram uma solidez inaudita: "os proletários são a revolução, o Partido é o proletariado, os chefes são o Partido" (Eu sublinho, RR) O "ser", aí, deve ser entendido segundo o paradigma orgânico: tudo, desde o proletariado até o Partido, é um fenômeno de "maturação". O proletariado "ainda não desenvolvido" é "imaturo", sujeito às "doenças infantis" como o esquerdismo, o anarquismo etc.

O proletariado "maduro" está pronto para "se organizar" no Partido. Este, por sua vez, encontra seu perfeito funcionamento nos líderes que organizam a máquina partidária e, através dela, o social. Todo esse imaginário funda-se numa visão "científica": a "maturação e a decadência do capitalismo".

Para os revolucionários "materialistas e dialéticos", o desenvolvimento

encurta certas fases, ele se abrevia, elude certas transições, mas o termo ao qual ele conduz é sempre concebido como o era por Marx. O esquema da maturação histórica não mudou. Limita-se em introduzir uma condição suplementar: "o mecanismo interno" da revolução nos países atrasados, que explica certas antecipações da história.76 75 . In: Les aventures de la dialectique. Paris: Gallimard, 1955.

Percebemos, nessa atividade em que ocorre uma bricolagem de modelos, o quanto é importante pensar o problema dos paradigmas, especialmente na ética e na política.

Insisti no "caso" marxista, pois, não para avançar mais uma "salvação" de Marx, contra seus epígonos. Após a bancarrota do império soviético, tornou-se moda jogar Marx entre os entulhos do Muro de Berlim. Com o tempo, os textos marxistas poderão ser lidos e julgados "segundo sua própria medida", sem que se acuse o filósofo de todos os horrores totalitários, e sem inocentá-lo de modo beato. Quis evidenciar que o uso do paradigma, em Marx, sobretudo o da arquitetura com o demiurgo, cuja história, pelo menos, desce até Platão, é mais cheio de matizes do que fizeram acreditar os manuais de "materialismo histórico".

Desprovido de seu campo imagético e conceitual, o paradigma da infra-estrutura dominou o pensamento do progressismo até o colapso da União Soviética. Nele, conforme os tempos e as oportunidades, certos aspectos - mecânicos ou orgânicos - foram acentuados na "luta ideológica" e na compreensão científica. Mas o fato de ter sido tomado um paradigma, como retrato fiel do "real", fez o pensamento e a imaginação gelarem, com resultados desastrosos no plano ético. Símiles arquitetônicos exigiriam o seu complemento (fornecido por Marx), no arquiteto demiurgo - sujeito livre que domina a natureza, e que entra em relação com ela através de inumeráveis instrumentos e níveis do real (do físico ao espiritual, passando pelo químico, pelo orgânico). Obedecendo aos ditames do Estado e do Partido, que operam com imagens para persuadir as massas e para sobreviver no exercício do mando, boa parte dos intelectuais e dirigentes ficou presa a um modelo especialmente estático.

Por outro lado, se fôssemos acompanhar o pensamento conservador, sobretudo na sua vertente historicista, veríamos um drama ainda mais grave. Se retomássemos a leitura de Spengler, de Toynbee, e de outros que definiram a cultura da direita, com a sua projeção do organismo sobre o ser social, definindo as "doenças" que o acometeriam, certamente seríamos tomados de horror, sobretudo quando recordamos os vínculos estreitos entre a "Lebensphilosophie" e os campos alemães da morte.77 77. Discuti esses traços, mais longamente, para a cultura internacional e brasileira, em "A fantasmagoria orgânica". Cf. Romano, Roberto. Corpo e cristal. Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985. Preocupa, e muito, a todos os que estudam a ética com respeito, o renascimento de figuras como a de Carl Schmitt, citado em trabalhos sobre assuntos políticos, jurídicos, e até mesmo ecológicos, como se fosse "um autor a mais", cujas teses são "interessantes". Estrategicamente "esquecidos" ficam os textos de Schmitt em louvor de Hitler, e sobre os "conceitos" de amigo e inimigo, que ajudaram a levar milhões de seres humanos aos fornos crematórios. Uma inspeção nas revistas de filosofia, na Europa e no Brasil, mostra o quanto esse revival é forte, fazendo prever conseqüências graves.

O pensamento conservador readquire hegemonia nas análises do pensamento e da cultura antiga. Os chamados "estudos clássicos" têm uma história, nos séculos XIX e XX, pouco edificante. Não raro, eles serviram como alimento "espiritual" para a hegemonia colonialista, imperialista e totalitária. É pena que um livro estratégico, As ideologias do classicismo, escrito por Luciano Canfora, não tenha divulgação maior no Brasil.78 77. Discuti esses traços, mais longamente, para a cultura internacional e brasileira, em "A fantasmagoria orgânica". Cf. Romano, Roberto. Corpo e cristal. Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985. Os ditos "estudos" serviram, e muito bem, aos alvos da ideologia erguida ao redor de uma noção, a de "Rassenstaat ". Em trabalhos hoje hegemônicos naquele setor, acerca da religião, o nexo entre cultura e fundamentos biológicos, ou melhor, etológicos, é tido como inquestionável. Walter Burkert, o autor do polêmico Homo Necans, onde se retoma silenciosamente o pensamento de Hobbes (este último coloca no Estado e nas leis a contenção do homem lobo do homem, enquanto Burkert dá à religião semelhante tarefa), faz coincidir a existência humana com a sua raiz biológica. Assim, o mito (um tema caro ao pensamento conservador, contra a razão) possuiria uma estrutura profunda, feita de imperativos vitais da existência. De modo coerente com a sociologia romântica, Burkert aponta para a "comunidade de participação", onde o `"homem assassino" é amansado.79 79. Uso a tradução italiana do texto de Walter Burkert, Mito e rituale in Grecia. Roma/Bari: Laterza 1987. Vários livros de Burkert já foram ou estão sendo editados em Portugal e no Brasil. O paradigma orgânico modificado, pois, tem ainda muito fôlego em determinados setores da vida acadêmica.

Mas hoje, com o desenvolvimento técnico e científico, bem como artístico, várias tentativas são empreendidas para ir além dos modelos mecânicos ou orgânicos que servem, perdoem-me a boutade, como "subsolo" de nossa consciência. Filósofos como Elias Canetti desenvolveram teorias do coletivo a partir dos parâmetros trazidos pela revolução quântica. Outros, como François Dagognet, se interrogam sobre o próprio estatuto das imagens e dos paradigmas, com a complexificação trazida pela cibernética, pelos computadores, pelos instrumentos de precisão exacerbada.80 79. Uso a tradução italiana do texto de Walter Burkert, Mito e rituale in Grecia. Roma/Bari: Laterza 1987. Vários livros de Burkert já foram ou estão sendo editados em Portugal e no Brasil. Pensadores de várias origens reúnem-se para discutir modelos de percepção social, assumindo a tarefa de não mais lamentar a perda dos paradigmas antigos, mas de imaginar outros, à altura dos novos tempos.81 81. Dos seus grandes textos traduzidos para o português, ressaltemos o clássico Rousseau, A transparência e o obstáculo (São Paulo: Cia. das Letras) e A Invenção da Liberdade (São Paulo: Ed. da Unesp). Estão em preparo as edições brasileiras de Le remède dans le mal (Paris: Gallimard), L'Oeil vivant (Paris: Gallimard, v. 1 e 2).

Como indiquei no início deste texto, precisamos enfrentar o problema do equívoco, presente em todas as línguas, em todas as ciências e artes, em todas as políticas e religiões. Para isso, o primeiro passo é analisar o fenômeno, que avança no mesmo ritmo das divulgações de massa de saberes e técnicas, da inflação verbal. Muitos pensadores, com origens no positivismo lógico ou gerados pela hermenêutica, dedicam-se à tarefa de elucidar o equívoco. Dentre eles, ressalto um escritor que rompeu os estereótipos da "especialização" universitária, e que enfrentou o obstáculo das máscaras, na crítica ao totalitarismo, definindo novas percepções éticas, unidas às letras e às artes. Refiro-me a Jean Starobinski. Médico, aquele filósofo tematizou o artifício e toda uma gama de atos e sentimentos, na história da medicina e da literatura.82 81. Dos seus grandes textos traduzidos para o português, ressaltemos o clássico Rousseau, A transparência e o obstáculo (São Paulo: Cia. das Letras) e A Invenção da Liberdade (São Paulo: Ed. da Unesp). Estão em preparo as edições brasileiras de Le remède dans le mal (Paris: Gallimard), L'Oeil vivant (Paris: Gallimard, v. 1 e 2). Médico, filósofo, esteta, músico, Starobinski move a psicanálise (sobremodo Biswanger) e a hermenêutica para "ler" os quadros e os sons, e usa com maestria a música e a pintura para ver e ouvir os pensamentos filosóficos de hoje, do século XVIII, da Renascença. Uma análise dos empréstimos que ele realiza no campo cultural mostra elementos dos mais variados campos: a fenomenologia do olhar, em Sartre; o tratamento do organismo em Goldstein (para o qual foi despertado por Merleau-Ponty); a epistemologia através de Canguilhem e Bachelard. Pensar o totalitarismo, sim, mas recolher invenções poéticas do pensamento humano, não só para impedir a repetição dos horrores, mas para abrir oportunidades de uma vida livre, e bela. Seus conhecimentos polifacetados, sem ecletismos fáceis, sua intimidade com a produção da música e da pintura deram-lhe uma finura inaudita no tratamento de casos difíceis na história da filosofia, especialmente de Rousseau e de Montaigne.

De Starobinski, bem diz Marcel Raymond que, no seu procedimento, os métodos e modelos servem como instrumentos, não como fins em si mesmos. "Sua crítica é, assim, conduzida à vizinhança da morfologia da criação e de uma antropologia da cultura". Isso lhe permite

transcender as tentativas mais divergentes ou mais aberrantes, como também multiplicar os pontos de vista sobre o trabalho a ser interpretado, permanecendo sempre disponível, sem nunca se deixar prender num código ou sistema, no que ele nomeou, no seu prefácio ao livro de Leo Spitzer, "o terrorismo metodológico".

A passagem constante da imagem à música, e delas aos conceitos, permite-lhe encontrar sempre novos paradigmas, num exercício inventivo livre, no qual a ciência é traduzida para a estética, e vice-versa, sem confundir, num método totalitário, os vários campos. Assim, em seus escritos, encontramos o ideal arcaico da filosofia grega, "palintonos harmonie", ou, de modo mais atual, a "unidade do diverso".

O exemplo de Starobinski (vários outros pensadores de hoje poderiam ser lembrados) faz recordar que as palavras, sem paradigmas, são como carne desprovida de esqueleto. Como os nossos modelos estão dissolvidos, nossa fala, tanto na esquerda quanto na direita, evidencia um acúmulo gorduroso de frases, exacerbando as que E. Benveniste chamou "termos-embreagem" e que outros nomeiam "termos-camaleão" etc. Quem pensa hoje, no Brasil, está cansado de ouvir enxurradas de frases sobre a "globalização", o "neoliberalismo", e quejandos, sem que existam quadros, cenários, numa rede ampla de paradigmas efetivamente novos, que permitam atingir os conceitos, recolhendo dados empíricos com sentido.83 83. Este texto já estava finalizado (provisoriamente), quando a Folha de S. Paulo (Caderno Mais) de 26/10/97 publicou uma entrevista com Habermas, J., sobre seu livro a respeito da abertura à alteridade, onde o pensador afirma de nossos dias: "Em vez de `dialeticamente', como até agora, a esquerda deveria pensar `construtivamente', mesmo que isso possa ser incomum. Nós precisamos de modelos ou projetos, como se fosse possível uma compensação global de interesses no quadro de uma comunidade de Estados que pensasse, digamos, uma `política interna mundial'. Só em tais modelos podem se inflamar as fantasias e formar os motivos necessários para que se configure uma vontade política nas sociedades civis". Ed. citada, Caderno 5, p. 8. O equívoco corre solto, amortecendo as inteligências.

Finalizando, recordo que os exemplos utilizados pela filosofia para a reflexão ética, sejam eles moldados a partir do corpo, dos instrumentos, dos ofícios, foram extraídos das artes e das técnicas. Com as novas sendas, por exemplo, no campo da informática, temos a oportunidade de recuperar um debate diluído pelo romantismo: o enriquecimento mútuo do artista e do cientista. Esforços inúmeros têm sido feitos nesse campo. O número especial da revista Autrement, cujo próprio título é eloqüente ("Pesquisadores ou artistas? Entre arte e ciência eles sonham o mundo")84 83. Este texto já estava finalizado (provisoriamente), quando a Folha de S. Paulo (Caderno Mais) de 26/10/97 publicou uma entrevista com Habermas, J., sobre seu livro a respeito da abertura à alteridade, onde o pensador afirma de nossos dias: "Em vez de `dialeticamente', como até agora, a esquerda deveria pensar `construtivamente', mesmo que isso possa ser incomum. Nós precisamos de modelos ou projetos, como se fosse possível uma compensação global de interesses no quadro de uma comunidade de Estados que pensasse, digamos, uma `política interna mundial'. Só em tais modelos podem se inflamar as fantasias e formar os motivos necessários para que se configure uma vontade política nas sociedades civis". Ed. citada, Caderno 5, p. 8. traz matérias importantes para estabelecer esse novo nexo entre os dois setores. Seus textos foram escritos por físicos, artistas, matemáticos, especialistas em informática, cineastas, músicos, etnólogos, arquitetos, filósofos, médicos... Há tempos, na Revista USP, publiquei um artigo sobre Descartes que incomodou os adeptos da ruptura entre "conceito" e "imagem". O título do escrito? "A razão sonhadora". E por que não? Os modelos éticos podem ser muitos, mas urge buscá-los sem renegar a razão, as artes, as técnicas. As dificuldades são enormes, porque séculos de luta hostil, ou desconhecimento, entre os vários campos (os indivíduos, muitas vezes, escaparam desse muro; cientistas fizeram arte, e artistas produziram ciência, mas não se chegou a modificar os termos da contenda, piorada pelo romantismo) persistem nas universidades, nos institutos de pesquisa, nos teatros, nos recantos dos artistas plásticos. As instituições de fomento à pesquisa ainda operam com segmentos estanques, e a própria SBPC se ordena segundo "áreas" cercadas por barreiras. Esperemos que isso se modifique, para que tenhamos, como disse certa vez o jovem Marx na trilha de Diderot, uma cultura espiritual que movimente, ao mesmo tempo, os cinco sentidos, e com sentido. Os paradigmas, desde o Timeu, constituem algo mais do que simples recursos para dizer o que o intelecto "ainda não" teria colhido seguramente. Eles existem no pensamento, e nunca fora dele. Diderot é muito lido, em nossos dias, quando a imagem reiterativa e sem transcendência domina a comunicação no globo inteiro. E por quê? Segundo ele, a imagem é constitutiva do sentido. Idéia e objeto nela se reúnem. A imaginação é quem fala diretamente, e não o entendimento. Este último está sempre "vestido" pela imagem, gasta ou nova. Um intérprete de Diderot pergunta: "Tal é o procedimento de um poeta?", e não o de um filósofo ou cientista? E temos uma resposta: "Quando o entendimento não pode mais falar, contrariamente ao que pensa Wittgenstein, ele não deve calar-se, mas fornecer oportunidade à imaginação. Esta assume o posto e provoca, suscita a razão''.85 85. Schmitt, Eric-Emmanuel. Diderot, ou la philosophie de la séduction. Paris: Albin Michel, 1997, p. 287. Boa parte da "crise" dos paradigmas, hoje, deve-se talvez ao excesso de imagens e à carência de imaginação.

1. The structure of scientific revolutions. University of Chicago Press, 1962.

2. Putnam, H. Reason, truth and history. Cambridge University Press, 1981.

4. Cf. Chantraine, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque. Paris: Klincksieck, 1983, p. 257.

8. Cito a partir da edição Loeb Classical Library. Plato in twelve volumes. The Republic. T. VI, II, pp. 68-71. Tradução de P. Shorey.

10. Cf. Martin Th. Henri , op. cit., p. 351.

12. Plato's doctrine of artistic imitation". In: Vlastos, Gregory. Plato. A collection of critical essays. Ethics, politics, and philosophy of art and religion. V. 2, Notre Dame University of Notre Dame Press, 1971, p. 259 ss.

13. Cf. Gadamer, H-G. Dialogue and dialectic. Eight hermeneutical studies on Plato. Londres: Vale University Press, 1980, p. 160 ss. Tradução de P.C. Smith.

14. A operação mental cristã, baseada no platonismo médio (inaugurado no primeiro século antes de Cristo por Antíoco, e desenvolvido em sentido místico por Numenius), extrai certos elementos do texto platônico, deixando outros na sombra. No caso do Timeu, sobretudo de 28c, trecho que estamos apreciando, há um deslizamento semântico, quando se vai do texto platônico aos padres da Igreja. "Em Platão, o texto designa o Demiurgo, distinto do Bem. Ora, o médio platonismo identifica um e outro: o Deus criador é o Deus supremo". Clemente de Alexandria, padre apologeta, atribui ao filósofo grego a crença "na criação do mundo ex nihilo". Cito Jean Daniélou: Message évangélique et culture hellénistique. Tournai: Desclée & Co., 1961, p. 104 ss.

15. Cf. Bertaux, Pierre. Hölderlin, ou le temps d'un poète. Paris: Gallimard, 1983, p. 223.

16. Romano, Roberto. Conservadorismo romântico. Origem do totalitarismo. São Paulo: Brasiliense, 1981. Republicado em 1997 pela Editora da Unesp, São Paulo.

18. Sobre o assunto, conferir Hayter, Alethea. Opium and the romantic imagination. Londres: Faber and Faber, 1968.

19. Huch, Ricard. Die Romantik. Haessel, 1931, p. 46.

20. "Lições sobre arte dramática e literatura". Kritischen Schriften, v. 6, pp. 109-110.

22. Kintzler, op. cit. p. 22.

24. Kintzler, op. cit., p. 150.

26. Cf. Starobinski, J. 1789. Les emblemes de la raison. Paris: Flammarion, 1979, pp. 194-195. Cf. Romano, Roberto. "Kant e a Aufklärung", in: Corpo e cristal. Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985.

28. Cf. Schmidt, Albert-Marie. La poésie scientifique au XVIe. siècle. Paris: Rencontres, 1970.

32. Cf. Roger, Jacques. Les sciences de la vie dans la pensée française du XVIIIe siècle. Paris: Armand Colin, 1963, p. 452. Cf. também, Baertschi, Bernard. Les rapports de l'âme et du corps. Descartes, Diderot et Maine de Biran. Paris: Vrin, 1992.

34. Para o romantismo, "a natureza é um organismo animado, não mais um mecanismo que pode ser decomposto em seus diversos elementos. Não se trata de uma simples comparação com a vida animal, mas de uma intuição essencial, comum a todos os que obedecem à necessidade de conduzir a multiplicidade das aparências à Unidade fundamental". Beguin, Albert. L'âme romantique et le rêve. Paris: Corti, 1939, p. 67.

38. Trabalhei esses itens com detalhes em "O sublime e o prosaico. Revolução contra reforma". In: Reforma e Revolução. Revista Brasileira de História 20. Ed. Marco Zero, março/agosto de 1990, pp. 39-62.

40. Sobre esse ponto, cf. Taylor, A.E. Plato, the man and his work. Nova York: Meridian Books, 1957, especialmente p. 441. Cf. também, Conford, F.M. Plato's cosmology. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1956, p. 41 ss.

42. Cf. Colli, Giorgio. O nascimento da filosofia. 2ª ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992, p. 92.

44. MEGA, p. 194 ss; Fowkes, p. 285.

46. "Vorlesungen über die Asthetik". In: Werke...13, I, p. 67.

48. Estratégicos neste sentido, os versos de La Fontaine contra Descartes, e a suposta falta de pensamento nos animais, e seu "puro mecanismo" sem alma. "Discours à Madame de La Sablière". "Cada castor age: comum é a tarefa. O velho faz andar o jovem sem descanso. Muito mestre de obras para ali corre (...) a República de Platão, seria apenas aprendiz desta família anfíbia". Cf. La Fontaine, Fables. Paris: Garnier, 1923, v. 2, p. 150 ss.

50. Foram produzidos estudos notáveis sobre a semelhança entre homens e animais, sobretudo nas formas dos corpos. Entre eles, são importantes as análises de Baltrusaitis, Jurgis, em especial a série "Les perspectives dépravées", onde ressalta o livro Aberrations. Essai sur les légendes des formes. Paris: Flammarion, 1983.

52. Cf. "Vorlesungen über die Ästhetik". Werke... , 13, I, p. 69.

54. A tradução de W. Roces traz, corretamente, "demiurgo" (El Capital, México, FCE, I, p. XXIII). A edição da Pléiade (Oeuvres de Karl Marx, T. 1, Economie, p. 558), traz, também, "demiurgo".

56. Cf. Le 18-Brumaire de Louis Bonaparte. Paris: Sociales, 1948, pp. 173-175.

58. Das Kapital, MEGA, p. 330.

60. A articulação das artes iria da mais exterior (äusserliche), a arquitetura, à "objetiva" (objektive), a escultura, chegando às "subjetivas", a pintura, a música, a poesia. Cf. "Vorlesungen über die Ästhetik". Werke in zwanzig Bänden, 13, I, p. 123.

62. Das Kapital, MEGA, p. 355; tradução de Fowkes, pp. 481-482.

64. Wissenschaft der Logik. Ed. cit, pp. 430-431.

66. MEGA, p. 465. Trad. Fowkes, p. 617.

68. "Vorlesungen über die Ästhetik", Werke in zwanzig Bänden, 13, I, p. 145.

70. Das Kapital, Berlim: Dietz Verlag, , 1975, pp. 12 e 16.

72. Cf. Miller, A. "The annexation of a philosophe. Diderot in soviet criticism. 1917-1960". Diderot Studies, 15, 1971. Também, Romano, Roberto. Silêncio e ruído. A sátira em Denis Diderot. Campinas: Ed. da Unicamp, 1996, p. 181 ss.

74. Essa análise de Marx e de seus vínculos com o materialismo de Moleschott foi realizada por Alfred Schmidt: Emanzipatorische Sinnlichkeit. Ludwig Feuerbach antropologischer Materialismus. Munique: Carl Anser Verlag, 1973. Há tradução italiana: Il materialismo antropologico di Ludwig Feuerbach. Bari: De Donato, 1975.

76. Merleau-Ponty, op. cit., p. 125.

78. Cf. Ideologie del classicismo. Turim, 1980.

80. Cf. Dagognet, F. Philosophie de l'image. Paris: Vrin, 1984.

82. Entre as tentativas parcialmente bem-sucedidas, recorde-se o Colóquio de Cerisy, L'Auto organisation. De la physique ao politique. Dumouchel, P. e Dupuy, J-P. Paris: Seuil, 1983.

84. Número 158. Outubro 1995. Série Mutations. De particular relevo o artigo de Monique Sicard: "Art et science, la chute du mur?" (p. 14 ss).

Paradigms crisis and the emergence of an ethic reflexion

Abstract: The article analyses the most influential paradigms in the history of the modern thought, mainly the Hegelian and Marxist doctrines on society and ethics. Its aim at raising a few doubts on the paradigm concept itself in the ways it is accepted and widespread in the field of the so- called "social sciences" in Brazil.

  • 2. Putnam, H. Reason, truth and history Cambridge University Press, 1981.
  • 4. Cf. Chantraine, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque Paris: Klincksieck, 1983, p. 257.
  • 5. Cf. Benveniste, E. Vocabulario de las instituciones indoeuropeas Madri: Taurus, 1983, pp. 301 e 303.
  • 6. Cf. Goldschmidt. Les dialogues de Platon. Structure et méthode dialectique Paris: PUF, 1947, p. 207.
  • 7 Cito seguindo a ediçăo da Loeb Classical Library. Herodotus Cambridge: Harvard University Press, 1971, volume III, pp. 66-67. Traduçăo de A.D. Godley.
  • 8. Cito a partir da edição Loeb Classical Library. Plato in twelve volumes. The Republic T. VI, II, pp. 68-71. Tradução de P. Shorey.
  • 11. Cf. Brisson, Luc. Le męme et l'autre dans la structure ontologique du Timée de Platon Paris: Klincksieck, 1974, p. 31 ss.
  • 12. Plato's doctrine of artistic imitation". In: Vlastos, Gregory. Plato. A collection of critical essays. Ethics, politics, and philosophy of art and religion V. 2, Notre Dame University of Notre Dame Press, 1971, p. 259 ss.
  • 13. Cf. Gadamer, H-G. Dialogue and dialectic. Eight hermeneutical studies on Plato Londres: Vale University Press, 1980, p. 160 ss. Traduçăo de P.C. Smith.
  • 15 Cf. Bertaux, Pierre. Hölderlin, ou le temps d'un počte Paris: Gallimard, 1983, p. 223.
  • 16 Romano, Roberto. Conservadorismo romântico. Origem do totalitarismo Săo Paulo: Brasiliense, 1981.
  • 17 The mirror and the lamp. Romantic theory and the critical tradition. Londres: Oxford University Press, 1971.
  • 19. Huch, Ricard. Die Romantik Haessel, 1931, p. 46.
  • 21. Cf. Rameau, Jean-Philippe. Splendeur et naufrage de l'esthétique du plaisir ŕ l`Age Classique Paris: Le Sycomore, 1983.
  • 23. Rousseau, J.-J. "Dictionnaire de musique". In: Oeuvres completes Coll. Pleiade. Paris: Gallimard, 1995, v. 5, p. 885.
  • 25. Cf. Didier, Béatrice. La musique des lumičres Paris: PUF, 1985, p. 32.
  • 26. Cf. Starobinski, J. 1789. Les emblemes de la raison Paris: Flammarion, 1979, pp. 194-195.
  • 28 Cf. Schmidt, Albert-Marie. La poésie scientifique au XVIe. sičcle Paris: Rencontres, 1970.
  • 29 Cf. Ayrault, R. La Genčse du Romantisme allemand Paris: Aubier, 1976.
  • 30. "Devemos, na realidade, fazer descer até Aristóteles a assimilaçăo do organismo a certa máquina (...) Aristóteles encontrou, na construçăo das máquinas de guerra, como as catapultas, a permissăo de assimilar a movimentos mecânicos automáticos os movimentos dos animais. (...) Ele assimila efetivamente os órgăos do movimento animal aos `organa', ou seja, partes de máquinas de guerra, por exemplo, o braço de uma catapulta que vai lançar o projetil (...) Ele foi fiel, neste ponto, a Platăo, o qual, no Timeu, definiu o movimento das vértebras como se fossem os de gonzos". Cf. Canguilhem, G. "Machine et organisme", in: La connaissance de la vie Paris: Vrin, 1980, pp. 107-108.
  • 31. Henricus Monantholius. Aristotelis mechanica, Graeca emendata, Latina facta, et comentariis illustrata Paris: 1599.
  • Cf. Bredekamp, Horst. Nostalgia dell'antico e fascino della macchina. II Futuro della storia dell'arte Milăo: Il Saggiatore, 1996, pp. 48 e 136.
  • 32. Cf. Roger, Jacques. Les sciences de la vie dans la pensée française du XVIIIe sičcle Paris: Armand Colin, 1963, p. 452.
  • Cf. também, Baertschi, Bernard. Les rapports de l'âme et du corps. Descartes, Diderot et Maine de Biran. Paris: Vrin, 1992.
  • 34 Para o romantismo, "a natureza é um organismo animado, năo mais um mecanismo que pode ser decomposto em seus diversos elementos. Năo se trata de uma simples comparaçăo com a vida animal, mas de uma intuiçăo essencial, comum a todos os que obedecem ŕ necessidade de conduzir a multiplicidade das aparęncias ŕ Unidade fundamental". Beguin, Albert. L'âme romantique et le ręve Paris: Corti, 1939, p. 67.
  • 37. Les metaphores de L'organisme Paris: Vrin, 1971.
  • 39 Cf. Les deux sources de la morale et de la religion. In: Oeuvres Édition Du Centenaire. Paris: PUF, 1959, p. 1237.
  • 40. Sobre esse ponto, cf. Taylor, A.E. Plato, the man and his work Nova York: Meridian Books, 1957, especialmente p. 441.
  • 41 Entre muitos, citemos o rigoroso estudo de Cahné, Pierre-Alain. Un autre Descartes. Le philosophe et son langage Paris: Vrin, 1980.
  • 42. Cf. Colli, Giorgio. O nascimento da filosofia 2Ş ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992, p. 92.
  • 43.Das Kapital.In: Marx/Engels Gesamtausgabe. (MEGA), Dietz Verlag, Berlin, 1987, Band 6, p. 112. Tradução de B. Fowkes, B. Capital, v. 1, Pelican/New Left Review, 1976, v. 1, p. 175.
  • 45. O trecho de Hegel, citado por Marx neste passo, trata da teleologia, e da idéia de mediaçăo, de instrumento, de quimismo etc. Fundamental é que Hegel une a astúcia (a produçăo de meios para se apropriar dos objetos) ao poder da razăo. O sentido político, inclusive do ponto de vista religioso, fica claro na nota da Enciclopédia citada por Marx. Cf. Hegel, G.W.F. "Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften" 1, § 209 e nota. In: Werke in zwanzig Bänden, F.A.M, Suhrkamp, 1970, p. 365.
  • 47. Cf. "Democrite" In: Les écoles présocratiques Édition établie par Jean-Paul Dumont. Paris: Gallimard (Folio) 1991, p. 537.
  • 48. Estratégicos neste sentido, os versos de La Fontaine contra Descartes, e a suposta falta de pensamento nos animais, e seu "puro mecanismo" sem alma. "Discours ŕ Madame de La Sabličre". "Cada castor age: comum é a tarefa. O velho faz andar o jovem sem descanso. Muito mestre de obras para ali corre (...) a República de Platăo, seria apenas aprendiz desta família anfíbia". Cf. La Fontaine, Fables Paris: Garnier, 1923, v. 2, p. 150 ss.
  • 53 Cf. Das Kapital Prefácio ŕ 2Ş ediçăo. Ed. Dietz Verlag, Berlin, 1975, p. 27. Traduçăo de Fowkes, p. 102.
  • 55. "Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie". In: G.W.F. Hegel, Werke in zwanzig Bänden. 19, II, p. 88.
  • 56. Cf. Le 18-Brumaire de Louis Bonaparte Paris: Sociales, 1948, pp. 173-175.
  • 58. Das Kapital, MEGA, p. 330.
  • 59. Das Kapital, MEGA, p. 353.
  • 62. Das Kapital, MEGA, p. 355; traduçăo de Fowkes, pp. 481-482.
  • 63. "A integraçăo dos elementos, alma do quimismo, permanece a tal ponto marcada pela exterioridade e pela linearidade, que Hegel a remete para uma certa unidade com o mecanismo". Mas, "o quimismo é um sistema de relaçőes que se aplica em todos os domínios da natureza e do espírito, e que consiste nisto: os objetos que ele comporta entretęm uns com os outros relaçőes que săo as dos termos do juízo: eles devem exprimir sua identidade real na universalidade que os pôs como tais". Cf. Labarričre, P.-J. e Jarczyk, G. Nota em Hegel, G.W.F. Science de la logique Paris: Aubier-Montaigne, 1981, t. 2, pp. 246 e 239, respectivamente.
  • 70. Das Kapital, Berlim: Dietz Verlag, , 1975, pp. 12 e 16.
  • 72. Cf. Miller, A. "The annexation of a philosophe. Diderot in soviet criticism. 1917-1960". Diderot Studies, 15, 1971.
  • 74. Essa análise de Marx e de seus vínculos com o materialismo de Moleschott foi realizada por Alfred Schmidt: Emanzipatorische Sinnlichkeit. Ludwig Feuerbach antropologischer Materialismus Munique: Carl Anser Verlag, 1973.
  • 77. Discuti esses traços, mais longamente, para a cultura internacional e brasileira, em "A fantasmagoria orgânica". Cf. Romano, Roberto. Corpo e cristal. Marx romântico Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985.
  • 79. Uso a traduçăo italiana do texto de Walter Burkert, Mito e rituale in Grecia Roma/Bari: Laterza 1987.
  • 80. Cf. Dagognet, F. Philosophie de l'image Paris: Vrin, 1984.
  • 85. Schmitt, Eric-Emmanuel. Diderot, ou la philosophie de la séduction Paris: Albin Michel, 1997, p. 287.
  • 60
    59. Das Kapital, MEGA, p. 353. Marx usa, ao descrever o mundo e a sociedade capitalista, os mais variados símiles, todos ligados ao corpo e aos instrumentos. São lancinantes suas considerações sobre o estilhaçamento do corpo e da alma dos operários, no processo de divisão do trabalho. Nela, cada homem "é dividido e transformado num motor automático de uma produção parcelada, realizando assim a fábula de Menenius Agrippa, que apresenta o homem apenas como um fragmento de seu próprio corpo".
    61 61. "Wissenschaft der Logik". Werke in zwanzig Bänden,.6, II, p. 428 ss, "Der Chemismus".
  • Notas
  • 3.
    In:
    Technik und Wissenschaft als Ideologie. F.A.M. Suhrkamp Verlag, 1968.
  • 5.
    Cf. Benveniste, E.
    Vocabulario de las instituciones indoeuropeas. Madri: Taurus, 1983, pp. 301 e 303.
  • 6.
    Cf. Goldschmidt.
    Les dialogues de Platon. Structure et méthode dialectique. Paris: PUF, 1947, p. 207.
  • 7
    . Cito seguindo a edição da Loeb Classical Library.
    Herodotus. Cambridge: Harvard University Press, 1971, volume III, pp. 66-67. Tradução de A.D. Godley.
  • 9.
    Cito a partir da edição Loeb Classical Library,
    Plato, 9, pp. 50-53. Tradução de R.G. Bury. Cf. também a tradução de Th. Henri Martin,
    Le Timée de Platon. Paris: Vrin, 1981, pp. 82-85.
  • 11.
    Cf. Brisson, Luc.
    Le même et l'autre dans la structure ontologique du Timée de Platon. Paris: Klincksieck, 1974, p. 31 ss.
  • 17
    .
    The mirror and the lamp. Romantic theory and the critical tradition. Londres: Oxford University Press, 1971.
  • 21.
    Cf.
    Rameau, Jean-Philippe. Splendeur et naufrage de l'esthétique du plaisir à l`Age Classique. Paris: Le Sycomore, 1983.
  • 23.
    Rousseau, J.-J. "Dictionnaire de musique".
    In:
    Oeuvres completes. Coll. Pleiade. Paris: Gallimard, 1995, v. 5, p. 885.
  • 25.
    Cf. Didier, Béatrice.
    La musique des lumières. Paris: PUF, 1985, p. 32. A autora procura mostrar que não é correto ver Rousseau apenas como defensor da melodia, e Rameau apenas como defensor da harmonia. As coisas são mais complexas. Entretanto, embora se dando razão a Didier, o símile da pintura para a música, "desenho" e "cor", mostra a decidida opção de Rousseau pela "cor".
  • 27.
    Kintzler, p. 40.
  • 29
    . Cf. Ayrault, R.
    La Genèse du Romantisme allemand. Paris: Aubier, 1976. Cf. também Stenzel, G. (org.).
    Die Deutschen Romantiker. Salzburg: Das Bergland-buch, s/d.
  • 30.
    "Devemos, na realidade, fazer descer até Aristóteles a assimilação do organismo a certa máquina (...) Aristóteles encontrou, na construção das máquinas de guerra, como as catapultas, a permissão de assimilar a movimentos mecânicos automáticos os movimentos dos animais. (...) Ele assimila efetivamente os órgãos do movimento animal aos `organa', ou seja, partes de máquinas de guerra, por exemplo, o braço de uma catapulta que vai lançar o projetil (...) Ele foi fiel, neste ponto, a Platão, o qual, no
    Timeu, definiu o movimento das vértebras como se fossem os de gonzos". Cf. Canguilhem, G. "Machine et organisme",
    in:
    La connaissance de la vie. Paris: Vrin, 1980, pp. 107-108.
  • 31.
    Henricus Monantholius.
    Aristotelis mechanica, Graeca emendata, Latina facta, et comentariis illustrata. Paris: 1599. Cf. Bredekamp, Horst.
    Nostalgia dell'antico e fascino della macchina. II Futuro della storia dell'arte. Milão: Il Saggiatore, 1996, pp. 48 e 136.
  • 33.
    Entre muitos autores que apresentaram a história do ideal mecânico e do automatismo, lembro o bonito livro de Chapuis, Alfred (e Droz, Edmond):
    Les automates. Figures artificielles d'hommes et d'animaux. Histoire et technique. Neuchâtel: Editions du Griffon, 1949.
  • 35.
    Esse imaginário romântico, em Kubrick, foi analisado por Maria Sylvia Carvalho Franco, e por mim, em artigo conjunto. Cito apenas uma passagem: "É possível sublinhar o nexo entre
    2001 e
    O iluminado. Parece bastante certo o símile entre Hall, o computador que se desregulou, passando a nutrir-se do ser humano, consumindo-se e endeusando-se, e o `Overlook Hotel' (de
    O iluminado), que também se desarranja e inverte o seu sentido: de instrumento para a contemplação, a ser supervisionado, passa a agente da `supervisão', dirigindo os destinos postos em seu poder. `Overlook', o substantivo que nomeia o hotel, pode ser verbo, com os sujeitos da ação trocados pela sintaxe cinematográfica. No caso de Hall, mudança análoga acontece: o computador é objeto constante de cuidados e lisonja dos astronautas que dele se servem, até que essa dependência é por ele tomada como um culto, fetichizada. A partir daí, o olhar de Hall controla os corpos e almas dos astronautas, levando-os à morte em caso de qualquer atitude suspeita contra sua integridade. Outra homologia na estrutura dos dois filmes aparece nas seqüências do osso lançado pelo primata, do enigmático transmissor espacial e da caneta flutuando na espaçonave, em
    2001, e os episódios do machado e do taco de baseball em
    O iluminado. O que é invenção preliminar na ficção científica mostra suas implicações funestas ao término do conto de terror". Cf. Carvalho Franco, M.S. e Romano, R. "O iluminado de Stanley Kubrick",
    in:
    Leitura: Teoria & Prática. Ano 12, junho/1993, número 21, p. 37 ss.
  • 36.
    Op.cit., p. 186.
  • 37.
    Les metaphores de L'organisme. Paris: Vrin, 1971.
  • 39
    . Cf. Les deux sources de la morale et de la religion.
    In:
    Oeuvres. Édition Du Centenaire. Paris: PUF, 1959, p. 1237.
  • 41
    . Entre muitos, citemos o rigoroso estudo de Cahné, Pierre-Alain.
    Un autre Descartes. Le philosophe et son langage. Paris: Vrin, 1980. Também Ribeiro dos Santos, Leonel,
    Metáforas da razão. ou economia poética do pensar kantiano. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1994.
  • 43.
    Das Kapital.
    In: Marx/Engels Gesamtausgabe. (MEGA), Dietz Verlag, Berlin, 1987, Band 6, p. 112. Tradução de B. Fowkes, B.
    Capital, v. 1, Pelican/New Left Review, 1976, v. 1, p. 175.
  • 45.
    O trecho de Hegel, citado por Marx neste passo, trata da teleologia, e da idéia de mediação, de instrumento, de quimismo etc. Fundamental é que Hegel une a astúcia (a produção de meios para se apropriar dos objetos) ao poder da razão. O sentido político, inclusive do ponto de vista religioso, fica claro na nota da
    Enciclopédia citada por Marx. Cf. Hegel, G.W.F. "Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften" 1, § 209 e nota.
    In:
    Werke in zwanzig Bänden, F.A.M, Suhrkamp, 1970, p. 365.
  • 47.
    Cf. "Democrite"
    In: Les
    écoles présocratiques. Édition établie par Jean-Paul Dumont. Paris: Gallimard (Folio) 1991, p. 537. (Cf., também, "Demócrito de Abdera",
    In:
    Os pré-socráticos. Fragmentos. doxografia e comentários. Seleção de J.C. de Souza. São Paulo: Abril, 1978, p. 333. O próprio Plutarco tem um pequeno texto satírico, sobre a superioridade ética e racional dos animais sobre os homens. Cf. "Animais são racionais",
    Moralia. Loeb Classical Library, v. 12, tradução de H. Chernisss e W. Hembold, p. 481 ss.
  • 49.
    Cf. "Ethic and Physics in Democritus".
    In:
    Studies in presocratic philosophy. . Allen, R.E e Furley, David J. (orgs.). Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975, p. 381 ss.
  • 51.
    "...a pior idéia que venha à cabeça do homem é mais elevada do que qualquer produto da natureza, porque em tais idéias sempre se apresentam a espiritualidade e a liberdade". Hegel, G.W.F. "Vorlesungen über die Ästhetik",
    Werke in zwanzig Bänden. F.A.M. Suhrkamp, Theorie Werkausgabe, 13, I, p. 14.
  • 53
    . Cf.
    Das Kapital. Prefácio à 2ª edição. Ed. Dietz Verlag, Berlin, 1975, p. 27. Tradução de Fowkes, p. 102. Boas razões tem Marx para indicar, em Hegel, o "Espírito" como demiurgo, e arquiteto do efetivo, da cultura. Basta abrir as "Lições sobre a estética" para encontrar, muitas e muitas vezes, afirmações como as seguintes: "Aquilo que as artes particulares realizam nas obras de artes singulares são, segundo o conceito, apenas as formas universais da Idéia da beleza no seu desdobramento. Como sua efetivação externa, ergue-se o amplo Panteão da arte, cujo construtor (
    Bauherr) e arquiteto (
    Werkmeister) é o Espírito da beleza, o qual constrói a si mesmo, mas que será completado apenas no desenvolvimento da História do Mundo, em milhares de anos".
    Werke in zwanzig Bänden. 13, I, p. 123.
  • 55.
    "Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie".
    In: G.W.F. Hegel,
    Werke in zwanzig Bänden. 19, II, p. 88.
  • 57.
    Leitor e crítico de Hegel, e homem culto sobremodo, Marx conhece o estatuto hegeliano da arquitetura, "a mais incompleta das artes". "Vorlesungen über die Ästhetik",
    Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 131.
  • 59.
    Das Kapital, MEGA, p. 353.
  • 61.
    "Wissenschaft der Logik".
    Werke in zwanzig Bänden,.6, II, p. 428 ss, "Der Chemismus".
  • 63.
    "A integração dos elementos, alma do quimismo, permanece a tal ponto marcada pela exterioridade e pela linearidade, que Hegel a remete para uma certa unidade com o mecanismo". Mas, "o quimismo é um sistema de relações que se aplica em todos os domínios da natureza e do espírito, e que consiste nisto: os objetos que ele comporta entretêm uns com os outros relações que são as dos termos do juízo: eles devem exprimir sua identidade real na universalidade que os pôs como tais". Cf. Labarrière, P.-J. e Jarczyk, G. Nota em Hegel, G.W.F
    . Science de la logique. Paris: Aubier-Montaigne, 1981, t. 2, pp. 246 e 239, respectivamente.
  • 65.
    A partir deste passo, sigo mais estreitamente meu artigo, citado acima, "O sublime e o prosaico: Revolução contra reforma".
  • 67.
    Comentando esta passagem do
    Manifesto, Habermas (
    Técnica e ciência como Ideologia,
    ed. cit.) aponta a atitude assumida por Marx como "ambivalente". É pouco. São fundamentais, entretanto, ainda hoje, os considerandos de Habermas, no mesmo escrito, sobre a "dissolução" do modelo institucional tecnocrático, que tanto imperou entre os "quadros" do Partido Comunista, quanto impera, hoje, nas salas dos "economistas" a serviço do mercado sem limites.
  • 69.
    "Vorlesungen über die Ästhetik",
    Werke in zwanzig Bänden, 15, III, p. 573.
  • 71.
    Marx,
    op. cit., ed. cit., p. 16.
  • 73.
    Marx, ed. cit., p. 16.
  • 75
    . In:
    Les aventures de la dialectique. Paris: Gallimard, 1955.
  • 77.
    Discuti esses traços, mais longamente, para a cultura internacional e brasileira, em "A fantasmagoria orgânica". Cf. Romano, Roberto.
    Corpo e cristal. Marx romântico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985.
  • 79.
    Uso a tradução italiana do texto de Walter Burkert,
    Mito e rituale in Grecia. Roma/Bari: Laterza 1987. Vários livros de Burkert já foram ou estão sendo editados em Portugal e no Brasil.
  • 81.
    Dos seus grandes textos traduzidos para o português, ressaltemos o clássico Rousseau,
    A transparência e o obstáculo (São Paulo: Cia. das Letras) e
    A Invenção da Liberdade (São Paulo: Ed. da Unesp). Estão em preparo as edições brasileiras de
    Le remède dans le mal (Paris: Gallimard), L'Oeil vivant (Paris: Gallimard, v. 1 e 2).
  • 83.
    Este texto já estava finalizado (provisoriamente), quando a
    Folha de S. Paulo (Caderno Mais) de 26/10/97 publicou uma entrevista com Habermas, J., sobre seu livro a respeito da abertura à alteridade, onde o pensador afirma de nossos dias: "Em vez de `dialeticamente', como até agora, a esquerda deveria pensar `construtivamente', mesmo que isso possa ser incomum. Nós precisamos de modelos ou projetos, como se fosse possível uma compensação global de interesses no quadro de uma comunidade de Estados que pensasse, digamos, uma `política interna mundial'. Só em tais modelos podem se inflamar as fantasias e formar os motivos necessários para que se configure uma vontade política nas sociedades civis". Ed. citada, Caderno 5, p. 8.
  • 85.
    Schmitt, Eric-Emmanuel.
    Diderot, ou la philosophie de la séduction. Paris: Albin Michel, 1997, p. 287.
  • * Professor titular de Filosofia Política e Ética na Unicamp.
    Professor titular de Filosofia Política e Ética na Unicamp.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 1999
    • Data do Fascículo
      Dez 1998
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