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EDITORIAL

Buscando dar seqüência à política editorial de oferecer ao leitor debates sobre temas de abrangente atualidade e particular relevância para o campo da educação, Educação & Sociedade inicia este número com um Dossiê sobre a diferença, temática que emergiu como relevante durante o Seminário Internacional de lançamento da revista nº 73, "Políticas curriculares e decisões epistemológicas", realizado no dia 5 de abril de 2001, em Campinas (SP). Sem exagero, são raros os autores que trabalham temas da contemporaneidade que não reservem lugar de destaque na sua agenda de publicações a questões relativas à diferença, à alteridade, à outridade, ao multicultural. Isso ocorre na filosofia, na sociologia, na psicologia, na política, na economia e, também, na educação. Ocorre em autores como Habermas, Foucault, Deleuze, Derrida, Levinas, Morin, Rorty, Bataille, Giddens, Baudrillard, não importando se são marxistas, pragmáticos, modernos ou pós-modernos. Alguns argumentam a favor das convergências, das semelhanças, das narrativas, da utopia; outros defendem as diferenças, os localismos, as identidades, os jogos de linguagem. Todos reconhecem a diferença como um dos traços da cultura contemporânea: a diferença não é só compatível com o ser humano como é sua própria condição. Porém, as posições assumidas diante desse fato não são de modo algum indiferentes, em termos de conseqüências, para a educação, seja ela formal ou informal. Trata-se de distintas visões de homem, de mundo e, sobretudo, de história que se refletem no projeto pedagógico, no currículo, na relação professor-aluno.

Os textos organizados por Alfredo Veiga-Neto representam um cenário polimorfo, mas "partilham uma cumplicidade": a cumplicidade do "estado daqueles que foram mordidos pela víbora". Talvez já não seja, como no texto de Platão, um número limitado de pessoas. Estamos todos, de um modo ou de outro, envolvidos neste peculiar momento da história da humanidade. Assombra o homem idéia de já não ser o que sempre pensou ter sido: o apenas idêntico consigo mesmo. A compreensão da alteridade como parte constituinte da identidade gera, para além da crise, o início de uma nova concepção de homem e de mundo. Educar adquire, agora, uma nova dimensão: a de partilhar perspectivas de decodificação deste estado novo que surge com a emergência da diferença. Debilitadas as utopias apriorísticas, o ser humano precisa aprender a cavar as pulsões do seu desenvolvimento, individual, social e histórico, na cultura da diferença. Afinal, o ser humano nasce, constrói-se, realiza-se e se plenifica na relação com a semelhança e com a diferença.

A segunda parte deste número abrange temas diversos que vão desde o conceito de competência, o acesso à escola, o trote na universidade, o planejamento participativo, os estados da arte até as redes de contato social no contexto da pesquisa universitária. Como se percebe, trata-se de um amplo leque temático que, no entanto, direta ou indiretamente, estão relacionados aos assuntos trabalhados no dossiê como o currículo, a exclusão do outro, a diferença/alteridade, o cotidiano escolar.

A competência, por exemplo, é um polêmico conceito de moda que sintetiza a necessidade de uma revisão crítica das tradicionais 'qualidades' do educador. Antes de tudo, coloca-se a questão conceitual: o que é competência? Depois, qual o perfil de um bom professor neste novo mundo de mudanças, de diferenças, de globalização, de novos conceitos de espaço e tempo, de fluxos comunicacionais? Não há respostas fáceis, mas um bom caminho parece ser aquele que equilibra a reflexão teórica e a análise empírica.

Tal como a formação de professores, condição sine qua non para a educação de qualidade, o acesso à escola e, portanto, o acesso à cultura e à participação social é vetor de desenvolvimento numa sociedade chamada 'do conhecimento'. Questão resolvida nos países do primeiro mundo, no Brasil ainda há muito o que fazer, ao contrário do que muitos alardeiam, mesmo se nos restringirmos à questão do meramente quantitativo que, todos sabem, é apenas um passo necessário, porém inócuo, se não for ladeado pelo qualitativo.

Um outro olhar sobre o acesso ao saber enfoca a 'cultura' do trote nas universidades. O jogo sadomasoquista disfarça, no ritual da agressão/submissão, o perverso prazer de ter conquistado um lugar ao sol, ao qual o outro, o 'alter', o diferente não conseguiu chegar. A diferença se afirma e se estabelece no que ela tem de mais negativo: a diferença social entre os que têm e os que não têm a perspectiva da cidadania.

Este cenário das contradições sociais, que emerge do chão da economia, reflete-se, como não poderia deixar de ser, também na educação, no acesso à escola, nos projetos pedagógicos, nos currículos e faz nascer do seio mesmo destas contradições as articulações comunitárias de luta pelo direito à cidadania. São estes projetos emergentes nos mais diferentes ambientes sociais, desde os maiores centros urbanos até o árido baiano, que alentam a esperança e afirmam a certeza de uma sociedade melhor.

A partir deste número, Educação & Sociedade passa a ser representada e distribuída na Europa, através de Portugal, onde, inclusive, estará disponível a possibilidade de assinaturas.

Comitê Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Ago 2002
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