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Imagens e narrativas nos/dos murais: dialogando com os sujeitos da escola

Images and narratives in/of the bulletin board: a dialog with school subjects

Resumos

Percorrendo os espaços da escola, percebemos o fluxo contínuo de imagens que se formam em nosso pensamento, como objeto da nossa imaginação, indissociadas daquelas que vemos materializadas em desenhos, fotografias, gráficos, mapas e textos expostos nos murais a comunicar sentimentos, pensamentos e experiências vividas pelos sujeitos das salas de aula. São inúmeras as possibilidades que temos de criar histórias cujas personagens são esses mesmos sujeitos em suas relações com tudo o que constitui essas salas de aula, inclusive o que está além do limite de suas paredes. Neste texto, percorremos esses espaços/tempos buscando captar imagens que contam um pouco do que são e como se constituem, considerando que as imagens nos informam, formam e muito podem dizer sobre os sujeitos das salas de aula e o que criam no cotidiano. Mesclando imagens e imaginário, são criadas e contadas histórias envolvendo seus sujeitos, percebendo esses espaços. Essas histórias são também histórias sobre nós mesmos.

Cotidiano escolar; Imagens; Redes de saberes


Strolling through school spaces, we sense the continuous stream of images formed in our thought, like objects from our imagination, indissociate from those we see materialized in drawings, photographs, graphs, maps and texts exposed on a bulletin board, which communicate feelings, thoughts and experiences lived by classroom subjects. We have numberless possibilities to create stories whose characters are these very subjects in their relations with everything that forms those classrooms, including what is outside their walls. In this text, we get trough those spaces/times trying to capture images that tell us a little about them and how they constitute themselves. The images are considered as sources able to inform, form and tell us things about the classroom subjects and their creations in the quotidian of schools. Mixing images and imaginary, stories of these subjects sensing those spaces, stories are created and told. Such stories are also about ourselves.

School quotidian; Images; Knowledge networks


DOSSIÊ: "COTIDIANO ESCOLAR"

Imagens e narrativas nos/dos murais: dialogando com os sujeitos da escola

Images and narratives in/of the bulletin board: A dialog with school subjects

Regina Coeli Moura de Macedo

Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora do Colégio Pedro II. E-mail: regininhamacedo@uol.com.br

RESUMO

Percorrendo os espaços da escola, percebemos o fluxo contínuo de imagens que se formam em nosso pensamento, como objeto da nossa imaginação, indissociadas daquelas que vemos materializadas em desenhos, fotografias, gráficos, mapas e textos expostos nos murais a comunicar sentimentos, pensamentos e experiências vividas pelos sujeitos das salas de aula. São inúmeras as possibilidades que temos de criar histórias cujas personagens são esses mesmos sujeitos em suas relações com tudo o que constitui essas salas de aula, inclusive o que está além do limite de suas paredes. Neste texto, percorremos esses espaços/tempos buscando captar imagens que contam um pouco do que são e como se constituem, considerando que as imagens nos informam, formam e muito podem dizer sobre os sujeitos das salas de aula e o que criam no cotidiano. Mesclando imagens e imaginário, são criadas e contadas histórias envolvendo seus sujeitos, percebendo esses espaços. Essas histórias são também histórias sobre nós mesmos.

Palavras-chave: Cotidiano escolar. Imagens. Redes de saberes.

ABSTRACT

Strolling through school spaces, we sense the continuous stream of images formed in our thought, like objects from our imagination, indissociate from those we see materialized in drawings, photographs, graphs, maps and texts exposed on a bulletin board, which communicate feelings, thoughts and experiences lived by classroom subjects. We have numberless possibilities to create stories whose characters are these very subjects in their relations with everything that forms those classrooms, including what is outside their walls. In this text, we get trough those spaces/times trying to capture images that tell us a little about them and how they constitute themselves. The images are considered as sources able to inform, form and tell us things about the classroom subjects and their creations in the quotidian of schools. Mixing images and imaginary, stories of these subjects sensing those spaces, stories are created and told. Such stories are also about ourselves.

Key words: School quotidian. Images. Knowledge networks.

Nosso caminhar cotidiano pelos pátios, corredores, salas de aula e outros espaços das escolas que freqüentamos pode nos despertar variados sentimentos e curiosidades provocando a criação de inúmeras histórias sobre os acontecimentos e as pessoas que inventam cotidianamente esses espaços/tempos. Essas histórias vão nos oferecer muitas possibilidades para melhor conhecê-los e compreendê-los. Sujeitos e objetos que ocupam as cenas, junto com o imaginário que os envolve, vão compondo as imagens que constituem esses espaços. Imagens que se oferecem como pistas sobre o "não-visível" nas escolas e que vão, também, nos formando cotidianamente. Como nos diz Manguel (2001), "somos essencialmente criaturas de imagens, figuras", e criar histórias falando sobre elas significa também criar possibilidades de melhor nos conhecermos.

Quanto aos murais das salas de aula e dos corredores das escolas, por exemplo, podemos passar por eles totalmente indiferentes, sem lhes dedicar atenção? Ao vê-los, percebê-los como imagens, interagimos com eles de alguma maneira. São pensamentos e perguntas que nos vêm, narrativas que desenvolvemos, apreciações, comparações e críticas que fazemos, relações que estabelecemos, enfim. São múltiplas formas de contato que estabelecemos com as histórias individuais e coletivas das pessoas que, de alguma forma, participaram da sua confecção ou interagiram com eles. Nosso imaginário, fio do tecido que é o imaginário social em que estamos imersos, começa a produzir significados e sentidos.

Entendendo desse modo as possibilidades que nos oferece o estudo de murais para o desvendamento de aspectos relevantes das realidades escolares nas quais eles são produzidos, escolhi trazer para este texto uma discussão a respeito de alguns murais, feitos por professoras da escola em que trabalho com seus alunos e alunas. Eles mostram imagens produzidas e/ou selecionadas por esses sujeitos das salas de aula que são, também, imagens criadas, tanto pelo que anunciam como pelo que sobre eles temos para falar. Percorrendo caminhos nessa escola, optei por contar o que pude apreender a respeito do que se passava ali naqueles espaços/tempos tão fundamentais na escola que são as salas de aula.

As imagens que produzi sobre esses murais foram feitas com a intenção de mostrá-las – o que será feito na dissertação de mestrado –, mas terei de me contentar aqui com uma apresentação mais descritiva, em virtude dos limites técnicos dessas imagens. Imagino que, ainda assim, elas poderão ser fios do tecido das histórias de escola que cada um vai se sentir provocado a contar ao ler/ver este texto. Entendendo, com Manguel (2001), que as fotografias, como todas as imagens, falam-nos, e que "as imagens, assim como as histórias, nos informam", trarei para este texto um pouco da história que, por intermédio das imagens observadas, de entrevistas com professoras e das reflexões que ambas suscitaram, pude tecer a respeito de alguns dos fazeres/saberes cotidianos dessa escola, no que ela tem de singular com relação a outras, nos seus modos próprios de inventar o seu cotidiano.

Pensando na justificativa que daria aos leitores sobre a escolha das imagens, percebi que foram elas que me convidaram a fazê-lo. Os murais conquistaram-me e seduziram-me para que eu pudesse querer apresentá-los, falar e escrever sobre eles. Percebi que minha maneira de chegar a eles não foi ocasional: as imagens "olharam-me" e "disseram-me" algo, como fazem outras tantas que impregnam nosso cotidiano e que evidenciam a importância para as pesquisas desenvolvidas em ambiente escolar, de se considerar "fonte" (Alves & Sgarbi, 2001) tudo aquilo que se passa na escola.

Na escola em que trabalho, freqüento algumas salas de aula em momentos em que as turmas não estão presentes. Sou professora de apoio (recuperação) e os encontros com esses grupos acontecem nessas salas em momentos em que as turmas estão em aulas de artes, música, literatura ou educação física, em outros espaços da escola.

Ao passo que a aula de apoio se desenrola, acabo observando o que está nas paredes e acontece o inevitável, as imagens invadem-me fazendo com que imagine as histórias daquele grupo de professora, alunos e outros que fazem parte da rede de sujeitos daquela sala de aula. Apesar de as imagens estarem ali enquadrando espaços, tempos e experiências vividas, elas não são fixas. Os inúmeros sentidos que provocam, trazem uma sensação de fluidez. Num movimento constante, vamos da imagem à palavra e da palavra à imagem.

Em algumas salas, os murais não são suficientes. Paredes, janelas, portas e armários são também ocupados com cartazes, textos, mapas e gráficos que estão a comunicar experiências, intenções, percursos de estudos realizados etc. Em outras salas, nem mesmo os espaços previstos aos murais são ocupados. São salas em que esses suportes estão vazios. Mas, tanto umas como outras estão impregnadas de imagens que capturamos com nosso olhar e realçamos ou moderamos com outros sentidos (Manguel, 2001).

O que vemos e percebemos são imagens; quase todos os espaços possíveis estão ocupados ou os murais vazios são imagens que nos possibilitam puxar fios de sentidos que a isso atribuímos. Estamos diante da multiplicidade, diversidade e complexidade que caracterizam as práticas que se desenvolvem nas escolas. É possível, e é isso que notamos, que as professoras1 1 . Na escola em que trabalho, que atende alunos dos primeiros ciclos do ensino fundamental, assim como na grande maioria das outras escolas desse nível de ensino, a maior parte dos trabalhadores é formada por mulheres, por isso usarei o feminino quando a elas me referir neste texto. façam usos diferenciados desses espaços de divulgação e socialização de saberes que podem ser os murais.

Uma primeira idéia ou um pré-conceito poderia nos fazer supor que algumas professoras são mais empenhadas que outras ou que gostam mais das salas bonitas e arrumadas. Mas, tentando compreender o que disseram algumas delas em conversas que tivemos e o que outras mostram em suas salas de aula, modificamos a idéia e consideramos outra possibilidade: entre as práticas de produção de conhecimento que no cotidiano se realizam, não seria considerada menos importante a ocupação desse espaço fazendo com que as professoras não devam ou, até mesmo, não possam dispor de tempo para essa atividade de composição dos murais?

No entendimento de cada professora, o que realmente é válido como prática de ensinar/aprender? A produção e exposição de imagens: desenhos, fotografias ou ilustrações? Ou vale o que está escrito nas legendas, nos cadernos, nos livros e nas folhas de exercícios propostos dia a dia pelos professores e realizadas pelos alunos?

Meu interesse pelos usos dos murais nas salas de aula fez-me buscar algumas das professoras para que me contassem a(s) história(s) dos murais que via e falassem sobre a importância que atribuem àquela prática. Falei sobre a minha curiosidade, o quanto fico "bisbilhotando" quanto ao que vai pelas salas de aula para saber mais sobre elas e então perguntei por que faziam os murais e como.

Fazendo e pensando os murais, pedagógica e esteticamente

Na primeira conversa que tive, a professora, que prontamente aceitou meu convite, falou-me que ficou nervosa quando soube que eu gravaria a entrevista. Então, procurei tranqüilizá-la dizendo que, se não fosse assim, depois não teria como lembrar de tudo que tínhamos dito. Ainda me disse que, antes que eu chegasse ali, estava conversando com a colega com quem estava preparando as aulas e falava para ela que "(...) a gente faz essas pesquisas para dizer depois que o que elas fazem está errado. Vêm perguntar sobre como trabalham com 'meio ambiente', por exemplo, para dizer que não é isso que é "meio ambiente", que não é assim que se trabalha e etc".

Sem achar que estaria mudando sua concepção sobre as pesquisas que se faz sobre a escola, disse a ela que buscava mostrar e falar sobre o que se faz nas escolas e não somente sobre o que não se faz. Considero já bastante conhecidas as "mazelas" da escola e afirmá-las, pura e simplesmente, tratando-as como explicação única para tudo, pouco tem contribuído para a mudança desse quadro.

Seguindo com a conversa com a professora da sala em que estava um dos murais que apresento, ela conta como e com que objetivos fizeram o mural que registra um passeio realizado pela turma à Fazendinha da Penha.

Esse mural foi feito pra atender a dois objetivos, o primeiro era trabalhar com eles o sentido do registro, a gente queria fazer um registro do passeio porque os pais viriam sábado à reunião, a gente fez o mural na sexta-feira para a reunião de pais que seria no sábado. Eles fizeram primeiro o desenho e a gente precisaria, naquele desenho, mostrar aos pais o que nós vimos lá, então, não bastava desenhar os animais, eles tinham que desenhar como se fosse uma foto. Era essa a proposta, eles não viram a foto antes, eles tinham que fazer como se fosse uma fotografia para que os pais, vindo à reunião de sábado, tivessem conhecimento do que eles viram durante o passeio. Então, eles tinham que ser precisos porque a C. A. (Classe de Alfabetização) ainda vem com essa característica de representar afetivamente as coisas, as tonalidades, as cores não atendem a padrões de registro científico, então, foi um dos objetivos, também, que eu aproveitei pra desenvolver com eles. Se nós estamos registrando o que nós vimos, nós precisamos ser o mais fiéis que nós conseguirmos, aos fatos que nós vivenciamos lá. E depois eles viram a foto, a gente fez a comparação com a foto e cada um recebeu a foto. Então, para este mural, nós fizemos um sorteio do que cada um ia desenhar, eu tinha as fotos em casa, fiz um levantamento do que seria cada etapa do passeio, sorteamos o que cada um ia representar e depois eles confrontaram com a foto: "Ah! Eu me esqueci que tinha um cavalo a mais". "Ah! Eu não botei o filhotinho, esqueci do filhotinho." "Ah! Eu não botei o lugar como era, eu só desenhei o animal." Eles fizeram essa ponte, esse confronto, e nós voltamos.

Depois a gente fez o relato, o relato foi logo em seguida. A gente se referiu ao mural que tinha sido feito do passeio ao cinema, a gente leu o relato do passeio ao cinema e eles se deram conta de que muitas coisas eles não se lembravam mais. "Ah é! Eu nem lembrava que a gente passou no Nova América." Então apareceu a questão do registro, para que a gente registra? Justamente para isso, num outro momento, a gente vai voltar e a gente vai ter isso tudo anotado para lembrar, porque a gente não consegue guardar todas as coisas que a gente faz. Então esse mural foi para isso, era para trabalhar a questão do que é o registro do que se viu e preparar para que os pais tivessem isso, acesso a essa informação, não é?

E aí, tem, para mim, o objetivo estético também, que alguns consideram menor, desprezível, mas eu acho que a sala de aula precisa ser uma ambiente agradável nos seus diferentes aspectos: na questão do silêncio, da temperatura agradável, até um ambiente esteticamente agradável. Eu acho importante que o mural seja bem-feito, que ele seja bonito. Ele me deu uma trabalheira enorme, porque eu pus um fundo colorido, depois achei que tinha ficado muito pesado, tirei tudo pra refazer o fundo, por que o fundo do mural já é azul, então a foto desapareceu naquele monte de colorido, então isso, eu fiquei até tarde preparando. Eu saí da escola às oito horas para deixar o mural como eu queria, porque eu acho que tem um aspecto visual importante. Então faço o mural com esses dois objetivos: da sistematização do conhecimento e também para que a sala seja um lugar bonito, agradável, que a gente tenha vontade de ver, que eles tenham vontade de ver o mural. A gente vê que as pessoas não têm esse hábito, não é? Os murais são... é... periféricos na vida escolar.

Interessada em saber mais sobre os desdobramentos do trabalho, perguntei sobre a vinda dos pais, como tinha sido, se ela tinha lhes mostrado o mural, e ela respondeu.

Durante a reunião, eu expliquei o que tinha sido aquela proposta, como nós fizemos. O que eu estou contando pra você eu contei aos pais e aí, quando a reunião terminou ou, ainda, enquanto ela não começava oficialmente, a quem foi chegando eu fui dizendo: "Olha, ali o mural do passeio e tal", depois eu explicitei a proposta de trabalho e no final da reunião os pais foram ver, ou melhor, procurar seus filhos, na verdade, eles querem ver como é que a criança estava no passeio, o que é que a criança fez no passeio. Foi um momento importante de valorização também dos pais, eles gostaram do que viram, pelo menos comentaram: "Poxa, o passeio foi legal, o lugar é legal".

Nem eu conhecia a Fazendinha, nunca tinha ido lá, realmente é um espaço muito interessante, pra essa faixa etária especialmente. E o mural acabou ficando... A gente agora vai aproveitar esse material onde planejou, porque vamos fazer um registro maior desse trabalho com a horta. A gente vai começar a registrar essas etapas, a guardar isso, depois vai levar para uma pasta. Com esse registro que está lá no mural, a gente vai fazer a pasta, vai botar num texto, numa folha de ofício, a gente vai pôr o relato e aí vai inserir as fotos, construir um material, um arquivo, um acervo desse grupo, a gente pretende ir pra primeira série e acumulando com eles.

E eu perguntei, então: – Como é que foi, além da produção escrita, desenho, de estar nas fotos, teve outra forma de participação das crianças, na composição mesmo do mural, como é que foi desde o início da idéia, em que medida eles participaram disso e como? E a professora me disse:

Eles só participaram, dessa vez, com a produção deles. Normalmente, eles prendem no mural, quando é um trabalho mais nosso e, algumas vezes, pouquíssimas, a gente discute aspectos ligados à diagramação – "olha, isso aqui não está bom, está muito confuso desse lado" –, quando eles fazem, eles não têm ainda esse olhar, cada um põe onde está vazio e nem sempre fica esteticamente agradável. Como este tinha um objetivo, "para inglês ver", era uma coisa para o pai, para mostrar, então o acabamento foi meu. Eles me ajudaram nos detalhes; quem pega o alfinete, quem está desocupado... Por exemplo, o menino não foi ao passeio, ele não podia fazer o registro porque ele não viu, ele me assessorou na montagem do mural. Os outros foram trazendo e a gente ia dizendo: "posso pôr o seu aqui?" "Olha, onde eu ponho a sua foto?" Só que quando eles foram embora, eu não gostei do resultado, achei que tinha ficado muito pesado, o fundo muito escuro, aquilo que você viu ali é a minha arrumação.

Pedi que a professora falasse sobre a sua percepção com relação à importância dos murais na escola, se ela costuma notar essa estética, esse aproveitamento dos espaços, essa exposição que se faz. E ela comentou:

Olha, eu acho, lamento que a minha observação demonstre, que essa é uma preocupação dos professores de série baixa. Conforme você vai avançando nas salas, você vai vendo uma sala ou outra, um professor ou outro, um mural ou outro. Aqui nas séries baixas faltam murais, a gente não tem espaço suficiente para pôr nas paredes tudo que a gente gostaria, que ficasse para o registro coletivo, para a consulta diária, como o calendário, por exemplo, que você constrói coletivamente e diariamente você tem que acessar e muitas coisas... um blocão com as músicas que a gente vai cantando. Cada música nova entrava no blocão da turma. Esse projeto morreu porque não tem onde manter o blocão, nem é viável também ficar trocando, bota o blocão, tira. Então, a gente lamenta. Nas séries altas, eu vejo muitos murais vazios, acho as salas mais feias, porque não se aproveita pedagogicamente, também não aproveita esteticamente, não é nada, nem os desenhos das crianças. Podia pelo menos deixar os desenhos tão maravilhosos, né, eles podiam prender lá. E me ressinto muito da ausência de murais como materiais de comunicação para o coletivo da escola. Vejo propostas de muitas escolas em que aquilo atende ao trabalho pedagógico. Eu acho que se perde um excelente espaço para a escrita de verdade, para a produção de coisas que serão lidas realmente. O que é que a gente viu em relação à Olimpíada, por exemplo? Que a 4ª série, me pareceu, que fez? Encheu de imagens, recorte e colagem, recorte e colagem, encheu de imagens... mas aquilo não era pra ser visto, aquilo era, me parece, era pra preencher o espaço. Mas aquilo não passou pela escola, a gente, é, eu mesma não orientei os meus alunos para que olhassem, porque aquilo é tão descontextualizado, aquilo que vai passando lá, não tem ninguém que cuide, me parece, que não há ninguém que cuide disso na escola, dos murais, quem pede leva. Nós tentamos, na época da festa junina, pedir um espaço, e não conseguimos nenhum mural, sinal de que eles estão sendo usados, os coletivos. Nós conseguimos um espaço na parede, ao lado da coordenação, para fazer, como tem correio do amor nas festas juninas, um correio do amigo só entre as turmas de CA. Eles podiam mandar e receber os recados, uns para os outros, mas não temos, na escola como um todo, um projeto para que cada série utilize um mural e que torne público aos colegas. É uma iniciativa, assim, muito do professor, da sua turma, alguma coisa que acontece na série, mas acho que eles estão mal aproveitados, cada um para si.

Contei para ela que, no caso da terceira série, com a qual estava trabalhando diretamente nas aulas de apoio, e também na pesquisa, as turmas estavam com dois murais no corredor do andar de baixo, sobre a água, que é o que eles estão estudando. Além disso, nas salas há alguns murais que trazem registros de passeios feitos por eles com textos, fotografias e desenhos. Disse que estava lhe contando aquilo para animá-la, pois há, também lá, professoras que têm essa preocupação com relação ao espaço da sala de aula e ao uso dos murais. Ela falou: "Eu pensei que os murais do corredor fossem do laboratório, que bom, né?". Continuei, voltando à questão sobre se ela acha então que os murais cumprem com o que seria a sua função, ao que ela respondeu:

Muito pouco. Por exemplo, o mural sobre as Olimpíadas. Era tanta imagem, mas tanta imagem que você não via imagem nenhuma, você vê a coisa grande, uma estamparia aquilo ali, então produz um quadro, parece um quadro na parede, mas para o objetivo de um mural sobre as Olimpíadas ele não atende, porque aquilo se perde porque são tantas... É tudo tão... que alegra a paisagem, mas como um objeto de informação? Qual era o objetivo da 4ª série? Eu não sei. A que aquilo se propunha? Eu não sei. Se era isso, enfeitar a escola, "tava" enfeitada, mas se tinha o objetivo de trazer um assunto, uma reflexão, nada aconteceu, não tinha esse caráter, não havia as informações.

Interrompi perguntando: – Nem de comunicar algo, você não percebeu nem essa intenção? E ela disse que não, completando com o restante de sua opinião:

Apenas para contextualizar, chamar a atenção para o pátio, porque nós estávamos no período olímpico, foi isso: "As olimpíadas começaram", então agora tem um monte de coisas para... foi só. Agora, se tinha uma intenção estética, informativa, não sei, sei que a escola fica até mais bonita eu acho, mas aquilo parece uma composição plástica, uma imagem colada uma do ladinho da outra, né, uma composição plástica, pra mim, e não propriamente um conceito de mural, um elemento assim, aquilo é mais decorativo, menos informativo, como eu vi, como eu li o mural. É assim que eu tenho visto, eu acho que faz falta. Ano passado a gente pediu um, ano passado não, em 2002, a gente pediu um para a 1ª série, porque a gente queria ver se, pelo menos na 1ª série, a gente fazia esse intercâmbio, de uma turma pra outra, que eles tivessem o hábito de consultar o mural. Nós não conseguimos porque a escola não podia providenciar. Aqui o mural é muito caro, não tem onde pôr no corredor, tudo é difícil, aí a gente não conseguiu, a gente queria ver se, pelo menos na 1ª série, a gente conseguia fazer isso, cada turma seria responsável um mês, a gente ia produzir para que as turmas consultassem, não aconteceu.

Terminando a nossa conversa, disse-lhe: – Eu acho que o seu mural sobre o passeio à Fazendinha ficou muito bonito; eu, se fosse criança, ia gostar de estar numa sala com um mural bonito assim. Ela dizia: – Ah! Que bom, que bom! Continuei: – Eu fotografei aquele desenho da criança que fez as tartarugas e um outro que fez a vaquinha, não, os bezerrinhos, muito legal, não é?

A prática de pesquisa no/do/com o cotidiano enredando e tecendo saberes

A fala da professora foi trazida quase na íntegra porque considerei que suas palavras foram tecendo o texto e as idéias que busco apresentar e discutir. Entendendo-a como um rico material a ser usado no desenvolvimento das reflexões, fundamentais para a tessitura dos entendimentos novos sobre a escola que a pesquisa nos/dos/com os seus cotidianos nos abre, por meio do estabelecimento de diálogos que permitam instituir essa discussão. Neste sentido, penso que nada é melhor do que praticar aquilo que defendo. Destaco, em primeiro lugar, suas preocupações com os usos dos murais na escola.

Respondendo às minhas perguntas, ela demonstrava considerá-los bastante importantes para a escola como um todo, para os grupos e as pessoas, individualmente. Lamentava que as turmas não pudessem fazer uso destes espaços, os murais dos corredores e do pátio, da forma como ela pensa ser melhor, como parte de um projeto que teria os seus objetivos elaborados pelos grupos envolvidos e cujos objetivos seriam tornados claros para todos. Só assim as pessoas poderiam participar, interagir, compreender o que estava sendo comunicado.

Lamentava, também, os usos que as turmas das "séries mais altas", as terceiras e quartas séries, principalmente, faziam dos seus murais. Ao passo que, nas séries mais baixas – a classe de alfabetização, a primeira e a segunda séries –, eles não são suficientes, a ponto de alguns projetos pedagógicos que deles necessitam terem de ser cancelados, lá nas outras salas de aula eles sobram. Disse que as professoras poderiam, pelo menos, colocar à vista os desenhos tão maravilhosos que as crianças fazem, mas nem isso acontece.

Suas críticas e lamentos têm relação com a experiência estética que estabelece com a escola. Ela diz valorizar a beleza dos espaços, declara que eles têm de ser agradáveis, bonitos, que as crianças, os pais e ela mesma têm de gostar, se sentir bem. Além disso, o que parece também é que percebe os espaços dos murais como importantes espaços de comunicação e de socialização de experiências, que podem ser potencializados como espaços pedagógicos de leitura, escrita e expressão artística, principalmente.

Nesse aspecto, pude dizer que a sua idéia sobre o que acontece nas outras salas de aula não procedia integralmente, já que havia algumas dessas salas com murais sobre assuntos que estavam estudando, sobre passeios que realizaram e também sobre livros que haviam lido, o que a surpreendeu positivamente.

Em texto sobre questões estéticas e cotidiano escolar, Victorio Filho (2001, p. 62) fala-nos sobre "(...) a necessidade visceral do homem pela experiência estética (...) que essa necessidade humana que não pode suportar regulações, parece grudada no homem desde sempre, assim parecem discorrer as imagens mais antigas, as intervenções das paredes das cavernas". Fala também sobre sua lembrança de aluno:

(...) das fugas do olhar para as ilhas de salvação do tédio monocromático das salas de aula. Esses escapes [diz ele] se davam nos desenhos e intervenções do pessoal da própria escola, tratava-se do desenho e do enfeitar das professoras, uma forma bem própria de construção de espaços e, conseqüentemente, de transformação de lugares. (p. 60)

Com as suas palavras, trançando-as às da professora com quem primeiro conversei e às imagens dos murais – o que elas nos contam ou o que podemos contar sobre elas –, podemos pensar que as experiências estéticas que as professoras, junto com os seus alunos, realizam cotidianamente nas escolas muito podem nos dizer. Elas podem ser fontes de conhecimentos que pretendemos tecer sobre esses espaços/tempos, podem ser tratadas como pistas, que, quando entrelaçadas às histórias e imagens que temos na lembrança, produzem sentidos que passam também a fazer parte das redes de sujeitos que nos constituem (Santos, 2000).

Há uma estética sendo criada nas escolas, uma estética escolar das professoras e seus murais (Victorio Filho, 2001, p. 61), que não nos interessa classificar e julgar, mas compreender como produção cotidiana de imagens que revelam as nossas experiências como sujeitos da escola com o mundo e conosco mesmos. Nessa produção, vamos deixando nossas marcas, mostrando nossas maneiras de ver, pensar, sentir e dialogando com as maneiras de ver, pensar e sentir do outro. Vamos também transformando, taticamente, esses lugares, criando ilhas de salvação do tédio monocromático que podem ser as salas de aula para alguns alunos como Victorio Filho ou, às vezes, para nós mesmos, como professores dessas mesmas salas de aula.

Nessa criação, na produção cotidiana de imagens nas escolas, estão presentes diferentes concepções, valores, sentimentos, e eles podem ser entendidos como pistas sobre as práticas das professoras e dos alunos que buscamos compreender.

Puxando fios da formação: saberes, verdades e belezas

A professora apresenta uma concepção de imagem e de ciência quando fala que a fotografia representa, de forma objetiva, a realidade. Quando ela pede que as crianças façam o desenho daquilo que viram, procurando ser o mais fiel possível aos fatos, propondo depois que confrontem com a fotografia (que mostra tudo do jeito que é), é isso que deixa claro. Sua intenção, como disse, é desenvolver com os alunos a noção do que seria o registro científico, que, diferentemente do registro que "representa afetivamente as coisas", têm de ser fiel à realidade. Seria possível isso que pede a professora aos seus alunos? É possível separar razão e afeto para a realização de um registro, pretendendo que assim ele atenda às exigências da ciência?

Não quero me arriscar a fazer com a professora aquilo que ela acusa fazerem os pesquisadores das escolas com quem ela já dialogou em outras ocasiões, por isso "interrompo" este pensamento e trago outro fio, outro pensamento para esta discussão.

Posso estar sendo bastante pretensiosa nessa intenção, mas busco basear-me no "amor como a emoção que funda o social" (Maturana, 1999, p. 23). Na conversa com a professora, nas reflexões que ela me provoca e agora neste texto, minha pretensão é de que esteja sendo estabelecida uma relação em que o outro é aceito como legítimo outro na convivência, uma relação social, portanto. E quando Maturana fala do amor como a emoção que funda o social, não está falando com base no cristianismo. Diz que "a palavra amor perdeu sua vitalidade, de tanto se dizer que o amor é algo de especial e difícil. O amor é constitutivo da vida humana, mas não é nada de especial" (p. 23). Ele nos diz, então, que

(...) o amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social. Por isso, digo que o amor é a emoção que funda o social. Sem a aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social. (Idem, ibid.)

Portanto, tudo que aqui é dito pela professora está sendo percebido como tão legítimo quanto o que é dito por mim ou pelos autores a que faço referência. Voltando à pergunta feita antes da "interrupção" e tentando respondê-la: em nosso complexo processo de formação, inscrito no paradigma da ciência moderna, somos orientados a dizer que sim, e mais do que isso, a afirmar que só assim, com objetividade, estaríamos produzindo conhecimento verdadeiro.

O que a professora demonstra é que esse fio da sua formação (que é meu também e, provavelmente, da grande maioria dos leitores) é um dos que está tecendo seu trabalho com os alunos na confecção desse mural. Somente o rigor na observação e representação do real vai permitir às crianças produzir conhecimento a partir da experiência que tiveram com os animais e vegetais na Fazendinha. A oposição de que se utiliza, quando, cuidando para que se realize a aprendizagem das crianças, diz que os orientou para que fizessem o menos afetivamente possível a representação do que tinham visto, é uma das tantas que nos formou e forma sob o paradigma da modernidade: razão x afeto.

Para pensar na idéia de que a fotografia representaria com fidelidade a realidade, com objetividade, busco Calado (1994), quando nos diz que "a imagem detém um poder sobre a nossa cultura e o seu primeiro poder é o de convencer". Diz também que, "apesar das imagens já não serem apenas aquelas que testemunham a realidade, continuam apetecíveis pelo poder de mostrar que lhes foi outorgado" (p. 12). Não é surpreendente, portanto, que a professora ou muitos de nós, leitores, tenhamos essa concepção de imagem em nossas redes de significação e assim dela façamos uso, apesar dos "milhares de discursos sobre ela, dentro dela, atrás dela, em torno dela" (Samain, 1997, p. 18).

Mas esses fios não são os únicos (nunca são). Trançado a eles está um outro, uma outra concepção, sobre outra questão bastante importante na e para a escola e seus sujeitos: aquele que procura, numa classe de alfabetização, destacar uma das funções da escrita, o registro. Seus alunos podem perceber, não porque a professora disse, mas porque precisam contar para os pais como foi e o que fizeram no passeio, para que serve escrever um relato de uma experiência, pois estão registrando e fazendo, com isso, um uso social da escrita. A professora sabe o quanto isso é importante nos processos de aprendizagem da escrita e da leitura: perceber os usos que se pode fazer, para que serve e a importância que tem saber ler e escrever.

Ainda outro fio da sua formação que aparece entre os seus objetivos com o uso que faz do mural é o cuidado estético, o cuidado com o belo. Ela quer que este também seja um saber presente na sala de aula e na escola: a produção do que ela, junto com seus alunos e outros sujeitos da escola, acha bonito. Essa noção de cuidar para que fique bonito, para que o ambiente seja agradável, que as crianças tenham vontade de ver é uma preocupação então, que vai também tecer o cotidiano das suas práticas como professora.

Isso me faz trazer novamente Victorio Filho (op. cit.), a curiosidade que tem e apresenta em seu texto, projeto de tese para o doutorado, que é a presença da produção e fruição estética na tessitura das relações entre indivíduos e o mundo. É possível perceber que esta está presente nas relações dessa turma: entre a professora e os alunos, entre os próprios alunos e entre a professora, os alunos e os pais. E não só. Muitas outras turmas, de outras salas de aula, têm também a prática de utilizar, tornando mais bonitos, os murais da sala, do corredor, portas, janelas, tetos e algumas paredes do pátio, evidenciando que a experiência estética é uma necessidade visceral do homem, como nos disse Victorio Filho. Mesmo que esse uso não esteja sendo feito conforme ela entende que devesse ser, com certo planejamento para que outros grupos e pessoas da escola pudessem se envolver.

Em outra conversa com outra professora sobre os murais que vi e fotografei em sua sala de aula, também surgiu essa questão de cuidar e até exigir que as crianças façam o trabalho de forma que todos possam ver, admirar, gostar. Ela disse que fala com as crianças que o desenho não pode ser pequenininho e tem de ter um colorido que todos possam ver no mural. Nesse contexto, criticou o uso de babados e purpurinas, em alguns murais feitos pela direção da escola em datas comemorativas, dizendo achar feio. Disse também que dá a maior importância a isso, à beleza, por isso cuida dos que faz com os alunos para que fiquem bonitos. Com isso, pude perceber que essa não é uma preocupação apenas de uma professora, ela esteve presente em todas as conversas que tive nessa ocasião.

Outro ponto importante, que aparece numa queixa que faz a professora da segunda conversa, e que possibilita prosseguir este diálogo, é o sentimento de tristeza dela, que diz ficar muito chateada porque os murais feitos por ela com os seus alunos na sala também não são vistos, a não ser por eles mesmos. Gostaria que as pessoas que orientam o nosso trabalho fossem ver, comentassem, dissessem se tinha ficado bacana. Também lamenta que, como tudo é muito corrido no dia-a-dia, não tem tempo de fazer mais murais, porque gosta muito, dá o maior valor para a imagem.

A afirmativa foi feita por todas as professoras que participaram das conversas. É evidente o valor que dão à imagem no seu trabalho cotidiano com os alunos. Mas essa ênfase pode representar mais uma dicotomia e hierarquização entre diferentes linguagens e formas de expressão, percebendo-a como mais uma pista para compreender as escolas, o que se passa nas escolas: imagem e palavra parecem concorrer nas falas das professoras, assim como em muitas das nossas práticas como professores.

Entre textos e imagens: os diferentes valores das linguagens

Por que é que nas séries iniciais a utilização dos murais e até de outros espaços (armários, portas, paredes e janelas) em que se pode expor as imagens criadas pelos alunos e suas professoras são mais valorizadas? Por que as pessoas que coordenam o trabalho, ou as que dirigem a escola não dão a importância que os murais mereceriam na sua opinião?

Mesmo no tempo em que vivemos, intensamente povoado de imagens tanto nos espaços públicos como nos privados, tendemos, nas escolas, a privilegiar a palavra, o texto escrito, como forma de expressão e comunicação. Como nos fala Calado (1994), "continuamos a observar um predomínio da palavra oral e da palavra escrita no interior da sala de aula" (p. 19). Enquanto os alunos estão nas primeiras séries e suas possibilidades de uso da escrita ainda são restritas, é permitida, incentivada e valorizada a produção, criação e o uso das imagens nos processos cotidianos de ensinar e aprender nas salas de aula. Quando essas possibilidades aumentam e eles já podem e devem escrever e ler melhor, mais autonomamente, a escrita, a palavra é a forma como, preferencialmente, devem aprender a se expressar e se relacionar com as pessoas, com o mundo, produzindo conhecimento. A validade de uma linguagem é conferida pela não-validação das demais. Talvez esta seja uma idéia que oriente a prática de alguns profissionais da escola, inclusive daqueles que coordenam o trabalho e dirigem a instituição.

Além disso, pode concorrer também para essa conduta a fragmentação estrutural da hierarquia institucional. Nossos coordenadores e diretores têm as suas funções e estas as suas tarefas, freqüentam pouco as salas de aula e, quando lá estão, não notam o que vai pelos murais, paredes e portas. Muitas vezes, não sabem o que estão produzindo os alunos com os seus professores nas salas de aula ou fora delas.

Apesar da idéia de que a palavra é e deve ser hegemônica nas escolas e de observarmos que a presença de imagens nas aulas de séries posteriores fica restrita às aulas de artes (quando elas existem), os alunos não deixam de observar e criar as suas próprias imagens nos seus jogos e brincadeiras, suas formas livres de comunicação e expressão de sentimentos e valores. As professoras das séries posteriores às que os alunos começam a ler e escrever também fazem uso das imagens em seu trabalho, apesar dessa hegemonia. Mesmo tendo a responsabilidade de promover o ensino da escrita e seu aprimoramento, trazem as imagens das fotografias, feitas por elas mesmas e os alunos, as de revistas, livros e jornais, as criadas pelas crianças nos seus desenhos, além dos mapas, gráficos e tabelas que são fontes para as pesquisas sobre os temas que estudam ou mesmo servem de ilustrações para estes. O uso e a criação de imagens são constantes no cotidiano das salas de aula e das escolas.

Descobrindo valores emancipatórios no cotidiano escolar

Para encerrar, quero tratar de outra questão apresentada pela professora, que é a sua preocupação com aquilo que é de todos, por aquilo que é comum a todos na escola ou que poderia ser. Ela não concebe a sua sala de aula e sua relação com os alunos como o único espaço/tempo de aprendizagem. Nas suas queixas, demonstra preocupar-se com a estética dos espaços/tempos coletivos, por onde todos passam, que todos freqüentam, onde convivem, se relacionam, portanto, onde também aprendem. Fala das possibilidades que os murais dos pátios e corredores têm como espaços de troca entre os interesses, estudos, sentimentos e apreciações de todos. Fala deles como lugares de escrita e de leitura de textos que podem ter a função social de comunicar algo que todos, quase todos ou alguns queiram saber. Dessa forma, afirma, mais uma vez, a importância que dá às práticas sociais reais de leitura e escrita, estabelecendo uma diferença entre elas e as artificiais que, muitas vezes, são realizadas em tantas salas de aula nas escolas, aquelas que têm apenas um destinatário: o professor ou a professora. Afirma também que percebe o espaço da escola como espaço social que pode ser solidário, por exemplo, por meio da ênfase em práticas coletivas, por isso, junto com as outras professoras da série em que trabalha, está sempre procurando maneiras de que isso se realize. Apesar de a escola ser um espaço de regulação das mentes e dos corpos, práticas de emancipação (Santos, 2000), de solidariedade e busca do diálogo estão sendo inventadas, e também por intermédio da criação de imagens carregadas de significados: valores, sentimentos e idéias sobre a vida.

Podemos perceber diferentes usos, diferentes olhares e sensações no uso de imagens nos murais e na própria produção do mural como imagem, até mesmo quando este não está ocupado, quando não é utilizado. Captar essa diversidade imagética, reconhecendo-a como constituinte dos espaços/tempos e sujeitos das escolas, e tendo-a como pista nas pesquisas no/do cotidiano das escolas que queremos compreender, é fundamental. Estabelecendo relações com as imagens, dialogando com autores que nos ajudem a levantar essas discussões, poderemos, quem sabe, participar da criação de novas formas de reconhecer e valorizar os diferentes tipos de conhecimento produzidos na escola pelos seus sujeitos.

Nota

Recebido em outubro de 2006 e aprovado em março de 2007.

  • ALVES, N.; SGARBI, P. Espaços e imagens na escola Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
  • BARBERO, J.M. Novos regimes de visualidade e descentramentos culturais. In: FILÉ, V. (Org.). Batuques, fragmentações e fluxos: zapeando pela linguagem audiovisual no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 83-112.
  • CALADO, I. A utilização educativa das imagens Porto: Porto, 1994.
  • MANGUEL, A. O espectador comum: a imagem como narrativa. In: MANQUEL, A. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
  • MATURANA. H. Emoções e linguagem na educação e na política Belo Horizonte: UFMG, 1999.
  • SAMAIN, E. O que vem a ser portanto um olhar? (Prefácio). In: ACHUTTI, L.E.R. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Palmarinca; Tomo Editorial, 1997. p. xvii-xxxiv.
  • SANTOS, B.S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.
  • SANTOS, B.S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
  • VICTORIO FILHO, A. Poéticas visuais cotidianas. In: OLIVEIRA, I.B.; SGARBI, P. (Org.). Fora da escola também se aprende Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
  • 1
    . Na escola em que trabalho, que atende alunos dos primeiros ciclos do ensino fundamental, assim como na grande maioria das outras escolas desse nível de ensino, a maior parte dos trabalhadores é formada por mulheres, por isso usarei o feminino quando a elas me referir neste texto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2007
    • Recebido
      Out 2006
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