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Educação não-formal: contextos, percursos e sujeitos

IMAGENS & PALAVRAS

Educação não-formal: contextos, percursos e sujeitos* * Resenha do livro organizado por Margareth Brandini Park e Renata Sieiro Fernandes (Campinas; Holambra: Centro de Memória da UNICAMP; Editora Setembro, 2005. 442p.).

Osmar Fávero

Doutor em Educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: ofavero@infolink.com.br

É muito difícil, senão impossível, fazer uma resenha, no formato tradicional, de um livro com 22 capítulos, organizado em cinco partes distintas, além da apresentação e da introdução. Cabe, no entanto, um comentário sobre ele, não só pela importância da coletânea dos textos apresentados, mas especialmente pela riqueza de alguns que se destacam do conjunto.

O não-formal tem sido uma categoria utilizada com bastante freqüência na área de educação para situar atividades e experiências diversas, distintas das atividades e experiências que ocorrem nas escolas, por sua vez classificadas como formais e muitas vezes a elas referidas. Na verdade, desde há muito tempo classificava-se como extra-escolares atividades que ocorriam à margem das escolas, mas que reforçavam a aprendizagem escolar, nas bibliotecas, no cinema, no esporte, na arte. A terminologia formal/não formal/informal, de origem anglo-saxônica, foi introduzida a partir dos anos de 1960. A explosão da demanda escolar que passou a ocorrer após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, em primeiro lugar, não conseguiu ser atendida satisfatoriamente pelos sistemas escolares do Primeiro Mundo. Em segundo, deu lugar ao questionamento desses sistemas escolares como instâncias de promoção social. Basta lembrar a teoria de reprodução, de Bourdieu e Establet, e a idéia da escola como aparelho ideológico do Estado, de Althusser. Em terceiro, e talvez esse seja o argumento mais importante, questionava-se também sua eficácia com vista à formação de recursos humanos para as novas tarefas de uma transformação industrial que se fazia aceleradamente. A chamada "crise da educação", de um lado, exige o planejamento educacional; de outro, passa a valorizar as atividades e experiências não-escolares, não só as ligadas à formação profissional, mas também as que se referiam à cultura em geral. É o momento da defesa da educação permanente, que cobriria todas as idades e todos os aspectos da vida de uma pessoa e mesmo de uma coletividade.

Nos anos de 1970, o Internacional Council for Educacional Development (IECD), atendendo a solicitações da UNESCO e do Banco Mundial, e algumas universidades americanas, especialmente a Michigan State Univerty, financiadas pela Aliança para o Progresso, realizaram centenas de pesquisas em todo o mundo para descobrir as formas mais interessantes e mais "produtivas" de educação não-formal ou extra-escolar. No caso dos países pobres, esse interesse estava intimamente ligado às preocupações internacionais com a eliminação da pobreza, em parte justificadas por razões humanitárias, mas na verdade motivadas por razões de política e segurança.

No Brasil, também espaço dessas pesquisas, esses estudos foram pouco divulgados. Ao que se sabe, unicamente o Instituto de Estudos Avançados em Educação (IESAE), que abrigava o mestrado em educação da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, realizou interessante seminário sobre a temática, no qual Pierre Furter, na ocasião professor do Instituto de Estudos do Desenvolvimento (IED), da Universidade de Genebra, apresentou o trabalho gerador das discussões (Furter, 1977a; 1977b).

Embora a educação permanente tenha em grande parte se reduzido à formação profissional, gerou também experiências interessantes, principalmente na perspectiva do "desenvolvimento cultural" (Furter, 1974). Por exemplo, alguns centros urbanos, como Campinas, tentarem converter-se em "cidades educativas". Talvez venham daí algumas das experiências contempladas no livro em questão, e mesmo algumas iniciativas da própria UNICAMP.

Desde esses primeiros tempos, não se consegue conceituar adequadamente educação não-formal, nem se consegue categorizar convenientemente suas diversas expressões em uma tipologia.1 1 . Nos documentos do seminário referido, essas dificuldades foram abordadas e, por decisão nele tomada, foi realizada uma ampla pesquisa, cujos resultados estão publicados em Tipologia da educação extra-escolar no Brasil, editada pelo MEC/INEP em 1980. Com freqüência, está referida ao escolar, considerado, nem sempre propriamente, como formal; e com freqüência maior ainda recobre experiências as mais diversas, às vezes entendidas como educação social, que têm entre si o traço comum de serem realizadas fora do espaço e do tempo escolares.2 2 . Cf. Trilla (1996), citado em vários capítulos do livro. O esforço de conceituação é feito nos textos inseridos na primeira parte do livro e as outras quatro partes relatam e analisam ações de complementação à inclusão de crianças com necessidades especiais no sistema escolar; ao trabalho com crianças de rua, discutindo inclusive a singularidade do "educador de rua"; o trabalho com adolescentes e jovens infratores, em abrigos ou centros de convivência; atividades de lazer e arte, realizadas em oficinas de criatividade; o papel da comunicação para a inclusão social; a importância da organização de grupos que resgatem "memórias culturais urbanas" (hip hop, grafite etc.) ou recriem capoeira, roda de samba e samba de roda; esporte e educação física; importância dos museus de arte etc.

Como disse no início, difícil, senão mesmo impossível, resenhar todos os capítulos e o conjunto deles. Por outro lado, é comprometedor citar apenas um ou outro. Mas não se pode deixar de registrar, pela reiteração feita por vários autores, a importância do Projeto Sol, realizado pela Prefeitura de Paulínia, de 1987 a 2000, quando foi extinto. Não se pode tampouco deixar de citar algumas afirmações também reiteradas, não por serem inusitadas ou desconhecidas, mas por sua extrema importância: o potencial de criatividade revelado nas experiências artísticas; a percepção de que, para além de uma seqüência de atividades, importava mais a seqüência das relações interpessoais e do processo reflexivo, base para fortes vínculos afetivos.

A comparação com a "vida escolar" é inevitável, não porque a escola é formal – efetivamente o é, nos seus elementos estruturais –, mas porque deixou de abrigar, sobretudo quando foi estendida para as camadas populares, a riqueza de seus espaços e tempos não-formais. Por isso, a necessidade e a importância da recuperação desses espaços e tempos em outras instâncias da sociedade, como os revelados no livro. Sob este aspecto, a coletânea representa significativa contribuição.

Notas

Referências bibliográficas

FURTER, P. Educação permanente e desenvolvimento cultural. Petrópolis: Vozes, 1974.

FURTER, P. Existe a formação extra-escolar? Os problemas dos diagnósticos e dos inventários. Fórum Educacional, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-61, jan.-mar. 1977a.

FURTER, P. Os paradoxos da educação extra-escolar ou "a gênese está no fim"; comentários à guisa de conclusão para o seminário sobre O Estudo da Educação Extra-Escolar no Brasil. Fórum Educacional, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 3-15, abr.-jun. 1977b.

TRILLA, J. La educación fuera de la escuela: ámbitos no formales y educación social. Barcelona: Ariel, 1996.

  • 1
    . Nos documentos do seminário referido, essas dificuldades foram abordadas e, por decisão nele tomada, foi realizada uma ampla pesquisa, cujos resultados estão publicados em
    Tipologia da educação extra-escolar no Brasil, editada pelo MEC/INEP em 1980.
  • 2
    . Cf. Trilla (1996), citado em vários capítulos do livro.
  • *
    Resenha do livro organizado por Margareth Brandini Park e Renata Sieiro Fernandes (Campinas; Holambra: Centro de Memória da UNICAMP; Editora Setembro, 2005. 442p.).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
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