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Emmanuel Levinas: para uma sociedade sem tiranias

EMMANUEL LEVINAS: PARA UMA SOCIEDADE SEM TIRANIAS* * Publicado originalmente na revista La Società Degli Individui (Parma: Franco Angeli, 2001/2, ano IV, nº 11) e traduzido do italiano por Fernanda L. Ortale e Ilse P. Moreira. ** Esta frase de Léon Blum, político francês e hebreu, aprisionado pelos alemães durante a segunda guerra mundial, é comentada por Levinas em Umanesimo dell´altro uomo ( Humanismo do outro homem), organizado por A. Moscato (Gênova: Il Melangolo, 1998, p. 70), onde se lê, como explicação da passagem citada: "Um homem na prisão continua a acreditar em um futuro irrevelado e convida a trabalhar no presente para as coisas mais distantes, das quais o presente é irrecusável negação. [...] Agir pelas coisas distantes no momento em que triunfava o hitlerismo, nas horas surdas daquelas noites sem horas - independentemente de qualquer avaliação de 'forças em campo' - é, talvez, o sumo da nobreza".

Rossana Rolando

Nós trabalhamos no presente não para o presente.

Léon Blum** * Publicado originalmente na revista La Società Degli Individui (Parma: Franco Angeli, 2001/2, ano IV, nº 11) e traduzido do italiano por Fernanda L. Ortale e Ilse P. Moreira. ** Esta frase de Léon Blum, político francês e hebreu, aprisionado pelos alemães durante a segunda guerra mundial, é comentada por Levinas em Umanesimo dell´altro uomo ( Humanismo do outro homem), organizado por A. Moscato (Gênova: Il Melangolo, 1998, p. 70), onde se lê, como explicação da passagem citada: "Um homem na prisão continua a acreditar em um futuro irrevelado e convida a trabalhar no presente para as coisas mais distantes, das quais o presente é irrecusável negação. [...] Agir pelas coisas distantes no momento em que triunfava o hitlerismo, nas horas surdas daquelas noites sem horas - independentemente de qualquer avaliação de 'forças em campo' - é, talvez, o sumo da nobreza".

Há uma tese contida nas páginas de Levinas, já a partir do precioso texto de 1953, intitulado Liberdade e comando,1 1 . O ensaio Liberté et commandement foi publicado originalmente na Revue de métaphysique et de morale, LVIII, 1953, p. 264-272, tradução italiana Libertà e comando (Liberdade e comando), In: E. Levinas, A. Peperzak, Ética prima come filosofia ( Ética primeiro como filosofia), organizado por F. Ciaramelli, Milão: Guerini e Associados, 1993, p. 15-19. tese que tem as próprias raízes em uma sofrida paixão civil, biograficamente amadurecida pela experiência novecentista do totalitarismo. Tal tese pode concentrar-se toda na crítica a uma cultura - a Ocidental -, cuja nobre aspiração à verdade acabou por traduzir-se, contra a sua vontade, em uma filosofia da potência geradora de violência e de tirania.

Duas vias correm paralelas, dois lados da mesma moeda: por um lado, a pretensão cognoscitiva que sempre animou a filosofia e a cultura ocidentais, delineando-se como redução ao eu de qualquer alteridade e individualidade, através da tomada conceitual; por outro lado, a tirania - como ação exercida sobre uma "massa inimiga" - cuja violência se aproxima da vontade de domínio com a qual o homem, por meio do trabalho, serviliza para si as coisas.2 2 . E. Levinas, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 22. Se conhecer quer dizer tomar posse, dar forma, reconduzir ao uno, comandar significa "agir sobre uma vontade",3 3 . Ibidem, p. 17. ainda que violentamente, até manipular e aniquilar por meio da guerra.

Como o sujeito do idealismo transcendental pretende, por meio do pensamento, englobar qualquer alteridade e reconduzir a si mesmo qualquer coisa que lhe é externa, realizando o ideal do 'conhecer igual a dominar', do mesmo modo, o tirano se comporta como se estivesse sozinho, considera o outro "na terceira pessoa", como uma "coisa" ou um caso particular de um todo.4 4 . Ibidem, p. 23, 24. Para a tirania, não há o indivíduo, mas somente o geral, o anônimo, o oblíquo.

"A filosofia ocidental" não se "assegurou suficientemente" - diz Levinas - em relação à tirania, desta possibilidade inscrita na ontologia "do ser-para-reunir e para-dominar".5 5 . Trata-se de uma referência a Heidegger, contida no Prefácio de 1990, que Levinas acrescentou por ocasião da tradução inglesa do texto Alcune riflessioni sulla filosofia del hitlerismo (Algumas Reflexões sobre a filosofia do hitlerismo), de 1934. A edição italiana deste texto também traz o Prefácio e é organizada por A. Cavalletti, Quodlibet, Macerata, 1996, p. 21. Sobre a controversa ligação de Levinas com Heidegger pode-se consultar o diálogo Filosofia, Giustizia e Amore ( Filosofia, justiça e amor), "aut-aut", 1985, 209-210, p. 14, 16 e a palestra O outro, utopia e justiça, in: Tra noi: Saggi sul pensare all´altro (Entre nós: Ensaios sobre a alteridade), organizada por E. Baccarini, Milano: Jaka Book, 1998, p. 269-272, no qual Levinas expõe algumas considerações a propósito do conhecido livro de Victor Farias relativo a Heidegger. No entanto, é verdade que mesmo Platão era obcecado pelo espectro de tal possibilidade, tanto que deu vida ao grande afresco da cidade ideal que é, exatamente, A República platônica.

Como pode, portanto, não se repetir a experiência da tirania? Qual é o calcanhar de Aquiles de uma filosofia cujo princípio foi sempre o da liberdade, seja na versão greco-platônica, seja na versão cristã-ocidental, analisada aguçadamente por Levinas em Algumas reflexões sobre a filosofia do hitlerismo? 6 6 . Além do já citado Liberté et commandement, os textos de Levinas, sobre os quais se fará mais freqüentemente referência - para responder a tais perguntas - são os seguintes: La philosophie et l'idée de l'infini, apresentado na "Revue de métaphysyque et de morale", LXII, 1957, p. 241-253, trad. it. La filosofia e l'idea dell'infinito, in: E. Levinas, A. Peperzak, Etica come filosofia prima, cit., p. 31-46; Totalité et infini. Essai sur l'extériorité, Nijhoff, La Haye, 1961, trad. it. Totalità e infinito. Saggio sull'esteriorità, (Totalidade e Infinito: Ensaio sobre a exterioridade), Milano: Jaca Book, 1980; Autrement qu'être ou au-delà de l'essense, Nijhoff, La Haye, 1974, trad. it. Altrimenti che essere (Para além da essência), Milano: Jaca Book, 1995. Sobre o paralelismo entre tirania e filosofia ocidental, pode-se consultar Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 44.

O logro da autonomia

A tradição filosófica, com particular referência a Kant, mas também a Platão, como se estava dizendo, ensinou a liberdade entendida como recusa da imposição alheia, como autonomia, mesmo em relação ao que seja eventualmente comandado: "A vontade pode receber a ordem de uma outra vontade somente porque encontra essa ordem em si mesma".7 7 . E. Levinas, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 16.

O conceito kantiano de autonomia - com o qual se define a liberdade como autodeterminação da vontade - pressupõe uma razão comum a todos os homens, capazes de reconhecer o dever universalmente válido, porque inserido em tal razão, chamado com o nome de imperativo categórico. Kant contrapõe ao conceito de autonomia - dar a si mesmo a própria lei, aquela que a razão indica, e ser por isso livre - o conceito de heteronomia, ou seja, o deixar-se determinar por algo exterior à razão: sentimento, impulso, mas também lei de um estado ou de uma igreja.8 8 . Assim, escreve nas primeiras linhas, o Teorema IV da kantiano Critica della ragione pratica (Critica da Razão Prática), trad. it. de F. Capra, Laterza, Bari, 1983, p. 42: "A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres que eles correspondem: ao contrário, toda heteronomia do livre arbítrio, não apenas não é a base de qualquer obrigação, mas é particularmente contrária ao princípio deste e à moralidade da vontade".

Levinas retoma, com todo o respeito das coisas sérias, essa linha já platônica, segundo a qual podemos ser livres somente se aquilo que for comandado se apresentar como evidência ética para quem deve executar a ordem, como kantiana lei da razão: é a esta última que se obedece, e não à exterioridade do comando.

Portanto, sermos autônomos significa também recusar o comando irracional, arriscando-nos até mesmo à morte, se esse for o preço da liberdade.9 9 . Cf. E. Levinas, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 16. A morte de Sócrates é bela, ainda que injusta, talvez seja ainda mais bela exatamente porque injusta: ela atesta a possibilidade da recusa.10 10 . Ibidem, p. 17. O tirano pode matar, mas não pode sujeitar a vontade, enquanto permanecer livre a reserva interior, a oposição do pensamento, a dimensão privada da consciência discordante.

"Todavia as coisas", adverte Levinas, "não são tão simples assim".11 11 . Ibidem, p. 16. Exatamente lá, de fato, no espaço interior, consuma-se "o logro" do alto conceito kantiano de autonomia.12 12 . Ibidem, p. 18. A tirania dispõe de meios - da tortura à intimidação, da propaganda ao pacto de silêncio, da ameaça à sedução - que podem demolir o poder de obedecer livremente, eliminando a própria consciência da tirania.13 13 . Ibidem, p. 17. O homem, cuja liberdade é por natureza "não heróica", o homem feito de "medo e amor", acaba por aceitar a ordem do tirano como se viesse dele mesmo.14 14 . Ibidem, p. 18. Eis a obra mais terrível da violência: a obediência não é mais consciente, ela é, então, uma inclinação natural.15 15 . Ibidem, p. 17.

O que é minado ou obstruído, desde o início, é a própria capacidade de divergência, reserva dos espíritos livres, não reconhecida nos tempos obscuros da escravidão interior. Isso, de fato, revelou a experiência novecentista do totalitarismo: criou-se uma "índole de escravo", em que "o temor preenche a índole a tal ponto que não se enxerga mais, vê-se tudo pela ótica do temor".16 16 . Ibidem, p. 17.

A ética hegeliana

"O que permanece, todavia, livre" - diz Levinas - "é o poder de prever a própria renúncia e de "instituir fora de si uma ordem da razão": por meio de leis e instituições impedir que surja a tirania.17 17 . Ibidem, p. 18. Não o imperativo categórico - visto que a 'pura' razão kantiana revelou-se uma abstração "sem defesas contra a tirania" -, mas uma lei externa, ou melhor, o direito.18 18 . Ibidem, p. 19. Este último, porém, embora nascido da livre vontade, não é por esta reconhecido: "as garantias tomadas contra a própria renúncia, a vontade as vive como uma outra tirania".19 19 . Ibidem, p. 20.

Esse é um trecho implicitamente hegeliano: o direito, mesmo encarnando a racionalidade do querer, apresenta-se, uma vez escrito e sedimentado, como coerção, como lei estranha à "vontade viva que se renova a cada instante".20 20 . Ibidem, p. 19. Sobre a relevância da postura hegeliana - dentro do ensaio Liberté et commandement - filtrada através da leitura de Eric Weil, pode-se ver a nota do organizador italiano, trad. cit., na p. 19. Somente a moralidade pode satisfazer a distância e preencher o comando impessoal com a riqueza da intencionalidade.21 21 . Cf. F. Rosenzweig, Hegel e lo Stato (Hegel e o Estado), Bologna: Il Mulino, 1976, p. 362-363, onde é lucidamente argumentado "a essência fundamental da vontade de que se serve Hegel para construir o Estado". Desse modo, Hegel, unindo direito e moralidade no conceito de ética, considerou poder superar, com o direito, a abstração do imperativo categórico, conservando, porém, da moralidade kantiana, o comportamento interior, ou seja, a autoconsciência do bem intimamente e livremente assumido.22 22 . Cf. G.W. Hegel, Lineamenti di filosofia del diritto (Diretrizes da filosofia do direito), organizado por G. Marini, Bari: Laterza, 1987, p. 45 e 131. Torna-se, assim, anulada a heteronomia inicial e no seu lugar encontra-se, enfim, uma mais 'concreta' e mais 'real' autonomia.23 23 . Ibidem, p. 131.

Todavia, diz Levinas, "talvez seja impossível executar uma pura e simples identificação entre a vontade e a ordem da razão impessoal": a figura da ética hegeliana, de fato, apenas reflui à tendência totalitária, exaurindo-se a moralidade do indivíduo no interior do Estado, em que a Razão se encarna, e cuja vontade deve aderir.24 24 . E. Levinas, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 20, onde se lê ainda: "Com efeito, ninguém quer forçar os outros a aceitar a razão impessoal do texto, se não com a tirania ...". Para a redução operada pelo idealismo - de ética à política e dos indivíduos a simples "momentos em um sistema", cf. E. Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 221 e 222. E é, novamente, a síntese, a unidade que prevalece sobre a individualidade, e que não pode ter outro êxito se não a violência. Não é por acaso que o ideal hegeliano do Estado pode ser rastreado na polis grega,25 25 . Sobre este assunto, Italo Mancini escreveu páginas muito bonitas, em Filosofia da praxis (Brescia: Morcelliana, 1986, p. 440-447), onde, pleno de citações, traz também à luz o relacionamento entre Hegel e A República platônica. sob o signo da unidade, da harmonia, da totalidade acima da multiplicidade: sinal - este - que já guiava a intenção platônica, voltada para construir uma cidade, na qual o justo não precisasse morrer e ser transformado, por uma espécie de trágica heterogênese dos fins, em protótipo de um estado do terror.26 26 . É a nota critica popperiana ao Estado delineado por Platão e considerado, nas suas linhas programáticas, como "totalitário": K.R. Popper, La società aperta e i suoi nemici (A sociedade aberta e seus inimigos), vol I, Roma: Armando Editore, 1998, p. 117 e ss.

Platão, por certo, tinha em mente o diálogo, o discurso como meio capaz de persuadir, de fazer entrar na situação de 'dentro da lei' sem exercer violência. Já no início de A República, antes de começar a tecer as argumentações da persuasão, Platão pergunta: "vocês teriam a força para convencer quem não quer escutar?", e a tradução de Levinas ressalta a contradição entre força, entendida como violência e persuasão.27 27 . Platão, Rep. 327 d. Na tradução de F. Sartori (Bari: Laterza, 1984), a mesma passagem ficou assim: "Seriam algum dia capazes de persuadir, rebater quem não está escutando?".

Convencer não é um atacar pelas costas, não é fazer emergir os sentimentos mais subterrâneos, como ocorre no engano retórico, que é uma forma sutil e perversa de violência. Não é assim, convencer requer, previamente, o consentimento de quem quer escutar e quer entrar no discurso.28 28 . Para a ligação entre discurso e violência, que se instaura na retórica, entendida como corrupção da vontade do outro, E. Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 68-70. Por isso, o perfil platônico de Trasimaco, que se sobressai no primeiro livro de A República, representa bem as diversas etapas do difícil trabalho de persuasão: primeiramente ele recusa o diálogo e, ironicamente, considera o falar socrático no mesmo plano das fábulas contadas pelas velhas, na qual se responde sempre "bom" ou se fazem "gestos de sim e de não"; num segundo momento, porém, é ele mesmo - envolvido sem violência - a querer participar do discurso, discutindo com Sócrates.29 29 . Cf. Rep. 350 3, 351 c. A citação é comentada por Levinas, em Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 21.

Como Platão, Levinas também pensa que se deva recomeçar a partir do discurso persuasivo e considera que seja necessária uma nova postura filosófica, capaz de fundar o respeito da lei na liberdade.30 30 . Ibidem, p. 20-21. Pode-se aplicar aqui, a Levinas, o que ele mesmo disse a propósito de Martin Buber em Fuori dal Soggetto ( Fora do Sujeito), organizado por F.P. Ciglia (Genova: Marietti, 1992, p. 21): "O diálogo como Buber o concebe é anterior a essa universalidade do diálogo político. É um diálogo que faz, se posso me exprimir assim, 'entrar no diálogo'. É aquilo que Platão procurava sempre: se você fala comigo eu posso convencer-lhe, mas como obrigá-lo a entrar no diálogo? Buber procura o diálogo que faz entrar no diálogo".

Heteronomia da ética

Ora, o discurso de Levinas - aquele que deveria abrir percursos historicamente inusitados e do qual deveria nascer uma sociedade renovada, capaz de acertar as contas, mais uma vez, com a grande idéia da justiça -, dizíamos, começa a partir da ética, porque esta revira o princípio do domínio do eu. Definir ética como a autêntica 'filosofia primeira' quer dizer, de fato, despir a ontologia, da qual sempre foi a depositária, colocando-se em uma perspectiva mais original. A ética é a porta para o exterior, a abertura em direção ao outro, à "ruptura da identidade".31 31 . E. Levinas, Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p. 19. É este o significado totalmente inédito do termo metafísica, fornecido por Levinas em polêmica com a tradição ocidental que, da transcendência, fizera um prolongamento do ser, ou melhor, do eu, dada a coincidência de saber e de ser na verdade.32 32 . Idem, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 26, onde se lê: "a relação metafísica, a relação com o exterior, é possível somente como relação ética". Com o tema da correlação entre saber e ser abre-se o ensaio Ética primeiro como filosofia, contido no texto homônimo, cit., p. 47.

E exatamente a pretensão cognoscitiva do sujeito, a ontologia e, portanto, o espirito do sistema constituía para Levinas o correlativo da tirania ou da ação violenta. Ora, não pode ser o eu a despedaçar o sistema, como sustentava Kierkegaard,33 33 . Idem, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 38. mas principalmente o outro, na medida em que é radicalmente não reconhecível, irredutível ao sujeito, não englobável em uma totalidade.

Antes de ser reconhecido, o outro se apresenta como vulto, essencialmente incompreensível. Levinas não pretende falar da incompreensão que deriva da preguiça ou da frieza com que passamos, indiferentes, um ao lado do outro,34 34 . Idem, La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 45. mas se coloca num plano mais original, aquém da compreensão ou da incompreensão: o da absoluta transcendência do outro, do oposto. O vulto não é uma 'coisa', por isso, não se pode fazer dele objeto de um tema e livrar-se, assim, da sua individualidade. Claro que podemos considerá-lo dentro de um conceito,35 35 . Idem, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 218. mas não reduzi-lo a um conceito, eliminando dele a alteridade, obtendo daí uma derivação do eu: o outro é radicalmente o 'não eu' e, neste sentido, é oposição. A tirania consiste exatamente em recusar esta realidade oposta, em fazer existir somente o geral, o sem vulto.

A oposição implica, de fato, uma resistência. Não porque o outro se apresente como força ou hostilidade: pode ser inerme, indefeso, nu, mas na sua nudez é resistência, enquanto oposição que não se deixa absorver, reconduzir à unidade. Trata-se de uma resistência ética e não física.36 36. Idem, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 22-23. Pode-se ver ainda: La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 40. Por isso, o tirano foge do face-a-face, da dimensão mais original que é a ética.

É o olhar do outro a impedir qualquer conquista: nele está inscrito o comando, o imperativo, a proibição do "não matar", ou melhor, de acordo com a importante especificação de Transcendência e inteligibilidade, o "fazer de tudo para que o outro viva".37 37 . Idem, Trascendenza e intelligibilità ( Transcêndência e intelegibilidade), organizado por F. Camera (Genova: Marietti, 1990, p. 37). Da proibição inscrita no olhar do outro fala-se em La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 40. A implicação positiva do comando abre horizontes bem mais comprometedores do que a simples proibição do assassinato; ela nos adverte quão grande possa ser a gama dos modos em que se pode matar: e, então, matar é também mortificar a criatividade, a fantasia, a capacidade de amar e de sonhar, é isto e muito mais ainda.

A ótica, portanto, está completamente invertida: o comando vem do exterior, por isso Levinas nega a autonomia para insistir na radical heteronomia da ética. Dela deriva uma concepção diversa da liberdade: o outro não é o seu limite, mas a origem. Diante do vulto de outros, de fato, "o ingênuo direito dos meus poderes" se descobre arbitrário e injusto: é esta a consciência moral, o seu primeiro dado.38 38 . Idem, La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 43-44. O outro não é uma ameaça para o meu arbítrio, mas é a medida da minha injustiça, daquilo que devia e podia fazer, do comando de que livremente me subtrai, da resposta que fora chamado a dar e que, voluntariamente, não dei.

Somente assim pode-se compreender porque a existência seja, para Levinas, "julgada e investida como liberdade", ao invés de sartrianamente "condenada à liberdade".

O termo 'outro' (autrui), que obsessivamente retorna nas páginas de Levinas como 'cruz' para os tradutores,41 41 . A especificidade do termo autrui, na linguagem de Levinas, é sublinhada por Francesco Paolo Ciglia, organizador de Nomes próprios, Marietti, Casale Monferrato, 1984, nas p. 191-192 e nas notas de Alberto Moscato, em Humanismo do outro homem, cit. p. 25-26. pode sugerir ao leitor uma reserva: não há, de fato, o outro cujo olhar, sartrianamente, oprime, o outro algoz, inquisidor, torturador, não somente em um plano histórico ou fatual, mas, mais comumente e não menos dramaticamente, no plano psicológico de relações subjugantes e despóticas? Também diante desse 'outro' somos responsáveis?

Levinas não nega o princípio da "resistência ao mal", quando estiver em jogo não somente o destino pessoal, mas o destino coletivo, pelo qual devo também responder.42 42 . Cf. Filosofia, justiça e amor, em "aut-aut", cit. 4-5. É essa preocupação com todos os outros que coloca em campo a justiça e a defesa daquele que persegue o meu próximo, daí a necessidade da violência e do Estado. Mas acrescenta: "se não houvesse ordem de Justiça, não haveria limite à minha responsabilidade"; mesmo se o vulto que tenho à frente fosse o do algoz, ele passaria diante de mim.43 43 . Ibidem, p. 5. Se permanecermos "na ordem do face-a-face", de fato valerá a admoestação de Dostoiévski, que Levinas não se cansa de repetir: "nós somos todos culpados de tudo e de todos, e eu mais que todos os outros".44 44 . Ibidem.

O "para-o-outro", enquanto tarefa, anuncia-se, desde o princípio, não somente como abertura, diálogo, encontro com o tu, em termos buberianos, mas também, e principalmente, de acordo com as categorias fortes usadas por Levinas, como substituição, expiação, culpa.45 45 . E. Levinas, Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p.116. Para a crítica ao "tu" de Buber, que pressupõe a reciprocidade, transpondo assim a originária assimetria do relacionamento ético, Id., veja-se Totalité et infini, trad. it. cit., p. 67 e, para um tratado mais articulado, Id., Nomi propri, cit., p. 40-43 ou, ainda, Id., Fuori dal soggetto ( Fora do sujeito), cit., p. 43-49. "Quanto mais sou justo, mais sou culpado"; nisto consiste a unicidade do si mesmo: em "levar a culpa alheia", em ser acusado pelo que os outros fazem ou sofrem, como responsável por tudo, de acordo com o duplo significado do termo, tudo "me acusa", tudo "me diz respeito".46 46 . Idem, Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p. 141, 140, 145.

Assim, a via que se abre diante do homem ético não é ladrilhada por promessas de uma vida feliz, mas, ao contrário, quanto mais se aperfeiçoa a consciência moral, mais parecem multiplicar-se os motivos de inquietude e de insônia pela miséria dos outros, e ainda fazem-se prováveis as possibilidades de sofrimento por causa dos outros, ou melhor, na lógica da responsabilidade, por outros.47 47 . Ibidem, p. 116 e 139. Lógica que chega até a expiação, não entendida como sobreposição de um resgate, magicamente tirado do sofrimento, mas considerada como passagem da humilhação sofrida na responsabilidade por quem a infligiu: nisto consiste o valor expiatório do sofrimento.48 48 . Ibidem, p. 139.

O homem chega tarde ao mundo

Se a responsabilidade de que fala Levinas não é um atributo da substância, mas é a própria substância, ou melhor, é o processo de "de-substancialização", "de-posição", "sujeição" do eu, então significa que o sujeito (subjectum) não possui em si o próprio princípio.49 49 . Ibidem, p. 145, 146, 160.

O homem, de fato, chegou "tarde em um mundo que não nasceu de seus projetos", de acordo com o belo texto Altrimenti che essere (Para além da essência), a obra levinasiana de maior êxito, sobretudo, se for lida à luz do quarto capítulo, que é o núcleo embasador de todo o livro.50 50 . Ibidem, p. 154. A importância do quarto capítulo é marcada pelo organizador italiano de Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., em nota preliminar na p. 2 e, mais detalhadamente, nas p. 124-125. A figura emblemática de tal homem é, exatamente, o bíblico Jó.

A história de Jó sempre suscitou muitas reflexões para os filósofos e não surpreende, portanto, que Levinas, não apenas por uma dívida cultural, se compare a este.51 51 . Ibidem, p. 154. Jó representa bem o dilema diante do qual se encontra a história do pensamento. Por um lado, ele resume todo o desejo de compreender, até colocar-se no lugar de Deus, erguendo-se em seu juízo, diante da enorme força do mal: é o caminho do Ocidente, aquele que Levinas acredita que se deva deixar; por outro lado, porém, perante Deus que lhe diz: "onde estavas quando criei a terra?",52 52 . Assim, Levinas traduz o versículo 4, capítulo 38 do livro de Jó, em Di Dio Che viene all´idea ( De Deus vem a idéia), sob os cuidados de S. Petrosino, Milão: Jaca Book, 1986, p. 160. cala-se, muda de ótica sobre o mundo, reconhece que se encontra em uma lógica que não é sua.

A presunção dos filósofos idealistas - e assim se prossegue na comparação - consiste em raciocinar em nome da liberdade, como se fosse possível sermos responsáveis apenas por um mundo livremente desejado.53 53 . Cf. Levinas, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 154. Essa também é a chave interpretativa com a qual se entra na página do famoso texto do Velho Testamento: Jó rebela-se diante do mal que não mereceu, declarando, em voz alta, a própria inocência; e assim os amigos, acudindo-o em seu leito de dor, repropõem, em defesa de Deus, a culpa de Jó, justificando, assim, o mal que pesa sobre ele. Ambos, porém, permanecem no interior do esquema culpa-pena, ambos pecam por presunção e por isso são, embora de maneiras diferentes, repreendidos por Deus. Eles, de fato, não consideram o atraso com o qual o homem entra no mundo, falam como se tivessem assistido ao projeto da criação, como se tal projeto devesse corresponder à própria lógica. Mas "o 'atraso' não é insignificante"54 54. Ibidem, p. 154. e isto é reconhecido por Jó em seu viril duelo com Deus.

A iniciativa, pois, não depende do homem, embora ao homem seja confiada a tarefa de "suportar o universo", de ser, portanto, responsável por um mundo não desejado por ele: "tarefa opressora" - lê-se, em letras cursivas, no texto de Levinas - "mas sofrimento divino", visto que provém de Deus.55 55 . Ibidem .

Como o protagonista de O Processo, de Kafka, posto sob acusação sem saber o porquê, o homem de Levinas é "acusado afora de sua culpa, antes da liberdade", sabe que querem algo dele sem ter, ele mesmo, desejado nada: deve responder por tudo como se fosse responsável por tudo, é perseguido sem qualquer possibilidade de defesa.56 56 . Ibidem , p. 153. Cf. também Ibidem, p. 157, 145, 153. A relação entre Kafka e o pensamento bíblico é considerado por André Neher em Chiavi per l´ebraismo ( Interpretações para o hebraísmo), Genova: Marietti, 1988, p. 105. É ainda importante para a assonância observada o fato de Kafka ter sido um dos autores de Blanchot, a quem Levinas era ligado por uma profunda afinidade intelectual e de quem escreve no ensaio Blanchot/Losguardo del poeta ( Blanchot/O olhar do poeta) , "aut-aut", cit., p. 131, 134.

Todavia, não é um mundo insensato que se projeta diante do homem ético, não é o absurdo de que fala a personagem kafkiana no meio de sua inconcebível prisão. Realmente, se não é o sujeito a origem do comando - visto que o primeiro dado da consciência é a exterioridade do dever -, também não será o sujeito a ser constituído como resposta a tal ordem, mas deveremos admitir um "antes" do ser, um ato criativo em que essa ordem teve origem.57 57 . Cf. E. Levinas, Autrement qu´être ou al-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 148, 152. Não se poderia, por isso, explicar a ética sem recorrer a um tempo anterior ao tempo, a "um passado imemorável" e "irrepresentável", a um 'outro lugar', ao qual pertence o Deus de Levinas: um Deus que dá início ao mundo e se retira para sempre, entregando-o às mãos do homem, à sua única responsabilidade.58 58 . Ibidem, p. 110, 154. Desse Absoluto - separado do mundo - o olhar do outro é sinal: une-se à idéia da criação não por causa de "uma tese ideológica", mas "partindo da experiência do vulto".59 59 . E. Levinas, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 27. A relação do homem "com o absolutamente ausente do qual provém não indica, não revela esse Ausente, todavia o Ausente tem um significado no vulto": o outro não manifesta Deus, mas remete a uma ordem absolutamente passada, que de Deus é o único vestígio".60 60 . Idem, Scoprire lésistenza com Husserl e Haidgger ( Descobrir a existência com Husserl e Heidegger) , trad. it. de F. Sossi, Milão: Raffaello Cortina Editore, 1998, p. 227. Sobre o tema do "sinal/vestígio" recorrente nas páginas de Levinas, pode-se ver: Ibidem, p. 232-233; Id., Totalité et infini, trad. it. cit., p. 77; Id., Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 16-17, 116, 147 e, ainda, Id., Humanismo do outro homem, cit., p. 95-99.

Desse desaparecer, no Silêncio, da Transcendência, subtraída de qualquer participação e posse, deriva um mundo adulto, sem Deus, ateu, e um homem plenamente habitante da terra, livre como é da nostalgia, da doença do retorno que, platonicamente, enfraqueceu o amor pela vida.61 61 . Idem, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 31-32, 39, 103 e, sobre a importante crítica ao conceito de "participação", p. 56-57, 106.

Estamos, pois, muito distantes do "sermos jogados" de Heidegger: o conceito de criação, ou de uma ordem que precede o ser, é o contrário - afirma Levinas - da Geworfenheit heidggeriana.62 62 . Idem, Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 27. Não se trata de aderir a um "ser-para-a-morte", mas a um sentido.63 63 . Idem, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 162. Por isso, a questão fundamental não será a de ascendência leibniziana, do "por que o ser ao invés do nada" - por mais prometéica que pareça essa pergunta, novamente relacionada à pretensão cognoscitiva de um sujeito absoluto - mas será ao contrário: "em que modo o ser se justifica" ou qual é o "meu direito de ser", como se eu devesse responder "antes de ter de ser".64 64 . Idem, Ética primeiro como filosofia, In: Levinas & Paperzak, Ética primeiro como filosofia, cit., p. 59 e 56.

Antes de responder em relação ao ser, ao agir, ao compreender, realiza-se, também no plano ético, a deposição do eu que constitui motivo inspirador da filosofia levinasiana. Até o momento em que a ética se fundará no princípio, mais ou menos mascarado, da expansão do ser, recairemos sempre na lógica de um sujeito que se coloca como início e fim do próprio agir e que, no outro, encontra o próprio limite: por isso, Levinas toma distância do primado do conotus essendi que espelha, em nível prático, a totalidade do sujeito transcendental em nível teórico.65 65 . Idem, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 160. O tema da contraposição entre conatus essendi e responsabilidade aparece também - e é um verdadeiro Leitmotiv na reflexão de Levinas - no texto filosoficamente mais importante da produção sucessiva a Autrement qu´être ou au-delà de l´essence (1974), vale dizer, em De Deus que vem a idéia, cit., p. 179-180.

Sermos responsáveis, antes de ter de ser, significa, ao contrário, suspender a prioridade lógica e ontológica do eu, recomeçar dos outros para chegar a si ou, ainda, aderir a uma ordem originária para encontrar a própria identidade na resposta a este.66 66 . Idem, Ética primeiro como filosofia, contido no texto homônimo, cit., p. 58. Por um lado, de fato, a responsabilidade é um destino antes de ser um ato de vontade: o homem é chamado para responder independentemente de qualquer decisão no plano ético; por outro lado, porém, a única possibilidade de encontrar um "sentido" no destino é a de aderir a este.67 67 . Assim, de fato, lê-se em Autrement qu´être ou dau-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 187: "a percepção da ordem coincide com a significação dessa ordem instituída por aquele que obedece." Cf. também p. 163, 188. Sobre o "sentido" do vulto antecedente a qualquer "atribuição a sentido", Id., Liberte et commandement, trad. it. cit., p. 26-27.

Perante o comando do vulto pode-se decidir responder ou não, comprometer-se ou abster-se do compromisso, mas, nessa escolha, jogar-se-á a própria liberdade, o ser ou o nada, o sentido ou o não sentido.68 68 . E. Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 224. Sim, porque, para Levinas, o eu vem depois do outro, constitui-se como resposta ao outro, como destinado ao outro. Não foi ele quem escolheu esse modo de ser - 'para' e não simplesmente 'com' outros -, essa é a "orientação inevitável", mas é em corresponder-se ou não que realiza ou perde si mesmo.69 69 . Ibidem, p. 220. Sobre a crítica ao "ser com" de Hiedegger, cf. E. Levinas, Filosofia, justiça e amor, aut-aut, cit., p. 14.

Por outro lado, não é apenas a perspectiva individual a ser evocada. Se Deus, de fato, retirou-se desde sempre e para sempre da história, e Ele é o Deus escondido, o Ausente, então quer dizer que desde o início Ele aceitou ser impotente em relação ao tempo - como chega a dizer Hans Jonas em O conceito de Deus depois de Auschwitz -, confiando tudo ao agir e ao sofrer do homem70 70 . H. Jonas, O conceito de Deus depois de Auschwitz, Genova: Melangolo, 1993, p. 34 e ss. O tema da "impotência" de Deus, na sua ligação com o conceito levinasiano de criação, é tratado por Carmine Di Sante no ensaio O silêncio de Deus em Auschwitz, contido em Jó, o problema do mal no pensamento contemporâneo, Assisi: Cittadella, 1996, p. 86-88. Sobre o "sentido ético" da criação, entendido como renúncia do Criador "para deixar um lugar ao ser separado", escreveu Silvano Petrosino, em Fundamento e exasperação. Saggio sul pensare de Emmanuel Levinas ( Ensaio sobre o pensamento de Emmanuel Levinas), Genova: Marietti, 1992, p. 138. : "Nas dores daqui debaixo, o sofrimento do Altíssimo", e ainda, "Aquele que sofre no meu sofrimento - mesmo que seja o que eu mesmo mereci por causa do meu pecado - é Deus".71 71 . E. Levinas, Transcendência e intelegibilidade, cit., p. 51.

Pode-se dizer, com Levinas, que exatamente nisto consiste a "kenosi" de Deus, o descender do infinito no finito, não no sentido hegeliano da coincidência dialética dos dois termos - dada a absoluta transcendência de Deus, que permanece tal no rebaixamento, sem entrar no mundo -, mas na forma do vulto que pede justiça: a "Palavra de Deus", de fato, "é a face alheia".72 72 . Ibidem , p. 49, 51, 47. Sobre a distância da dialética hegeliana, ibidem, p. 46, 53.

Por isso, diante de "seis milhões de assassinados pelos nacional-socialistas", assim como perante as "vítimas do mesmo ódio do outro homem",73 73 . Assim afirma a dedicatória específica a Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit.. não é colocada em crise apenas a figura de Deus - com o fim da teodicéia tradicional -, é colocada em crise também a figura do homem, cuja ética não resistiu aos golpes da história.74 74 . Sobre a crítica de Levinas à teodicéia tradicional, é iluminante o parágrafo do título "o fim da teodicéia", contido em Tra noi ( Entre nós), trad. it. cit., p. 130-134, onde se lê: "A palavra de Nietzsche sobre a morte de Deus não ganhava força nos campos de extermínio, o significado de um fato quase empírico?" (p. 130). Sobre o rastro de Nietzsche e naturalmente de Kant, cujo ensaio Sobre o insucesso de toda tentativa filosófica em teodicéia - editado em italiano pela editora Marietti e contido em Questões de fronteira, Genova, 1990 - constitui uma pedra milenar da especulação filosófica, Levinas coloca-se ao lado de outros pensadores do campo hebraico: das reflexões de Jonas, ou ainda da aflita produção literária de Wiesel. Sobre esse último autor, vide, especificamente, o apólogo narrado no livro A noite, Florença: Giuntina, 1980, p. 65-67.

Eis porque, levinasianamente, não se deverá perguntar apenas 'onde estava Deus', quando a noite caía sobre a terra, mas, se não desapareceu qualquer sensibilidade moral; dever-se-á perguntar também e, sobretudo, 'onde estava o homem': "O problema que coloca a dor inútil, aparecida na sua maldade fundamental através dos acontecimentos do século XX, relaciona-se ao sentido que, depois do final da teodicéia, se podem ainda conservar a religiosidade, mas também a moralidade humana da bondade".75 75 . E. Levinas, "O sofrimento inútil", In: Entre nós, trad. it. cit., p. 132. A sensibilidade em relação ao "direito do outro", quando todos os valores parecem desaparecer, é notada por Levinas na sua discussão com S. Malka, relatado no final do já citado Ler Levinas, p. 122-123.

Liberdade e comando

É neste terreno doloroso, neste não poder e não querer esquecer, que se enraíza vitalmente o problema da lei - contra o emergir dos monstros - e da obediência a esta na liberdade.

Retornamos, assim, ao início do nosso texto: a tirania, como foi dito, é o correspondente, no plano político, a um pensamento que colocou o eu como sujeito absoluto; apenas a filosofia da alteridade, enquanto ruptura da lógica do sujeito, poderá constituir a negação da tirania ou da ação que ignora o olhar do outro e, portanto, o comando. Mas, para que isto se realize, é necessário encontrar uma mediação política no direito: não o imperativo categórico sem garantias contra o tirano, mas a lei impessoal que, para não ser vivida por sua vez como tirânica, e não ser, por outro lado, imposta com violência, pede para entrar em novo discurso, em um círculo.

A liberdade, não limitada pelo outro, mas nascida do outro, está no fundamento do direito: é da evocação do vulto, do entrar na sociedade, do face-a-face que nasce o direito; e, vice-versa, o direito deve garantir o face-a-face, melhor dizendo, a liberdade contra a tirania, a pluralidade, o encontro entre individualidades.76 76 . Idem, Liberté et commandament, trad. it. cit., p. 21, 25, 18.

Ora, a "possibilidade de entendimento entre os indivíduos", sob a ótica da instituição da lei, pressupõe, segundo Levinas, uma "razão" antes da "razão impessoal" ou do direito.77 77 . Ibidem, p. 20-21. Mas, então, devemos interrogar: não se recai assim no princípio da autonomia, aquele segundo o qual se pode aceitar o comando apenas se este encontrar confirmação na razão, havendo já, a priori, pressuposto? Mas, exatamente a partir da exterioridade do comando - e, ressaltando toda a importância da questão na obra Totalidade e infinito: Ensaio sobre a exterioridade -, toma corpo a crítica do conceito de a priori.

Não é a função a ser negada, in toto, de a priori; aquela que é contestada é, ao contrário, a existência de um a priori capaz de perceber o fato de ser chamado, de ter de responder.78 78 . Cf. E. Levinas, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 107, 108, 110, 125. Pode-se consultar também, La philosophie et l´idée de l´infini, trad. it. cit., p. 45. Na tradição socrático-platônica, nada pode vir de fora, mas tudo está, no fundo, já contido na alma: é essa a indicação da maiêutica socrática.79 79 . Idem, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 41. Se, de fato - para dizer como Paul Ricoeur - "não fosse constituído responsável pelo meu dizer, sujeito da enunciação, sujeito responsável, capaz de manter as minhas promessas etc.; eu não poderia compreender aquilo que o outro exige e quer de mim".80 80 . A existência de um a priori como condição para entrar em relação com o outro é um dos pontos de divergência entre Ricouer e Levinas, conforme emerge do diálogo entre os dois filósofos relatado em E. Levinas, G. Marcel & P. Ricoeur, Il pensiero dell´altro ( O pensamento do outro), organizado por F. Riva, Roma: Lavoro, 1999, p. 73 e ss.

Todavia, do ponto de vista de Levinas, isto quer dizer, novamente, retornar à filosofia da identidade, conduzindo o outro ao mesmo, fazendo um alter ego, uma 'reedição' de si: trata-se, ao contrário, de "deduzir" o plano epistemológico do plano ético ou o compreender do obedecer.81 81 . Ibidem , p. 75. Para Levinas, como se dizia, o imperativo não é uma lei que encontro em mim, mas algo que experimento no vulto do outro. É um comando inteligível, que certamente coloca em prática um caminho hermenêutico, feito também de pré-compreensões - a partir do momento em que o apelo dirigido a mim pelo outro requer uma contínua e cada vez mais profunda interpretação, se é verdade que a responsabilidade aumenta no momento em que nos tornamos eticamente mais exigentes com nós mesmos - mas, o comando não deriva de mim e as pré-compreensões que sugere são o resultado de uma vasta experiência ética.82 82 . Cf. E. Levinas, La philosphie et l´idee de l´infini, trad. it. cit., p. 44. A fundação da compreensão de outros, a partir do comando do vulto, é explicitada em Di Dio che viene all´idea, trad. it. cit., p. 122-123. Enfim, sobre a derivação do plano psicológico a partir do plano ético, vide: Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 183, onde "a substituição" é considerada como a condição "que torna possível as paradoxais possibilidades psicológicas do colocar-se-no-lugar-de-um-outro".

Que exista um a priori, em termos históricos, é prova o fato de que o direito pressupõe um entendimento, com base em uma experiência comum. Se não existisse já uma "relação de comando sem tirania", o que se experimenta na ética do vulto, não poderia nem existir a obediência a uma lei jurídica que imite a heteronomia da ética, deixando-se inspirar por esta e desta sendo a garantia.83 83 . Idem, Liberte et commandement, trad. it. cit., p. 21. Pode-se consultar também Totalité et infini, trad. it. cit., p. 309, e Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 198, 200, 201.

Mas há um motivo posterior para reflexão, já presente, de forma embrionária, nas páginas finais de O tempo e o outro, de 1947 - escritas seis anos antes do ensaio Liberdade e comando - e desenvolvido de modo maduro a partir do texto de 1954, intitulado O eu e a totalidade, em que aparece a temática do "terceiro".84 84 . Sobre o ensaio O eu e a totalidade, remete-se à tradução italiana de E. Baccarini, em Entre nós, trad. it. cit., p. 46 e ss., enquanto O tempo e o outro está disponível na edição italiana organizada por Francesco Paolo Ciglia, Genova: Melangolo, 1997 (no texto se faz referência à p. 53). A problemática do "terceiro" permanecerá uma constante nas reflexões de Levinas, mesmo nas obras principais, de Totalité et infini a Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, a que faremos referência. Faço referência a esta, em momento de conclusão, para recapitular os pensamentos até aqui expostos.

A relação com o outro, para além da relação privilegiada que pode se instaurar entre os homens na forma de amizade, de entendimento, de eros, e que constitui a história privada dos afetos pessoais, apresenta-se, originalmente, como o apelo do estrangeiro, da viúva, do órfão, portanto, como exigência de toda a humanidade.85 85 . Cf. E. Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 217, 218, 220. "Nos olhos que me olham" há toda a humanidade: é este o terceiro, o outro do outro que faz a sua aparição no vulto e "clama por justiça".86 86 . Ibidem, p. 218, 220. A entrada em cena do terceiro, em relação direta com o outro, é um problema para a consciência. "O que devo fazer com justiça?" Como alcançar aqueles distantes que, na vizinhança do próximo, me obcecam? "Os outros, enfim, me dizem respeito": é este o último fruto da responsabilidade.87 87 . E. Levinas, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 197, 198.

A relação com o vulto enquanto próximo não é apenas o caminho que leva a todos os outros, mas é também o modelo a partir do qual se constroem e no qual encontram sentido as relações com todos os outros.88 88 . Ibidem, p. 199. A justiça, de fato, é impossível sem a proximidade: esta não se identifica com a legalidade, entendida como "técnica do equilíbrio social", mas pressupõe, para ser autêntica, a orientação de um para o outro.89 89 . Ibidem, p. 199.

É claro que as instituições, a estrutura do Estado, a política, tendem, a cada momento, "a pesar por conta própria", a seguir leis próprias; e também - diz Levinas, colocando-se no lugar do profeta - estas não deverão nunca perder a ligação com a ótica da responsabilidade: sob pena de injustiça.90 90 . Ibidem . Apenas se "não houver distinção entre vizinhos e distantes", se mantiver a assimetria da relação ética, se "a igualdade de todos é levada pela minha desigualdade", se houver, pois, um predomínio "dos meus deveres sobre os meus direitos", somente assim, "a justiça permanecerá como justiça".91 91 . Ibidem . Pode-se consultar também Levinas, Totalité et infini, trad. it. cit., p. 221.

Eis a raiz ética da obediência ao direito: "o esquecimento de si mesmo move a justiça".92 92 . E. Levinas, Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 199. Não porque se deva, hegelianamente, adequar a uma Razão universal, que assume o conflito no interior do sistema, harmonizando a guerra original de todos contra todos, mas porque o Estado justo pode nascer apenas com base na preocupação "de um com todos".93 93 . Ibidem .

A única universalidade admitida por Levinas, a única racionalidade antes da razão impessoal ou do direito, é a responsabilidade. Nesta, está presente também o eu, a ânsia pelo seu destino, integridade e "salvação": não diretamente, em relação ao querer individual, caprichoso e egoísta, mas em relação ao outro, a si mesmo, que é também outro para os outros, ao homem na sua totalidade.94 94 . Ibidem, p. 201. Quanto à ligação entre "salvação" e "vida cotidiana" - não concebida como "traição em relação ao nosso destino metafísico", mas como primeira expressão de liberdade: a de "prazer" daquilo que é necessário para viver, são dedicadas as p. 31-35 de O tempo e o outro, o texto de 1947 supracitado. Elas antecipam a ampla discussão do sucessivo texto Totalité et infini (1961), trad. it. cit., p. 123 e ss.

E, assim, é possível compreender como o movimento absolutamente passado, "anárquico" - não proveniente de mim - de um para o outro, seja a fonte de onde deriva, além da ética, a obediência ao direito, visto como meio indispensável para realizar a justiça em relação ao terceiro, àquele distante que apela ao próximo face-a-face: quase como se o terceiro fosse a humanidade, não apenas presente, mas também futura, cuja responsabilidade compromete-se a oferecer uma sociedade menos injusta, na qual seja possível viver em paz.95 95 . A responsabilidade foi considerada por Levinas como "a racionalidade da paz", In: Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 200. Sobre o tema da paz trata Jacques Derrida em Adeus a Emmanuel Levinas, organizado por S. Petrosino, Milão: Jaca Book, 1998, p. 153 e ss. Com relação ao termo "anarquia", vide as p. 126, 201, 202 do supracitado Autrement qu´être ou au-delà de l´essence.

Autorizado para publicação em agosto de 2001.

Notas

  • 39
    Como no mito platônico do juízo final, os homens se encontram nus, despidos das suas roupas e das suas qualidades, para que nada contamine o juízo que sobre eles será expresso; mas para que cada um seja considerado somente com base naquilo que fez ou não fez, na justiça ou na injustiça do seu pensar querer operar.40 40 . Platão, Gorgia, 523a-e, 524a, comentado por Levinas na nota da p. 200 do já citado Autrement qu'être ou au-delà de l'essence. Do mesmo modo, na obra de Levinas, o outro está em si mesmo - fora de qualquer totalidade e antes de qualquer generalização - o Senhor, o Mestre, o portador da ordem.
  • 1
    . O ensaio
    Liberté et commandement foi publicado originalmente na
    Revue de métaphysique et de morale, LVIII, 1953, p. 264-272, tradução italiana
    Libertà e comando (Liberdade e comando), In: E. Levinas, A. Peperzak,
    Ética prima come filosofia (
    Ética primeiro como filosofia), organizado por F. Ciaramelli, Milão: Guerini e Associados, 1993, p. 15-19.
  • 2
    . E. Levinas,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 22.
  • 3
    . Ibidem, p. 17.
  • 4
    . Ibidem, p. 23, 24.
  • 5
    . Trata-se de uma referência a Heidegger, contida no
    Prefácio de 1990, que Levinas acrescentou por ocasião da tradução inglesa do texto
    Alcune riflessioni sulla filosofia del hitlerismo (Algumas Reflexões sobre a filosofia do hitlerismo), de 1934. A edição italiana deste texto também traz o
    Prefácio e é organizada por A. Cavalletti, Quodlibet, Macerata, 1996, p. 21. Sobre a controversa ligação de Levinas com Heidegger pode-se consultar o diálogo
    Filosofia, Giustizia e Amore (
    Filosofia, justiça e amor), "aut-aut", 1985, 209-210, p. 14, 16 e a palestra
    O outro, utopia e justiça,
    in: Tra noi: Saggi sul pensare all´altro (Entre nós: Ensaios sobre a alteridade), organizada por E. Baccarini, Milano: Jaka Book, 1998, p. 269-272, no qual Levinas expõe algumas considerações a propósito do conhecido livro de Victor Farias relativo a Heidegger.
  • 6
    . Além do já citado
    Liberté et commandement, os textos de Levinas, sobre os quais se fará mais freqüentemente referência - para responder a tais perguntas - são os seguintes:
    La philosophie et l'idée de l'infini, apresentado na "Revue de métaphysyque et de morale", LXII, 1957, p. 241-253, trad. it.
    La filosofia e l'idea dell'infinito, in: E. Levinas, A. Peperzak,
    Etica come filosofia prima, cit., p. 31-46;
    Totalité et infini. Essai sur l'extériorité, Nijhoff, La Haye, 1961, trad. it.
    Totalità e infinito. Saggio sull'esteriorità,
    (Totalidade e Infinito: Ensaio sobre a exterioridade), Milano: Jaca Book, 1980;
    Autrement qu'être ou au-delà de l'essense, Nijhoff, La Haye, 1974, trad. it.
    Altrimenti che essere (Para além da essência), Milano: Jaca Book, 1995. Sobre o paralelismo entre tirania e filosofia ocidental, pode-se consultar Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 44.
  • 7
    . E. Levinas,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 16.
  • 8
    . Assim, escreve nas primeiras linhas, o Teorema IV da kantiano
    Critica della ragione pratica (Critica da Razão Prática), trad. it. de F. Capra, Laterza, Bari, 1983, p. 42: "A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres que eles correspondem: ao contrário, toda heteronomia do livre arbítrio, não apenas não é a base de qualquer obrigação, mas é particularmente contrária ao princípio deste e à moralidade da vontade".
  • 9
    . Cf. E. Levinas,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 16.
  • 10
    . Ibidem, p. 17.
  • 11
    . Ibidem, p. 16.
  • 12
    . Ibidem, p. 18.
  • 13
    . Ibidem, p. 17.
  • 14
    . Ibidem, p. 18.
  • 15
    . Ibidem, p. 17.
  • 16
    . Ibidem, p. 17.
  • 17
    . Ibidem, p. 18.
  • 18
    . Ibidem, p. 19.
  • 19
    . Ibidem, p. 20.
  • 20
    . Ibidem, p. 19. Sobre a relevância da postura hegeliana - dentro do ensaio
    Liberté et commandement - filtrada através da leitura de Eric Weil, pode-se ver a nota do organizador italiano, trad. cit., na p. 19.
  • 21
    . Cf. F. Rosenzweig,
    Hegel e lo Stato (Hegel e o Estado), Bologna: Il Mulino, 1976, p. 362-363, onde é lucidamente argumentado "a essência fundamental da vontade de que se serve Hegel para construir o Estado".
  • 22
    . Cf. G.W. Hegel,
    Lineamenti di filosofia del diritto (Diretrizes da filosofia do direito), organizado por G. Marini, Bari: Laterza, 1987, p. 45 e 131.
  • 23
    . Ibidem, p. 131.
  • 24
    . E. Levinas,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 20, onde se lê ainda: "Com efeito, ninguém quer forçar os outros a aceitar a razão impessoal do texto, se não com a tirania ...". Para a redução operada pelo idealismo - de ética à política e dos indivíduos a simples "momentos em um sistema", cf. E. Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 221 e 222.
  • 25
    . Sobre este assunto, Italo Mancini escreveu páginas muito bonitas, em
    Filosofia da praxis (Brescia: Morcelliana, 1986, p. 440-447), onde, pleno de citações, traz também à luz o relacionamento entre Hegel e
    A República platônica.
  • 26
    . É a nota critica popperiana ao Estado delineado por Platão e considerado, nas suas linhas programáticas, como "totalitário": K.R. Popper,
    La società aperta e i suoi nemici (A sociedade aberta e seus inimigos), vol I, Roma: Armando Editore, 1998, p. 117 e ss.
  • 27
    . Platão,
    Rep. 327 d. Na tradução de F. Sartori (Bari: Laterza, 1984), a mesma passagem ficou assim: "Seriam algum dia capazes de persuadir, rebater quem não está escutando?".
  • 28
    . Para a ligação entre discurso e violência, que se instaura na retórica, entendida como corrupção da vontade do outro, E. Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 68-70.
  • 29
    . Cf.
    Rep. 350 3, 351 c. A citação é comentada por Levinas, em
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 21.
  • 30
    . Ibidem, p. 20-21. Pode-se aplicar aqui, a Levinas, o que ele mesmo disse a propósito de Martin Buber em
    Fuori dal Soggetto (
    Fora do Sujeito), organizado por F.P. Ciglia (Genova: Marietti, 1992, p. 21): "O diálogo como Buber o concebe é anterior a essa universalidade do diálogo político. É um diálogo que faz, se posso me exprimir assim, 'entrar no diálogo'. É aquilo que Platão procurava sempre: se você fala comigo eu posso convencer-lhe, mas como obrigá-lo a entrar no diálogo? Buber procura o diálogo que faz entrar no diálogo".
  • 31
    . E. Levinas,
    Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p. 19.
  • 32
    . Idem,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 26, onde se lê: "a relação metafísica, a relação com o exterior, é possível somente como relação ética". Com o tema da correlação entre saber e ser abre-se o ensaio
    Ética primeiro como filosofia, contido no texto homônimo, cit., p. 47.
  • 33
    . Idem,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 38.
  • 34
    . Idem,
    La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 45.
  • 35
    . Idem,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 218.
  • 36.
    Idem,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 22-23. Pode-se ver ainda:
    La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 40.
  • 37
    . Idem,
    Trascendenza e intelligibilità (
    Transcêndência e intelegibilidade), organizado por F. Camera (Genova: Marietti, 1990, p. 37). Da proibição inscrita no olhar do outro fala-se em
    La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 40.
  • 38
    . Idem,
    La philosophie et l'idée de l'infini, trad. it. cit., p. 43-44.
  • 40
    . Platão,
    Gorgia, 523a-e, 524a, comentado por Levinas na nota da p. 200 do já citado
    Autrement qu'être ou au-delà de l'essence.
  • 41
    . A especificidade do termo
    autrui, na linguagem de Levinas, é sublinhada por Francesco Paolo Ciglia, organizador de
    Nomes próprios, Marietti, Casale Monferrato, 1984, nas p. 191-192 e nas notas de Alberto Moscato, em
    Humanismo do outro homem, cit. p. 25-26.
  • 42
    . Cf.
    Filosofia, justiça e amor, em "aut-aut", cit. 4-5.
  • 43
    . Ibidem, p. 5.
  • 44
    . Ibidem.
  • 45
    . E. Levinas,
    Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p.116. Para a crítica ao "tu" de Buber, que pressupõe a reciprocidade, transpondo assim a originária assimetria do relacionamento ético, Id., veja-se
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 67 e, para um tratado mais articulado, Id.,
    Nomi propri, cit., p. 40-43 ou, ainda, Id.,
    Fuori dal soggetto (
    Fora do sujeito), cit., p. 43-49.
  • 46
    . Idem,
    Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, trad. it. cit., p. 141, 140, 145.
  • 47
    . Ibidem, p. 116 e 139.
  • 48
    . Ibidem, p. 139.
  • 49
    . Ibidem, p. 145, 146, 160.
  • 50
    . Ibidem, p. 154. A importância do quarto capítulo é marcada pelo organizador italiano de
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., em nota preliminar na p. 2 e, mais detalhadamente, nas p. 124-125.
  • 51
    . Ibidem, p. 154.
  • 52
    . Assim, Levinas traduz o versículo 4, capítulo 38 do livro de Jó, em
    Di Dio Che viene all´idea (
    De Deus vem a idéia), sob os cuidados de S. Petrosino, Milão: Jaca Book, 1986, p. 160.
  • 53
    . Cf. Levinas,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 154.
  • 54.
    Ibidem, p. 154.
  • 55
    . Ibidem
    .
  • 56
    . Ibidem
    , p. 153. Cf. também Ibidem, p. 157, 145, 153. A relação entre Kafka e o pensamento bíblico é considerado por André Neher em
    Chiavi per l´ebraismo (
    Interpretações para o hebraísmo), Genova: Marietti, 1988, p. 105. É ainda importante para a assonância observada o fato de Kafka ter sido um dos autores de Blanchot, a quem Levinas era ligado por uma profunda afinidade intelectual e de quem escreve no ensaio
    Blanchot/Losguardo del poeta (
    Blanchot/O olhar do poeta)
    , "aut-aut", cit., p. 131, 134.
  • 57
    . Cf. E. Levinas,
    Autrement qu´être ou al-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 148, 152.
  • 58
    . Ibidem, p. 110, 154.
  • 59
    . E. Levinas,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 27.
  • 60
    . Idem,
    Scoprire lésistenza com Husserl e Haidgger (
    Descobrir a existência com Husserl e Heidegger)
    , trad. it. de F. Sossi, Milão: Raffaello Cortina Editore, 1998, p. 227. Sobre o tema do "sinal/vestígio" recorrente nas páginas de Levinas, pode-se ver: Ibidem, p. 232-233; Id.,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 77; Id.,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 16-17, 116, 147 e, ainda, Id.,
    Humanismo do outro homem, cit., p. 95-99.
  • 61
    . Idem,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 31-32, 39, 103 e, sobre a importante crítica ao conceito de "participação", p. 56-57, 106.
  • 62
    . Idem,
    Liberté et commandement, trad. it. cit., p. 27.
  • 63
    . Idem,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 162.
  • 64
    . Idem,
    Ética primeiro como filosofia, In: Levinas & Paperzak,
    Ética primeiro como filosofia, cit., p. 59 e 56.
  • 65
    . Idem,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 160. O tema da contraposição entre
    conatus essendi e responsabilidade aparece também - e é um verdadeiro
    Leitmotiv na reflexão de Levinas - no texto filosoficamente mais importante da produção sucessiva a
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence (1974), vale dizer, em
    De Deus que vem a idéia, cit., p. 179-180.
  • 66
    . Idem,
    Ética primeiro como filosofia, contido no texto homônimo, cit., p. 58.
  • 67
    . Assim, de fato, lê-se em
    Autrement qu´être ou dau-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 187: "a percepção da
    ordem coincide com a significação dessa ordem instituída por aquele que obedece." Cf. também p. 163, 188. Sobre o "sentido" do vulto antecedente a qualquer "atribuição a sentido", Id.,
    Liberte et commandement, trad. it. cit., p. 26-27.
  • 68
    . E. Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 224.
  • 69
    . Ibidem, p. 220. Sobre a crítica ao "ser com" de Hiedegger, cf. E. Levinas,
    Filosofia, justiça e amor, aut-aut, cit., p. 14.
  • 70
    . H. Jonas,
    O conceito de Deus depois de Auschwitz, Genova: Melangolo, 1993, p. 34 e ss. O tema da "impotência" de Deus, na sua ligação com o conceito levinasiano de criação, é tratado por Carmine Di Sante no ensaio
    O silêncio de Deus em Auschwitz, contido em
    Jó, o problema do mal no pensamento contemporâneo, Assisi: Cittadella, 1996, p. 86-88. Sobre o "sentido ético" da criação, entendido como renúncia do Criador "para deixar um lugar ao ser separado", escreveu Silvano Petrosino, em
    Fundamento e exasperação.
    Saggio sul pensare de Emmanuel Levinas (
    Ensaio sobre o pensamento de Emmanuel Levinas), Genova: Marietti, 1992, p. 138.
  • 71
    . E. Levinas,
    Transcendência e intelegibilidade, cit., p. 51.
  • 72
    . Ibidem
    , p. 49, 51, 47. Sobre a distância da dialética hegeliana, ibidem, p. 46, 53.
  • 73
    . Assim afirma a dedicatória específica a
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit..
  • 74
    . Sobre a crítica de Levinas à teodicéia tradicional, é iluminante o parágrafo do título "o fim da teodicéia", contido em
    Tra noi (
    Entre nós), trad. it. cit., p. 130-134, onde se lê: "A palavra de Nietzsche sobre a morte de Deus não ganhava força nos campos de extermínio, o significado de um fato quase empírico?" (p. 130). Sobre o rastro de Nietzsche e naturalmente de Kant, cujo ensaio
    Sobre o insucesso de toda tentativa filosófica em teodicéia - editado em italiano pela editora Marietti e contido em
    Questões de fronteira, Genova, 1990 - constitui uma pedra milenar da especulação filosófica, Levinas coloca-se ao lado de outros pensadores do campo hebraico: das reflexões de Jonas, ou ainda da aflita produção literária de Wiesel. Sobre esse último autor, vide, especificamente, o apólogo narrado no livro
    A noite, Florença: Giuntina, 1980, p. 65-67.
  • 75
    . E. Levinas, "O sofrimento inútil", In:
    Entre nós, trad. it. cit., p. 132. A sensibilidade em relação ao "direito do outro", quando todos os valores parecem desaparecer, é notada por Levinas na sua discussão com S. Malka, relatado no final do já citado
    Ler Levinas, p. 122-123.
  • 76
    . Idem,
    Liberté et commandament, trad. it. cit., p. 21, 25, 18.
  • 77
    . Ibidem, p. 20-21.
  • 78
    . Cf. E. Levinas,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 107, 108, 110, 125. Pode-se consultar também,
    La philosophie et l´idée de l´infini, trad. it. cit., p. 45.
  • 79
    . Idem,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 41.
  • 80
    . A existência de um
    a priori como condição para entrar em relação com o outro é um dos pontos de divergência entre Ricouer e Levinas, conforme emerge do diálogo entre os dois filósofos relatado em E. Levinas, G. Marcel & P. Ricoeur,
    Il pensiero dell´altro (
    O pensamento do outro), organizado por F. Riva, Roma: Lavoro, 1999, p. 73 e ss.
  • 81
    . Ibidem
    , p. 75.
  • 82
    . Cf. E. Levinas,
    La philosphie et l´idee de l´infini, trad. it. cit., p. 44. A fundação da compreensão de outros, a partir do comando do vulto, é explicitada em
    Di Dio che viene all´idea, trad. it. cit., p. 122-123. Enfim, sobre a derivação do plano psicológico a partir do plano ético, vide:
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 183, onde "a substituição" é considerada como a condição "que torna possível as paradoxais possibilidades psicológicas do colocar-se-no-lugar-de-um-outro".
  • 83
    . Idem,
    Liberte et commandement, trad. it. cit., p. 21. Pode-se consultar também
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 309, e
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 198, 200, 201.
  • 84
    . Sobre o ensaio
    O eu e a totalidade, remete-se à tradução italiana de E. Baccarini, em
    Entre nós, trad. it. cit., p. 46 e ss., enquanto
    O tempo e o outro está disponível na edição italiana organizada por Francesco Paolo Ciglia, Genova: Melangolo, 1997 (no texto se faz referência à p. 53). A problemática do "terceiro" permanecerá uma constante nas reflexões de Levinas, mesmo nas obras principais, de
    Totalité et infini a
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, a que faremos referência.
  • 85
    . Cf. E. Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 217, 218, 220.
  • 86
    . Ibidem, p. 218, 220.
  • 87
    . E. Levinas,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 197, 198.
  • 88
    . Ibidem, p. 199.
  • 89
    . Ibidem, p. 199.
  • 90
    . Ibidem
    .
  • 91
    . Ibidem
    . Pode-se consultar também Levinas,
    Totalité et infini, trad. it. cit., p. 221.
  • 92
    . E. Levinas,
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 199.
  • 93
    . Ibidem
    .
  • 94
    . Ibidem, p. 201. Quanto à ligação entre "salvação" e "vida cotidiana" - não concebida como "traição em relação ao nosso destino metafísico", mas como primeira expressão de liberdade: a de "prazer" daquilo que é necessário para viver, são dedicadas as p. 31-35 de
    O tempo e o outro, o texto de 1947 supracitado. Elas antecipam a ampla discussão do sucessivo texto
    Totalité et infini (1961), trad. it. cit., p. 123 e ss.
  • 95
    . A responsabilidade foi considerada por Levinas como "a racionalidade da paz", In:
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence, trad. it. cit., p. 200. Sobre o tema da paz trata Jacques Derrida em
    Adeus a Emmanuel Levinas, organizado por S. Petrosino, Milão: Jaca Book, 1998, p. 153 e ss. Com relação ao termo "anarquia", vide as p. 126, 201, 202 do supracitado
    Autrement qu´être ou au-delà de l´essence.
  • *
    Publicado originalmente na revista
    La Società Degli Individui (Parma: Franco Angeli, 2001/2, ano IV, nº 11) e traduzido do italiano por Fernanda L. Ortale e Ilse P. Moreira.
    **
    Esta frase de Léon Blum, político francês e hebreu, aprisionado pelos alemães durante a segunda guerra mundial, é comentada por Levinas em
    Umanesimo dell´altro uomo (
    Humanismo do outro homem), organizado por A. Moscato (Gênova: Il Melangolo, 1998, p. 70), onde se lê, como explicação da passagem citada: "Um homem na prisão continua a acreditar em um futuro irrevelado e convida a trabalhar no presente para as coisas mais distantes, das quais o presente é irrecusável negação. [...] Agir pelas coisas distantes no momento em que triunfava o hitlerismo, nas horas surdas daquelas noites sem horas - independentemente de qualquer avaliação de 'forças em campo' - é, talvez, o sumo da nobreza".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2001
    • Data do Fascículo
      Out 2001
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