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Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior: Estado e mercado

Unequal and combined development in higher education: State and market

Resumos

Este artigo pretende analisar o processo de desenvolvimento do ensino superior no Brasil, particularmente seus mecanismos de reprodução ampliada. A tese defendida é a de que o desenvolvimento do ensino superior se dá por um processo desigual e combinado dos diferentes setores, especialmente do setor público e do setor privado. O efeito mais dramático desse processo é a improvisação dos professores do setor privado, que produz efeitos negativos para a qualidade do ensino, nos níveis de graduação e pós-graduação. O artigo prevê três tendências de desenvolvimento do ensino superior: a regulação pelo mercado, a estatização e uma combinação de ambas. Em conclusão, os possíveis efeitos de cada uma dessas tendências são examinados, destacando-se, como a mais viável, a terceira tendência, isto é, a que combina Estado e mercado. Em decorrência, o artigo defende a elaboração de uma lei orgânica do ensino superior, que, sem confrontar a autonomia universitária, estabeleça marcos para a avaliação, o financiamento, a carreira docente, a escolha de dirigentes, entre outros.

Ensino superior; Universidade; Desenvolvimento educacional; Educação brasileira; Estado e mercado


The present paper aims at analyzing the development process of higher education in Brazil, especially in what concerns its enlarged reproduction mechanisms. It defends the thesis that higher education development takes place by means of an unequal and combined process of different sectors, especially the private and public sectors. The most dramatic outcome of such a process is the improvisation of the private-sector professors, which leads to poor-quality education both at the undergraduate and graduate levels. The text forecasts three higher education development trends: market regulation, nationalization, and a combination of both. The potential effects of each trend are analyzed and the third one, which combines State and market, is pointed out as the most viable. The article finally defends the creation of an organic law for higher education that sets landmarks for assessment, funding, teaching career, and the choice of leaders, among other issues, without opposing the university autonomy principle.

Higher education; University; Educational development; Brazilian education; State and market


ARTIGOS

Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior: Estado e mercado* * Texto preparado para o Fórum Brasil de Educação - IV Encontro Nacional, promovido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), Brasília, 3/11/2003. Uma versão preliminar deste artigo foi publicada pelo CNE, em colaboração com o escritório da UNESCO em Brasília; ver Cunha (2004).

Unequal and combined development in higher education: State and market

Luiz Antônio Cunha

Professor titular (Educação Brasileira) e coordenador do Laboratório de Estudos das Universidades, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail lacunha@iis.com.br

RESUMO

Este artigo pretende analisar o processo de desenvolvimento do ensino superior no Brasil, particularmente seus mecanismos de reprodução ampliada. A tese defendida é a de que o desenvolvimento do ensino superior se dá por um processo desigual e combinado dos diferentes setores, especialmente do setor público e do setor privado. O efeito mais dramático desse processo é a improvisação dos professores do setor privado, que produz efeitos negativos para a qualidade do ensino, nos níveis de graduação e pós-graduação. O artigo prevê três tendências de desenvolvimento do ensino superior: a regulação pelo mercado, a estatização e uma combinação de ambas. Em conclusão, os possíveis efeitos de cada uma dessas tendências são examinados, destacando-se, como a mais viável, a terceira tendência, isto é, a que combina Estado e mercado. Em decorrência, o artigo defende a elaboração de uma lei orgânica do ensino superior, que, sem confrontar a autonomia universitária, estabeleça marcos para a avaliação, o financiamento, a carreira docente, a escolha de dirigentes, entre outros.

Palavras-chave: Ensino superior. Universidade. Desenvolvimento educacional. Educação brasileira. Estado e mercado.

ABSTRACT

The present paper aims at analyzing the development process of higher education in Brazil, especially in what concerns its enlarged reproduction mechanisms. It defends the thesis that higher education development takes place by means of an unequal and combined process of different sectors, especially the private and public sectors. The most dramatic outcome of such a process is the improvisation of the private-sector professors, which leads to poor-quality education both at the undergraduate and graduate levels. The text forecasts three higher education development trends: market regulation, nationalization, and a combination of both. The potential effects of each trend are analyzed and the third one, which combines State and market, is pointed out as the most viable. The article finally defends the creation of an organic law for higher education that sets landmarks for assessment, funding, teaching career, and the choice of leaders, among other issues, without opposing the university autonomy principle.

Key words: Higher education. University. Educational development. Brazilian education. State and market.

O estudo do processo de desenvolvimento do ensino superior no Brasil é uma tarefa desafiadora, tantas e tão complexas são as dimensões nele implicadas.

Mesmo se nos detivermos na dimensão quantitativa, veremos que os números são eloqüentes. De cerca de 20 mil estudantes matriculados nos cursos de engenharia, medicina e direito, no ano de 1931, em duas ou três universidades1 1 . Eram elas a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, a Universidade de Minas Gerais, criada em 1927, e a Escola de Engenharia de Porto Alegre, criada em 1896. Sem o status formal de universidade, a instituição gaúcha oferecia, já ao início dos anos de 1930, uma diversidade de cursos, em diversas especialidades, o que sugere sua inclusão na mesma categoria das outras duas, de que estava mais perto do que o conjunto das instituições isoladas, de um curso apenas, como regra geral. e em um número indeterminado de faculdades isoladas, chegamos, sete décadas depois, a cifras enormes. Os 3,5 milhões de estudantes de graduação e os 120 mil de mestrado e doutorado distribuíam-se, em 2002, por:

  • 165 universidades;

  • 77 centros universitários;

  • 1.400 faculdades integradas, faculdades isoladas e centros de educação tecnológica.

Todo esse crescimento não foi acompanhado de mecanismo algum de formação de pessoal que pudesse dar conta das tarefas docentes. O estranhamento diante da inexistência de um mecanismo de formação de docentes ficaria ainda maior se levarmos em conta que essa ampliação do número de estudantes e de instituições foi complexificada pela diferenciação dos cursos de graduação, num período em que as mudanças no conhecimento têm sido rápidas e profundas. Causa espécie que o grau superior é o único para o qual não há previsão legal de formação específica para o magistério.2 2 . Apesar de a LDB prever (art. 66) que "a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado", esse artigo permanece letra morta. Para as quatro primeiras séries do ensino fundamental, o curso normal ou superior de pedagogia; para as quatro últimas do fundamental e para o ensino médio, as licenciaturas. Para o ensino superior, basta a graduação, que, formalmente, pode ter sido feita em qualquer especialidade.

O fato é que o desenvolvimento do ensino superior tem sido feito à base da improvisação docente, no âmbito do patrimonialismo prevalecente nas instituições públicas e privadas. Nas IES públicas, nas últimas duas ou três décadas, tem sido feito um esforço para mudar o quadro patrimonialista na direção do racional-legal, de modo que a seleção de docentes passou a ser feita mediante concursos públicos, nos quais a exigência de graus de mestre e doutor se generaliza. Todavia, mesmo nessas instituições, a preparação específica para o magistério superior é algo desconhecido.

O resultado de tão grande expansão é a desvalorização dos diplomas de ensino superior de graduação, em termos materiais e simbólicos, o que, ao invés de diminuir, aumenta a demanda dele e dos que se lhe seguem - o mestrado e o doutorado ou, na vertente paralela, o simulacro tropical do mba norte-americano.

Poderia ter sido diferente? Sim, se um dos dois caminhos seguintes tivessem sido tomados, ou até mesmo uma combinação deles.

O primeiro é a importação de professores. Assim fizeram a Universidade de São Paulo e a Universidade do Distrito Federal, em 1934 e 1935, respectivamente, quando de sua criação. O avanço do nazi-fascismo na Europa levou um grande número de docentes e pesquisadores de alta qualificação a buscarem outros países, onde não fossem perseguidos. Com eles, jovens promissores dispuseram-se a deixar seus países por períodos curtos que, por vezes, alongaram-se. O Colégio do México foi formado, basicamente, com refugiados da Guerra Civil Espanhola. Os EUA abriram suas universidades aos refugiados europeus, que deram um novo impulso em seu desenvolvimento. É o que fazem hoje vários países do mundo, ao acolherem pesquisadores provenientes dos países do Leste Europeu, cuja onda migratória chega quase imperceptível ao Brasil.

O segundo caminho é a formação em serviço de docentes, no próprio processo de ensino. Foi essa a principal inovação trazida pela Universidade de Brasília (UNB), hoje esquecida. A jovem UNB, "projeto coletivo da intelectualidade brasileira", começou a funcionar pelos cursos de mestrado, uma inovação em nosso país. Lecionavam nesses cursos docentes altamente qualificados, brasileiros e estrangeiros. Aí está uma solução importada e bem adaptada à situação brasileira. Como sabemos, em muitos departamentos das boas universidades norte-americanas são os graduate students que lecionam nos undergraduate courses. Os mestrandos da nascente UNB, provenientes de todo o país, eram os professores (chamados instrutores) dos cursos de graduação, supervisionados por experientes docentes, brasileiros e estrangeiros. Estaria, assim, combinada a formação digamos técnica do futuro docente com a formação digamos pedagógica (ainda que assistemática). Infelizmente, pouco durou a experiência - nem mesmo um ciclo foi concluído em razão da demissão da quase totalidade dos docentes da universidade, em protesto contra a intervenção dos governos militares. Tivéssemos meia dúzia de universidades acionando esse processo, depois mais meia dúzia, talvez a qualificação do magistério superior de todo o país fosse hoje muito melhor. A exigência recente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), de que seus bolsistas tenham uma iniciação pedagógica e algum exercício do magistério, durante o doutorado no país, tem sido adaptada às circunstâncias com duvidosos resultados: há casos em que uma disciplina trata, em algumas horas, de temas didáticos; em outros, os alunos são postos a lecionar no lugar dos professores, sem supervisão alguma.

Nenhum daqueles caminhos prevaleceu. A improvisação foi a tônica geral e persistente. Nas grandes universidades públicas, onde o regime de cátedras vigorava, os assistentes eram nomeados pelo professor catedrático, dentre os livre-docentes, ou escolhidos graduados instados a prestarem esse concurso, sob a direção daquele. Quando o catedrático era efetivo, a assistência ao professor constituía um processo de formação docente informal. Caso contrário, a improvisação assemelhava-se à que ocorria na maioria das instituições privadas, onde a cátedra não passava de uma instituição mais ligada à dimensão simbólica do que propriamente acadêmica.

O regime de cátedras veio a ser um obstáculo ao rápido crescimento do ensino superior, em termos do efetivo discente, da diferenciação dos cursos e da multiplicação das instituições. Ele dependia, demasiadamente, da capacidade de escolha do futuro docente pelo catedrático, de sua longa formação em serviço (mediante relações similares às do mestre com o aprendiz) e de um processo errático de promoção na carreira - no limite, a candidatura à substituição do catedrático e mentor. Tanto assim que esse regime foi submetido a uma crítica severa na primeira metade dos anos de 1960, em razão da incorporação dos professores catedráticos de instituições estaduais e privadas às universidades recém-criadas, resultantes das federalizações. Ainda que tivéssemos cátedras que demonstraram efetiva capacidade de reprodução ampliada da qualidade, especialmente na área médica, a pressão pela extinção da obrigatoriedade desse regime teve dois vetores principais. Um deles foi o mencionado descrédito provocado pela federalização dos catedráticos estaduais e privados, do qual o "Auto dos 99%", da UNE, foi expressão eloqüente.3 3 . Este auto, referido aos 99% de jovens que não tinham acesso aos cursos superiores, continha uma ácida sátira aos professores, dos quais caricaturava a ignorância ou a irrelevância do conteúdo do ensino ministrado. O outro foi o efeito demonstração das instituições de ensino superior que se criaram no Brasil, no pós-guerra, que abandonaram o modelo francês pelo norte-americano, no qual o regime departamental constituía o cerne. Foi o caso do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, e da Universidade de Brasília. Estas instituições ou não tinham cátedras (o ITA) ou driblavam a legislação em proveito dos departamentos (as outras duas).

O regime departamental, na configuração da reforma dos anos de 1960, soltou as amarras artesanais que limitavam a expansão do ensino superior estatal no Brasil, pois a incorporação de docentes já não dependia de decisão pessoal do catedrático, mas, sim, de concursos públicos. Ademais, o poder acadêmico e institucional abandonou a base necessariamente patrimonialista, centrada no professor catedrático, e substituiu-a por uma base de poder do tipo racional-legal, centrada na gestão colegiada.

Não faz parte do objetivo deste texto analisar as dificuldades de implantação do modelo departamental de poder acadêmico e institucional nas universidades públicas.4 4 . Nas instituições privadas, esse modelo é pouco efetivo, em conseqüência do poder predominante dos ditos mantenedores, assim como da precária profissionalização da função docente, em geral uma atividade acessória, na qual os professores são contratados por hora-aula. Uma análise com tal objetivo revelaria o papel desestruturante que os padrões autoritários do regime militar desempenharam na adaptação do modelo departamental aos padrões patrimonialistas preexistentes. Na seqüência, vieram os efeitos da reação sindical, de caráter populista. Cumpre, no momento, assinalar a funcionalidade do modelo departamental para a expansão do ensino superior estatal desde os anos de 1960. Ele permitiu a incorporação de graduados em grande número, apenas dependente das vagas oferecidas e das decisões das bancas examinadoras. Estas se revelaram capazes de detectar a capacidade intelectual dos candidatos, mormente sua vocação para a pesquisa científica e tecnológica (especialmente nas carreiras em que mais cedo prevaleceu a pós-graduação), mas, raramente, sua capacidade pedagógica. Para isso, dispunha-se da prova didática, a qual era avaliada por docentes que, freqüentemente, desprezavam a dimensão pedagógica de sua própria atividade. Foi por essa razão que destaquei a dessintonia dos professores-pesquisadores brasileiros, cada vez mais especialistas (no sentido weberiano do termo) como geólogos, historiadores, biólogos, antropólogos etc., e persistentemente diletantes como docentes (Cunha, 1992).

O objetivo deste texto é contribuir para a compreensão do processo de desenvolvimento do ensino superior no Brasil, seus mecanismos de reprodução e sua repercussão sobre a qualidade, por mais intangível que ela seja. Além da persistência do padrão de improvisação, que se rebate sobre a pós-graduação, a hipótese de trabalho que orienta este texto é a do desenvolvimento desigual e combinado dos diferentes setores do ensino superior, notadamente o público e o privado.

Mercado solto

Como sabemos, todo o ensino superior brasileiro era, no Império, estatal e centralmente controlado. Ao adaptar o formato do Estado à federação dos poderes regionais, a República quebrou esse padrão. Para isso foi importante o ideário positivista, que preferia o ensino superior deixado ao livre jogo do mercado, enquanto a "doutrina" estivesse em elaboração pela "classe espiritual". Mas a força detida no Estado pelos profissionais (médicos, engenheiros e advogados) fez com que as instituições de ensino superior herdadas do Império permanecessem estatais. Paralelamente, os positivistas (Benjamim Constant à frente) inventaram o modelo brasileiro de credenciamento, até hoje em vigor, em linhas gerais.

Além de destravar as amarras que impediam a expansão do ensino superior nas províncias, o novo governo republicano determinou o registro nas repartições federais dos diplomas das profissões regulamentadas em lei, o que somente poderia ser feito com os expedidos por instituições de ensino (estaduais ou privadas) que tivessem o mesmo currículo das federais e fossem supervisionadas pelo ministério competente.

Nas duas primeiras décadas do regime republicano, as faculdades multiplicaram-se em todo o país, ao ponto de Lima Barreto chamá-las de "academias elétricas".5 5 . De que as chamaria hoje? Nucleares? Plasmáticas? Virtuais? A desvalorização econômica e simbólica do diploma levou à criação dos exames vestibulares, em 1911, medida esta seguida de outras com o mesmo teor contenedor, que culminaram, em 1925, com a adoção do critério de numerus clausus para o ingresso.6 6 . Cada curso passou a ter um número limitado de vagas, que cada faculdade só poderia elevar com autorização ministerial. A defesa da qualidade do ensino, ameaçada pela expansão desenfreada, foi o argumento recorrente em todo esse processo.

A Era de Vargas foi pródiga para com o setor privado em expansão. Além de estabelecer a imunidade fiscal para as instituições educacionais privadas, em todos os níveis,7 7 . Esse dispositivo apareceu pela primeira vez na Constituição de 1934 e, desde então, consta em todas as que se lhe seguiram, inclusive na atual, de 1988. reconheceu a primeira universidade privada, a Católica do Rio de Janeiro. No que diz respeito ao setor público do ensino superior, a atuação varguista foi predominantemente de caráter controlador. Centralista ao extremo, transformou a Universidade do Rio de Janeiro em Universidade do Brasil, com a pretensão de fazê-la parâmetro destinado a submeter as iniciativas federalistas que despontavam em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no próprio Distrito Federal.8 8 . Em 1934 foram criadas as universidades de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por iniciativa dos respectivos governos estaduais. No ano seguinte, surgiu a Universidade do Distrito Federal, criada pelo primeiro prefeito eleito, Pedro Ernesto Baptista, e seu secretário da Educação, Anísio Teixeira.

A República Populista (1946/1964) mostrou a primeira face da ambigüidade das políticas públicas ao favorecer o crescimento do setor privado em termos de novas instituições criadas, no aumento de seu efetivo e em termos de sua agregação em universidades. Ao mesmo tempo, foi nesse período que se deu o processo de federalização de faculdades estaduais e privadas, as quais foram reunidas em universidades.9 9 . As federalizações de instituições privadas foram realizadas mediante entendimento com seus mantenedores, com o fim de resultarem benéficas para eles. Dois exemplos podem ilustrar essa colaboração. Em Niterói, a Faculdade Fluminense de Filosofia, em dificuldades financeiras, foi federalizada e integrou a UFF. Em Juiz de Fora, as faculdades católicas e protestantes, "empatadas" na luta pela criação de universidades confessionais, acordaram em transferir seus ativos e passivos ao governo federal, que criou a UFJF, e acomodou os contendores, inclusive mediante a criação do inédito Instituto de Estudos da Religião.

Os governos militares radicalizaram essa ambigüidade. As universidades públicas receberam recursos que permitiram a montagem do ensino pós-graduado e a institucionalização da profissão docente; os câmpus universitários foram edificados, com laboratórios e facilidades inéditas em nosso país; novas universidades federais e estaduais foram criadas, e as antigas expandiram suas atividades.10 10 . O balanço dos contraditórios efeitos dos governos militares para as universidades públicas precisa levar em conta elementos que fogem ao escopo deste texto, como a expulsão de docentes e a repressão político-ideológica no campo do ensino superior. Em contrapartida, as instituições privadas receberam incentivos diretos e indiretos inéditos, que, aliados à representação majoritariamente privatista do Conselho Federal de Educação (CFE), propiciaram novo surto de expansão. A proporção de estudantes majoritária no setor público, durante a República populista, passou a minoritária (40% X 60%). Esse crescimento do setor privado foi tamanho que levou ao abandono dos principais parâmetros da reforma universitária, projetada, aliás, para o setor público. A expansão das matrículas das universidades federais, propiciada pelo aumento da produtividade favorecida pela "eliminação de duplicações para fins idênticos ou equivalentes", foi descartada quando da primeira crise do petróleo. Em decorrência, ainda, do crescimento do setor privado, foi progressivamente abandonada a política de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, já que as razões apontadas para a contenção da demanda do ensino superior, voltada para as IES públicas, deixaram de existir, pois mais e mais levas de candidatos eram absorvidas pelas IES privadas.

Para os estrategistas dos governos militares, o que importava era que os jovens das camadas médias encontrassem algum curso superior e se satisfizessem com as opções que coubessem na disputa. Aliás, era nessas camadas que o regime militar pretendia assentar suas bases de sustentação política. Como vimos, o apoio conferido pelas camadas médias ao golpe militar foi se atenuando até se transformar em oposição crescente. Para aquela meta política, de nada adiantou o facilitário de ingresso nos cursos superiores.

No que diz respeito à qualidade do ensino, vale lembrar as mudanças propiciadoras da expansão privatista no período militar, particularmente nos exames vestibulares. Estes se transformaram em concursos, expressão mais adequada à disputa de vagas que à aferição da habilitação para os cursos superiores. A nota mínima foi eliminada, precisando ser apenas diferente de zero, e as provas objetivas (entenda-se "de múltipla escolha") chegaram a ser obrigatórias.

Durante as duas décadas de ditadura (1964/1985), as afinidades políticas dos empresários do ensino com os governos militares abriram caminho para sua representação majoritária (quando não exclusiva) nos conselhos de educação, inclusive no federal. Tornando-se maioria, eles passaram a legislar em causa própria. Os resultados foram expressos em cifras estatísticas e financeiras. Impulsionados pela demanda de vagas, pelo freio na velocidade de expansão das redes públicas de ensino e, especialmente, pelas normas facilitadoras, as instituições privadas de ensino multiplicaram-se em número e cresceram em tamanho. Em qualquer capital de estado e até mesmo nas cidades médias do interior, pequenos ginásios e cursinhos pré-vestibular acumularam capital, alunos pagantes e níveis de ensino. Alguns ganharam até o status de universidade. Mais recentemente, as instituições privadas de ensino ingressaram no lucrativo esquema de multiplicação espacial - as universidades "multicâmpus", dentro das áreas metropolitanas e em mais de um estado.

Se o capital privado foi atraído para o ensino superior, por razões políticas e econômicas, durante os governos militares, sua rápida acumulação e os vínculos que criou na sociedade política permitiu-lhe uma autonomização daquela base inicial. Da mesma forma, inicialmente dependente do protagonismo político e ideológico da igreja católica, na luta contra o que entendia ser a ameaça de monopólio estatal da educação, o capital gerou seus próprios aparelhos políticos e ideológicos.

As denúncias de corrupção no Conselho Federal de Educação atingiram o auge no governo interino de Itamar Franco, que o dissolveu mediante medida provisória que criava outro órgão colegiado no seu lugar, o Conselho Nacional de Educação (CNE). Embora sujeita à argüição de ilegalidade, a ilegitimidade do Conselho fez com que aquele ato fosse pronta e facilmente absorvido pela sociedade política.

O processo de transição para a democracia conteve um elemento deletério para a qualidade do ensino superior: a paroquialização (Oliven, 1990). Parcela crescente da expansão da oferta de vagas originou-se da criação de IES privadas nas periferias das áreas metropolitanas e nas cidades do interior. O ensino descolou-se, então, das instalações como bibliotecas públicas, laboratórios estaduais, arquivos públicos e tantas outras facilidades, que constituem o que se poderia chamar de suas economias externas. As IES passaram a bastar-se, pois nem mesmo livrarias existiam nas cidades que, festivamente, acolheram-nas. Lamentavelmente, a dimensão carnavalesca da cultura brasileira favorece o credenciamento da fantasia...

Mercado desregulado

No octênio FHC, as IES federais foram submetidas a um arrocho ainda mais forte que antes, restringidos os recursos para custeio e investimento, ao passo que as privadas foram brindadas com novas vantagens. As IES estaduais passaram por diferentes situações, mas nenhuma folgada.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), resultante de projeto patrocinado pelo governo, foi pródiga para com a expansão privatista. Para compreender a amplitude e o conteúdo da normatização do ensino superior pela LDB cumpre observar o que essa lei determina tanto quanto suas omissões. Vejamos, antes de tudo, o primeiro tipo de referências.

A instituição universitária foi definida, de modo genérico, como a que desenvolve "produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural quanto regional e nacional". Em médio prazo, ela deve cumprir requisitos específicos, relativos à qualificação e dedicação dos docentes: um terço deles deve ter títulos de pós-graduação de mestre ou de doutor; um terço (não necessariamente os mesmos) deve atuar na instituição em tempo integral.

Aí está um tipo de tentativa de indução de melhoria da qualidade que pode levar ao contrário do pretendido. As IES públicas podem cumprir a exigência legal, a não ser as mais novas ou situadas muito longe dos mais importantes centros acadêmicos. Já as IES privadas, pela dificuldade de institucionalizarem a profissão docente, têm dificuldades de encontrar professores com aqueles requisitos, o que gerou a disposição de se aceitar qualquer título de mestre ou de doutor como adequado a qualquer função do magistério. Em conseqüência, a pós-graduação em educação, por ser óbvia matéria de interesse geral, tem sido pressionada a expandir-se por força do papel credencialista que lhe foi atribuído.

O efeito perverso desse papel é o artifício empregado por uma multidão (que pode superar a dezena de milhar) de brasileiros, logrados na tentativa de obter uma titulação mais fácil: matricularam-se em cursos de mestrado e de doutorado oferecidos aqui por instituições estrangeiras, em regime a distância ou presencial, com ou sem parceria com instituições nacionais, mas sem o devido credenciamento pela CAPES.

Outro efeito não intencionado, dessa vez gerado pelas sucessivas ondas de mudança da legislação previdenciária do setor público, é a aposentadoria precoce de professores universitários de todos os níveis de qualificação, inclusive da mais alta, que vieram a reforçar os quadros das IES privadas, sem que estas tenham investido um tostão na sua longa e cara qualificação. Algo inédito nesse processo é a baldeação de reitores de universidades federais e estaduais para as congêneres privadas.

Além dos cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão, que as instituições de ensino superior brasileiras vinham oferecendo, a LDB introduziu um tipo novo, o dos cursos seqüenciais por campo de saber. Como a lei não os definiu, o Conselho Nacional de Educação viu-se com a ingrata tarefa de dar conteúdo a uma categoria inédita.11 11 . O senador Darcy Ribeiro não deixou a definição do novo tipo de curso proposto. Sua morte, logo depois de sancionada a LDB, complicou o trabalho do CNE.

De acordo com a normatização do CNE, os cursos seqüenciais podem ser de dois tipos, mas sempre destinados a concluintes do ensino médio. O primeiro tipo é o curso seqüencial de complementação de estudos. São cursos não sujeitos a autorização nem reconhecimento pelo MEC, embora devam estar ligados academicamente a cursos de graduação reconhecidos. O segundo tipo, os cursos seqüenciais de formação específica, estão sujeitos ao MEC e ligados a cursos de graduação, tendo, portanto, carga horária e duração mínimas.

Em sua concepção original, os cursos seqüenciais por campo de saber deveriam ser uma alternativa à rigidez dos cursos de graduação, em especial quando eles estavam submetidos a currículos mínimos, que, segundo se criticava, eram muito exigentes, além de não permitirem a indispensável flexibilidade diante das mudanças no mundo do trabalho. Assim, os estudantes poderiam definir trajetórias individuais ou coletivas que, sem buscarem graus acadêmicos, permitissem complementar estudos realizados no ensino médio, ou, então, obter formação específica em tempo mais curto e com maior especificidade do que os cursos de graduação exigiam.

Mas o que aconteceu foi distinto do projetado. Com efeito, são as instituições privadas de mais baixo nível - que não conseguem completar as vagas dos cursos de graduação, mesmo com o processo seletivo mais aligeirado permitido pela legislação - as que demonstram preferência por esse tipo de curso. Os candidatos que não conseguem ingressar nos cursos de graduação são chamados aos seqüenciais, com o objetivo de acumular créditos que podem ser contabilizados, posteriormente, pelos cursos de graduação. Alternativamente, para ocuparem as vagas não preenchidas nos cursos de graduação ou aquelas deixadas livres pelos evadidos destes; uma forma, portanto, de reduzir a capacidade ociosa ou, dito de outra forma, de elevar a receita com relação aos custos fixos. Propaganda enganosa (freqüentemente por omissão) tem atraído contingentes crescentes de estudantes a esses cursos.

Como disse mais acima, os efeitos da LDB no ensino superior fizeram-se sentir em seus silêncios tanto quanto em suas determinações explícitas. É o caso do modo de seleção dos estudantes para os cursos de graduação.

Rompendo com um dos elementos tradicionais do ensino superior brasileiro, a LDB-96 não menciona os exames (concursos) vestibulares, embora faça referência à aprovação em "processos seletivos" e à exigência de conclusão do ensino médio como condições para um candidato ser admitido a qualquer curso de graduação. Essa omissão abriu caminho para que as IES adotassem diversos processos de admissão de estudantes, conforme sua inserção mais ou menos colada ao mercado. Seu efeito imediato foi o de reduzir os custos da seleção dos candidatos aos cursos superiores, especialmente nas IES privadas, que se vêem na contingência de realizar vários exames ao longo do ano para preencher as vagas disponíveis, situação essa que tende a ficar mais crítica por causa do acirramento da concorrência intra-setorial.

O Exame Nacional de Cursos (de graduação), conhecido como "Provão", foi o único tipo de avaliação efetivamente implantado, com alcance geral, e, mesmo assim, de modo progressivo - em média, a cada ano três novos cursos, desde 1996. Embora consistisse em provas aplicadas aos concluintes da graduação, seu objetivo era o de avaliar os cursos e, em decorrência, as próprias instituições. Ao fim do octênio FHC, 12 cursos de graduação de matemática e de letras receberam sanções negativas (foram proibidos de admitir novos estudantes), mesmo assim só após cinco resultados deficientes consecutivos, confirmados por inadequadas condições de oferta, verificadas no local. No entanto, a sanção foi suspensa por medida judicial, enquanto tramitou ação que contrariava os critérios empregados pelo Ministério.

A principal oposição ao "Provão" foi do setor privado, que preferiu não expor o baixo desempenho médio dos seus estudantes, comparativamente com os do setor público. Por distintas razões, as entidades estudantis, como as UEEs e a própria UNE, também o rejeitaram. Para elas, a avaliação individual foi considerada um procedimento intrinsecamente condenável. Os empresários do ensino foram vitoriosos no pleito de impedir que os resultados de cada instituição fossem divulgados. Já o boicote defendido pela UNE foi derrotado pelos próprios estudantes, pois em 1996 apenas 4% dos concluintes adotaram aquela prática, proporção essa que diminuiu a cada ano. Especialistas em educação opuseram-se ao "Provão", especialmente à falácia intrínseca a sua concepção, qual seja, a avaliação da instituição derivar diretamente da avaliação individual, bem como à operacionalização, no que diz respeito à quantificação dos resultados.

No ano seguinte ao da promulgação da LDB-96, os decretos n. 2.306/97 e 3.860/01 atribuíram um formato peculiar ao sistema de ensino superior, ao projetar importantes modificações no quadro até então existente.

A organização acadêmica das IES foi também objeto desses decretos. Elas poderiam, então, adotar quatro formatos diferentes: universidades; centros universitários; faculdades integradas; faculdades, institutos superiores ou escolas superiores. A esses poderia ser adicionado o formato peculiar dos centros de educação tecnológica. Não se distinguiram faculdades, institutos nem escolas, termos que, em nosso país, têm sido utilizados arbitrariamente.

A grande novidade foi o aparecimento dos centros universitários, definidos como instituições de ensino pluricurriculares, "que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, comprovada pelo desempenho de seus cursos nas avaliações coordenadas pelo Ministério da Educação, pela qualificação do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar". Os centros universitários receberam o privilégio da autonomia para criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, além de outras atribuições definidas em seu credenciamento pelo Conselho Nacional de Educação.12 12 . Originalmente, os centros universitários foram concebidos com vistas à diferenciação das instituições públicas de ensino superior, mormente para a reclassificação das universidades de menor peso acadêmico na pós-graduação e na pesquisa científica e tecnológica.

Assim, os centros universitários ocuparam o lugar, no discurso reformista oficial, da universidade de ensino, definida esta por oposição à universidade de pesquisa, a que seria a universidade plenamente constituída.

A privatização do ensino superior foi acelerada no octênio FHC. O número de instituições privadas aumentou consideravelmente, em especial na categoria universidades e na dos centros universitários, o que resultou na ampliação do alunado abrangido pelo setor. Tal crescimento fez-se com a complacência governamental diante da qualidade insuficiente do ensino ministrado nas instituições privadas e até mesmo com o benefício do credenciamento acadêmico e do crédito financeiro.

Se, de um lado, as IES federais padeceram de recursos para continuarem a operar nos termos que antes faziam e, de outro, as IES privadas recebiam benefícios, como o financiamento das mensalidades cobradas aos estudantes e linha de crédito exclusiva para investimento, a juros subsidiados, como deixar de pensar que o sucateamento do setor público do ensino superior correspondia a um intento deliberado? Sem outra referência empírica, esse foi o pensamento dominante naquelas instituições no período 1995/2002.

Procurando uma visão de conjunto, podemos concluir que as políticas do Governo FHC voltadas para as esferas pública e privada do ensino superior são distintas, mas compatíveis e convergentes.

O protagonismo político dos agentes do campo do ensino superior, eficaz a ponto de se refletir na legislação federal, produziu pelo menos duas mudanças profundas: a diferenciação das instituições privadas com fins lucrativos, que ficaram excluídas dos benefícios dos recursos públicos e da imunidade fiscal, e a diferenciação dos centros universitários, instituições dotadas de autonomia, mas onde o princípio constitucional da indissociação entre ensino, pesquisa e extensão deixou de prevalecer.

Na dimensão estritamente econômica da questão, a orientação impressa pelo Ministério da Educação foi no sentido de que a legislação do campo do ensino superior acabasse com o capitalismo patrimonial vigente desde a formação do Estado Nacional. O sentido das normas foi o de estabelecer um capitalismo concorrencial, no qual o investimento realizado em instituições de ensino deixasse de usufruir de condições acintosamente privilegiadas quando comparadas com as de qualquer outro setor econômico. Vale dizer, procurou-se estabelecer a equalização das condições da concorrência. Ou seja, uma instituição lucrativa não poderia estar isenta de impostos e contribuições que incidem sobre todas as outras. As empresas de ensino superior deveriam operar em regime de transparência, no que se refere à oferta de sua "mercadoria", informando aos seus consumidores, ao início de cada ano letivo: (i) a qualificação de seu corpo docente, a descrição dos recursos materiais à disposição dos alunos; (ii) o elenco dos cursos reconhecidos e dos que estiverem em processo de reconhecimento, assim como o resultado das avaliações realizadas pelo MEC; (iii) o valor dos encargos financeiros a serem assumidos pelos alunos e as normas de reajuste aplicáveis durante o período letivo. As penalidades para as instituições transgressoras seriam as previstas pelo Código de Defesa do Consumidor, que veda a propaganda enganosa e prevê a possibilidade de intervenção pelo poder público.

Em suma, verificou-se uma tentativa de estabelecer a ordem num setor tradicionalmente caótico - o das instituições privadas de ensino superior. No entanto, a impossibilidade de tornar eficazes os resultados da avaliação de cursos e de instituições mostrou que, também aí, o Governo FHC foi derrotado pelos grupos que lhe deram sustentação política nos dois mandatos presidenciais.

Tudo somado, em 1995 FHC encontrou o ensino superior com 1,2 milhão de estudantes de graduação e o deixou com 3,5 milhões - um crescimento de 209% em oito anos! O alunado do setor público cresceu um pouco, mas foi o do setor privado que impulsionou essa curva ascendente. Se, ao início desse período, o setor privado respondia por cerca de 60% do efetivo discente, ao fim dele essa proporção subiu a 70%. O número de universidades públicas ficou estagnado, mas as privadas subiram de 63 a 84. E o de centros universitários, de zero a 77, dos quais 74 privados. A periferia das áreas metropolitanas e as cidades do interior passaram à frente das capitais na disputa pelo estudantado (54% X 46% em 2002). Declaração do diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), por ocasião da divulgação do Censo da Educação Superior, em outubro de 2003, dá conta de que só no último ano do octênio FHC foram autorizados 186 cursos de graduação e 53 novas IES.

As tentativas de se restringir os benefícios da imunidade fiscal apenas para as IES comunitárias, confessionais e filantrópicas não surtiram efeito algum no processo expansionista. Ao fim de 2002, as IES particulares (as que podiam obter lucro legalmente) abrangiam 1/3 do alunado das universidades e metade das matrículas das demais instituições.

Tudo somado, a regulação do mercado do ensino superior não vingou, de modo que o Governo FHC deixou uma pesada herança para seu sucessor.

Estado + mercado

A análise desenvolvida nos dois itens acima, sobre a expansão desmedida do ensino superior brasileiro, a multiplicação do baixo nível e a improvisação, na qual o Estado sustentou o mercado, poderia levar alguém a pensar que o autor deste texto defendesse a estatização pura e simples de todo o campo. Não se trata disso.

Independentemente do que o autor preferiria, se o processo fosse reiniciado, o setor privado tem uma dimensão tal no campo do ensino superior que não pode ser simplesmente desconsiderado. Mesmo sabendo que a baixa qualidade do ensino ministrado é a regra nesse setor, cabe propor, responsavelmente, medidas que possam produzir o aumento do desempenho, a começar pela profissionalização do magistério e a "independentização" das instituições de ensino diante das instituições ditas mantenedoras. A suspensão de autorização e de credenciamento de muitas IES não poderá ser evitada: é só cumprir a LDB.

As instituições públicas, por sua vez, não são homogêneas. Ao lado das que apresentam qualidade equivalente ao que existe de melhor no plano internacional, encontram-se instituições que reproduzem, em sua criação e desenvolvimento, a trilha de improvisação das universidades mais antigas.

Nesse quadro, o que se poderia fazer? Diviso três vertentes.

A primeira vertente seria a regulação pelo mercado, conforme os padrões norte-americanos. A dissolução das normas governamentais de regulação, isto é, de autorização, credenciamento e avaliação, daria lugar à regulação mercadológica: instituições privadas (ditas independentes) assumiriam o papel do Estado na avaliação e no credenciamento das IES, como é feito nos EUA. Os estudantes, na qualidade de consumidores da "mercadoria ensino", e os empregadores, na qualidade de consumidores da mercadoria força de trabalho nas diversas instituições e empresas, poderiam se orientar pela avaliação de sua qualidade. As mensalidades cobradas pelo ensino e os salários pagos aos profissionais seriam os pontos de equilíbrio da oferta e da demanda nesse mercado auto-regulado. Já existem propostas neste sentido, que circulam pelos aparatos de poder do campo do ensino superior.

As conseqüências de tal vertente seriam facilmente previsíveis: a deterioração da qualidade média do setor privado ainda mais fortemente do que na época do "Provão", que, sem embargo de seus problemas conceituais e operacionais, exerceu alguma pressão contra a deterioração endêmica. Ora, a regulação pelo mercado não interessa ao Estado nem à sociedade, somente ao capital.

A segunda vertente seria a montagem de um aparato inclusivo, de modo que todas as IES do país fossem não só controladas diretamente pelo aparato estatal, mas, também, financiadas por ele. Em última análise, isso significa a estatização de todo o campo do ensino superior. Essa vertente não tem cabimento, no momento atual, em conseqüência do custo elevado de manutenção de um sistema assim abrangente, sem mencionar as despesas da federalização ou da estadualização das IES privadas. Além disso, a grande heterogeneidade das IES produziria um efeito inevitável: a contemporização diante do baixo nível no ensino e na pesquisa desenvolvido por faculdades e universidades, por razões de negociação política, exterior ao campo do ensino superior. Mesmo que, em tese, essa vertente pudesse interessar ao Estado e à sociedade, sua operacionalização está fora de cogitação, num horizonte previsível.

A terceira vertente seria uma combinação das duas anteriores, o que me parece mais viável. Em vez de se optar exclusivamente por uma vertente, a do mercado ou a do Estado, esta resultaria da composição de ambas.

Da vertente estatal, a proposta aqui defendida contém a supervisão direta e reforçada do Estado sobre os meios de ensino de cada instituição, incluindo os currículos, os docentes, os laboratórios, os acervos bibliográficos etc. A avaliação institucional, à imagem da proposta pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAIS) seria o ponto de partida do aparato pelo qual o Estado - o governo federal à frente - asseguraria à sociedade que cada IES teria os meios para cumprir com os requisitos estabelecidos para o ensino superior. Não deveria haver dúvida de que essa avaliação seria feita a partir do topo do sistema, ou seja, a elevação da qualidade do ensino e da pesquisa, àquela ligada de modo indissociado nas universidades, seria um vetor a nortear todo o processo. Um mecanismo caro, sem dúvida. Mas indispensável, num campo em que a qualidade do ensino tem sido tão desprezada, mais cultuada pelo simulacro que pela emulação da interação acadêmica nacional e internacional. Agora, de forma mais perigosa, esse simulacro ganha a cobertura do populismo, na ligação ao regional e ao local, sobrepujando a dimensão universal da instituição universitária.

Da vertente mercadológica, a proposta aqui defendida contém a orientação de pautar o exercício profissional de acordo com os padrões estabelecidos pelo mercado. Além de reduzir a pauta das profissões regulamentadas por lei, ao contrário de nossa vocação credencialista atávica (parece que tramita no Congresso projeto de regulamentação da profissão de astrólogo...), as profissões que restassem normatizadas seriam as mais diretamente ligadas à saúde, aos direitos, aos engenhos e ao magistério, cujo exercício inadequado pode trazer malefícios de monta à população. Daí que os concluintes dos cursos que visem ao exercício de profissões regulamentadas teriam de se submeter a provas aplicadas não pelo Ministério da Educação, mas, sim, pelos organismos profissionais, a exemplo dos exames da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para o exercício dessas profissões, não bastaria a conclusão de curso em IES autorizada ou credenciada, mas, também, a inscrição na ordem ou associação profissional reconhecida, cuja condição seria a aprovação nas respectivas provas. Seria uma espécie de "exame de estado", sob a direção dos diversos conselhos profissionais.13 13 . Penso que o exercício do magistério deveria depender de aprovação em exame controlado pelo MEC, em razão dos efeitos que a má formação dos professores acarreta a toda a dimensão intelectual e motivacional da vida dos alunos.

Assim, ao controle sobre os meios, exercido pelo Estado, somar-se-ia o controle finalístico, exercido pelos organismos profissionais, cuja sensibilidade do mercado, nas respectivas áreas de atuação, é mais forte que em qualquer outra instituição.

O "exame de estado", posto à saída dos cursos superiores, deveria ter sua contrapartida à saída do ensino médio, condição de ingresso naqueles cursos. Sem diminuir a importância e a especificidade dos processos seletivos no vestíbulo do ensino superior, esse exame seria o desenvolvimento do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), assumida a duplicidade de caráter de exame de saída do ensino médio e de entrada no superior. À imagem do baccalauréat francês, esse exame seria aplicado em todo o país, ao fim do ano, nas capitais e nas maiores cidades do interior. A aprovação nele seria condição para a candidatura aos cursos superiores e as notas obtidas pelo candidato, aproveitadas pelas IES como parte (apenas parte) do processo seletivo.

O regime de cotas, esse padrão norte-americano tão bem recebido pelo populismo brasileiro, teria de ser contido. Como defender a qualidade do ensino superior, especialmente o do setor público, se o fato de se ter baixo desempenho passa a ser vantagem no ingresso? Seja de oriundos de escolas públicas, de negros, de indígenas, de mestiços de vários matizes, de deficientes físicos e/ou de outras características que os populistas não deixarão de identificar entre os demandantes de ensino superior, o ingresso numa faculdade não poderá deixar de depender do desempenho intelectual, a menos que se queira ensinar que os jovens com aquelas características só valem, academicamente, pelo seu desvalor preconceituado, inclusive por eles próprios.

Por fim, duas palavras, uma sobre o regime jurídico das IES, outra sobre o paroquialismo.

As IES públicas não podem continuar a viver na esquizofrenia das autarquias, tolhidas em tudo pelas normas do serviço público, que só funcionam impulsionadas por fundações privadas semiclandestinas. Um novo regime jurídico deveria ser definido para elas, especialmente para as universidades, que as dispensasse de viver à base dessas fundações, caso contrário seriam inviáveis, se não pela insuficiência do orçamento, pelas restrições de caráter financeiro, administrativo ou de pessoal.

As IES privadas, por sua vez, não podem continuar a depender de entidades ditas mantenedoras, na realidade mantidas pelos lucros mais ou menos invisíveis gerados por aquelas, sobre as quais pesa o controle familiar, religioso, oligárquico ou empresarial, por vezes uma combinação deles.

Tanto as IES públicas quanto as privadas precisam se libertar de muitos dos controles que pesam sobre elas, sem que isso signifique a desregulamentação pura e simples do campo do ensino superior. Creio que novas regras poderão propiciar melhores condições de funcionamento do ensino e da pesquisa, sem simulacros e sem clandestinidade.

O paroquialismo precisa ser enfrentado com coragem, tanto no setor público quanto no privado. O ensino superior só pode ser desenvolvido com recursos caros e raros, que não existem em qualquer lugar. A reconcentração das IES, inclusive na dimensão geográfica, é condição necessária para a melhoria da qualidade do ensino superior. Sem ela, todas as demais medidas serão inócuas.

A contrapartida da reconcentração institucional e geográfica das IES é o ensino a distância e o oferecimento de facilidades de moradia para os estudantes nas cidades onde o ensino superior pode ser de fato realizado. Essa contrapartida, a despeito de sua importância, não será comentada aqui.

Para as mudanças sugeridas neste texto, o ideal seria a elaboração de nova LDB. Como isso não é viável, no horizonte político previsível, entendo que o possível, nas atuais circunstâncias, será a elaboração de leis orgânicas que possam preencher as lacunas e corrigir os equívocos daquela lei. Foi o que propus no Seminário "Universidade: por que e como reformar?", de agosto de 2003: a elaboração de uma Lei Orgânica do Ensino Superior.

Uma lei dessa natureza precisaria, antes de tudo, definir o ensino superior, aliás, todo o ensino institucionalizado, como um serviço público passível de ser oferecido diretamente pelo Estado ou por instituições privadas, em regime de concessão. Estou ciente de que, para isso, seria necessária uma reforma constitucional, a meu ver inadiável diante da cobiça internacional, que, no momento, move processo na Organização Mundial do Comércio.

Uma lei orgânica definiria a melhor configuração para o campo do ensino superior, corrigindo os efeitos não intencionados que resultaram de iniciativas inadequadas do Poder Executivo, como os centros universitários, ou até mesmo do Poder Legislativo, como os silêncios da LDB.

No que diz respeito às universidades, a lei orgânica trataria dos marcos da autonomia e definiria matérias relevantes como a avaliação, abrangendo todas as instituições. No que concerne às universidades federais, essa lei disporia sobre importantes questões, comuns a todas elas, como as seguintes: financiamento, carreira, organização interna, escolha de dirigentes, entre outras. Não se poderia deixar de estabelecer as condições da intervenção federal, caso os próprios estatutos sejam descumpridos, o patrimônio dilapidado ou os recursos públicos malversados.

Uma condição para que a qualidade possa ser recuperada é o abandono das comparações quantitativas com outros países, especialmente os hispano-americanos, que têm sido evocadas para justificar planos de educação e programas de governo. De que adianta dizer que 20% dos jovens de 18 a 24 anos da Bolívia estão no ensino superior? Quem deseja tomar esse país como parâmetro para o desenvolvimento brasileiro? Ou qualquer outro país da região? Tola emulação! Aliás, para que comparar apenas estatísticas educacionais, como se elas tivessem valor em si mesmas?14 14 . Só para exemplificar uma possibilidade bem prática, uma alta proporção de jovens no ensino superior pode significar que, no país em foco, prevalece (i) o adiamento da idade de entrada no trabalho por causa do desemprego; e/ou (ii) a elevação dos requisitos educacionais, de modo que é preciso ter cada vez mais escolaridade para se ocupar os mesmos postos de trabalho.

Ao invés da expansão quantitativa, para cuidar, depois, da qualidade, o que precisamos é providenciar a multiplicação da qualidade, a custos cada vez mais baixos e para cada vez mais gente.

Notas

Recebido e aprovado em setembro de 2004

  • CUNHA, L.A. A universidade crítica: o ensino superior na República Populista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
  • CUNHA, L.A. A universidade temporã: o ensino superior da Colônia à Era de Vargas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985.
  • CUNHA, L.A. A universidade reformanda: o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves 1988.
  • CUNHA, L.A. Educação, Estado e democracia no Brasil São Paulo: Cortez, 1991.
  • CUNHA, L.A. A educação na sociologia: um objeto rejeitado? Cadernos Cedes, Campinas, n. 27, 1992.
  • CUNHA, L.A. O público e o privado no ensino superior brasileiro: fronteira em movimento? Avaliação/Rede de avaliação institucional da educação superior, Campinas, v. 2, n. 4, dez. 1997.
  • CUNHA, L.A. A nova reforma do ensino superior: a lógica reconstruída. In: TRINDADE, H.; BLANQUER, J.-M. (Org.). Os desafios da educação na América Latina Petrópolis: Vozes, 2002.
  • CUNHA, L.A. O ensino superior no octênio FHC. Educação & Sociedade, Campinas, n. 82, abr. 2003a.
  • CUNHA, L.A. Por uma lei orgânica do ensino superior. In: vários autores. A universidade na encruzilhada - por que e como reformar? Brasília: MEC/UNESCO, 2003b.
  • CUNHA, L.A. Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior. In: vários autores. Conferências do Fórum Brasil de Educação Brasília: CNE/UNESCO, 2004.
  • CURY, C.R.J. Reforma universitária na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 101, jul. 1997.
  • OLIVEIRA, R.P. (Org.). Política educacional: impasses e alternativas. São Paulo: Cortez, 1995.
  • OLIVEN, A.C. A paroquialização do ensino superior Petrópolis: Vozes, 1990.
  • RIBEIRO, M.G.M. Educação superior brasileira: reforma e diversificação institucional. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2002.
  • TRINDADE, H. (Org.). A universidade em ruínas na república dos professores Petrópolis: Vozes, 1999.
  • 1
    . Eram elas a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, a Universidade de Minas Gerais, criada em 1927, e a Escola de Engenharia de Porto Alegre, criada em 1896. Sem o
    status formal de universidade, a instituição gaúcha oferecia, já ao início dos anos de 1930, uma diversidade de cursos, em diversas especialidades, o que sugere sua inclusão na mesma categoria das outras duas, de que estava mais perto do que o conjunto das instituições isoladas, de um curso apenas, como regra geral.
  • 2
    . Apesar de a LDB prever (art. 66) que "a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado", esse artigo permanece letra morta.
  • 3
    . Este auto, referido aos 99% de jovens que não tinham acesso aos cursos superiores, continha uma ácida sátira aos professores, dos quais caricaturava a ignorância ou a irrelevância do conteúdo do ensino ministrado.
  • 4
    . Nas instituições privadas, esse modelo é pouco efetivo, em conseqüência do poder predominante dos ditos mantenedores, assim como da precária profissionalização da função docente, em geral uma atividade acessória, na qual os professores são contratados por hora-aula.
  • 5
    . De que as chamaria hoje? Nucleares? Plasmáticas? Virtuais?
  • 6
    . Cada curso passou a ter um número limitado de vagas, que cada faculdade só poderia elevar com autorização ministerial.
  • 7
    . Esse dispositivo apareceu pela primeira vez na Constituição de 1934 e, desde então, consta em todas as que se lhe seguiram, inclusive na atual, de 1988.
  • 8
    . Em 1934 foram criadas as universidades de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por iniciativa dos respectivos governos estaduais. No ano seguinte, surgiu a Universidade do Distrito Federal, criada pelo primeiro prefeito eleito, Pedro Ernesto Baptista, e seu secretário da Educação, Anísio Teixeira.
  • 9
    . As
    federalizações de instituições privadas foram realizadas mediante entendimento com seus mantenedores, com o fim de resultarem benéficas para eles. Dois exemplos podem ilustrar essa colaboração. Em Niterói, a Faculdade Fluminense de Filosofia, em dificuldades financeiras, foi
    federalizada e integrou a UFF. Em Juiz de Fora, as faculdades católicas e protestantes, "empatadas" na luta pela criação de universidades confessionais, acordaram em transferir seus ativos e passivos ao governo federal, que criou a UFJF, e acomodou os contendores, inclusive mediante a criação do inédito Instituto de Estudos da Religião.
  • 10
    . O balanço dos contraditórios efeitos dos governos militares para as universidades públicas precisa levar em conta elementos que fogem ao escopo deste texto, como a expulsão de docentes e a repressão político-ideológica no campo do ensino superior.
  • 11
    . O senador Darcy Ribeiro não deixou a definição do novo tipo de curso proposto. Sua morte, logo depois de sancionada a LDB, complicou o trabalho do CNE.
  • 12
    . Originalmente, os centros universitários foram concebidos com vistas à diferenciação das instituições públicas de ensino superior, mormente para a reclassificação das universidades de menor peso acadêmico na pós-graduação e na pesquisa científica e tecnológica.
  • 13
    . Penso que o exercício do magistério deveria depender de aprovação em exame controlado pelo MEC, em razão dos efeitos que a má formação dos professores acarreta a toda a dimensão intelectual e motivacional da vida dos alunos.
  • 14
    . Só para exemplificar uma possibilidade bem prática, uma alta proporção de jovens no ensino superior pode significar que, no país em foco, prevalece (i) o adiamento da idade de entrada no trabalho por causa do desemprego; e/ou (ii) a elevação dos requisitos educacionais, de modo que é preciso ter cada vez mais escolaridade para se ocupar os mesmos postos de trabalho.
  • *
    Texto preparado para o Fórum Brasil de Educação - IV Encontro Nacional, promovido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), Brasília, 3/11/2003. Uma versão preliminar deste artigo foi publicada pelo CNE, em colaboração com o escritório da UNESCO em Brasília; ver Cunha (2004).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Recebido
      Set 2004
    • Aceito
      Set 2004
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