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Educação como mercadoria: o público e o privado no caso dos shopping centers

Education as a commodity: the public and private spheres in the case of shopping malls

Resumos

Este texto trata da emergência e do papel dos espaços infantis com funções educativas/pedagógicas em shopping centers, sugerindo que a prática de fazer da educação uma mercadoria está envolvida na produção de um processo de hiperprivatização, caracterizado principalmente por sua independência com relação à regulação estatal. Para tanto, aponta certos deslocamentos por que passaram os conceitos de público e privado, a fim de mostrar algumas formas pelas quais se dá a atual dissolução do modo dicotômico de entender (e de usar) esses conceitos. Por fim, sugere que a liquidação da dicotomia público/privado acaba por intensificar a lógica da privatização tão característica do nosso tempo.

Educação e consumo; Educação infantil; Shopping centers; Público e privado


This paper discusses the emergence and the role of educational places for children in shopping malls. It suggests that making education into a commodity is a form of hyperprivatization, free from state control and regulation. Analyzing the successive displacements of the concepts of public and private sphere, we show the current dissolution of this dichotomy, which ends up intensifying the privatization logics, so typical of our times.

Education and consumption; Childhood education; Shopping malls; Public and private spheres


Educação como mercadoria: o público e o privado no caso dos shopping centers* * Agradeço a Alfredo Veiga-Neto e a João de Deus dos Santos por suas importantes contribuições na escrita deste texto.

Education as a commodity: the public and private spheres in the case of shopping malls

Karyne Dias Coutinho

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, RS. E-mail: kcout@terra.com.br

RESUMO

Este texto trata da emergência e do papel dos espaços infantis com funções educativas/pedagógicas em shopping centers, sugerindo que a prática de fazer da educação uma mercadoria está envolvida na produção de um processo de hiperprivatização, caracterizado principalmente por sua independência com relação à regulação estatal. Para tanto, aponta certos deslocamentos por que passaram os conceitos de público e privado, a fim de mostrar algumas formas pelas quais se dá a atual dissolução do modo dicotômico de entender (e de usar) esses conceitos. Por fim, sugere que a liquidação da dicotomia público/privado acaba por intensificar a lógica da privatização tão característica do nosso tempo.

Palavras-chave: Educação e consumo. Educação infantil. Shopping centers. Público e privado.

ABSTRACT

This paper discusses the emergence and the role of educational places for children in shopping malls. It suggests that making education into a commodity is a form of hyperprivatization, free from state control and regulation. Analyzing the successive displacements of the concepts of public and private sphere, we show the current dissolution of this dichotomy, which ends up intensifying the privatization logics, so typical of our times.

Key words: Education and consumption. Childhood education. Shopping malls. Public and private spheres.

Parece ser cada vez mais comum a idéia de que vivemos, no Brasil, um crescente desajuste e, mais que isso, um acentuado declínio das funções do Estado e da administração pública. Notícias sobre a crise estatal circulam por todos os lados e se mostram em todos os lugares: não apenas nos jornais impressos e televisivos, nas rádios e na Internet, mas também nas filas de espera por serviços médicos, nas greves dos servidores públicos, nas rebeliões dos presidiários, na corrupção da polícia, na difusão do terrorismo civil, na precariedade dos sistemas de ensino, na insatisfação de quem tem que recorrer ao seguro-desemprego... As funções básicas do Estado, a deterioração dos serviços públicos e as desigualdades sociais são amplamente questionadas diante da solicitação (dizem: urgente!) de uma reforma administrativa. Com isso, acentua-se o debate sobre a redefinição do papel do Estado e sobre os limites de sua intervenção nas práticas sociais. A reforma do aparelho estatal é justificada, pois, pelo fato de que o Estado "já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social. A reforma do Estado não é, assim, um tema abstrato: ao contrário, é algo cobrado pela cidadania, que vê frustradas suas demandas e expectativas" (Brasil, 1995, p. 14). Neste sentido, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado1 Notas propõe – em contraposição com os modelos patrimonialista e burocrático, e em função dos desafios estatais ante o desenvolvimento tecnológico e a globalização mundial – uma administração do tipo gerencial, que se inspira na administração de empresas e no conceito de eficiência e que "deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil" (idem, ibid., p. 22).

A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente de seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas. (idem, ibid., p. 23)

No que se refere mais especialmente à educação, o referido documento prevê um programa de descentralização, para o setor público não-estatal, da produção de serviços não-exclusivos de Estado, "estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. Desse modo, o Estado reduz seu papel de executor ou prestador de serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes" (idem, ibid., p. 18).

Isso evidencia a existência de uma terceira esfera, além da esfera pública e da esfera privada: entre elas, há, nas formas contemporâneas de organização governamental, a esfera pública não-estatal. Neste sentido, distingue-se: esfera pública estatal, que envolve atividades exclusivas do Estado (cobrança e fiscalização de impostos, polícia, previdência social básica, serviços legislativos, judiciário...); esfera pública não-estatal, que envolve atividades não-exclusivas do Estado (educação, saúde, pesquisa científica, cultura...); esfera privada, que envolve a produção de bens e serviços para o mercado, voltados para o lucro e o consumo privado dos indivíduos ou dos grupos. De acordo com tal distinção, fala-se, pois, em dois processos também distintos: o da publicização, que consiste na transferência da execução de atividades do setor público estatal para o setor público não-estatal; e o da privatização, que consiste na transferência da execução de atividades do setor público estatal para o setor privado.

Neste sentido, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995) prevê, para a educação, um programa de publicização, entendendo-a como um dos serviços não-exclusivos do Estado, porque não tem necessariamente que ser executada/prestada pelo Estado, mas regulada, facilitada, promovida ou parcialmente financiada por ele, que deixa de ser executor e passa a ser coordenador desse serviço.

Apesar de aquele documento se constituir apenas em orientações para a reforma, não é difícil encontrarmos nas práticas relativas ao funcionamento do ensino brasileiro tal processo denominado de publicização. No que se refere mais especialmente à educação infantil, isso tem se materializado na criação de creches e pré-escolas que não são estatais, porque são diretamente controladas, dirigidas e/ou financiadas por determinados grupos sociais, mas que não podem ser consideradas privadas, porque não têm fins lucrativos, já que todo o lucro obtido (se obtido) é revertido para a própria instituição, como para a realização de benfeitorias internas e para a melhoria do atendimento oferecido.2 2 . Quero enfatizar que, teoricamente, essa seria a idéia. E, por enquanto, é isso o que importa para a discussão proposta neste texto. Portanto, não está em questão aqui se isso funciona dessa maneira ou não, embora saibamos que, em muitos casos e por diversos fatores, a prática das instituições públicas não-estatais (ao menos no que se refere à educação infantil) é problemática e, algumas vezes, bastante questionável.

E, paralelo a isso, vê-se também (há muito tempo e cada vez mais freqüentemente) a criação de instituições particulares de educação infantil, num processo de privatização da educação das crianças de 0 a 6 anos. As chamadas "escolinhas" ou "centros integrados de desenvolvimento infantil" (cidi) têm proliferado muito rapidamente e, por uma série de fatores, que não serão aqui discutidos por ultrapassarem os objetivos deste texto, têm sido bastante requisitados pelas famílias das crianças pequenas.

É importante salientar que, publicizadas ou privatizadas, as instituições que oferecem serviços de educação infantil sofrem, de alguma maneira, a intervenção estatal, ou no que diz respeito a um financiamento parcial, ou à fiscalização dos espaços utilizados e dos serviços oferecidos nas instituições, ou à regulamentação para que tais instituições sejam reconhecidas pelo Ministério da Educação, sempre no sentido de garantir o direito constitucional da educação.3 3 . Novamente, é importante frisar: não está em questão aqui se tal direito é ou não é realmente garantido. O que interessa, por ora, para a discussão que pretendo empreender, é o fato de que, de alguma forma, as instituições de educação infantil, publicizadas ou privatizadas, como querem os redatores do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, estão sujeitas a avaliações reguladas por órgãos essencialmente estatais.

Brevemente apresentada a questão nestes termos, o que quero, neste texto, é chamar a atenção para uma nova forma de serviço educacional infantil, que vem surgindo principalmente nas grandes cidades brasileiras. É um serviço oferecido por empresas privadas, mas que não passa pelo crivo estatal: ele parece ser regulado tão-somente pelas necessidades e pelos desejos daqueles que, por algum motivo, tornam-se consumidores de tal serviço. Trata-se, mais especialmente, da produção e organização de espaços infantis em instituições não-escolares, como é o caso, por exemplo, de um certo tipo de espaço infantil instaurado em shopping centers. Numa recente pesquisa que realizei, discuti as condições de possibilidade da criação de espaços infantis com funções educativas em dois shopping centers da cidade de Porto Alegre, RS, Brasil (Coutinho, 2002). A partir daí, o objetivo deste texto é desenvolver algumas considerações que apontem para algumas respostas à seguinte questão: a emergência desses novos espaços infantis pode ser considerada uma das muitas facetas daquilo que se vem chamando de privatização da educação?

O fato de a função educativa ter começado a granjear uma posição de destaque nos espaços infantis organizados dentro de shopping centers remete-nos à discussão relativa à ampliação da privatização da educação (ao menos, nesse caso, da educação de crianças pequenas) e à idéia de que o shopping center, ao oferecer a educação como mais um dos muitos serviços que disponibiliza no interior de seu estabelecimento, abre novas possibilidades de tornar privado um direito social, um bem coletivo que até então não podia ser totalmente produzido e vendido pelo mercado, já que deveria ser, senão de execução por parte do Estado, pelo menos de promoção estatal.

Na intenção de abrir uma brecha para que comecemos a olhar para essas novas configurações educativas, passo, a seguir, a descrever algumas das principais características dos espaços infantis a que me refiro.

Os espaços infantis em dois shopping centers de Porto Alegre

Chamo de espaços infantis as áreas que, sob a direção de empresas privadas, são construídas ou montadas dentro dos shoppings, e cujos limites são demarcados por grandes telas coloridas, que funcionam como um tipo de cerca. Dentro dessa cerca, ficam dispostos alguns mobiliários, brinquedos de diversos tipos e tamanhos, jogos e outros tantos materiais e equipamentos como, por exemplo, televisões e vídeos, mesinhas e cadeirinhas, tapetes etc. As crianças que freqüentam tal espaço têm entre 2 e 10 anos de idade e, quando deixadas nesse local por suas famílias, ficam sob os cuidados de recreacionistas, especialmente preparadas para orientar as crianças na realização das muitas atividades, em sua maioria consideradas pedagógicas. Há, enfim, uma grande semelhança entre esse espaço infantil – em termos de disposições, organização e funcionamento – e as práticas realizadas em instituições de educação infantil.

Em minha pesquisa, pude verificar que, inicialmente, os espaços infantis foram instaurados nos shoppings para executar apenas a função de "guardar" e divertir as crianças por algum tempo. Acontece que, a partir do momento em que as famílias começaram a retornar ao espaço infantil com suas crianças, seguindo certa regularidade, esse mesmo espaço foi reorganizado para que pudesse desempenhar, além de sua função inicial, também uma função, digamos, educacional. A combinação de três principais fatores, que dizem respeito a adaptações nos serviços oferecidos nesse espaço, fez-me perceber a existência da função educativa:

1) Adaptação nas formas de pagamento – paga-se uma quantia correspondente à primeira meia hora de permanência da criança no local e, ultrapassando esse tempo, paga-se mais uma quantia a cada 15 minutos adicionais. Tal sistema de pagamento funcionou por um bom tempo, sem apresentar variações, desde que os espaços infantis foram inaugurados nos shoppings. No entanto, mais recentemente se adotou também a forma de pagamento por mensalidades, no sentido de facilitar uma situação que já vinha ocorrendo: a de as famílias deixarem suas crianças com certa freqüência no espaço infantil e, além disso, de as crianças muitas vezes permanecerem um turno inteiro no local, inclusive com hora marcada de chegada e de saída, diariamente.

2) Adaptação no quadro de funcionárias – ao se tornarem consumidoras de mais esse serviço do shopping, as famílias começaram a questionar a formação das atendentes. Na medida em que tal questionamento passou a ser constante, constituindo-se num fator decisivo para que as famílias optassem pelo serviço oferecido por tal espaço infantil, tornou-se obrigatória a atuação de profissionais com formação específica na área educacional.4 4 . Tal obrigatoriedade não adveio de nenhum tipo de intervenção estatal, mas da empresa que administra os espaços infantis. Pode-se até dizer que a nova "ordem" foi criada, no limite, pelos próprios consumidores desse serviço, na medida em que foi a movimentação deles quanto à formação das profissionais que possibilitou à empresa determinar o critério da obrigatoriedade de formação específica de suas funcionárias. Houve uma nova seleção de pessoal e a contratação de recreacionistas, formadas ou em formação preferencialmente nos cursos de magistério e pedagogia; e houve, também, a contratação de uma pedagoga responsável pela coordenação pedagógica dos espaços infantis.

3) Adaptação de alguns brinquedos e atividades – começou a haver uma preocupação pedagógica com a seleção e utilização dos brinquedos e as atividades que compõem o espaço infantil, destinando-se, para cada material ou atividade, determinadas funções educativas – tudo o que é realizado dentro do espaço infantil passou a ser classificado, de acordo com o aconselhamento pedagógico, quanto à importância que exerce no desenvolvimento geral da criança. E a criança passa, então, a receber a orientação das atendentes, no sentido de fazê-la circular entre os brinquedos a fim de realizar diferentes atividades, para trabalhar em si mesma diferentes aspectos do seu desenvolvimento.

Percebe-se que, ao incorporar a função educativa, esse espaço acabou também por incorporar um discurso tipicamente educacional, traduzido pela importância que se passou a dar tanto à realização de práticas recreativas que desempenham papéis específicos, e que são consideradas práticas facilitadoras do desenvolvimento infantil, quanto à intencionalidade da ação das profissionais especializadas – e, portanto, devidamente capacitadas – na área da educação.

Facilitar, através do pagamento de mensalidades, a presença diária de determinadas crianças; incorporar, como medida obrigatória, profissionais formadas ou em formação no campo da educação e, assim, incorporar uma preocupação – por parte dessas profissionais – essencialmente educativa; atribuir funções educativas aos brinquedos e às atividades realizadas com as crianças, classificando as práticas pela importância que apresentam ao desenvolvimento infantil e alternando essas práticas para que as crianças tenham facilitados vários aspectos do seu desenvolvimento: foi no entrecruzamento dessas três principais alterações feitas em torno dos serviços oferecidos pela empresa que se deu a constituição desse novo espaço que passa a ser também educacional. (Coutinho, 2002, p. 139-140)

O shopping center é "um empreendimento de iniciativa privada, sob administração única e centralizada, que agrega, em um projeto arquitetônico amplo e fechado, lojas de comércio varejista e estabelecimentos de serviços" (idem, ibid., p. 27). Mas ele também pode ser entendido como um local público, já que é aberto ao público em geral, oferece serviços ao público e, de certa forma, é regulado pelas necessidades e pelos desejos de seu próprio público – sem falar que envolve, necessariamente, a publicidade... Portanto, se por privado se entende tudo aquilo que se diz ou que se faz num restrito círculo de pessoas, então, definitivamente, o shopping center não é (e não quer ser, por uma questão de "sobrevivência") uma instituição privada... Mas se por público se entende tudo aquilo que pertence a uma instância central superior estatal, então, neste sentido, o shopping center não é público, já que pertence a membros singulares com poderes periféricos e subordinados (pelo menos teoricamente) ao aparelho estatal. Aqui se vê que o uso indiscriminado dos termos 'público' e 'privado' dá margem a diferentes entendimentos.

Pelo que foi discutido até aqui, com base na minha pesquisa, pode-se dizer que a educação de crianças pequenas passou a ser um dos muitos serviços oferecidos em shopping centers. E, de certa maneira, foram as demandas do público freqüentador desta instituição que estimularam e possibilitaram a constituição desse novo ambiente educacional para crianças. Diante de práticas contemporâneas como essa – caracterizadas, entre outros fatores, por operarem alguns deslocamentos referentes ao controle da ordem social moderna, instaurando uma nova (des)ordem (nesse caso, relativa à mobilidade e transferência da função educativa da escola para shoppings) –, uma primeira questão a ser feita refere-se ao uso atual que se faz dos termos público e privado. Para ser mais específica à temática deste texto, se falamos em privatização da educação, então é porque se entende a educação como uma atividade de natureza histórica e essencialmente pública que – por meio de práticas como as que os shopping centers realizam ao oferecerem a educação como mais um serviço à disposição de seus consumidores – vem sendo privatizada.

Dada a complexidade da questão e a multiplicidade de sentidos, acredito que, antes de seguir adiante, vale fazer uma discussão sobre o público e o privado.

Por onde anda a discussão?

A discussão em torno da distinção público/privado (e o que dela deriva) aparece, em especial, no campo da ciência política, mais propriamente nos ramos que tratam do fenômeno jurídico, e constitui-se num dos saberes fundamentais – para não dizer fundante – dos cursos de direito, economia, administração e contabilidade. De forma geral, a questão é enfatizada da seguinte maneira: o direito é o conjunto de todas as normas jurídicas que regem as relações estabelecidas pelos indivíduos entre si (direito privado) e as relações estabelecidas entre Estado e indivíduos (direito público). Resguardadas as devidas proporções, resta dizer que, para este campo do saber, as normas jurídicas que regulam o Estado atuam de modo radicalmente diverso e possuem valor social diferente das normas jurídicas que regulam os indivíduos (Sundfeld, 1998).

Entretanto, apesar de o direito público e o direito privado constituírem-se numa dicotomia, não há consenso no que se refere aos critérios adotados para a distinção dos dois campos, o que torna bastante difícil a sua delimitação teórica. De acordo com Brancato (1998), tal dificuldade encontra-se mais nos limites que nas extremidades das esferas pública e privada, exatamente pela existência de elementos que se situam numa zona fronteiriça entre uma e outra esfera.

Independente de como é entendida, a dicotomia público/privado é expressa na definição de cada um de seus termos. Bobbio (2001) salienta que a instauração de uma dicotomia se dá quando há a possibilidade da divisão de um universo em duas partes que abrangem o todo (dando lugar a todos os entes daquele universo, ou seja, compreendendo tudo e todos, de forma que nada e ninguém seja excluído, não havendo, portanto, terceira opção) e que, ao mesmo tempo, eliminam aqueles já estabelecidos em uma das duas partes (excluindo de uma parte o ente que está compreendido na outra). Isso significa que todos os entes de um universo dicotômico devem necessariamente estar de um lado ou de outro, mas jamais de um lado e de outro.

Além disso, ainda de acordo com Bobbio (op. cit.), a instauração de uma dicotomia depende de, pelo menos, duas situações: a) ou os dois termos são definidos separadamente; b) ou somente um dos termos é definido, restando ao outro uma definição negativa. Pode-se dizer que a dicotomia público/privado se encaixa nos dois casos: no primeiro, porque há definições para público e há definições para privado; no segundo caso, porque não raramente se define apenas o público, ao passo que o privado é entendido como o não-público.

Tal discussão remete-nos à idéia de que os termos só são definidos um em relação com o outro; por mais que possam ser entendidos separadamente, a existência de um termo depende necessariamente da existência do outro. Neste sentido, as duas esferas não podem ser identificadas com alguma suposta classificação naturalmente aceita sobre a qual devemos tomar alguma posição, já que não há nada inerentemente público ou privado em nossas práticas sociais. As práticas públicas jamais existiriam sem as práticas privadas, o que equivale a dizer que uma prática só é considerada pública em sua relação com uma prática presumivelmente privada (e vice-versa). Cada elemento da oposição binária público/privado é, pois, fabricado um em comparação com o outro e só ganha significado quando colocado frente a frente com seu opositor.

Acontece que a cada um desses elementos não se atribui o mesmo juízo de valor. A um deles atribui-se uma força positiva, indiscutível, evidente, privilegiada, restando ao outro um significado negativo, rejeitado, proibitivo, contraproducente. A colocação de um dos elementos (público ou privado) na primeira posição pode variar, dependendo do lugar de onde se fala e da lógica predominante a partir da qual nos organizamos socialmente. Quase sempre, nesses binários, o primeiro elemento é o positivo e isso decorre não de uma sua suposta "natureza intrínseca", mas do arbitrário do ato de quem nomeia. Como explica Veiga-Neto (2001, p. 234), "quem parte e reparte fica com a melhor parte".

Mas é preciso considerar que, embora estejamos constantemente re-significando tais elementos, sua colocação em uma ou em outra posição torna-se possível na medida em que suas definições têm uma história, já que foram previamente produzidas. Neste sentido, se a discussão neste texto está voltada para questões de privatização, considero interessante fazer, antes, algumas considerações com relação às primeiras aparições da divisão entre domínio público e domínio privado e aos diferentes sentidos que a tais elementos já foram atribuídos.

Ius publicum – Ius privatum

Segundo Poletti (1996), a emergência da dicotomia entre esfera pública e esfera privada está na problemática do desenvolvimento de regimes políticos em Roma e nas questões relativas à administração do Império, mais especialmente a partir do conflito patrício-plebeu, que deu ensejo à chamada Segunda República Romana. Examinando os textos do Digesto – coletânea metódica do direito romano –, esse autor (ibid., p. 130) afirma que o rigor da terminologia política construída pelos romanos reside na filosofia, na retórica e na gramática gregas, já que "os romanos eram homens práticos e pouco afeitos às especulações filosóficas". De qualquer forma, seja no que se refere às coisas romanas de ordem prática, seja no que se refere ao pensamento grego – este influenciando decisivamente aquelas –, foram as formas de organização greco-romana que, de certo modo, inventaram o problema da divisão entre direito público e direito privado (Diniz, 2001; Poletti, 1996; Sundfeld, 1998).

Mas é preciso levar em conta que, embora a divisão entre público e privado seja de tradição romana, não há uma direta equivalência entre a divisão romana ius publicum/ius privatum e a divisão que hoje fazemos entre ambos. A impossibilidade de tal equivalência se dá-se na medida em que, evidentemente, o Estado Romano diverge da noção atual de Estado, já que suas organizações seguem lógicas radicalmente diferentes. Nas palavras de Poletti (1996, p. 127), "a questão envolve, aqui, o problema do Estado (...). Na verdade, não houve em Roma um Estado, no sentido de um Estado Nacional. Quando se fala em Estado Romano, pode-se entendê-lo com um significado equivalente a civitas, a res publica".

Nesta direção, para que possamos entender as rupturas e os deslocamentos operados ao longo do tempo nos termos da dicotomia público/privado, vale uma breve referência ao sentido clássico de povo, que é condição para a definição das idéias de civitas e de res publica. E é Cícero (apud Poletti, 1996, p. 144) quem conceitua povo:

Não é um ajuntamento qualquer de homens reunidos, mas a reunião de muitos, associados em virtude de um consenso sobre o direito e de interesses comuns. A causa primeira de sua reunião é menos a fraqueza do que a tendência natural dos homens a reunirem-se; a espécie humana não é formada de seres isolados, à procura uns dos outros, mas criada de maneira tal que mesmo na abundância ela não deseja a solidão.

O entendimento clássico de povo passa longe de qualquer idéia abstrata (como a idéia atual de Estado, por exemplo); o povo forma-se na reunião de homens. Mas a presença concreta de homens reunidos não basta para que se constitua em povo. Para que seja considerado como tal, é preciso que o povo esteja ligado entre si pela presença de uma consciência comum e, principalmente, pela existência de uma unidade organizada de homens e de seus direitos (o que difere de simples soma de indivíduos). Para além de uma aglomeração física, o termo 'povo' refere-se, em especial, a um consenso jurídico.

Na esteira do conceito de povo, é também Cícero (idem, ibid., p. 145) quem assim define civitas: "Um complexo de homens livres juridicamente organizados em uma vida coletiva". Civitas pode, então, ser entendida como o lugar onde se dá a formação do povo, como aquilo que constitui o povo e que, portanto, pressupõe necessariamente a existência de homens e seus direitos. "Se faltar a participação [direta de todos os membros da comunidade na vida política] não se há de falar em civitas [no caso romano] nem em polis [no caso grego]. Onde for decisiva a vontade de um só, não há civitas, mas um regnum. Reino opõe-se a civitas, assim como Basiléia se opõe a polis" (idem, ibid., p. 146).

Levando em conta o fato de que o termo 'público' vem do latim publicus, que deriva de populus (povo), e que res significa "coisa", fica evidente, então, o conceito de res publica, que quer dizer "coisa do povo".

Daí que, para os romanos, público refere-se não ao Estado (como na concepção publicista moderna), mas ao povo.5 5 . A idéia é a de que ius publicum era o direito que emanava do povo e da lei por ele elaborada, em assembléias populares, organizadas nas civitas. Mesmo quando, mais tarde, tais assembléias deixaram de existir, o ius publicum continuou, por assim dizer, a ser da ordem do povo, sempre por força da lex regia, pela qual o povo transferiu para o príncipe todo o seu poder. Continua a ser um domínio do coletivo e sua gestão cabe ao rei e à lei, que é a voz do povo (Poletti, 1996). Ius publicum é o direito proveniente do povo, é o que pertence ao povo, o que emana do povo, que é uma comunidade organizada em civitas, devendo, portanto, possuir um vínculo cívico comum, de direito igual para todos. Ius privatum é, ao contrário, aquilo que concerne a um quadro jurídico diferente, na direção do que é doméstico e relativo ao indivíduo: é tudo aquilo que juridicamente escapa do poder do povo.

Nessa mesma direção, Arendt (2001) discute a clássica distinção entre vida privada e vida pública, salientando que, para o pensamento grego, a primeira corresponde à esfera da família e a segunda corresponde à esfera da política. Essa autora fala das funções de necessidade e de liberdade que, respectivamente, deveriam ser desempenhadas na casa (família) e na polis (política).

A família constituía-se numa organização privada decorrente da necessidade natural de garantir a sobrevivência da espécie (tarefa da mulher) e a manutenção individual (tarefa do homem). Essa necessidade era isenta de qualquer interferência política. As relações estabelecidas entre os membros da família eram de desigualdade, já que o chefe da família era o dono de sua casa e, portanto, era quem reinava sobre todos os outros integrantes (incluindo escravos) que a ele se submetiam. E era somente ele quem também deveria fazer viver e alimentar as pessoas de seu lar. Na esfera da família não havia liberdade, na medida em que "ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar" (idem, ibid., p. 41). Portanto, as pessoas em relações familiares jamais poderiam ser livres. A liberdade era, por sua vez, algo suscetível de ser alcançado pela política – e somente por ela – que era exercida na polis, onde todos eram iguais.6 6 . "É verdade que esta igualdade na esfera política muito pouco tem em comum com o nosso conceito de igualdade; significava viver entre pares e lidar somente com eles (...). A igualdade, portanto, longe de ser relacionada com a justiça, como nos tempos modernos, era a própria essência da liberdade; ser livre significava ser isento da desigualdade presente no ato de comandar, e mover-se numa esfera onde não existiam governo nem governados" (Arendt, 2001, p. 42).

A polis – onde tinham lugar as atividades pertinentes a um mundo comum – e a casa – onde tinham lugar as atividades pertinentes à manutenção da vida – eram, pois, entendidas como entidades diferentes e separadas e tal divisão constituía-se como base na qual se assentava todo o antigo pensamento político.

Era dessa forma que, para o pensamento greco-romano, sustentava-se a dicotomia público/privado. Importa dizer que o termo 'público' se referia ao direito do povo. E eis a diferença: o sistema jurídico moderno é construído sobre a base estatal; portanto, o termo 'público' concebido modernamente se refere ao direito do Estado e não ao direito do povo – diferença esta que começa, de certa forma, a nublar a nítida separação entre esfera pública e esfera privada. Mas em que consiste tal deslocamento? Sob que condições a ênfase do público se deslocou do povo para o Estado?

Segundo Arendt (idem, ibid., p. 37), "a ascendência da esfera social, que não era nem privada nem pública no sentido restrito do termo", conectada com o advento da era moderna (e com as transformações que a engendraram,) começou a tornar difusa a linha que dividia decisivamente os dois domínios. Mas foi a emergência da economia política como ciência que, enfim, provocou importantes deslocamentos nas formas de se conceber e de efetivamente se usar os termos 'público' e 'privado'.

No quadro conceitual greco-romano, que via um grande abismo entre a família e a política, o próprio termo 'economia política' sugere uma grande contradição, "pois o que fosse econômico, relacionado com a vida do indivíduo, não era assunto político, mas doméstico por definição" (idem, ibid., p. 38).7 7 . Uma breve referência à etimologia das palavras 'economia' e 'doméstico' pode nos auxiliar a melhor entender tal contradição. O termo 'economia' vem do grego óikonomia ( óiko = casa; nomo = medida). Em seu sentido de origem, economia refere-se, pois, às medidas da casa – à arte de bem administrar as coisas relativas à casa. O termo 'doméstico' vem do latim domus (= casa, domicílio). Domus designa a casa como símbolo da família. É relativo a lar, habitação, moradia, residência e é relativo, também, à vida particular de uma pessoa ou de uma família, àquilo que (lhe) é privado. Caso não tivéssemos atribuído novos códigos de significação à expressão economia doméstica – extensamente utilizada nos tempos atuais para designar o bom gerenciamento da casa –, tal expressão certamente nada mais seria que uma grande redundância, na medida em que 'economia' do grego e 'doméstico' do latim têm, nas origens, o mesmo significado.

Em suma, a economia era, necessariamente, de domínio doméstico, concernente à família e nada tinha que ver com a esfera política – que, como referido acima, era de natureza radicalmente diferente do âmbito familiar. Ora, se a expressão economia estava diretamente relacionada à esfera privada e se a expressão política estava diretamente relacionada à esfera pública, levando-se em conta o abismo entre as duas esferas, como falar, então, de economia política?

"O desbloqueio da arte de governar"8 8 . Expressão de Foucault (1992a).

Em certa medida, as possibilidades para o nascimento disso que hoje se chama economia política encontram-se nas questões relativas à problemática geral do governo, colocada a partir do século XVI: "Como se governar, como ser governado, por quem, até que ponto, com qual objetivo, com que método etc." (Foucault, 1992a, p. 278).9 9 . Talvez seja mais acertado dizer "problemática geral da governamentalidade", nos sentidos que Foucault (1992a, p. 280) dá a este termo. Não foi exatamente à problemática do governo, mas mais especificamente à problemática do governo dos Estados pelos príncipes. Isso deve ficar bastante claro, já que o termo 'governo' (antes de ser capturado pela economia política) significava "práticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do convento, o pedagogo e o professor em relação à criança e ao discípulo. Existem portanto muitos governos, em relação aos quais o do príncipe governando seu Estado é apenas uma modalidade". Sobre o uso das expressões governo, governamento e governamentalidade, ver Veiga-Neto (2002).

Tomando O príncipe, de Maquiavel, como exemplo, Foucault (ibidem) explica que foi contra a conservação do principado – à relação de exterioridade e de transcendência que o príncipe mantém com seu principado, aos laços de violência e de tradição que os ligam – que aparece uma vasta literatura anti-Maquiavel. Analisando alguns textos dessa literatura, Foucault (ibid., p. 281) destaca a idéia da existência de diferentes formas de governo: de si mesmo, da família, do Estado; formas diferentes mas em que, por se cruzarem, há entre elas uma continuidade essencial apresentada de duas maneiras, a ascendente e a descendente:

Continuidade ascendente no sentido em que aquele que quer poder governar o Estado deve primeiro saber se governar, governar sua família, seus bens, seu patrimônio. (...) Continuidade descendente no sentido em que, quando o Estado é bem governado, os pais de família sabem como governar suas famílias, seus bens, seu patrimônio e por sua vez os indivíduos se comportam como devem. (...) Nos dois casos, o elemento central desta continuidade é o governo da família, que se chama de economia.

Importa dizer que a questão a ser problematizada por essa literatura se refere a "como introduzir a economia – isto é, a maneira de gerir corretamente os indivíduos, os bens, as riquezas no interior da família – no nível da gestão de um Estado?" (idem, ibid.). Isso somente se torna possível a partir da percepção dos problemas específicos da população, que puderam ser isolados, sistematizados e calculados fora do quadro jurídico soberano. Neste último, o sentido de população (como hoje a entendemos) é impensável, já que a teoria do direito pré-moderna só conhece duas esferas sociais: a do Estado e do soberano, de um lado; e a do pai de família e sua casa, de outro. Foi com a emergência da noção de população – como um corpo múltiplo que tem uma regularidade própria – que puderam ocorrer determinados fatos que, em conexão entre si, atribuíram ao termo 'economia' o seu significado moderno.

Foucault (ibid., p. 288-290) destaca três desses fatos – que, imbricados, constituíram-se em condições de possibilidade para o "desbloqueio da arte de governar" –, quais sejam: 1) a família passa a ser secundária em relação com a população, dada a impossibilidade de esta se reduzir àquela. Portanto, a família aparece como elemento interno à população, e não mais como modelo mas como instrumento de governo; 2) sendo a população sujeito de necessidades e, ao mesmo tempo, objeto nas mãos do governo, ela passa a aparecer como objetivo final do governo; 3) em torno da rede de relações entre a população, o território e a riqueza, produz-se um saber que permite a formação de uma razão de Estado, para que o governo se dê de forma racional e planejada. Daí, então, a constituição da economia política como ciência do governo, que tem a família como instrumento, a estatística como técnica e a população como objeto e objetivo.10 10 . Em O contrato social, no capítulo intitulado "Dos sinais de um bom governo", Rousseau (2002, p. 83) afirma: "O governo sob o qual (...) os cidadãos multiplicam e povoam mais, infalivelmente, é o melhor; aquele onde o povo diminui e se arruína é o pior. Calculadores, agora vos pertence contar, medir, comparar".

Família e política deixam, portanto, de ser dois pólos sociais reciprocamente exclusivos porque a constituição da população e os fatos associados a ela nos permitem conceber "o corpo de povos e comunidades políticas como uma família cujos negócios diários devem ser atendidos por uma administração doméstica nacional e gigantesca" (Arendt, 2001, p. 37). O abismo entre as duas esferas desaparece quando a administração doméstica se transforma em atenção e utilidade coletiva, e forma-se, assim, esta "esfera curiosamente híbrida que chamamos de 'sociedade', na qual os interesses privados assumem importância pública" (idem, ibid., p. 45).

O gerenciamento caseiro ascendeu para o domínio político e o Estado tomou para si parte das funções de manutenção da vida e sobrevivência da espécie, antes exclusivamente da família. Isso permitiu "a entrada da vida na história – isto é, a entrada dos fenômenos próprios à vida da espécie humana na ordem do saber e do poder –, no campo das técnicas políticas" (Foucault, 1993, p. 133). Trata-se da operacionalização de uma tecnologia de poder centrada na vida, o que Foucault (1999) chama de biopolítica: a estatização (ou a publicização) do biológico, que põe em ação, por meio da medição estatística, um poder regulamentador da vida.

O Estado passa a intervir nos processos populacionais de natalidade, mortalidade e longevidade e, de forma imanente, passa a normalizar a conduta social, prevendo e regulando tanto os comportamentos individuais (pelo exercício do poder disciplinar) quanto os comportamentos coletivos (pelo exercício do biopoder), com o intuito de "encaixar" a todos em curvas normais estatisticamente preestabelecidas, sempre em nome de preservar e garantir a vida.

O "direito" à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessidades, o "direito", acima de todas as opressões ou "alienações", de encontrar o que se é e tudo o que se pode ser, esse "direito" tão incompreensível para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política a todos esses novos procedimentos de poder que, por sua vez, também não fazem parte do direito tradicional da soberania. (Foucault, 1993, p. 136)

Neste sentido, o que Foucault (1992a) chama de "desbloqueio da arte de governar" explica, até certo ponto, o fato de o termo 'público' ter a sua ênfase deslocada do povo para o Estado; e também explica, pois, a dificuldade que atualmente experimentamos em compreender a divisão – antes entendida como axiomática – entre aquilo que concerne à esfera pública e aquilo que concerne à esfera privada.

A elaboração científica da dicotomia

Reconhecer a difusão da linha divisória entre público e privado não significa, contudo, dizer que cessam as tentativas de definir os termos dicotômicos em questão. Na verdade, tal definição passa a ser exatamente uma das principais incumbências dos economistas políticos da era moderna, na medida em que é por meio da ciência do governo que se deve estabelecer as competências do Estado e, portanto, estabelecer também seus limites, distinguindo aquilo que é de ordem pública daquilo que é de ordem privada. A questão está no fato de que a diluição da antiga divisão acabou por alterar profundamente o significado da própria dicotomia e os termos desta são agora estabelecidos segundo uma racionalidade governamental inteiramente diferente. O que foi alterado diz respeito não tanto ao fato de que a divisão deve continuar a ser produzida, senão aos fundamentos, aos pressupostos, às características e aos métodos da própria divisão, tornando profundamente difusa uma seleção de critérios válidos que a justifiquem.

Utilizando-se do poder político como objeto, a produção de sempre novas delimitações das fronteiras do público e do privado11 11 . Tratando-se dos juristas contemporâneos, consiste não propriamente na delimitação em si, mas na atualização constante de uma delimitação previamente estabelecida, recolocando a questão à luz das transformações políticas, econômicas, científicas, culturais por que passam as sociedades ocidentais de hoje. torna-se uma das muitas e indispensáveis tarefas dos cientistas políticos modernos. Classificar, pois, todo um conjunto de práticas sociais (discursivas e não-discursivas) relativas tanto às relações dos indivíduos no interior de vários grupos dos quais participam quanto às relações desses grupos com o Estado. Isso supõe a necessidade de definições para o estabelecimento de diferenças específicas, capazes de conceituarem não apenas os ramos do direito público e privado, como também as subdivisões internas de cada um deles. Em síntese: fazer com um determinado conjunto de fenômenos próprios da população o que Foucault (1987), referindo-se à operacionalização das disciplinas nas sociedades modernas, chama de quadriculamento: anular o exercício difuso dos processos populacionais e determinar para eles o seu devido lugar nas divisões e subdivisões dos domínios público e privado.

Há que se fazer, neste momento, uma observação: o biopoder difere do poder disciplinar porque este último, como bem demonstrou Foucault (ibid.), age sobre os corpos individuais, dando visibilidade a esses corpos, separando-os, vigiando-os, alinhando-os, aumentando sua capacidade de trabalho, diminuindo seu poder de revolta e normalizando sua conduta, tornando-os úteis (em termos econômicos) e obedientes (em termos políticos) – mas sempre no nível individual. Em contrapartida, o biopoder age não no nível do detalhe, mas no nível da massa. Ora, se toda a argumentação até agora neste texto está voltada para questões do biopoder, se digo que os deslocamentos operados nos significados dos termos 'público' e 'privado' estão diretamente relacionados ao "desbloqueio da arte de governar" (e, portanto, ao aparecimento de uma biopolítica), como relacionar agora tudo isso à tática do quadriculamento? Em outras palavras: se o quadriculamento é uma estratégia que, por ser própria do poder disciplinar, aplica-se ao corpo individual, como se referir a essa técnica em processos populacionais? É fácil ver o quão importante é isso para as questões centrais deste texto. Em outras palavras: o quadriculamento implicado na própria criação de espaços infantis em shopping centers está a serviço de um disciplinamento dos corpos das crianças, ou a serviço do biopoder? Ou de ambos?

Para Foucault (1999), os mecanismos disciplinares têm funções muito diferentes dos mecanismos biopolíticos, mas é exatamente isso que possibilita ao poder disciplinar e ao biopoder não se excluírem. Ao contrário: eles se articulam. De um lado, "a série corpo-organismo-disciplina-instituições" (um conjunto orgânico institucional); de outro lado, "a série população-processos biológicos-mecanismos regulamentadores-Estado" (um conjunto biológico e estatal). No entanto, não há entre essas duas séries uma oposição, mas uma articulação, na medida em que

(...) as disciplinas sempre tendem, de fato, a ultrapassar o âmbito institucional e local em que são consideradas. E elas adquirem facilmente uma dimensão estatal em certos aparelhos como a polícia, por exemplo, que é a um só tempo um aparelho de disciplina e um aparelho de Estado (o que prova que a disciplina nem sempre é institucional). E, da mesma forma, essas grandes regulações globais que proliferam ao longo do século XIX, nós as encontramos, é claro, no nível estatal, mas também abaixo do nível estatal, com toda uma série de instituições subestatais, como as instituições médicas, as caixas de auxílio, os seguros etc. (Foucault, 1999, p. 298-299)

Neste sentido, toda a problemática da definição daquilo que deve ser classificado como de ordem pública e daquilo que deve ser classificado como de ordem privada passa simultaneamente pelo funcionamento das disciplinas (tecnologia disciplinar, própria do poder disciplinar) e pelo funcionamento da biopolítica (tecnologia regulamentadora da vida, própria do biopoder).

É dessa maneira que as esferas pública e privada do direito são desmembradas em alguns ramos que, por sua vez, subdividem-se em ramos mais específicos, com conceitos, princípios, objetos, finalidades, competências, disposições, instituições, órgãos, funções etc. muitas vezes diferenciados entre si. Mas isso, evidentemente, não é tudo. Para o mapeamento dos fenômenos populacionais, há, em cada uma dessas subdivisões, temas mais específicos ainda.12 12 . Apenas como exemplo, cito alguns dos muitos desdobramentos que se pode fazer do 1) direito público: 1.1) direito constitucional – que trata, especialmente, das garantias individuais, da organização do Estado e dos poderes, da tributação e do orçamento, da ordem social, econômica e financeira etc.; 1.2) direito administrativo – trata da polícia administrativa, dos órgãos e das funções da administração, da descentralização, hierarquia e fiscalização etc.; 1.3) direito tributário – trata da arrecadação e fiscalização de tributos, da instituição tributária etc.; 1.4) direito processual – trata da atividade e organização judiciária, do processo judicial e do litígio etc.; 1.5) direito penal – trata da aplicação penal e do crime, dos sujeitos e do objeto do delito, das penas e da ação penal, das medidas de segurança etc.; além do direito internacional, que apresenta ainda mais divisões... Agora, alguns desdobramentos do 2) direito privado: 2.1) direito de família – trata do casamento, da separação judicial, do divórcio, das relações de parentesco, da adoção, do pátrio poder, da tutela etc.; 2.2) direito das coisas – trata da aquisição e da perda de posse, da propriedade, do usufruto, do penhor, da hipoteca etc.; 2.3) direito das obrigações – trata da relação jurídica, do contrato, do mandato, da alienação, da fiança etc.; 2.4) direito comercial – trata do registro do comércio, dos títulos de crédito e das letras de câmbio, da nota promissória, da duplicata, do cheque, da falência, da concordata etc.; 2.5) direito do trabalho – trata do contrato individual de trabalho, da remuneração, do aviso prévio, do despedimento, da estabilidade, do fgts, da duração do trabalho, do repouso, do sindicato etc. Ao fazer tais considerações, minha intenção é a de mostrar o quanto podemos reconhecer, nessas classificações, várias de nossas atividades – familiares, de trabalho, de nossas vidas privadas...

Se representarmos, no desenho de uma pirâmide, as formas pelas quais o direito público e o privado estão organizados, veremos que a base dessa pirâmide será constituída de certos fenômenos próprios da população – seus direitos, suas garantias, seus deveres tributários, sua segurança, sua saúde, sua educação, sua velhice, suas enfermidades, suas anomalias, sua vida conjugal e familiar, suas propriedades, suas obrigações, suas atividades profissionais... É para regulamentar a vida dessa população, que está numa das últimas camadas da pirâmide, que a própria pirâmide vai sendo construída. Mas, no limite, lá onde a pirâmide é mais ínfima, lá onde ela se sustenta, o que é que encontramos senão o próprio indivíduo? O corpo individual será, pois, a superfície de suporte da pirâmide; e daí toda a complexidade por que passa a divisão público/privado. E mais uma vez, poder disciplinar e biopoder são como os dois lados de uma moeda: para compor uma população normalizada é preciso disciplinar os corpos individuais; mas, também, para disciplinar com mais eficiência, é preciso que estes corpos estejam constituídos em massa.

Está aí uma das principais cartadas da individualização moderna: (...) ela coloca em evidência o caráter de exclusividade de cada sujeito em especial, tornando-o indivíduo singular. O múltiplo é devidamente decomposto e analisado, para, logo em seguida, transformar-se em classes, categorias, grupos que quanto mais organizados forem, melhor. Trata-se de ordenar a multiplicidade. Para isso, faz-se das pessoas, objetos: que podem ser classificados, categorizados, agrupados. E a massa é, então, composta novamente; torna-se uma massa homogênea formada por elementos individualizados. (Coutinho, 2002, p. 85-86)

Uma última (e não menos importante) consideração com relação a tudo isso: ao trazer o exemplo da pirâmide, não tenho, absolutamente, a intenção de dar a entender que o poder (poder disciplinar e/ou biopoder) é exercido de cima para baixo, como se (por ser supostamente de posse de alguém) pudesse ser fixado na parte elevada da pirâmide, sendo sua base extorquida dele. Não se detém o poder, opera-se com ele. Como bem nos ensinou Foucault (1995), trata-se não tanto de tentar pensar ontologicamente o poder, mas sim de pensar em relações de poder. Essas relações circulam pela pirâmide e não podem ser enraizadas na parte elevada dela – nem na menos elevada, nem nas últimas camadas, enfim, em nenhum lugar fixo, exatamente porque as relações de poder não pertencem às camadas, não são de posse das camadas, mas são exercidas pelas e entre as camadas da pirâmide. E também é preciso dizer: não significa que o Estado Nacional, por ser representado no topo da pirâmide, seja, digamos, o "mentor" desses poderes. Tanto como corpos individuais quanto como parte da população, as pessoas que constituem o topo da pirâmide são, com maior ou menor intensidade, simultaneamente alvos, objetos e objetivos do governo. Portanto, não se trata, aqui, de alguém em especial, nem de um grupo de pessoas, nem desta ou daquela instituição específica: trata-se de uma lógica constituída numa teia de relações que cotidianamente estabelecemos todos, entre nós mesmos. Em suma, trata-se de uma lógica que é, ao mesmo tempo, disciplinar e regulamentadora e que circula entre os grupos populacionais (incluindo os representantes do poder político). E já que se trata de uma lógica, ao utilizar a pirâmide como exemplo, pretendo ter deixado claro que, resguardadas as proporções, independe o ângulo a partir do qual ela é vista: mesmo que seja virada de cabeça para baixo, o fato de que as relações de poder circulam pela pirâmide não desaparece.

A dissolução da dicotomia público/privado na contemporaneidade

Diniz (2001) mostrou, com detalhes, que os muitos critérios utilizados para fundamentar as classificações daquilo que é ou da esfera pública ou da esfera privada são problemáticos ou inválidos.13 13 . Dentre os vários critérios, todos eles apresentando certos problemas de legitimação, destacam-se o critério da utilidade ou do interesse, o critério da finalidade, o da propriedade, o da patrimonialidade, o da dotação de imperium, o da coordenação e subordinação... Para uma discussão detalhada dos autores, dos fundamentos e dos problemas de cada um dos critérios, sugiro ver Diniz (2001). Parece que, quanto mais os domínios público e privado se tornam estatais – seja pela intervenção direta do Estado, naquilo que lhe compete executar, seja por sua intervenção indireta, naquilo que lhe compete fiscalizar, promover, regulamentar –, mais difícil é a sua delimitação.

Uma das muitas explicações possíveis para a dificuldade de estabelecimento de critérios válidos está no fato de que tal estabelecimento transcende o nível da lei, ou seja, não se trata tanto do poder jurídico quanto de um outro tipo de poder, que Foucault (1992b) chama de "poder da norma". O código judiciário (lei), característico das sociedades de soberania, deslocou-se para o código da normalização (regulamento), que se baseia numa epistemologia da continuidade. Isso não significa, contudo, que o poder jurídico tenha perdido completamente a sua força – prova disso é a forma como o direito moderno foi/está organizado. Acontece que o poder jurídico deixou de ser o centro do sistema de controle social, tal como o era nas relações de soberania, que faziam seus discursos valerem somente como vontade soberana. Ou seja, os códigos legais continuam atuando ativamente nas sociedades modernas, mas, em vez de serem baseados na relação soberano/súdito, passam a ser sustentados pela norma, que tem por referência a massa populacional, é estabelecida pelos discursos e medida pela estatística.

Os processos de normalização social permitem, pois, entre muitas outras coisas, a dissolução das esferas pública e privada, por mais que se queira categorizá-las em definitivo. Essa forma de classificação, em que a divisão contém apenas dois termos reciprocamente exclusivos (ou é público, ou é privado), entrou em crise ao mesmo tempo em que se tornou objeto da ciência política. Portanto, a liquidação da dicotomia começa a ser produzida no momento em que a própria dicotomia é elaborada cientificamente, ou seja, quando é capturada pela economia política e associada ao domínio estatal – o que coincide com a transferência dos instrumentos de governo dos grupos populacionais da lei para a norma, que age, sobretudo, na esfera do social: "A contradição entre o privado e o público, típica dos estágios iniciais da era moderna, foi um fenômeno temporário que trouxe a completa extinção da própria diferença entre as esferas privada e pública, e a submersão de ambas na esfera do social" (Arendt, 2001, p. 79).

Ao que parece, as diferentes racionalidades, os diferentes processos discursivos e as diferentes proposições (nem sempre proporcionais) que orientam as práticas contemporâneas só têm cada vez mais acentuado a liquidação da dicotomia público/privado na medida em que tais práticas se caracterizam por intensificar os processos de normalização, ainda que por meios de controle bastante diferentes.

Deleuze (1992a, 1992b), Bauman (2001), Lipovetsky (1983), Lemert (1997), entre outros autores, embora com especificidades próprias em suas colocações, apontam para o fato de que o mundo outrora chamado de "moderno" vem passando por transformações e vem se (des/re)organizando de tal maneira que os modos como experimentamos esse mundo estão sendo profundamente alterados. As formas de ordenação consideradas modernas, ao serem rearranjadas – contínua e permanentemente –, transformam o próprio caráter de moderno e, assim, vão engendrando a contemporaneidade, que, quanto mais combina os diferentes elementos que a compõem (discursos, práticas, mecanismos, dispositivos, instâncias, procedimentos, técnicas), mais dificulta a percepção desses elementos em separado.

Para Lipovetsky (1983), o mundo contemporâneo está se transformando no que ele chama de sociedade da sedução. A sedução apresenta-se, na atualidade, como uma arte muito mais sutil de regular o comportamento das pessoas, capaz de tornar a maioria de nossas relações muito mais flexíveis, solícitas, interativas, comunicativas, diversificadas. A sociedade da sedução é uma sociedade de serviços: mais que atender a qualquer outra função, as diversas formas de organização institucional colocam-se a serviço das pessoas. Isso torna possível uma progressiva redução de relações autoritárias; a inflexibilidade, a rigidez e a solidez da estrutura disciplinar moderna acabam diluindo-se e pulverizando-se em relações mais "transparentes", abertas, maleáveis, suaves, num atraente e instigante jogo de sedução.

Mas é preciso dizer também que se trata de um mundo no qual as estratégias de regulação do consumo estão sendo cada vez mais acentuadas; um mundo que, apesar de toda a sua flexibilidade e maleabilidade, não flutua à deriva: sua direção está cada vez mais sendo cedida ao mercado, um dos principais responsáveis pelas inúmeras ofertas com as quais nos deparamos atualmente. O mercado estende-se, alarga-se; ao mesmo tempo (e talvez em função disso), é o fio que envolve e que conduz a maioria das nossas ações. Dessa forma, quase tudo hoje em dia acaba sendo uma questão de mercado: de compra, de venda, de troca, de consumo.

Tendo a sedução como estratégia, o mundo do consumo utiliza-se principalmente do marketing como uma tecnologia cada vez mais sofisticada, que invade nosso cotidiano e nos interpela diariamente em quase tudo o que pensamos, dizemos, fazemos... Sob essa perspectiva, quanto mais elástica for a sensação de liberdade e de autonomia do consumidor, mais o mercado tenderá a atingir seus objetivos. Autonomia do consumidor, que tem não apenas o direito como o dever de saber comprar, mas também autonomia do mercado, porque agora muito mais livre para oferecer um amplo campo de possibilidades.

Conectada com a idéia de autonomia está a de competição. O mercado autônomo é um mercado altamente difuso, disperso, móvel e, por isso, também competitivo. De acordo com Bauman (1998), uma das principais características do mercado atualmente é que ele está em constante movimento – e isso significa duas coisas: não fazer parte de nenhum lugar específico e, assim, estender sua presença a quase todos os lugares. Quanto maior for a mobilidade das forças de mercado, mais elas tendem a competir entre si. Com a escassez cada vez maior de regularidades, o mercado apresenta formas de ordenação que mudam muito depressa, o que torna a competição ainda mais acirrada. Um dos principais efeitos que se verifica nesse processo é a rápida substituição de um produto por outro, uma marca por outra, tornando as mercadorias (e os serviços) cada vez mais descartáveis. Portanto, um dos deslocamentos operados na contemporaneidade – e talvez o mais forte e poderoso de todos – diz respeito à intensificação e expansão da lógica de mercado que, atualmente, passa não apenas a influenciar, mas também e principalmente a coordenar, conduzir, induzir, arranjar, orientar a organização dos espaços14 14 . Para uma discussão sobre espaço e tempo modernos e espaço e tempo pós-modernos, ver Veiga-Neto (2002). e o controle da ordem. Em função da mobilidade que as forças de mercado apresentam – como uma de suas características mais marcantes –, novos pontos de convergência entram e saem de cena com muita facilidade e rapidez. Disso resulta que dificilmente sabemos com certeza de que lugar as novas – e agora também móveis – ordens serão estabelecidas, porque o controle delas está muito disperso e difusamente distribuído pelo corpo social. Contudo, isso não significa que tal controle deixe de ter efeitos normalizadores. Significa, apenas, que a própria normalização das coisas relativas à vida cotidiana de cada um de nós (como indivíduos e como parte da massa populacional) também está passando por mudanças responsáveis por torná-la algo que corresponda com as novas formas de organização da vida atual.

Aliado a isso, parece haver, atualmente, um declínio da certeza de que os ideais modernos possam guiar-nos até uma disposição social perfeitamente ordenada, sem que nada fuja ao nosso controle, sem que nada escape de nossas mãos – principalmente em decorrência do fato de que a tarefa da conquista da liberdade e da felicidade foi deslocada da sociedade para o indivíduo, ou seja, ela foi privatizada. Neste sentido, pode-se dizer que uma outra transformação operada nos últimos tempos e conectada com as demais modificações contemporâneas se refere à valorização generalizada do sujeito, traduzida principalmente por um individualismo cada vez mais afastado dos grandes sistemas de sentido. A psicologização das relações humanas, que se desenvolveu paralelamente à revolução científico-tecnológica, torna possível um certo tipo de hiperinvestimento do Eu, seja como resposta à situação de vulnerabilidade com a qual os sujeitos se vêm deparando, seja como tentativa de seguir a "ordem" da privatização tão característica dos nossos tempos. O mundo soberano transformou-se num mundo moderno; e o mundo moderno está se transformando em, digamos, um mundo personalizado, cujas modalidades de socialização estão sendo crescentemente privatizadas.

Com isso, a contemporaneidade parece acentuar a fabricação de um certo tipo de sujeito – sujeito privado, sujeito privatizado –, que vem sendo produzido, por nossas próprias práticas, desde a ascendência da esfera que Arendt (2001, p. 79) chama de "social": "Daí o desaparecimento de ambas estas esferas da vida – a esfera pública porque se tornou função da esfera privada, e a esfera privada porque se tornou a única preocupação comum que sobreviveu. (...) a única coisa que as pessoas têm em comum são seus interesses privados". Ou, nas palavras de Hardt & Negri (2002, p. 322), "o público é dissolvido e privatizado até como conceito".

A dissolução e privatização do conceito de público ficam evidentes no momento em que o próprio Estado assume a necessidade de uma administração do tipo gerencial e, com isso, inspira-se na lógica da administração de empresas (identificada com o setor privado), em que o cidadão passa a ser visto como cliente. Se o Estado é identificado com o setor público e se o setor público passa a ser regulado pela lógica do mercado, está aberta a possibilidade de que o Estado se torne, então, altamente "privatizável", principalmente em função da racionalidade empresarial a partir da qual o Estado passa a orientar suas ações governamentais.

A hipótese da hiperprivatização de uma nova forma de educação infantil

Considerando que o shopping center é uma instituição criada muito recentemente,15 15 . A indústria de shopping centers tem suas origens nos Estados Unidos na metade da década de 1950. No Brasil, as duas primeiras experiências aconteceram no Rio de Janeiro ( Shopping Center do Méier) e em São Paulo ( Shopping Center Iguatemi), por volta de 1966 (Coutinho, 2002). é possível, então, situá-la como uma invenção contemporânea. E se a contemporaneidade é caracterizada por todos aqueles deslocamentos discutidos na seção precedente, também podemos dizer, pois, que o shopping center é um empreendimento organizado num grande entrecruzamento de discursos, de práticas, de lógicas. Um empreendimento que, em vários aspectos deixa para trás uma organização sob a forma de disciplinas e começa a pôr em funcionamento novos mecanismos característicos de um tempo que Deleuze (1992a, 1992b) entende como típico numa sociedade de controle, um tempo que alguns chamam de pós-moderno (Lipovetsky, 1983), outros chamam de moderno tardio (Giddens, 2001) e outros, ainda, de moderno leve (Bauman, 2001).

Independente da denominação que se possa atribuir ao nosso tempo, o fato é que, por ser uma invenção contemporânea, o shopping center está em sintonia com um mundo cujas demandas estão em rápida transformação. Mas é preciso dizer ainda que o shopping center, também por ser uma invenção contemporânea, é uma instituição criada e envolvida pelo mercado e que, por isso, possibilita a imanência de dois processos: o da nossa adequação às novas (des)ordens ditadas pelo mercado, e o da produção de outras possibilidades de elasticidade do mercado, pela própria dinâmica de seu funcionamento. E é nesse empreendimento que a função educativa – por muito tempo considerada como de posse quase que exclusiva da instituição escolar – está se instalando, por meio da criação e recriação de espaços especialmente reservados à recreação e, mais recentemente, à educação de crianças.

A efetivação de práticas educacionais localizadas para além dos muros escolares me incita a considerar o contexto no qual o referido espaço infantil está situado: novas configurações de práticas educacionais que nascem dentro de instituições como os shopping centers, que são, por excelência, locais destinados à realização de práticas comerciais – de compra, de venda, de troca, de consumo. Acredito que o fato de as crianças estarem também sendo formadas dentro de shopping centers está conectado com a "poderosa" posição de importância que as forças de mercado têm ocupado nas nossas formas contemporâneas de organização social. Não é simplesmente por acaso que se começa a envolver as crianças em práticas educacionais num local como esse, que é, além de outras coisas, um local privilegiado de circulação de estratégias de mercado.

Portanto, criar espaços com função pedagógica/educativa no interior de shopping centers é fazer com que determinadas crianças se tornem assíduas freqüentadoras dos shoppings – que se encarregam simultaneamente de pelo menos duas coisas: fazer da educação mais um dos muitos serviços que oferecem e, dessa forma, ensinar as crianças a "(cor)responderem" a certos códigos predominantes no mundo contemporâneo; entre eles, o da privatização.

Se assim for, tratar-se-ia, então, de uma privatização muito mais direta porque, independentemente de como são realizadas as práticas nos espaços infantis dos shoppings, o fato é que tais práticas não sofrem intervenção estatal de nenhuma espécie – pelo menos no que se refere à função educativa que ali se instaurou. Considerando os processos de publicização e de privatização entendidos tal como no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (citado no início deste texto), podemos afirmar que, com relação aos espaços infantis em questão, não se trata nem de uma transferência do atendimento infantil para o setor público não-estatal, nem tão simplesmente para o setor privado – já que o termo 'transferência' supõe que tanto no primeiro como no segundo caso o Estado intervém de alguma maneira: ou regulamenta, ou fiscaliza, ou promove, ou parcialmente financia...

Neste sentido, esta nova forma de educação infantil como serviço oferecido em shopping centers seria, pois, uma das muitas facetas da privatização, ou, melhor dizendo, seria uma atividade envolvida na produção de um processo intensificado de privatização: o que eu chamaria de hiperprivatização, caracterizada por uma total independência com relação à regulação estatal.

Em outras palavras: se os processos de publicização e de privatização envolvem uma interferência estatal, nem que seja para transferir o que era da ordem do Estado para a ordem privada, o processo de hiperprivatização está isento de qualquer tipo de transferência, já que emerge ele próprio num meio intensamente privatizado. Os espaços infantis dos shopping centers são, assim, um bom exemplo de atividade que, conectada com outros acontecimentos contemporâneos, promove uma hiperprivatização da educação, na medida em que esses espaços educacionais nem mesmo chegaram a ser estatais: eles já nasceram em empreendimentos regulados pela lógica do mercado; empreendimentos com propriedade, modelo de gestão e fins privados. A característica fundamental do serviço educacional hiperprivatizado seria, então, sua autonomia com relação ao controle estatal, visto que sua finalidade estaria vinculada muito mais à facilitação da realização de atividades do cliente e muito menos à garantia do direito constitucional da educação. Com isso, exclui-se a intervenção do Estado: já que esse tipo de serviço educacional não é instituído como direito social, o Estado não pode (e talvez nem queira) regulamentar e fiscalizar. O controle parece ser feito tão-somente com base na satisfação do cliente.

Recebido em julho de 2003 e aprovado em agosto de 2003

1. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995. Em seguida, foi submetido ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que o aprovou para publicação em novembro de 1995. Importante destacar que o Plano não se constitui em lei, mas em uma proposta que "define objetivos e estabelece diretrizes para a reforma da administração pública brasileira" (Brasil, 1995, p. 9).

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  • VEIGA-NETO, A. De geometrias, currículo e diferenças. Educação & Sociedade, Campinas, n. 79, p. 163-186, 2002.
  • *
    Agradeço a Alfredo Veiga-Neto e a João de Deus dos Santos por suas importantes contribuições na escrita deste texto.
  • Notas
  • 2
    . Quero enfatizar que, teoricamente, essa seria a idéia. E, por enquanto, é isso o que importa para a discussão proposta neste texto. Portanto, não está em questão aqui se isso funciona dessa maneira ou não, embora saibamos que, em muitos casos e por diversos fatores, a prática das instituições públicas não-estatais (ao menos no que se refere à educação infantil) é problemática e, algumas vezes, bastante questionável.
  • 3
    . Novamente, é importante frisar: não está em questão aqui se tal direito
    é ou
    não é realmente garantido. O que interessa, por ora, para a discussão que pretendo empreender, é o fato de que, de alguma forma, as instituições de educação infantil, publicizadas ou privatizadas, como querem os redatores do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, estão sujeitas a avaliações reguladas por órgãos essencialmente estatais.
  • 4
    . Tal obrigatoriedade não adveio de nenhum tipo de intervenção estatal, mas da empresa que administra os espaços infantis. Pode-se até dizer que a nova "ordem" foi criada, no limite, pelos próprios consumidores desse serviço, na medida em que foi a movimentação deles quanto à formação das profissionais que possibilitou à empresa determinar o critério da obrigatoriedade de formação específica de suas funcionárias.
  • 5
    . A idéia é a de que
    ius publicum era o direito que emanava do povo e da lei por ele elaborada, em assembléias populares, organizadas nas
    civitas. Mesmo quando, mais tarde, tais assembléias deixaram de existir, o
    ius publicum continuou, por assim dizer, a ser da ordem do povo, sempre por força da
    lex regia, pela qual o povo transferiu para o príncipe todo o seu poder. Continua a ser um domínio do coletivo e sua gestão cabe ao rei e à lei, que é a voz do povo (Poletti, 1996).
  • 6
    . "É verdade que esta igualdade na esfera política muito pouco tem em comum com o nosso conceito de igualdade; significava viver entre pares e lidar somente com eles (...). A igualdade, portanto, longe de ser relacionada com a justiça, como nos tempos modernos, era a própria essência da liberdade; ser livre significava ser isento da desigualdade presente no ato de comandar, e mover-se numa esfera onde não existiam governo nem governados" (Arendt, 2001, p. 42).
  • 7
    . Uma breve referência à etimologia das palavras 'economia' e 'doméstico' pode nos auxiliar a melhor entender tal contradição. O termo 'economia' vem do grego
    óikonomia (
    óiko = casa;
    nomo = medida). Em seu sentido de origem, economia refere-se, pois, às medidas da casa – à arte de bem administrar as coisas relativas à casa. O termo 'doméstico' vem do latim
    domus (= casa, domicílio).
    Domus designa a casa como símbolo da família. É relativo a lar, habitação, moradia, residência e é relativo, também, à vida particular de uma pessoa ou de uma família, àquilo que (lhe) é privado. Caso não tivéssemos atribuído novos códigos de significação à expressão
    economia doméstica – extensamente utilizada nos tempos atuais para designar o bom gerenciamento da casa –, tal expressão certamente nada mais seria que uma grande redundância, na medida em que 'economia' do grego e 'doméstico' do latim têm, nas origens, o mesmo significado.
  • 8
    . Expressão de Foucault (1992a).
  • 9
    . Talvez seja mais acertado dizer "problemática geral da governamentalidade", nos sentidos que Foucault (1992a, p. 280) dá a este termo. Não foi exatamente à problemática do governo, mas mais especificamente à problemática do governo dos Estados pelos príncipes. Isso deve ficar bastante claro, já que o termo 'governo' (antes de ser capturado pela economia política) significava "práticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do convento, o pedagogo e o professor em relação à criança e ao discípulo. Existem portanto muitos governos, em relação aos quais o do príncipe governando seu Estado é apenas uma modalidade". Sobre o uso das expressões
    governo,
    governamento e
    governamentalidade, ver Veiga-Neto (2002).
  • 10
    . Em
    O contrato social, no capítulo intitulado "Dos sinais de um bom governo", Rousseau (2002, p. 83) afirma: "O governo sob o qual (...) os cidadãos multiplicam e povoam mais, infalivelmente, é o melhor; aquele onde o povo diminui e se arruína é o pior. Calculadores, agora vos pertence contar, medir, comparar".
  • 11
    . Tratando-se dos juristas contemporâneos, consiste não propriamente na delimitação em si, mas na atualização constante de uma delimitação previamente estabelecida, recolocando a questão à luz das transformações políticas, econômicas, científicas, culturais por que passam as sociedades ocidentais de hoje.
  • 12
    . Apenas como exemplo, cito alguns dos muitos desdobramentos que se pode fazer do 1) direito público: 1.1) direito constitucional – que trata, especialmente, das garantias individuais, da organização do Estado e dos poderes, da tributação e do orçamento, da ordem social, econômica e financeira etc.; 1.2) direito administrativo – trata da polícia administrativa, dos órgãos e das funções da administração, da descentralização, hierarquia e fiscalização etc.; 1.3) direito tributário – trata da arrecadação e fiscalização de tributos, da instituição tributária etc.; 1.4) direito processual – trata da atividade e organização judiciária, do processo judicial e do litígio etc.; 1.5) direito penal – trata da aplicação penal e do crime, dos sujeitos e do objeto do delito, das penas e da ação penal, das medidas de segurança etc.; além do direito internacional, que apresenta ainda mais divisões... Agora, alguns desdobramentos do 2) direito privado: 2.1) direito de família – trata do casamento, da separação judicial, do divórcio, das relações de parentesco, da adoção, do pátrio poder, da tutela etc.; 2.2) direito das coisas – trata da aquisição e da perda de posse, da propriedade, do usufruto, do penhor, da hipoteca etc.; 2.3) direito das obrigações – trata da relação jurídica, do contrato, do mandato, da alienação, da fiança etc.; 2.4) direito comercial – trata do registro do comércio, dos títulos de crédito e das letras de câmbio, da nota promissória, da duplicata, do cheque, da falência, da concordata etc.; 2.5) direito do trabalho – trata do contrato individual de trabalho, da remuneração, do aviso prévio, do despedimento, da estabilidade, do fgts, da duração do trabalho, do repouso, do sindicato etc. Ao fazer tais considerações, minha intenção é a de mostrar o quanto podemos reconhecer, nessas classificações, várias de nossas atividades – familiares, de trabalho, de nossas vidas privadas...
  • 13
    . Dentre os vários critérios, todos eles apresentando certos problemas de legitimação, destacam-se o critério da utilidade ou do interesse, o critério da finalidade, o da propriedade, o da patrimonialidade, o da dotação de
    imperium, o da coordenação e subordinação... Para uma discussão detalhada dos autores, dos fundamentos e dos problemas de cada um dos critérios, sugiro ver Diniz (2001).
  • 14
    . Para uma discussão sobre espaço e tempo modernos
    e espaço e tempo pós-modernos, ver Veiga-Neto (2002).
  • 15
    . A indústria de
    shopping centers tem suas origens nos Estados Unidos na metade da década de 1950. No Brasil, as duas primeiras experiências aconteceram no Rio de Janeiro (
    Shopping Center do Méier) e em São Paulo (
    Shopping Center Iguatemi), por volta de 1966 (Coutinho, 2002).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2003

    Histórico

    • Aceito
      Ago 2003
    • Recebido
      Jun 2003
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