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EDITORIAL

O CEDES está acompanhando com atenção e preocupação os movimentos recentes do Ministério da Educação e do governo federal com relação à educação básica no país. Duas ações chamam a atenção: a tramitação de um projeto de lei (PLC n. 10, de 2007) que atribui a função de fomentar a formação dos professores para da educação básica à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC); e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), apresentado no dia 15 de março de 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, em reunião com representantes de diferentes segmentos sociais convidados pelo MEC.

O projeto do que tem sido chamado informalmente de "nova CAPES" baseia-se no sucesso deste órgão do Ministério da Educação em fomentar a formação de mestres e doutores no país e no exterior, com larga responsabilidade no crescimento que o Brasil viu nessa área nas últimas décadas. Seja como instituição de fomento à pós-graduação, seja como instituição de avaliação da pós-graduação, a atuação da CAPES tem sido fundamental. E o maior mérito atribuído à agência é justamente o de haver construído um sistema de avaliação da pós-graduação responsável pelo "controle de produção" deste setor do ensino superior. É justamente esta experiência de avaliação e controle do sistema de formação na pós-graduação que se espera transferir ao sistema de formação de professores para a educação básica. Além disso, o projeto de lei, que altera as atribuições da CAPES, confere a ela a função de fomentar a formação dos profissionais do magistério, assim como propõe que estudantes de mestrado e doutorado tenham acesso a bolsas de capacitação para funções de formadores, preparadores e supervisores das ações da educação básica.

É incerto que essa ação possa trazer bons frutos no futuro. No entanto, preocupa-nos muito o risco de "inchaço" de um órgão que vem trabalhando bem, podendo vir não apenas a não atingir os objetivos anunciados com a mudança, mas também a prejudicar as ações hoje desenvolvidas. O crescimento da pós-graduação no país nas últimas décadas tem exigido da CAPES esforços cada vez maiores; a introdução no órgão da abrangência e complexidade que implicam o tema da formação de professores para a educação básica significará uma mudança radical em seu perfil atual, sem que possamos ter a certeza do sucesso desta ação.

Na contramão das ações do governo federal, o senador Cristovam Buarque tem defendido fortemente a desvinculação das ações do governo nas esferas da educação básica e da educação superior, por meio da criação de um Ministério da Educação Básica e de um Ministério da Educação Superior, ou a transferência da gestão das universidades federais para o Ministério da Ciência e Tecnologia. A tese do senador e ex-ministro é a de que apenas essa desvinculação poderá garantir uma ação mais efetiva do governo em cada um destes campos, tanto na geração e gestão de políticas e programas quanto na aplicação de recursos. Em 26 de fevereiro o senador encaminhou à presidência do Senado, em nome da Comissão de Educação, documento em que argumenta em torno dessas propostas. O debate político e, conseqüentemente, as lutas, hoje estão ocorrendo, sobretudo, na esfera do legislativo.

Sem tomar partido de antemão por qualquer uma destas posições antagônicas, o CEDES pensa que o assunto é complexo e precisa, no mínimo, ser debatido em profundidade e com maior rigor do que tem possibilitado a rapidez das ações na esfera política. O possível sucesso do modelo da CAPES no ensino universitário não permite e não garante o sucesso de sua transferência para professores da educação básica. Não nos parece oportuno transferir o "modelo CAPES", que torna essa agência um instrumento de regulação do Estado, para a formação de professores da educação básica, uma vez que são contextos extremamente diferentes. Outrossim, o modelo de regulação com "prêmios e castigos" para as instituições da educação básica é, no mínimo, constrangedor, para um Estado ausente do seu compromisso de, ao lado da universalização, garantir a qualidade do sistema de ensino. O Estado dá mostras de que não está sabendo tratar o processo de massificação da educação básica, decorrente da sua pretensa "universalização".

A outra ação do governo federal, por intermédio do Ministério da Educação, o anúncio do Plano de Desenvolvimento da Educação, é evidentemente muito mais abrangente do que a mudança no perfil da CAPES. O presidente da República, na solenidade de seu lançamento, anunciou o PDE como uma "revolução na educação brasileira", que vem para "saldar uma dívida histórica", a da não-distribuição de renda com o crescimento econômico do país na década de 1970, quando o governo não se preocupou em proporcionar uma educação de qualidade para todos. A tese do atual governo é a de que a democratização do acesso à educação significou uma sensível perda de qualidade no sistema público de ensino. A questão é saber em que medida as ações que estão sendo anunciadas e começando a ser implementadas podem garantir, de fato, uma melhoria nessa qualidade.

A revista Educação & Sociedade tem apresentado a seus leitores, nos últimos anos, análises das políticas públicas que vêm sendo implementadas no Brasil, seja no Governo Fernando Henrique seja no Governo Lula da Silva. Organizamos dossiês e números especiais, além de contemplar artigos isolados, que nos permitem compreender o panorama e os rumos da educação recente no país. Continuaremos atentos a esse processo, acompanhando os desdobramentos da implantação da "nova CAPES" e do Plano de Desenvolvimento da Educação, oferecendo aos nossos leitores textos críticos com relação a essas ações, com o objetivo de participar de forma ativa na definição dos rumos da educação entre nós.

Finalizando, ressaltamos que este número de Educação & Sociedade publica uma entrevista com William A. Corsaro, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Corsaro é hoje uma das referências em pesquisas sociológicas com a infância, especialista em pesquisas etnográficas com crianças pequenas, tendo ele publicado em Educação & Sociedade o artigo "Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos etnográficos com crianças pequenas", no dossiê "Sociologia da infância: pesquisas com crianças" (v. 26, n. 91, maio-ago. 2005).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007
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