EDITORIAL
Globalização e educação
Precarização do trabalho docente (Parte II)
Educação & Sociedade publica neste número a segunda parte do dossiê iniciado em seu número 87 sob o título "Globalização e educação: precarização do trabalho docente". Apesar de complementares, os dois momentos do dossiê têm algum grau de independência que não impedirá o leitor, caso eventualmente não tenha acessado a parte anterior, de acompanhar o conjunto dos artigos do presente número. Para relembrar, os artigos anteriores foram dedicados a um apanhado sobre facetas da globalização e suas implicações para a educação. Ambas as partes do dossiê têm como objetivo o exame das modificações nos processos de trabalho como decorrência de alterações mais amplas em curso, tanto com relação ao trabalho em geral quanto ao trabalho docente, em particular. Em contrapartida, buscou-se também analisar os limites de uma possível ampliação da introdução de novas tecnologias no ambiente escolar, tanto no que diz respeito à sua gestão como às práticas especificamente educativas, sobretudo tendo em consideração as possibilidades contraditórias de essas mesmas tecnologias poderem agravar ou atenuar as desigualdades educacionais.
A acolhida com relação à primeira parte do dossiê atesta a atualidade da temática. Pode-se mesmo dizer que revela a "gravidade" da temática. Estamos vivendo um momento ímpar: a vitória do capitalismo em termos mundiais e o conseqüente aprofundamento das graves contradições que o acompanham. O contraponto fornecido pelo socialismo real desapareceu e liberou o capitalismo para atuar soberanamente. Estamos sendo cada vez mais colocados perante uma disjunção muito bem resumida por César Benjamin (Caros Amigos, ed. 171, 24 set. 2004), o qual, testemunhando a atualidade de Marx e referindo-se à capacidade criadora da humanidade mantida sob o comando do capital, afirma ser a tecnologia potencialmente muito mais destrutiva na época do capitalismo tardio (a nossa época). Isso se justifica pelo fato de a potência técnica da própria humanidade já estar mais desenvolvida. Diz Benjamin, repetindo a previsão de Marx: "Dependendo de quais forças sociais predominem, essa potência técnica expandida pode ser colocada a serviço da liberdade (com a abolição do trabalho físico, cansativo, mecânico e alienado) ou da destruição (com a escalada do desemprego e da guerra)".
Não é possível avaliar objetivamente o quanto nos damos conta deste dilema e das implicações dele em um mundo que virtualizou de forma sem precedentes o próprio processo de acumulação de riqueza. Estaríamos diante de uma realização cabal das possibilidades capitalistas que anunciariam seu esgotamento ou sua superação? Que opções devem ser construídas diante dos supostos impasses (ou do esgotamento) da modernidade e das propostas pós-modernas? Mesmo sem uma resposta para esta questão maior, é importante que reflitamos sobre este período que estamos vivendo após 1990 no Brasil e que reflete mais diretamente tais desenvolvimentos no sistema-mundo capitalista (a chamada globalização), focando seus impactos no campo da educação. As opções terão que ser pensadas a partir desta realidade e de forma ampla, pela base.
Este dossiê quer contribuir com essa reflexão. Qual tem sido o impacto desses processos no trabalho docente? Estariam os docentes mais ou menos resistentes a esses processos e suas conseqüências? Qual o papel das tecnologias da informação neste contexto? Quais demandas têm sido apresentadas à educação escolar pela reestruturação produtiva, pelas estratégias da política neoliberal e como essas demandas têm se manifestado na profissão docente em meio às crises econômicas (recessão, desemprego, pobreza ampliada, abandono da proteção social etc.)? Estaríamos diante de uma maior intensificação e precarização do trabalho docente? Quais as conseqüências para a formação do professor e para a sala de aula? Enfim, como podemos pensar o futuro do trabalho docente sem perder a dimensão do momento crucial que estamos vivendo?
Com o presente dossiê coloca-se à disposição do leitor um conjunto de reflexões que ajudarão a analisar e interpretar a realidade do trabalho docente hoje. Esta é uma tarefa urgente. Não é solução para nossos problemas olharmos para trás e cobrarmos nossos clássicos por não terem se referido ao nosso presente. Eles fizeram a interpretação do seu tempo. Cumpriram sua tarefa. Agora compete a nós (e não a eles) a permanente atualização das categorias, a produção do novo, a interpretação das novas realidades e a luta pela sua transformação.
Ivany Pino
Romualdo Portela de Oliveira
Elizabeth de Almeida Silvares Pompêo de Camargo
Luiz Carlos de Freitas
Pedro Goergen
Valdemar Sguissardi
Patrizia Piozzi
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jan 2005 -
Data do Fascículo
Dez 2004