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DESAMPARO HUMANO E SOLIDARIEDADE FORMATIVA: CRÍTICA À PERVERSIDADE NEOLIBERAL

HUMAN HELPLESSNESS AND FORMATIVE SOLIDARITY: A CRITIQUE OF NEOLIBERAL PERVERSITY

DESAMPARO HUMANO Y SOLIDARIEDAD FORMATIVA: CRÍTICA A LA PERVERSIDAD NEOLIBERAL

RESUMO

O impacto da racionalidade neoliberal sobre a formação do sujeito é devastador, provoca uma quebra ética e estraçalha o laço inter-humano. O ensaio aborda o tema a partir de filosofia, psicanálise e educação, relacionando três eixos – racionalidade neoliberal, sujeito e obscurantismo. Por meio de uma perspectiva filosófico-psicanalítica, a racionalidade neoliberal e o obscurantismo necessitam do apagamento do outro para tocar seu projeto de ocupação de corpos, mentes e vidas. Ao instalar um sistema de relações baseado na indiferença, produzirá subjetividades que a ele se adequem e se perpetuem. Como contraponto ao regramento perverso de apagamento do semelhante, recorremos à ética em Freud, regida pelo princípio da inclusão do semelhante como experiência formativa central da existência humana.

Palavras-chave
Neoliberalismo; Desamparo; Psicanálise; Formação humana; Solidariedade

ABSTRACT

The impact of neoliberal rationality on the formation of the subject is devastating, causes an ethical breach, and shatters the inter-human bond. This essay approaches this issue from the perspective of philosophy, psychoanalysis and education, relating three axes – neoliberal rationality, subject, and obscurantism. From a philosophical-psychoanalytic perspective, neoliberal rationality and obscurantism require erasing the other to carry out their project of occupation of bodies, minds and lives. By implementing a system of relationships based on indifference, the erasure of the other produces subjectivities that adapt to it, and perpetuate themselves. As a counterpoint to the perverse rule of erasing one’s fellow human being, we turn to ethics in Freud, which is governed by the principle of inclusion of fellow human beings as a central formative experience of human existence.

Keywords
Neoliberalism; Helplessness; Psychoanalysis; Human formation; Solidarity

RESUMEN

El impacto de la racionalidad neoliberal sobre la formación de los sujetos es devastador, provoca una quiebra ética y rompe el enlace interhumano. El ensayo acercase al tema desde filosofía, psicoanálisis y educación, relacionando tres ejes – racionalidad neoliberal, sujeto y oscurantismo. Desde una perspectiva filosófico-psicoanalítica, la racionalidad neoliberal y el obscurantismo necesitan del apagamiento del otro para el avance de su proyecto de ocupación de cuerpos, mentes y vidas. Al instalar un sistema de relaciones apoyado en la indiferencia, producirá subjetividades que a el se adapten y se perpetúen. Como contrapunto al reglamento perverso de la borradura del semejante, recurrimos a la ética en Freud, regida por el principio de la inclusión del semejante como experiencia formativa central de la existencia humana.

Palabras-clave
Neoliberalismo; Desamparo; Psicoanálisis; Formación humana; Solidaridad

Introdução

No ano de 1927, Freud debateu, em forma de texto, com seu amigo, o pastor Pfister, a respeito do estatuto psíquico das representações religiosas e seu significado na vida humana. O futuro de uma ilusão termina com um elogio à ciência e ao método científico, ao mesmo tempo que faz referência às dificuldades que a ciência encontra no processo de construção do conhecimento. “As pessoas se queixam da incerteza da ciência por proclamar hoje uma lei que a próxima geração discernirá como erro e substituirá por outra de validade igualmente efêmera” (FREUD, 2006aFREUD, S. El porvenir de una ilusión. Buenos Aires: Amorrortu, v. 21, 2006a, p. 54, tradução nossa), comenta Freud, acrescentando que a modificação nas opiniões científicas é resultado de seu desenvolvimento, não um malogro. Ainda que com passos lentos, a construção da verdade consiste numa trabalhosa apropriação, que se deve construir sobre a realidade, tolerando o fato de que uma lei que julgávamos incondicional como modelo explicativo de amplo alcance num campo dado de fenômenos logo acuse limitar-se a um domínio bem mais restrito diante do conhecimento de outra lei, à qual chegamos depois. De acordo com Freud,

[u]ma aproximação grosseira à verdade é substituída por outra que a ela se adeque melhor, e que por sua vez aguardará posterior aprimoramento [...] Não, nossa ciência não é uma ilusão, Mas seria uma ilusão crer que poderíamos obter de outra parte aquilo que ela não pode nos dar

(2006aFREUD, S. El porvenir de una ilusión. Buenos Aires: Amorrortu, v. 21, 2006a, p. 54-55, tradução nossa).

Realidade muito distinta da que hoje vivemos: nesta, a atual, é possível sim obter de outras partes aquilo que a ciência não pode momentaneamente dar. Perdemos a noção da proporção existente entre trabalho investido e resultado. O último deve vir antes e prescindir do primeiro. Pronto, de preferência. Em razão disso, estamos na era de inventar verdades, de comprar a vida pronta por meio de discursos feitos; na era da repetição desses discursos e de sua proliferação em progressão geométrica e em rede; era em que o pensamento está sendo consumido ou sistematicamente sonegado. O obscurantismo – denominação que tem sido atribuída a essa já rotineira tendência – é uma quitanda que vende ilusões baseadas no negacionismo e no revisionismo de verdades científicas instituídas. Por outro lado, no plano das trocas humanas, as relações fraternas e horizontais estruturantes do vínculo solidário encontram-se desvalidas pelo obscurecimento progressivo do outro. Fragilizado, o coletivo cede lugar ao individualismo possessivo e competitivo.1 1 Para uma visão crítica do sujeito como possuidor de si mesmo, ver Vladimir Safatle (2015, p. 173-196).

Agrega-se ao problema o fato de que isso se dê sob o predomínio da lógica do novo neoliberalismo. É questão inquietante o impacto da racionalidade neoliberal sobre a formação dos sujeitos. Que tipo de contribuição podem dar a filosofia, a psicanálise e a educação, como práxis de franco falar que busca pela verdade, para enriquecer esse debate? Para colocar em relação esses três eixos – a racionalidade neoliberal, o sujeito e o obscurantismo –, optamos por um recorte. Em primeiro lugar, revisaremos sucintamente, a partir de Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016., aquilo que vem a ser a racionalidade neoliberal e seu mais recente desenvolvimento, o novo neoliberalismo. Em sequência, estabelecemos a hipótese de que, nessa particular racionalidade, o que ocorre é o obscurecimento da presença do outro. Sustentamos a ideia de que, desde a perspectiva psicanalítica, a racionalidade neoliberal e o obscurantismo necessitam desse apagamento do outro para tocar seu projeto de ocupação de corpos, mentes e vidas. Assim, uma vez instalado esse sistema de relações baseado na indiferença, ele produzirá subjetividades que a ele se adequem, procurando perpetuar-se. Para seguir nesse caminho, torna-se imprescindível reexaminar a noção de perversão para verificar se esse conceito ainda pode entregar-nos algo de significativo para compreender o laço humano na realidade atual. Para realizar esse exame, partiremos da posição freudiana sobre a ética e a categoria do semelhante, tendo como pano de fundo o problema da indiferença, traço cada vez mais característico da sociedade contemporânea. Em uma cultura da indiferença, falha a possibilidade de reconhecimento do semelhante, dando lugar a práticas relacionais de cunho perverso que – justamente em razão de seu pragmatismo utilitarista – estão perfeitamente adequadas à prescritividade vigente no novo neoliberalismo.

Racionalidade Neoliberal e Obscurantismo

Neoliberalismo e obscurantismo não são sinônimos, nem necessitam estar associados. O neoliberalismo pertence à história recente do capitalismo; o obscurantismo aparece em distintos momentos históricos, normalmente associado a alguma forma de fundamentalismo, sempre com a finalidade de fulminar o pensamento crítico. No atual contexto brasileiro, ele serve aos interesses da racionalidade neoliberal, embora não seja a mesma coisa que ela. Por sinal, nesse contexto, é curiosa – e por isso demanda maior investigação – a aliança que se estabelece entre ser “conservador nos valores” e “liberal na economia”. Isso só pode ser possível mediante uma nova forma de barbarização cultural do campo político e do primitivismo neoliberal na economia, combinação esdrúxula que o mundo em tempos de pandemia põe em evidência. Os arautos do livre mercado – agora convertido em “economia” e convenientemente transmutado do lucro de alguns para a preocupação vital de todos –, que defendiam a redução do Estado, são os mesmos que hoje recorrem ardentemente ao poder econômico desse mesmo Estado para salvar o capital; enquanto os condutores da política neoliberal governamental, considerada o núcleo duro dos conservadores nos costumes, são os mesmos que procuram empurrar a ciência para fora, pela porta da frente, e fazer entrar, pela porta dos fundos, ideologias religiosas medievais.

Para Dardot e Laval (2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.; 2019)DARDOT, P.; LAVAL, C. Anatomia do novo neoliberalismo. Revista Viento Sur, Espanha, ano 29, n. 164, p. 28, 2019., o neoliberalismo é distinto do liberalismo clássico. Como prática de governo que é, o último se centra num Estado mínimo, mas existente, na racionalização de custos do Estado e na livre competição baseada na competência. Já o neoliberalismo consiste num sistema de poder que funciona de forma dinâmica, diversificando-se, multiplicando-se e exibindo uma impressionante capacidade de se renovar e autorreforçar. Vai além das políticas de austeridade monetária, desregulamentação trabalhista e diminuição do compromisso social do governo, buscando instaurar uma racionalidade política que rege, em nível mundial, as relações humanas, estabelecendo novos regramentos sociais que transmutam silenciosamente sociedades e subjetividades. Dá cartas soberanamente no mundo econômico, estabelecendo três princípios de grande monta: concorrência darwinista – que garante a qualquer preço a vitória do mais forte, sem compaixão e sem solidariedade; eficiência objetivada pela parafernália dos meticulosos instrumentos de avaliação por resultados – dos quais o primeiro a desaparecer é precisamente o humano, porque, muito “subjetivo”, obviamente não se encaixa nos novos padrões de medida; e, por fim, a busca obsessiva, metódica e friamente calculada por lucros cada vez mais gordos, fechando os olhos para os desastres humano e ambiental que causam e privando das condições mínimas para uma vida digna quase dois terços dos seres humanos que habitam o planeta. Impulsionado pela colonização econômica, o neoliberalismo invade as esferas íntimas da subjetividade humana, criando um modo de vida propriamente neoliberal, ou seja, aquele do sujeito empreendedor de si mesmo, que deve gerenciar sua vida, organizando seu tempo, vivendo no presente e projetando seu futuro, bem aos moldes dos três grandes princípios anteriormente anunciados.

Para os autores, o reflexo de décadas de práticas governamentais neoliberais nos vínculos humanos foi a corrosão das estruturas que se baseiam no trabalho coletivo, na cooperação entre iguais e nas relações fraternas; do suporte fundamental para que uma sociedade construa defesas contra a expropriação de direitos. Em seu lugar, instaura-se o individualismo, fomentado pelo medo de que a próxima crise seja pior e produzindo o “cada um por si” e o “salve-se quem puder”. Da mesma forma que se enfraquecem as estruturas simbólicas que sustentam o coletivo, esvazia-se o espaço público e a representatividade política naufraga por perder o sentido – assim como o engajamento político –, em razão de uma recorrente suspeita de que nada vai adiantar e de que ninguém vai poder parar esse trem que vem ladeira abaixo. O único modo de sobreviver é achar formas eficazes de correr rápido para salvar a si e aos seus do atropelamento. O resto, que se vire! Esse traço tornou-se absolutamente notável e experimentou exacerbação nesse tempo de vigência da pandemia. A utilização da expressão “resto” aqui não é gratuita: esse ingrediente fulmina o laço social construído com o cimento da solidariedade, valor vital da modernidade, transformando o espaço público num picadeiro de apropriações individualistas onde quem pode mais chora menos. Desse modo, o darwinismo social, imposto pelo neoliberalismo também na esfera da subjetividade, destrói, sem dó nem piedade, os laços originários, que mobilizam esforços dos seres humanos na direção da solidariedade social.

O efeito perverso dessa dupla colonização, do mundo econômico e do mundo cultural, faz-se sentir com todo o peso nas reformas educacionais mundiais, transformando a própria educação em mercadoria, na medida em que a joga pura e simplesmente no mundo da concorrência predatória e desleal, como se jogavam outrora os seres humanos aos leões. Esse enorme reducionismo econômico e cultural vai exatamente na contramão da boa e ampla tradição iluminista, republicana e democrática, que sempre concebeu a educação como bem público inalienável e direito de todos os cidadãos e cidadãs, bem como concebeu ser dever do Estado assegurá-la. No âmbito dessa mesma tradição, que se estende de Rousseau a John Dewey, passando por Kant e chegando até os nossos dias pela voz de Axel Honneth (2003)HONNETH, A. Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. e Martha C. Nussbaum (2010)NUSSBAUM, M. C. Sin fines de lucro – por qué la democracia necesita de las humanidades. Buenos Aires: Katz Editores, 2010., a educação pública é compreendida como principal esteio para fomentar hábitos de solidariedade social e participação autônoma e plural na esfera pública. Também é por esse motivo que tanto Rousseau quanto Dewey, cada um à sua maneira, depositaram enorme valor na educação das crianças, desenhando projetos educacionais que buscassem protegê-las da invasão adulta precoce e excessiva, ao mesmo tempo que apostavam no fortalecimento da dimensão corporal da criança e no cultivo dos sentidos.2 2 Sobre o confronto crítico entre Rousseau e Dewey, como dois grandes teóricos da educação moderna e contemporânea, ver Claudio A. Dalbosco e Miguel da Silva Rossetto (2019, p. 68-83).

No atual contexto, a sociedade se converte no palco duma luta entre homens-empresa e homens-econômicos – capitais humanos digladiando-se por um lugar ao sol –, minando o laço social e deixando atrás de si um rastilho de ressentimento, cólera e ódio nunca vistos. Esse terreno fertiliza o florescimento do anseio por governos autoritários que, na força e com mão de ferro, ponham ordem no caos vital estabelecido, levando ao incremento do maniqueísmo e a posições políticas extremadas em confronto, empobrecidas por repousarem em lideranças personalistas e/ou populistas, não no esforço consolidado na experiência coletiva. Esse sistema destroça a democracia e propicia a ascensão de regimes autoritários de extrema direita com apoio popular que, ao avançarem na direção da maior concentração de renda, encurtam ainda mais a igualdade de oportunidades públicas e sociais, fazendo aumentarem a fome, a miséria e a pobreza. Em um contexto de precarização econômica crescente da maior parte da população, ocorre, simultaneamente, a precarização da formação cultural, solapando, com ela, as bases educacionais e morais que sustentam formas democráticas de vida.3 3 Cabe acentuar que o problema da precarização cultural, embora apareça de maneira acentuada na sociedade brasileira, não é exclusividade dela, mas sim um fenômeno mundial. Sobre isso, ver o interessante estudo de Konrad Paul Liesmann (2011), que analisa o problema espacialmente em países europeus.

O novo neoliberalismo, em sua versão tupiniquim, é mais violento, explicitamente agressivo, militarizado, com milícias armadas, retrógrado e obscurantista. Nessa mutação, parece dar-se permissão para realizar avanços que levam a uma significativa perda do pudor para lidar com certos temas. Mandatários públicos exibem sua nova liturgia com orgulho e gozo: defendem-se abertamente regimes totalitários e o armamento populacional; vilipendiam-se a ciência, a pesquisa e a educação; legitimam-se a violência e a tortura como mecanismos governamentais válidos no controle da ordem pública; idolatram-se os protagonistas desse submundo e se enuncia abertamente o que antes o pudor impedia que fosse dito em razão de um resquício de vergonha despertada pelo que ainda sobrava de certos valores humanos fundamentais. Pois bem, esses valores caíram por terra e outros se instalaram: o personalismo populista, o familiarismo, a mentira, uma notável incontinência verbal. Tudo é feito dentro da ordem constitucional e a população, por meio de seus representantes, termina por validar essas resoluções. Doravante, aqueles que resistirem à ocupação dessa onda “progressista” e atual, validada pela vanguarda da ciência econômica, serão considerados retrógrados e sofrerão violentas ações de exclusão.

Aqui entra em cena o obscurantismo, na forma de operações sistematicamente orquestradas de ataque ao pensamento crítico, em todos os setores em que isso for possível, para assim eliminar essa propriedade humana inimiga que em nada interessa. Conforme Dardot e Laval,

[o] novo neoliberalismo é a continuação do antigo de maneira pior. O marco normativo global que insere indivíduos e instituições dentro de uma lógica de guerra implacável, reforça-se cada vez mais e acaba progressivamente com a capacidade de resistência, desativando o coletivo

(2019, p. 9).

Em síntese, o avanço do anti-intelectualismo, sustentado pela aliança esdrúxula supracitada entre neoliberalismo primitivo, no âmbito econômico, e conservadorismo autoritário nos costumes, nos âmbitos da cultura, da religião e da educação, provoca reações ideológicas fortes contra o pensamento crítico, em suas mais diferentes possibilidades e versões, visando excluí-lo, sem qualquer escrúpulo, do financiamento público e da participação da esfera pública. O que está sendo ameaçado, em últimos termos, é a possibilidade da democracia como valor moral a cimentar as formas de vida das novas gerações.

Por isso, retomar o pensamento crítico na pluralidade de suas vozes tornou-se um imperativo educacional de primeira ordem. Nesse contexto, restabelecer o diálogo crítico com a tradição, buscando reinventá-la de acordo com as exigências atuais, é uma contribuição que a pesquisa educacional brasileira pode dar, sobretudo com foco no diálogo entre filosofia, psicanálise e formação humana. Na sequência, vamos fazer uma pequena incursão no pensamento de Sigmund Freud, visando retirar dele uma centelha crítica que possa nos auxiliar nessa tarefa educacional de crítica à atualidade e a seu respectivo reducionismo das possibilidades de livre expressão da condição humana contemporânea.

O Princípio da Ética em Freud

Sigmund Freud (2006b)FREUD, S. Proyecto de psicología. Buenos Aires: Amorrortu, v. 1, 2006b esboçou muito cedo as linhas gerais de uma ética. Em seu Projeto para uma psicologia científica, tratando das primeiras experiências do bebê humano em sua relação com o mundo e com o semelhante que o cuida, chamou atenção para o estado de desamparo primordial (Hilflosigkeit) do recém-nascido. Nessa situação, impossibilitado de prover por si mesmo as operações básicas que lhe permitiriam sobreviver, o bebê depende inteiramente de que alguém assuma seus cuidados e realize para e por ele tais operações. Assim, quando uma pessoa experiente é capaz de perceber o estado de desconsolo em que se encontra o bebê, quando logra interpretar sua desordenada e ineficaz agitação motora acompanhada de choro para nela ver uma mensagem, é que o bebê sente o consolo de encontrar as vias adequadas para satisfazer às suas necessidades. Essa dimensão da função materna, que Freud denomina “entendimento”, inaugura o vínculo da mãe com o bebê e realiza, mediado por palavras e atos de cuidado, um delicado gesto de inclusão desse último no mundo humano. Essa complexa sucessão de acontecimentos e ações fundantes leva Freud a afirmar que “o desvalimento inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais” (FREUD, 2006bFREUD, S. Proyecto de psicología. Buenos Aires: Amorrortu, v. 1, 2006b, p. 362, tradução nossa).

Detenhamo-nos, apenas por um instante, no núcleo dessa marcante intuição freudiana, porque ela, por ser de uma profundidade ética incalculável, tem grande alcance educacional, constituindo, por isso mesmo, o núcleo fundante da própria formação humana, em seu sentido plural, abrangente e dirigido a múltiplas direções. O desamparo inicial do bebê humano é paradigmático da própria fragilidade que acompanhará o ser humano ao longo de sua vida, mostrando-se de diferentes formas e intensidades. Todo ser humano experimenta tal desamparo e a maneira como cada um enfrenta sua condição de fragilidade varia muito, podendo acentuar o desejo de dominação, arrogância e onipotência obsessiva de uns e de submissão e obediência servil de outros. É por isso que se coloca, no âmbito da ética formativa, o problema da educação da dimensão excessiva e descontrolada do amor a si mesmo como tarefa educacional importante, visando à construção democrática do espaço público do viver juntos. Na atualidade, Martha C. Nussbaum está entre aqueles autores que, também em parte por inspiração freudiana, mais têm se ocupado com o problema da elaboração das emoções, tomando-o como indispensável à educação democrática. Segundo ela, do enfrentamento adequado do narcisismo infantil depende também a postura ética responsável do adulto, que o cultiva a proteger-se contra sua própria inclinação individualista, despertando-o para o sentido de reciprocidade afetuosa pelo outro (NUSSBAUM, 2008NUSSBAUM, M. C. Paisajes del pensamiento – la inteligencia de las emociones. Barcelona: Paidós Ibérica, 2008.; 2010NUSSBAUM, M. C. Sin fines de lucro – por qué la democracia necesita de las humanidades. Buenos Aires: Katz Editores, 2010.).

Nessa mesma linha de interpretação, o texto de Freud assinala, também como aspecto ético relevante, que o desamparo inicial põe, já na infância precoce do ser humano, o problema ético da relação com o outro, representado, paradigmaticamente, na relação entre o bebê e o adulto de referência mais próxima. Sendo assim, compreendemos com Freud que os “motivos morais” brotam do núcleo subjetivo da ética, cujo centro é a inclusão do semelhante, o qual é o ordenador vital do processo de humanização. O adulto cuidador vê no bebê um semelhante humano e o resgata de seu desamparo; o bebê, retroativamente, depois de passado o tempo de que necessita para adquirir condições de representar psiquicamente o mundo e os objetos que nele vivem, reconhecerá nesse semelhante esse ato fundamental: quando poderia fazer o que queria, quando tinha poder para decidir sobre seu destino, para fazer o que quisesse com sua vida, inclusive produzir dano, tudo o que fez foi acolhê-lo no mundo, incluí-lo no universo humano e dar-lhe lugar significativo em seu viver. Isso implica o reconhecimento de que ninguém existe sozinho e, em toda relação inter-humana, o fundamento ético orientador é o reconhecimento do semelhante, seu lugar, suas peculiaridades, prerrogativas e contingências.

Há aí, nessa relação primordial entre bebê e adulto de referência mais próxima, um duplo processo de reciprocidade ético-formativa, que instrui moralmente a própria humanidade sobre a possibilidade de que as relações humanas possam ser construídas não só com base no ódio e na inveja, mas também na generosidade e no cuidado recíproco: ao dedicar tempo precioso de sua vida para o cuidado do bebê, o adulto de referência mais próxima nos ensina a profundidade do genuíno amor generoso, enquanto o próprio bebê, de sua parte, aprende a dimensão de valores humanos por meio do intenso calor afetivo de acolhimento que recebe, justamente em situação de total desamparo. Quando, em um ato de desprendimento, vê o braço estendido do adulto que lhe é infinitamente “superior” – sendo “superior” aqui compreendido no sentido da assimetria estruturante presente nessa relação –, tal gesto marca-o decisivamente na formação saudável de sua estruturação psíquica. Esse é o fundamento inclusivo da ética esboçada por Freud que, sendo reinterpretada e reatualizada, fará fortuna nas teorias educacionais infantis posteriores.4 4 Entre outros autores, destacam-se Donald Winnicott, Daniel Stern e Jéssica Benjamin. Para uma interpretação atual da tradição neofreudiana, inserindo-a na perspectiva da teoria crítica do amor, ver Axel Honneth (2003, p. 159-177). De outra parte, para um estudo pioneiro e original da maneira como a primeira geração de frankfurtianos recebeu o pensamento de Freud, ver Wolfgang Bonss (1982, p. 367-325). Esse foi, também, visto retroativamente, o fundamento normativo das relações humanas na modernidade, princípio orientador da função de proteção e justiça desempenhada pelo Estado no campo dos direitos humanos no laço social.

Dezenove anos mais tarde, em Pulsão e seus destinos, Freud (1914)FREUD, S. Triebe und Triebschicksale. In: Gesammelte Werke. Band X: Werke aus den Jahren 1913:1917. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 1999. introduz, em sua teoria das pulsões, um aspecto importante, do ponto vista ético, como contraponto à reciprocidade humana entre o bebê e sua mãe, a saber, o problema da indiferença (Gleichgültigkeit) como característica nuclear de um estado primordial do sujeito, que Freud compara com uma espécie de narcisismo5 5 Vale sublinhar que aqui o termo “narcisismo” é tomado em sentido amplo e descritivo, não no sentido estrito e específico que recebe na metapsicologia psicanalítica. inerente aos tempos de origem (narzisstischer Urzustand). Ao tomar o amor como “expressão da totalidade da tendência sexual”, Freud concebe que a postura afetiva do amor se expressa geralmente a partir de três tempos, que por sua vez se expressam em três distintas polaridades, constituindo assim uma rede de relações humanas complexas e imprevisíveis. Tais polaridades, aqui centradas em torno da questão da relação sujeito/mundo exterior, governam a vida psíquica, orientando os ímpetos pulsionais humanos e tornando-se paradigmáticas por meio dos dois opostos amor e ódio. Para compreender o fenômeno da indiferença, que é o tema que nos interessa momentaneamente, precisamos nos concentrar na primeira polaridade constitutiva da vida psíquica humana em sua fase inicial; ou seja, nesse estado primordial anterior ao amor e ao ódio. Todavia, que tipo de polarização ocorre aí e por que ela se constitui em contraponto à tese da reciprocidade formativa da relação entre mãe e bebê?

No texto citado, Freud observou que a indiferença é o revés do reconhecimento e está presente em nosso psiquismo nos tempos arcaicos do processo de estruturação precoce, ou seja, quando a primeiríssima posição de um bebê diante do mundo que o circunda é de indiferença. Ela consiste numa espécie de assimilação da realidade a si mesmo e numa ausência de reconhecimento do mundo exterior. O argumento de Freud é denso e precisa ser reconstruído com muita atenção.

Bem no início da vida anímica, assim argumenta ele, o “Eu-real-inicial” opera como um corpo imerso no mundo, um estado arcaico anterior ao Eu como imagem de si e da própria representação psíquica do si mesmo. Daí a presença da noção do “real” em sua nomeação, dando conta de muito do impacto desse real, mais do que de suas apreensão e representação psíquicas, que são posteriores. Esse “Eu-real-inicial” está no mundo numa condição que se resume ao registro sensitivo imediato, um Eu-corpo que é, ele mesmo – em razão dos abalos sensitivos agradáveis e desagradáveis que sofre –, a realidade, não alcançando, assim, reconhecer a existência do mundo exterior, o que conduz à indiferença em relação a ele: “Portanto, o Eu-sujeito coincide nesse momento com o que é prazeroso, o mundo externo com o que é indiferente (eventualmente com o que, enquanto fonte de estímulos, é desprazeroso)” (FREUD, 1999FREUD, S. Triebe und Triebschicksale. In: Gesammelte Werke. Band X: Werke aus den Jahren 1913:1917. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 1999., p. 227, tradução nossa). Assim sendo, as sensações de prazer e desprazer operam como um registro do imediato sobre esse “Eu-real-inicial”, não como qualidades do mundo, uma vez que esse é, em si, indiferente. Tudo está nesse “Eu-real-inicial”, o agradável e o desagradável, o prazeroso e o desprazeroso, enquanto o mundo permanece ignorado e nem sequer entra em consideração, não surgindo como alvo de interesse, o que também ocorre com o adulto de referência mais próxima. Contudo, como o próprio Eu depara-se imediatamente com as mais diferentes situações de desamparo, necessita de cuidados que paulatinamente percebe proverem de uma fonte externa, inaugurando a diferença entre Eu e não-Eu. Emerge, desse modo, logo na origem da constituição psíquica, a tensão crucial da formação humana entre o desejo de onipotência confrontado com a condição de desamparo e os cuidados adultos que precisam ser dirigidos amorosamente para apaziguar o sofrimento de desamparo. Certamente, a constituição psíquica saudável dependerá muito do modo como o educador compreende e trata essa ambivalência primordial.

Freud (2006c)FREUD, S. Introducción del narcisismo. Buenos Aires: Amorrortu, v. 14, 2006c. seguiu argumentação semelhante no texto Introdução do narcisismo, ao referir que o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença, reafirmando que é imperioso começar a amar o outro para não enfermar de um amor intoxicante por si próprio. Temos aqui, com isso, duas outras facetas da condição humana infantil: a indiferença e o narcisismo – o que acentua ainda mais a importância do cultivo amoroso no desamparo primordial, pois a proteção amorosa do educador adulto desperta no infante a presença do outro como algo diferente de si mesmo, não meramente prolongamento objetalizado de si mesmo.6 6 É impressionante, sob esse aspecto, o quanto Johann Friedrich Herbart antecipa vários temas da psicanálise freudiana, especialmente, sobre a formação infantil baseada na autoridade amorosa adulta. Sobre o problema da condição infantil e sua relação com a autoridade amorosa em Herbart, ver Claudio A. Dalbosco (2018, p. 1131-1148). Sendo percebido progressivamente como um outro não-objetalizável, o adulto de referência mais próxima contribui para o descentramento infantil, pondo em xeque a autossuficiência enganosa que brota da indiferença e do amor excessivo por si mesmo e funcionando como polo atrativo do desejo que vem romper a posição inicial de indiferença a tudo o que o cerca.

Voltando ao nosso contexto inicial, fica claro que a ética que vigora no interior do laço social proposto pela racionalidade neoliberal implica uma completa reversão nesse princípio freudiano que aponta para o sustento subjetivo da posição ética e que repousa sobre um progressivo reconhecimento do semelhante. Se o semelhante sofre um processo de apagamento, deixando de existir como categoria interna que dá base à posição ética, abre-se caminho para um tipo específico de gozo sem limites ou fronteiras que se derrama sobre o outro: reduzido à condição de coisa ou instrumento, produz dessubjetivação. Ao fomentar calculadamente formas cada vez mais individualistas de vida, enfraquecendo visivelmente a solidariedade social, a racionalidade neoliberal provoca, a um só golpe, a destruição das capacidades que são indispensáveis à formação do sujeito solidário e o retorno da ilusória condição narcísica primordial, a saber, da frágil e ilusória autossatisfação onipotente. Contudo, fechado soberbamente em si mesmo, o sujeito contemporâneo expõe-se às mais diferentes formas de patologias sociais e políticas, entre as quais a vivência passiva na sombra da esfera pública.

Em O mal-estar na cultura, Freud (2006d)FREUD, S. El malestar en la cultura. Buenos Aires: Amorrortu, v. 21, 2006d, tratando das renúncias pulsionais a que o convívio coletivo nos obriga, especialmente aquelas impostas ao desejo e ao narcisismo, indica a necessidade de um constante trabalho psíquico para equilibrar internamente a frustração que a presença do outro produz como representativa do limite para o livre exercício do próprio gozo. A partir de existência da cultura, a liberdade individual fica limitada na medida exata em que começa o território do outro. Tais conquistas – exigências permanentes de trabalho para cada sujeito – podem se perder sob certas condições de fragilização às quais a cultura se vê submetida. Freud revela, na citação a seguir, um fragmento de realidade psíquica humana que todos desejaríamos poder desmentir:

O ser humano não é um ser manso, amável, no máximo capaz de defender-se quando o atacam, senão que é lícito atribuir à sua dotação pulsional uma boa cota de agressividade. Em consequência disso, o próximo não é somente um auxiliar e objeto sexual, senão uma tentação para que nele se satisfaça a agressão, para explorar sua força de trabalho sem ressarcimento, usá-lo sexualmente sem seu consentimento, despossuí-lo de seu patrimônio, humilhá-lo, infringir dores, martirizá-lo e assassiná-lo. [...] Essa agressão cruel aguarda, em geral, uma provocação e [...] sob circunstâncias propícias, quando estão ausentes as forças anímicas contrárias capazes de inibi-la, exterioriza-se espontaneamente e desmascara os seres humanos como bestas selvagens que sequer respeitam os membros de sua própria espécie

(2006dFREUD, S. El malestar en la cultura. Buenos Aires: Amorrortu, v. 21, 2006d, p. 108, tradução nossa).

Essa é uma das passagens mais importantes do texto freudiano supracitado, que trouxe na época uma contribuição, ainda válida para os dias de hoje, importante para se compreender criticamente a condição humana e, sobretudo, o modo como ela se entrelaça com a estrutura social, dando consentimento e, inclusive, impulsionando a exploração do ser humano pelo próprio ser humano. Ou seja, a tese freudiana de fundo sustenta que a condição humana é constituída, já em sua origem, por pulsões agressivas que a conduzem para a ação violenta, naturalizando, de certo modo, as injustiças e desigualdades sociais.7 7 Sobre o problema da agressividade e da violência da condição humana, bem como o ócio estudioso como seu contraponto crítico, ver Claudio A. Dalbosco (2020, p. 29-46). Quando potencializada por lógicas econômicas injustas e conduzida por governos autoritários e retrógrados, a agressividade humana traduz-se em mais violência, exclusão social, cultural e educacional, gerando morte em vez de vida. Essa tese freudiana inspirou muitos estudos subsequentes, destacando-se, entre outros, os estudos de Adorno, que a tomaram como referência para refinar sua crítica social às diferentes formas de totalitarismo contemporâneo (ADORNO, 2015ADORNO, T. W. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo: Editora Unesp, 2015.).

Perversão, Práticas Perversas e Perversão Narcisista

Este tópico se dedica a aspectos que se vinculam indiretamente com a racionalidade neoliberal e com as práticas obscurantistas. Consistem na exteriorização de traços psíquicos cuja ocorrência dentro das relações humanas se vê, todavia, facilitada quando o laço social está sob vigência dessas modalidades prescritivas. São práticas discursivas e modos de se dirigir ao outro que merecem ser examinados sob a ótica do conceito de perversão. Lidam com variantes da violência simbólica como desqualificação, deboche, escracho e humilhação e podem ter como motivo questões de raça, gênero ou batalhas de violência verbal, cujo triunfo a intolerância orgulhosamente chama “lacração”, figura violenta de linguagem que designa o silenciamento do diferente.

A natureza perversa dessas práticas demanda uma revisão desse conceito. Em primeiro lugar é preciso ampliar a noção de perversão para além da área restrita das práticas sexuais e fazê-la abarcar as peculiaridades relacionais do intercurso humano. Não é objetivo desse ensaio dissecar o conceito de perversão em Freud e suas implicações para a estrutura psíquica do sujeito, contudo é importante que comecemos brevemente por ele. Assim sendo, faz-se necessária uma sucinta revisão do pensamento freudiano acerca da perversão para depurarmos o núcleo teórico em torno do qual se organiza a noção de perversão em Freud até chegarmos à ideia da perversão narcisista proposta nesse subtítulo.

Freud (2006e)FREUD, S. Tres ensayos de teoría sexual. Buenos Aires: Amorrortu, v.7, 2006e propõe, nos Três ensaios sobre a sexualidade, que a sexualidade se origina a partir da intervenção humana sobre o corpo do bebê, nele produzindo marcas que inauguram as zonas erógenas e a própria sexualidade. Desse corpo, agora um corpo erógeno – mas ainda não integrado nem imaginariamente unificado –, emanam sensações de valor erótico que brotam de diferentes zonas do corpo. Inicialmente, essa sexualidade tem um caráter perverso-polimorfo, ou seja, está muito distante do padrão socialmente definido do sexo genital com finalidade de procriar, ao qual deve chegar após tortuoso desenvolvimento e sem garantia de que isso aconteça. Mesmo quando a sexualidade perverso-polimorfa vai sendo ordenada sob outras formas mais elaboradas – saindo do próprio corpo e do amor por si mesmo para tomar em consideração um objeto de amor externo eleito –, a sexualidade infantil segue vigente no adulto, tanto habitando seu inconsciente quanto fazendo parte acessória preliminar do ato sexual. A pulsão pode, assim, ser considerada essencialmente perversa – mas num sentido ampliado, não no sentido estrito que a psicopatologia confere ao termo. Um largo trabalho de domínio sobre essa natureza bárbara da pulsão precisa ser realizado pelo sujeito em seu processo de desenvolvimento e durante sua formação, coisa que não pode ocorrer sem a participação do semelhante.

Muito embora Freud considere a manifestação perversa restrita à vida sexual, faz ver que, por trás dela, jazem mecanismos psíquicos que ordenam e definem a estrutura do sujeito, ou seja, que abarcam um espectro muito mais amplo que seu comportamento sexual manifesto para formar parte do próprio caráter do sujeito. Assim, por força de uma fixação a modalidades da sexualidade infantil, o sujeito adulto a elas regride quando exibe uma manifestação perversa. Em textos mais tardios de seu desenvolvimento teórico,8 8 Sobre esse tema, podemos citar – além da tríade de textos que trata do Complexo de Edipo, La organización genital infantil (2006h), La demolición del complejo de Edipo (2006i) e Algunas consecuencias psíquicas de la diferencia anatómica entre los sexos (2006j) – El fetichismo (2006k), La escisión del yo en el proceso defensivo (2006l) e Esquema del psicoanálisis (2006f). contudo, Freud faz intervir outro processo psíquico que assume importância decisiva para a compreensão da perversão e que será do máximo interesse para nosso tema. Trata-se do desmentido ou denegação. Não poderemos descrever a complexidade desse processo neste espaço, apenas referir que ele se apresenta como uma possibilidade diante do impacto do real representado pela angústia de castração, angústia essa sentida pela criança quando se depara com a percepção da diferença entre os corpos. Inicialmente ignorada, essa percepção se impõe como uma constatação, uma enigmática mensagem vinda do real.

Nesse momento, com o recurso simbólico que possui – que restringe seu reconhecimento dos órgãos sexuais somente àquele que é visível –, tudo o que a criança pode fazer com a violenta percepção é dividir o mundo em duas classes de seres: aqueles que possuem o pênis e os despossuídos. Uma intensa angústia se apossa da criança, confrontada com uma representação de tal complexidade, que extrapola suas condições de elaboração. Além do mais, ela se defronta com o aflitivo dilema de que essa parte corporal tão importante, ausente em algumas pessoas, foi perdida, e de que essa perda pode estar ligada à satisfação imaginária de seus desejos. Assim, o pequeno se vê diante do fato de ter que realizar uma renúncia pulsional e, reconhecendo o perigo real de uma perda, rever os caminhos de seu desejo. Isso é o que acontece na neurose, quando se opera a renúncia pulsional que culmina no recalque do desejo no inconsciente. Todavia, esse não é o único caminho e outras possibilidades se apresentam: recusar a realidade como um todo e substituí-la por uma realidade interna – rompimento que ocorre nas psicoses –; ou aceitar essa realidade, reconhecê-la, mas colocá-la entre parênteses, como se enunciasse: “sim, sei não posso seguir com isso, mas mesmo assim acho que dá para seguir.” Esse processo de desmentido ocorre com toda criança – da mesma forma que é visível, ainda que de forma matizada, em muitos adultos neuróticos –, mas sua estratificação como caminho de enfrentamento com o interdito e a lei é o que permite a instalação da estrutura perversa. No Esboço de psicanálise, Freud refere:

Os fatos dessa cisão que descrevemos não são nem tão novos nem tão estranhos como à primeira vista pode parecer. Que, com respeito a uma determinada conduta subsistam, na vida anímica da pessoa, posturas diversas contrapostas uma à outra e independentes entre si é traço universal das neuroses; só que, nesse caso, uma pertence ao Eu enquanto a contraposta pertence ao Isso. A distinção entre ambos os casos é, essencialmente, tópica e estrutural, e nem sempre resulta fácil decidir diante de qual dessas possibilidades se está

(2006fFREUD, S. Esquema del psicoanálisis. Buenos Aires: Amorrortu, v. 23, 2006f, p. 205-206, tradução nossa).

Essa fenda aberta dentro do próprio Eu atinge, evidentemente, suas relações com o real externo. A interdição, que aqui representa a lei, será alvo de diversas manobras psíquicas cuja finalidade é relativizá-la e anular seus efeitos. Nesse ponto, Mieli (2012)MIELI, P. Uma nota sobre a diferenciação estrutural de Freud entre neurose e perversão. Reverso, Belo Horizonte, v. 34, n. 63, p. 91-102. jun. 2012. interpola importante observação ao referir que, ao reconhecer e, de imediato, renegar o impacto do princípio da realidade representado pela lei, o desmentido eleva o que era uma contradição a uma questão ética na qual o sujeito se permite aceitar atalhos que burlem a renúncia pulsional. É essa exatamente a dimensão ética que nos interessa aqui.

Se o obstáculo para o atingimento da satisfação solipsista do sujeito for o outro, o semelhante, esse mesmo pode ser denegado, tendo apagada sua existência e – embora o sujeito perverso saiba que isso ou aquilo não se deve fazer, embora reconheça a implicação contrária à lei de seus atos subsequentes – ele segue adiante na direção de fazer o mal, amparado por essa ética particular e relativizadora e se justificando das mais diversas maneiras. Não raro essa justificativa se materializa ao depositar no outro a culpa pelo que acontece, transferindo a esse a responsabilidade por seus atos. Nesse sentido, estamos de acordo com Mieli (2012)MIELI, P. Uma nota sobre a diferenciação estrutural de Freud entre neurose e perversão. Reverso, Belo Horizonte, v. 34, n. 63, p. 91-102. jun. 2012. quando refere que a compreensão do mecanismo de renegação e da cisão no Eu que ele impõe, permite conceber a perversão como algo que opera no nível do caráter, sem se expressar necessariamente pela via direta do comportamento sexual. Afinal, esse modo de posicionar-se, apagando qualquer outro que seja obstáculo ao seu desejo, também se realiza por meio do gozo; ou seja, o gozo de suprimir, expropriar e triunfar sobre o outro.

Avançando em nossa argumentação, podemos afirmar, com Denis (2012)DENIS, P. Redefinición de la perversión. Revista Uruguaya de Psicoanálisis, Montevideo, n. 115, p. 75-82, 2012., que uma prática é perversa quando um sujeito abusa de outro para subjugá-lo e triunfar sobre ele. Isso exige englobar, no conceito de perversão, a perversidade relacional que ocorre sempre que alguém impõe sobre o outro suas modalidades de prazer sem levar em conta aquilo de que esse outro necessita. Quando subordinado ao desejo de uma única pessoa, o ato assume caráter perverso, porque nele reside o apagamento do outro. O autor propõe chamar esse ordenamento subjetivo de “perversão narcisista”. Recamier (apud DENIS, 2012DENIS, P. Redefinición de la perversión. Revista Uruguaya de Psicoanálisis, Montevideo, n. 115, p. 75-82, 2012.) já havia definido anteriormente a perversão narcisista não como perversão sexual, mas como perversão moral. Ela consiste numa tendência ativa, por parte do sujeito, de alimentar seu narcisismo às expensas do narcisismo do outro. Esse transtorno aponta um tipo de caráter em que a pessoa não tolera nenhum conflito interno, aliviando-se ao jogá-los sobre o outro. Conforme Denis, o sujeito tende a mascarar a percepção e a profundidade de suas próprias falhas e de seus déficits narcísicos cultivando, para tanto, um enfrentamento muito particular com os outros, no qual, para valorizar-se, ataca o Eu de seu semelhante e goza com seu desconcerto. Não é difícil constatar que, nesse cenário, o erotismo, no sentido ampliado que Freud lhe atribui, está ausente. Para Denis, “esse tipo de perversão, se não é forçosamente antissexual, é antiamorosa” (DENIS, 2012DENIS, P. Redefinición de la perversión. Revista Uruguaya de Psicoanálisis, Montevideo, n. 115, p. 75-82, 2012., p. 80).

Birman (2009)BIRMAN, J. Pacto perverso e biopolítica. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 381-396, 2009. https://doi.org/10.1590/S0103-56652009000200009
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, por sua vez, num ensaio chamado Pacto perverso e biopolítica, aborda a perversão pelo ângulo do desejo de fazer o mal. Nesse texto, recorrendo a Stoller (apud BIRMAN, 2009BIRMAN, J. Pacto perverso e biopolítica. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 381-396, 2009. https://doi.org/10.1590/S0103-56652009000200009
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), o autor refere que a perversão se plasma em razão de experiências traumáticas precoces sofridas pelo sujeito que produzem um sentimento de insuficiência de ser. Esse profundo sentimento de desalento e desvalor, que permanece inconsciente, faz desprender uma enorme quantidade ódio e inveja na vida psíquica do sujeito. O resultado disso é um desejo de estragar o outro a qualquer custo, destroçando todos os seus bens e fazendo com que sofra a mesma devastação do sentimento de si que ele próprio experimentou em sua história. Em uma passagem lapidar, Birman esclarece o nexo entre desejo de fazer o mal e perversão humana:

O que está em pauta na perversão é o efeito de desorganização psíquica produzido por certas experiências traumáticas, pelas quais a insuficiência de ser se inscreve no psiquismo de maneira brutal e insofismável, num tempo precoce da sua existência como sujeito. Dessa maneira, o desalento se instaura nesse que não se acredita mais como detentor das mesmas insígnias e potências libidinais que os outros. Daí a certeza de insuficiência que disso resulta, que se acopla e se declina com a presença devastadora do ódio no seu psiquismo. O sujeito seria assim tomado pelo desejo de fazer mal ao outro, para retomar a concisa definição de perversão enunciada por Stoller (1978)

(2009, p. 389).

É nesse sentido que o conceito ampliado de perversão serve como crítica da aliança entre autoritarismo moral obscurantista e racionalidade do neoliberalismo primitivo. Se uma das características centrais da personalidade perversa é fazer mal ao outro, podemos indagar então o que ocorre quando o gestor público se torna simplesmente indiferente ao sofrimento do outro, sofrimento esse que vem expressado pelo depauperamento ocupacional, pela fome, pelo desamparo e pela angústia diante da própria morte. Pode-se ver, com isso, o quanto o desamparo primordial pode se tornar força onipotente destrutiva, acentuando a pulsão de morte, expressadas concretamente pela realidade social violenta e injusta.

Considerações Finais

Foi intenção deste ensaio articular, a partir do vértice psicanalítico e educacional formativo, a racionalidade neoliberal, o obscurantismo e seus efeitos na subjetivação humana. Para tanto, foi adotada a hipótese de que, para se estabelecer, além do pesado jogo dos interesses do capital, a racionalidade neoliberal conta com a ajuda do predomínio da indiferença no interior dos laços humanos e com a dose de perversidade necessária para dar sustento a esse tipo de relação humana. O novo regramento social e subjetivo imposto pela lógica neoliberal – combinatória de individualismo, ruptura do laço fraterno, extermínio da obra coletiva em favor de uma competição selvagem e sucumbência masoquista do sujeito diante dessa lógica – recebe auxílio de indivíduos cujo funcionamento psíquico se organiza sob as condições de uma perversão narcisista. Esse tipo de vínculo conduz a uma perda de pudor para avançar os limites e à extrapolação da violência nas trocas humanas. Resultado: cada vez mais se divide, entre muitos, a pobreza, enquanto a riqueza se concentra entre poucos.

Como contraponto a esse regramento das relações humanas que leva ao apagamento do semelhante, recorremos a uma interpretação da ética em Freud, pondo em seu núcleo central o princípio da inclusão do semelhante. O principal responsável por fazê-lo, na fase inicial do bebê humano, é o adulto de referência mais próxima, que está comprometido com a estruturação psíquica e se faz responsável, nesse sentido, pelo processo de humanização que a todos constitui. Essa posição de reconhecimento do semelhante possibilita o estabelecimento da alteridade e da diferença entre gerações como via da construção da normatividade baseada no reconhecimento. Permite a formação de experiências coletivas, única forma de fazer frente à fragmentação subjetiva que a lógica neoliberal propõe e que recebe alento no narcisismo humano desmesurado. Na falta dessa integridade psíquica, o que surge são permissões para que o gozo desmesurado sobre o outro ganhe, sob aplausos, um espaço público já esvaziado de qualquer possibilidade de formar resistência.

Por essa via, retomamos o conceito de perversão em sentido amplo. São consideradas perversas as práticas que consistem na apropriação, para gozo de alguém, dos corpos e mentes dos sujeitos, transformados em instrumentos. É nessa seara que viceja o obscurantismo. Ele permite que se pautem decisões por interesses particulares que substituem o coletivo pela crença parcial de determinado grupo; que se tomem medidas destinadas a combater o pensamento e atacar seus centros de produção; que se decidam políticas públicas a partir de premissas preconceituosas, que se façam afirmativas falsas e se disseminem essas afirmativas; que se governe para o deleite de um séquito, não para todos. O obscurantismo estende tentáculos a várias dimensões da vida humana, andando com seus múltiplos braços dados, na esfera política, com o totalitarismo ou o populismo; na esfera econômica, com o neoliberalismo, que transforma governantes em administradores; na esfera científica, com a certeza, a fabricação de soluções de vida que podem ser vendidas em farmácias ou como técnicas comportamentais ou de coaching – o comércio da felicidade; na esfera dos vínculos humanos, com a perversão narcisista, a indiferença, o maniqueísmo e o fim do espaço coletivo no mundo dividido entre nós e eles.

Realizando uma arqueologia da ética freudiana, encontramos que seu fundamento repousa no fato de que a humanização depende de um reconhecimento recíproco. O reconhecimento do outro humano como semelhante inaugura a função da alteridade e dela derivam todos os motivos morais. A pesquisa se apoiou no desejo como fonte do saber e no saber como desejo. Consideramos que valha a pena colocarmos em conexão esse princípio ético freudiano como fonte de investigação para produzir uma pesquisa centrada na formação humana. Quase podemos ouvir o argumento de que esse é um pensamento idealista, desconectado de um mundo que funciona em outro giro, que precisa de pessoas pragmáticas sem tempo ou interesse de escutar discursos utópicos. Coisa de gente sonhadora e de perdedores. Que seja. Até porque está cada vez mais raro ouvir alguém dizer “tenho paixão pelo que faço”, esfacelados que estão os recursos para buscar algo apaixonadamente graças à inibição da pulsão de saber e do prazer da descoberta. Dominada pela urgência mercadológica, que impõe um ritmo pragmático e utilitarista à ação humana, a educação vem perdendo seu papel vital de ser descortinadora de horizontes, afundando-se na lógica empresarial massacrante, que transforma tudo, inclusive a própria organização curricular, em mecanismo de troca monetária. De outra parte, no plano da cultura, a invasão brutal do dogmatismo reducionista traz a vida, já desprovida de sentido, para o nível mais básico de subsistência e dá fim aos sonhos. É decorrência da cultura da indiferença a substituição da paixão pelo gozo e, tão triste quanto isso, o encontrar gozo na adaptação à racionalidade neoliberal e à sua sustentação perversa entre empreendedorismo individualista e destruição dos laços sociais solidários. Talvez possamos encontrar aí, nesse encaixe sinistro entre lógica econômica embrutecedora e perversão humana de espírito doentio, um novo anúncio do fim do rosto humano desenhado na praia e destruído pelo avanço das ondas revoltas (FOUCAULT, 1990FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1990.).

Se, na proposição de Freud citada na introdução deste ensaio, não existe lugar para verdades prontas, apriorísticas, absolutas; se não servem dogmas inquestionáveis, nenhum saber último e definitivo – mas o constante balanço do contraponto e do diálogo entre descobertas que deixam sempre aberto o campo de investigação – é porque nela o respeito pelo processo de construção do saber está preservado. Ao lermos Um estudo autobiográfico (FREUD, 2006gFREUD, S. Un estudio autobiográfico. Buenos Aires: Amorrortu, v. 20, 2006g.) – autobiografia intelectual de Freud –, podemos perceber o quanto é sofrido, mas indispensável, o processo de construção do conhecimento; o quanto novas descobertas, baseadas no escrutínio meticuloso de novas observações, conduz ao abandono de antigos conceitos e crenças para introduzir outros novos. Freud sempre concebeu a psicanálise como uma ciência rigorosa. Em razão disso, desejou colocá-la como uma ciência da natureza (Naturwissenschaft), não como uma ciência do espírito (Geisteswissenschaft) – de acordo com a clássica divisão da filosofia alemã em relação ao campo científico. Contudo, no avanço de sua investigação sobre as dimensões social e cultural do inconsciente, percebeu que o rigor buscado precisava dar conta da contingência e da indeterminabilidade da ação humana, sobretudo porque a maior parte de sua “misteriosa” significação brota do subsolo, cujo acesso depende não só do rigor metodológico, mas também do polimento ético e da sensibilidade estética do analista, alicerçados em princípios de interpretação hermenêutica. Na medida em que avança ao destrinchar os laços espúrios entre lógica mercantil embrutecedora e os modos perversos de ação de mentes psiquicamente perturbadas, abre, sem dúvida, muitas possibilidades para pensar a força do inconsciente no processo formativo educacional humano. Põe em evidência, por exemplo, como procuramos argumentar anteriormente, que não só a indiferença, mas também o laço amoroso são constitutivos da condição humana e que, ao ser construído de maneira ético-formativa nos tempos mais precoces da infância, esse desempenhará papel decisivo no equilíbrio psíquico e na formação humana subsequente. Um ser humano bem estruturado psiquicamente é condição indispensável para a capacidade de julgar autônoma que se opõe a todo tipo de obscurantismo e de servilismo humano, social e político.

Notas

  • 1
    Para uma visão crítica do sujeito como possuidor de si mesmo, ver Vladimir Safatle (2015, p. 173-196)SAFLATE, V. Dos problemas de gênero a uma teoria da despossessão necessária: ética, política e reconhecimento em Judith Butler. In: BUTLER, J. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015..
  • 2
    Sobre o confronto crítico entre Rousseau e Dewey, como dois grandes teóricos da educação moderna e contemporânea, ver Claudio A. Dalbosco e Miguel da Silva Rossetto (2019, p. 68-83)DALBOSCO, C. A.; ROSSETO, M. S. John Dewey como leitor de Jean-Jacques Rousseau: o problema da formação das capacidades humanas. Revista Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 14, n. 1, p. 68-83, 2019. https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.14n1.004
    https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.14n1....
    .
  • 3
    Cabe acentuar que o problema da precarização cultural, embora apareça de maneira acentuada na sociedade brasileira, não é exclusividade dela, mas sim um fenômeno mundial. Sobre isso, ver o interessante estudo de Konrad Paul Liesmann (2011)LIESSMANN, K. P. Theorie der Unbildung. München: Pipper, 2011., que analisa o problema espacialmente em países europeus.
  • 4
    Entre outros autores, destacam-se Donald Winnicott, Daniel Stern e Jéssica Benjamin. Para uma interpretação atual da tradição neofreudiana, inserindo-a na perspectiva da teoria crítica do amor, ver Axel Honneth (2003, p. 159-177). De outra parte, para um estudo pioneiro e original da maneira como a primeira geração de frankfurtianos recebeu o pensamento de Freud, ver Wolfgang Bonss (1982, p. 367-325)BONSS, W. Psychoanalyse als Wissenschaft und Kritik. Zur Freudrezeption der Frankfurter Schule. In: BONSS, W.; HONNETH, A. (Hrsg.). Sozialforschung als Kritik. Zum sozialwissenschaftlichen Potential der Kritischen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1982..
  • 5
    Vale sublinhar que aqui o termo “narcisismo” é tomado em sentido amplo e descritivo, não no sentido estrito e específico que recebe na metapsicologia psicanalítica.
  • 6
    É impressionante, sob esse aspecto, o quanto Johann Friedrich Herbart antecipa vários temas da psicanálise freudiana, especialmente, sobre a formação infantil baseada na autoridade amorosa adulta. Sobre o problema da condição infantil e sua relação com a autoridade amorosa em Herbart, ver Claudio A. Dalbosco (2018, p. 1131-1148)DALBOSCO, C. A. Condição infantil e autoridade amorosa em Johan Friedrich Herbart. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 3, p. 1131-1148, 2018. https://doi.org/10.1590/2175-623674872
    https://doi.org/10.1590/2175-623674872...
    .
  • 7
    Sobre o problema da agressividade e da violência da condição humana, bem como o ócio estudioso como seu contraponto crítico, ver Claudio A. Dalbosco (2020, p. 29-46)DALBOSCO, C. A. Violência humana e papel do ócio estudioso. In: TREVISAN, A. L.; TOMAZETTI, E. M.; ROSSATTO, N. D. Filosofia e educação: escola, violência e ética. Curitiba: Appris, 2020..
  • 8
    Sobre esse tema, podemos citar – além da tríade de textos que trata do Complexo de Edipo, La organización genital infantil (2006hFREUD, S. La organización genital infantil. Buenos Aires: Amorrortu, v. 19, 2006h.), La demolición del complejo de Edipo (2006iFREUD, S. La demolición del complejo de Edipo. Buenos Aires: Amorrortu,, v. 19, 2006i) e Algunas consecuencias psíquicas de la diferencia anatómica entre los sexos (2006jFREUD, S. Algunas consecuencias psíquicas de la diferencia anatómica entre los sexos. Buenos Aires: Amorrortu, v. 19, 2006j.) – El fetichismo (2006kFREUD, S. El fetichismo. Buenos Aires: Amorrortu, v. 21, 2006k.), La escisión del yo en el proceso defensivo (2006lFREUD, S. La escisión del yo en el proceso defensivo. Buenos Aires: Amorrortu, v. 23, 2006l.) e Esquema del psicoanálisis (2006fFREUD, S. Esquema del psicoanálisis. Buenos Aires: Amorrortu, v. 23, 2006f).
  • Ensaio vinculado ao projeto de pesquisa “Formação Humana e Desenvolvimento Sustentável”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na modalidade de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ).

Referências

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  • DALBOSCO, C. A. Violência humana e papel do ócio estudioso. In: TREVISAN, A. L.; TOMAZETTI, E. M.; ROSSATTO, N. D. Filosofia e educação: escola, violência e ética. Curitiba: Appris, 2020.
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Editor de Seção: Pedro Goergen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2020
  • Aceito
    20 Jan 2022
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