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A pesquisa e a criação de conhecimentos na pós-graduação em educação no Brasil: conversas com Maria Célia Moraes e Acácia Kuenzer

Research and knowledge production in Brazilian post-graduation in education: a dialogue with Maria Célia Moraes e Acácia Kuenzer

Resumos

A partir de artigo publicado por Moraes e Kuenzer em Educação & Sociedade 93, sobre questões da pós-graduação em educação, as autoras discutem a história e o desenvolvimento da educação como campo de pesquisa, a partir das múltiplas contribuições possíveis, trazendo aspectos diferentes e mesmo contraditórios aos abordados no texto com o qual discutem. Concordando com as autoras sobre a importância da relação prática-teoria-prática para o campo, entendemos que a história da área "educação" permite ampliar a discussão. Entendemos, ainda, que a complexidade e a transdisciplinaridade que caracterizam o campo permitem identificá-lo como mediador de múltiplas práticas e teorias, bem como de modos diferenciados de com elas pensar e agir. Para buscar entender essa riqueza e pluralidade das práticas, as articulações destas com as teorias e os diversos aspectos que formam o campo, lançamos mão da, para nós, indispensável, noção de tessitura de conhecimentos em redes.

Pós-graduação; Conhecimento em redes; Campo; Cotidiano escolar; Relação prática-teoria-prática


Based on a paper by Moraes and Kuenzer published in Educação & Sociedade 93, which raised issues related to post-graduation in Education, this paper discusses the history and development of education as a field of studies considering various possible contributions of research and presenting aspects that differ from and even contradict those brought forth by these authors. In total agreement with the referred authors about the importance of the practice-theory relations to the field, it claims that the history of the "education" area allows widening this discussion. The complexity and transdisciplinarity that characterize the educational field is regarded as a mediator of both multiple practices and theories and different modes of thinking and acting with them. Considering education as a field which comprehends multiple practices, the authors focus on the notion of interwoven knowledge nets so as to grasp the ways theory and practice are articulated, which could not be achieved otherwise.

Post-graduation; Knowledge nets; Field; Everyday life studies; Practice-theory-practice relation


DEBATE

A pesquisa e a criação de conhecimentos na pós-graduação em educação no Brasil: conversas com Maria Célia Moraes e Acácia Kuenzer

Research and knowledge production in Brazilian post-graduation in education: a dialogue with Maria Célia Moraes e Acácia Kuenzer

Inês Barbosa de OliveiraI; Nilda AlvesII

IPós-doutora pela Universidade de Coimbra, professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e subcoordenadora do Laboratório Educação e Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br). E-mail: inesbo@terra.com.br

IIPós-doutora pelo Institut National de Recherche Pédagogique (INRP)/Ministère de l'Éducation (França), professora titular da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora do Laboratório Educação e Imagem. E-mail: nildalves@uol.com.br

RESUMO

A partir de artigo publicado por Moraes e Kuenzer em Educação & Sociedade 93, sobre questões da pós-graduação em educação, as autoras discutem a história e o desenvolvimento da educação como campo de pesquisa, a partir das múltiplas contribuições possíveis, trazendo aspectos diferentes e mesmo contraditórios aos abordados no texto com o qual discutem. Concordando com as autoras sobre a importância da relação prática-teoria-prática para o campo, entendemos que a história da área "educação" permite ampliar a discussão. Entendemos, ainda, que a complexidade e a transdisciplinaridade que caracterizam o campo permitem identificá-lo como mediador de múltiplas práticas e teorias, bem como de modos diferenciados de com elas pensar e agir. Para buscar entender essa riqueza e pluralidade das práticas, as articulações destas com as teorias e os diversos aspectos que formam o campo, lançamos mão da, para nós, indispensável, noção de tessitura de conhecimentos em redes.

Palavras-chave: Pós-graduação. Conhecimento em redes. Campo. Cotidiano escolar. Relação prática-teoria-prática.

ABSTRACT

Based on a paper by Moraes and Kuenzer published in Educação & Sociedade 93, which raised issues related to post-graduation in Education, this paper discusses the history and development of education as a field of studies considering various possible contributions of research and presenting aspects that differ from and even contradict those brought forth by these authors. In total agreement with the referred authors about the importance of the practice-theory relations to the field, it claims that the history of the "education" area allows widening this discussion. The complexity and transdisciplinarity that characterize the educational field is regarded as a mediator of both multiple practices and theories and different modes of thinking and acting with them. Considering education as a field which comprehends multiple practices, the authors focus on the notion of interwoven knowledge nets so as to grasp the ways theory and practice are articulated, which could not be achieved otherwise.

Key words: Post-graduation. Knowledge nets. Field. Everyday life studies. Practice-theory-practice relation.

Todo conhecimento é uma prática social de conhecimento, ou seja, só existe na medida em que é protagonizado e mobilizado por um grupo social, atuando num campo social em que atuam outros grupos rivais protagonistas ou titulares de formas rivais de conhecimento. Os conflitos sociais são, para além do mais, conhecimentos de conhecimento. O projeto educativo emancipatório é um projeto de aprendizagem de conhecimentos conflitantes com o objetivo de, através dele, produzir imagens radicais e desestabilizadoras dos conflitos sociais em que se traduziram no passado, imagens capazes de potencializar a indignação e a rebeldia. (Santos, 1996)

Ao lermos o artigo escrito por Maria Célia Moraes e Acácia Kuenzer, publicado na revista Educação & Sociedade 93, entendemos que ele é um chamamento ao diálogo entre pesquisadores e pesquisadoras do campo da educação. Tomando a decisão de aceitar o desafio e dialogar com o que foi escrito no referido artigo, com base no que pensamos sobre o campo, vimos que valia a pena dar uma contribuição conjunta de uma pesquisadora que poderíamos chamar "histórica" e uma outra com participação significativa no campo, mas há menos tempo que a primeira. Esta possibilidade remete às discussões e aos diálogos que vemos como necessários entre as diversas gerações de pesquisadores, com seus modos diferentes de encaminhar as pesquisas em educação. Desde já, no entanto, devemos informar que nós duas trabalhamos, há muito, em pesquisas que fomos chamando de nos/dos/com os cotidianos, com muitos outros colegas, históricos ou não.1 1 . Citaríamos, com medo de esquecer alguns, os grupos coordenados por: Regina Leite Garcia e Maria Teresa Esteban, na UFF; Carlos Eduardo Ferraço e Janete Magalhães Carvalho, na UFES; Marcos Reigota, na UNISO; Corinta Geraldi, na UNICAMP. Além desses que se preocupam diretamente com o cotidiano, lembraríamos também aqueles que, de modos diferenciados, nos têm permitido diálogos e discussões importantes: Ana Chrystina Mignot, Raquel Goulart Barreto, Maria Luiza Oswald e Rita Ribes, na UERJ, participantes de atividades do Laboratório Educação e Imagem; Elizabeth Macedo, Alice Casimiro Lopes, Maria de Lourdes Tura e Edil Vasconcelos Paiva, companheiras da linha de pesquisa "Cotidiano e cultura escolar", no PROPED/UERJ; Antonio Carlos Amorim, da UNICAMP; Marisa Vorraber Costa e Alfredo Veiga-Neto, na UFRGS e ULBRA.

Em contrapartida, deixamos claro, já aqui, que entendemos, como as autoras do texto de referência, a importância da teoria para o desenvolvimento da ciência, em qualquer dos seus campos, assumindo como central, no desenvolvimento das pesquisas nos/dos/com os cotidianos da educação, a expressão que vimos cunhando, para compreender a indissociabilidade da prática com a teoria: práticateoriaprática.

Sobre a necessidade de algumas histórias da pós-graduação no Brasil

Começamos, já que assim o fizeram nossas desafiantes, a pensar a trajetória do campo da educação, desde sua criação, no Brasil. Ou seja, que aspectos destacaríamos como caracterizadores dessa área, em sua trajetória histórica em nosso país, buscando organizar uma "nossa" história da subárea educação.

Inicialmente, pensamos nos pesquisadores 1 do CNPQ – incluindo aqueles que mesmo sem o serem, oficialmente, tiveram a mesma importância na formação do campo2 2 . Citamos um só: Osmar Fávero. –, que são os portadores da primeira história da pós-graduação,3 3 . Todos podem saber a quem nos referimos, mas queremos citar duas mulheres que foram importantes para nós, além de para o campo, e que são "oficialmente" pesquisadoras 1: Maria de Lourdes Fávero e Julieta Calazans. e verificamos, de saída, que a maioria se dedicou, nesses tempos heróicos, a estudar o que foi chamado de "fundamentos da educação" e as "políticas educacionais", entendidas, muitas vezes, como as políticas oficiais.4 4 . Creio que o primeiro estudo clássico que se poderia citar, por sua importância, foi aquele que Luiz Antonio Cunha desenvolveu sobre a história das universidades brasileiras. Poucos se dedicaram, desde sempre, a desenvolver trabalhos sobre a prática.5 5 . O nome de Vera Candau deve ser lembrado, uma vez que, desde o início de sua trajetória como "militante" do campo, preocupou-se com a relação prática-teoria-prática. Somos obrigadas a lembrar também os trabalhos de Osmar Fávero sobre os movimentos sociais de alfabetização. Essas opções feitas tiveram uma importância capital para caracterizar o campo: deram-nos base para uma prática política que não se encontra igual no mundo na área, na qual nossas tantas diferenças eram "colmatadas", nos momentos de crise ou nos quais éramos/somos chamados a atuar, por decisões unitárias e incorporando, sem dificuldades, nossas tantas diferenças. Sem ir muito longe, podemos lembrar o papel dos principais encontros da área – Reuniões Anuais da ANPED, Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPEs) e as não mais existentes CBEs (Conferências Brasileiras de Educação) – nos momentos da formulação da Constituição Brasileira e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na organização das contribuições coletivas ao que ia sendo discutido. Tão importante seria lembrar, ainda, como se deu a organização do campo na ANPED, na história tanto do Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação como na dos grupos de trabalho (GTs), na qual se aceitavam e assumiam, sem embates traumáticos, as diferenças quanto: à pluralidade de enfoques; à diversidade de temas; às diferenças de organização (em torno ou dos níveis de ensino ou de "fundamentos" da educação ou de temáticas transversais).

Com isso, importa lembrar que, para além dos sócios institucionais reunidos no Fórum de Coordenadores, a ANPED "criou" os sócios individuais – em decisão única entre as associações de pesquisa existentes que tiveram seu aparecimento estimulado no período da ditadura militar –, exatamente como forma de se colocar em condição de crítica às decisões dos governos e de independência com relação às interferências que, em diferentes circunstâncias locais e temporais, seus membros julgavam importante fazer nas políticas nacionais, estaduais ou locais.

Mas, ao mesmo tempo, as opções políticas e organizacionais assumidas no campo trouxeram conseqüências sobre a relação com as práticas escolares e educacionais, como um todo: assumimos, de modo hegemônico, com algumas honrosas exceções individuais e grupais, que estas formavam espaçostempos de mínima importância, cheios de erros e repetições e nos quais se deveria intervir para mudar, a partir de fora. Ou seja, assumimos, majoritariamente, o discurso que estudávamos, o das políticas oficiais que, para pensarem e se exporem como propostas gerais, já que não pode ser de outra forma, precisavam negligenciar, ou mesmo desqualificar, as outras diferentes práticas, os atos minúsculos, as especificidades concretas, sem se entenderem também como práticas reais e, por isso, com os mesmos problemas de todas as práticas exercidas em todos os contextos em que vivemos e agimos cotidianamente, todas elas humanas e sociais, com uma história complexa de múltiplas relações.

Um outro aspecto interessante dessas histórias necessárias é que os pesquisadores iniciais "usavam", em sua grande maioria, um referencial teórico marxista. Mas, para além da incorporação dos textos de Marx mesmo, houve uma influência grande das idéias dos teóricos da chamada "terceira via", em especial o italiano Gramsci, graças às traduções feitas por Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho de suas obras organizadas em editora italiana, e dos chamados "reformistas" checos e poloneses, entre os quais Kosik e Lukács. E qual é a importância disso? A área percebia-se, desde sempre, como não conformada às tendências stalinistas – e isso não é pouco naqueles tempos, pois se davam no bojo de leis autoritárias no país e no continente latino-americano. Desse inconformismo e capacidade de buscar o "diferente" são herdeiros os pesquisadores mais jovens, que se "autorizaram" a buscar enfoques teóricos e temáticas diversas dos nossos "maiores". É dentro dessa "rebeldia" herdada que o campo se amplia e se articula desde sempre, na rebeldia da ANPED que, diferenciando-se das outras associações congêneres, organiza-se tanto como associação de sócios institucionais quanto de sócios individuais, como antes indicamos. Todas essas marcas vão aparecer na organização do campo – de projetos de pesquisa desenvolvidos ao modo como as diversas comissões de avaliação da área, na CAPES, vêm incorporando publicações, seminários e modos de pesquisar que possuem uma grande diversidade e que, aos que de fora olham para a área, parecem "de mais", muitas vezes.

Um outro trabalho que está exigindo, ainda, a dedicação dos pesquisadores da área, e que nos daria uma outra história, refere-se aos modos de introdução e ao impacto que tiveram diferentes autores os quais foram marcando, de modo importante, nosso universo teórico – Bourdieu; os russos do primeiro momento da Revolução Soviética e, em especial, Bakthin e Vigotski; Benjamin e todos os diferentes autores da chamada Escola de Frankfurt; Williams e todos os teóricos que fizeram parte das chamadas Primeira, Segunda e Terceira Geração dos "Estudos Culturais", de Hall aos autores do pós-colonialismo; os historiadores das Primeira, Segunda e Terceira Geração da chamada "Nova História", de seus "fundadores", como Braudel e Bloch, a Le Goff, Vernant, Détienne etc. –, dado que isso terá uma importância capital na estruturação e nas opções teórico-práticas múltiplas feitas nas pesquisas da área. Tão diferentes e tão diversos autores, mas ainda dentro do espectro à esquerda nas teorias, é bom lembrar. Esta é outra história que precisa ser escrita, reafirmamos.

De forma muito breve, nos fixaremos, à guisa de exemplo, em um único desses autores: Bourdieu.6 6 . Esse autor foi escolhido por ter uma importância grande nos trabalhos de uma de nós (Nilda Alves). Para mostrar a necessidade dessa história, lembramos que esse autor "entrou" em nossos estudos por intermédio, particularmente, da tradução (péssima!) do livro A reprodução, o que corresponde aos seus escritos iniciais em sociologia, e desconsiderou todos os escritos anteriores em antropologia e toda a produção de pesquisas em torno da prática que ele desenvolvia, em diversos campos (da moda, da arte, da literatura, da fotografia etc.), dando, assim, maior atenção aos estudos sobre o "campo político" e, em especial, sobre a universidade, estendendo o que sobre esta era dito como sendo para todo o sistema educacional e transportando-a para realidades nacionais diferentes e múltiplas. Houve, durante muito tempo, um silêncio grande sobre sua obra na vertente antropológica e à qual ele retornou na sua última grande pesquisa sobre os subúrbios franceses (Bourdieu, 1993). É preciso dizer, ainda, que esse viés é bastante compreensível já que buscávamos formar, naquele então, o campo de pesquisa da "educação", em especial nas universidades, e entendíamos, como Bourdieu, que precisávamos colocar-nos no centro da avaliação.

Um outro grande desafio ainda nos espera para alguns estudos: Como se organizou, nesses últimos 40 anos, a formação de pesquisadores na subárea educação?7 7 . Lembramos que Jamil Cury, no agora longínquo 1988, quando presidia a Comissão de Avaliação da CAPES, da qual Nilda Alves fazia parte, falou da necessidade deste trabalho dizendo, em afirmativa que nunca foi esquecida: "Afinal, se trabalhamos duro, nesses últimos anos para formar pesquisadores, precisamos organizar uma pesquisa para saber por que caminhos estão seguindo!". Parafraseando-o, permitimo-nos dizer: "Afinal, se trabalhamos duro nesses últimos 40 anos para formar pesquisadores, precisamos organizar algumas pesquisas (a ampliação do campo exige este plural) para saber por que caminhos estão seguindo – todos eles, de preferência!". Nesses estudos seria importante enfrentarmos não só as contribuições de cada programa – e para isso temos o rico material que foi sendo acumulado graças às sucessivas comissões de avaliação e credenciamento da CAPES – como o material praticamente inexplorado, mas exigindo um grande levantamento e estudo, que são as pesquisas financiadas pelo CNPq, com seus diversos aspectos teórico-epistemológicos e teórico-metodológicos, tanto como as contribuições delas advindas ao universo teórico-prático do campo.

Um outro material bastante interessante, mas este já passando por algumas análises, são as contribuições que têm sido feitas à área,8 8 . Temos acompanhado, de perto, os estudos que Maria Célia Moraes tem feito com os trabalhos apresentados na ANPED no que se refere às influências teóricas presentes. Diversos GTs da ANPED têm se dedicado a fazer algumas sínteses da evolução de seus trabalhos e pesquisas: História da Educação, Sociologia da Educação, Currículo são alguns que nos ocorrem imediatamente. O Núcleo de Estudos de Currículo (NEC), coordenado por Antonio Flavio Moreira Barbosa, na UFRJ, hoje também sob a coordenação de Márcia Serra, dedica-se há anos a compreender a evolução deste campo, no Brasil, com as influências sofridas. Mas temos certeza de que um maior número de pesquisadores precisa se dedicar a esses estudos para que possamos melhor compreender nossa subárea. seja nas redes promovidas pela ANPED, por intermédio de seus GTs, seja pela crescente publicação da produção da área. Dessa maneira, entendemos que a análise desses espaçostempos tão diferentes, mas decisivos à formação dos pesquisadores em educação no Brasil, reservam-nos muitas surpresas se a eles nos dedicarmos para podermos escrever essas outras histórias da produção da pós-graduação em educação no Brasil.

Muitos são, assim, os caminhos possíveis para buscarmos discutir a questão do "fim da teoria", na área, e se, realmente, a melhor expressão não seria falar em "diversificação e diversidade da teoria".

Os conhecimentos criados na produção da área no "espaçotempo" da prática e os modos de pesquisá-la: a necessária produção da práticateoriaprática

O lugar central do "saber-fazer" no "uso"9 9 . Com Certeau (1994), entendemos que, para além do consumo desses espaçostempos e dos artefatos culturais que os preenchem, os praticantes da vida cotidiana criam "usos" próprios das regras e produtos que lhes são dados para consumo, criando tecnologias. dos espaçostempos10 10 . Temos adotado esse modo de escrever para uma série de termos que nos foram dados a aprender como "dicotomizados", para marcar que compreendemos nossos limites de formação e a necessidade de superá-los, permanentemente. educativos tem aparecido, em especial, ligado aos trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores reunidos em alguns GTs da ANPED – Currículo, Didática, Formação de Professores, Educação Fundamental –, como seria de esperar, mas não só. Crescentemente, a esses saberesfazeres tem sido dedicado o tempo de outros GTs: Educação e Afro-Brasileiros; Educação Popular; Educação Ambiental; Comunicação e Educação; Educação de Crianças de 0 a 6 anos; Alfabetização, Leitura e Escrita; Educação de Pessoas Jovens e Adultas; Educação Matemática. Este movimento tem se mostrado tão forte e esta ampliação tão rápida que questões estão sendo levantadas aos trabalhos produzidos: o artigo com o qual estamos "conversando" é um exemplo disso.

Diferentemente dos estudos aos quais nos referimos anteriormente, que, de modo geral, fundamentam-se numa relação teoria-prática na qual há nítido e assumido privilégio da primeira sobre a segunda, pensar em práticateoriaprática tem sido a fórmula central para esses estudos. Ou seja, a questão das pesquisas nos/dos/com os cotidianos – no plural e, sobretudo, neles mergulhados porque a distância sujeito-objeto aprendida não tem sentido aqui: não é sobre, é em e com – é, mais do que explicar, compreender a dinâmica da vida dos sujeitos reais, dos seus saberesfazeres cotidianos e os modos como aprendem, criticamente, com suas práticas, transformando-as permanentemente a partir do que com elas e com a reflexão sobre elas aprendem, individual e coletivamente, de modo permanente, buscando perceber no mesmo processo as marcas que processos anteriores deixaram e que podem "cegar" e colocar "limites" ao que precisa ser compreendido e proposto.

A necessidade de abertura a autores nunca antes assumidos e de múltiplas referências – a errância assumida como atitude epistemológica – é assustadora, mas não pode ser de outra maneira nessas pesquisas. A multiplicidade de vozes que falam é difícil de ouvir, mas faz-se indispensável tentar. O diálogo sempre!

Nunca acreditei em verdades únicas. Nem nas minhas, nem nas dos outros. Acredito que todas as escolas, todas as teorias podem ser úteis em algum lugar, num determinado momento. Mas descobri que é impossível viver sem uma apaixonada e absoluta identificação com um ponto de vista. No entanto, à medida que o tempo passa, e nós mudamos, e o mundo se modifica, os alvos variam e o ponto de vista se desloca. Num retrospecto de muitos anos de ensaios publicados e idéias proferidas em vários lugares, em tantas ocasiões diferentes, uma coisa me impressiona por sua consistência. Para que um ponto de vista seja útil, temos de assumi-lo totalmente e defendê-lo até a morte. Mas, ao mesmo tempo, uma voz interior nos sussurra: "Não o leve muito a sério. Mantenha-o firmemente, abandone-o sem constrangimento". (Brook, 1995, p. 15)

Com Brook, assumimos o respeito a todas as opções, mas temos também a certeza, particularmente nos últimos 15 anos, de que é preciso "ir de ponta-cabeça" nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos, discutindo, sem medo, as necessidades e dificuldades que elas apresentam e os limites que nos colocam. Quatro movimentos foram considerados fundamentais nesses processos (Alves, 2001, p. 15-16): o primeiro deles se refere a que a trajetória de um trabalho no cotidiano precisa ir além do que foi aprendido com a modernidade, na qual o sentido da visão foi exaltado. Este movimento foi chamado de o sentimento do mundo. O segundo movimento a ser feito é compreender que o conjunto de teorias, categorias, conceitos e noções que herdamos das ciências criadas e desenvolvidas na chamada modernidade, e que continuam sendo um recurso indispensável, não é só apoio e orientador da rota a ser trilhada, mas, também e cada vez mais, "limite" ao que precisa ser tecido. A idéia para nomear este foi a de virar de ponta-cabeça. O terceiro deles, incorporando a noção de complexidade (Morin, 1977; 1980; 1986; 1991; 1994; 1996), vai exigir a ampliação do que é entendido como fonte. Este movimento foi denominado beber em todas as fontes. Por fim, entendendo que para comunicar novas preocupações, novos problemas, novos fatos e novos achados é indispensável uma nova maneira de escrever, a esse movimento se deve chamar de narrar a vida e literaturizar a ciência.

Além disso, faz-se fundamental considerar nessas pesquisas a centralidade do "praticante", com sua voz e seus atos. Isso porque, a partir de Certeau (1994), sabemos que os usos que os praticantes fazem das regras e dos produtos que lhes são dados para consumo vão além do previsto e do planejado, pois

(...) há "maneiras de fazer" (caminhar, ler, produzir, falar), "maneiras de utilizar" que se tecem em redes de ações reais, que não são e não poderiam ser mera repetição de uma ordem social preestabelecida e explicada no abstrato.

Desse modo, podemos afirmar que a tessitura das redes de práticas sociais reais se dá através de "usos e táticas dos praticantes", que inserem na estrutura social criatividade e pluralidade, modificadores das regras e das relações entre o poder da dominação e a vida dos que a ele estão, supostamente, submetidos. (Oliveira, 2001, p. 44)

Essas artes de fazer dos praticantes, os usos e táticas que desenvolvem cotidianamente, são inscritas e delimitadas pelas redes de relações de forças entre os múltiplos praticantes de múltiplos contextos das práticas que definem as circunstâncias das quais podem aproveitar-se para empreender suas ações. O trabalho de pesquisa nos/dos/com os cotidianos pretende, desse modo, captar essas artes de fazer, essas operações realizadas nas escolas e fora delas, por professores e alunos, tanto quanto por outros praticantes, nos usos "astuciosos" e "clandestinos" que fazem dos produtos e das regras que lhes são impostos – as pesquisas nesse espaçotempo buscam ampliar a visibilidade dessas ações cotidianas, compreendendo-as em sua originalidade, com suas regras próprias de produção e criação de conhecimentos.

A partir dessa compreensão, tem sido possível a esse movimento de pesquisa, em suas tantas diferenças e a partir de estudos empíricos diversos, uma acumulação teórica importante, ajudando a reverter a tendência que crê ser possível ignorar a criação de conhecimentos na prática. Entende-se, assim, que nunca se pode estar fora da teoria e que, com nossas tranças e trançados, tessituras e tramas, tanto pela formação inicial recebida como pelo contato que, por diversos caminhos, vai se mantendo com os pesquisadores e suas pesquisas tão diferenciadas, ela obriga-nos a formulações teóricas permanentes.

Assim, a pergunta que colocamos é outra: Afinal, trabalhamos tanto com a teoria nestes anos e mandamos tantos pesquisadores formados e em formação para lugares respeitáveis nos quais a teoria é tão importante, para produzirmos monstros? Ou é o sonho da razão que está produzindo monstros desnecessários? A discussão que se impõe, portanto, gira em torno da racionalidade moderna e da pluralidade possível de caminhos.

Discussão crítica em torno da racionalidade moderna

Recorrendo a Boaventura Santos (1985), vamos entender que o uso da matemática, a partir de Galileu e Newton, como instrumento privilegiado de análise e fundamento da lógica investigativa da ciência moderna, produziu duas conseqüências principais. Em primeiro lugar, trouxe a idéia de que conhecer significa quantificar e que, portanto, o que não é quantificável é cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, criou o método científico assentado na redução da complexidade, na medida em que entende que "conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou" (p. 15). Ou seja, diz ele, "é um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos" (p. 16), por meio do isolamento das condições iniciais relevantes e acreditando no pressuposto de que o resultado se produzirá independentemente do lugar e do tempo em que se realizarem as condições iniciais. Ou seja, a ciência moderna vai se desenvolver por meio de um entendimento determinista e mecanicista do mundo físico, o que, sabemos, depois foi estendido ao mundo social, a partir do positivismo oitocentista, mesmo que outras tendências tenham se manifestado no sentido da constituição de um estatuto epistemológico e metodológico próprio. Esse modelo de ciência, ainda dominante nos dias de hoje, é criticado por Boaventura Santos ao longo do seu "discurso", que aponta uma crise, que ele considera irreversível, desse paradigma fundado na racionalidade científica moderna.

Dando continuidade a essa crítica do pensamento racionalista da modernidade, o mesmo autor propõe-se a definir o que seria um novo paradigma epistemológico segundo o qual

(...) não há uma única forma de conhecimento válido. Há muitas formas de conhecimento, tantas quantas as práticas sociais que as geram e sustentam (...). Práticas sociais alternativas gerarão formas de conhecimento alternativas. Não reconhecer estas formas de conhecimento implica deslegitimar as práticas sociais que as sustentam e, neste sentido, promover a exclusão social dos que as promovem. (Santos, 1985)

E conclui que esses processos de exclusão de formas de conhecimento não-científicas se fizeram presentes no processo de expansão européia, que incluiu muitos epistemicídios, ou seja, aniquilamento ou subalternização, subordinação, marginalização e ilegalização de práticas e grupos sociais portadores de formas de conhecimento "estranhos", porque sustentadas por práticas sociais ameaçadoras.

A redução dos cotidianos a espaçotempo do senso comum e do imediato, tantas vezes encontrada, inscreve-se, assim, nessa tradição de empobrecimento da vida promovida pelo cientificismo moderno.11 11 . A esse respeito, diz Boaventura Santos: "O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objetivar os fenómenos, os objectualiza e os degrada, que, ao caracterizar os fenómenos, os caricaturiza. (...) Desta forma, o conhecimento ganha em rigor o que perde em riqueza" (2000, p. 73). Mais ainda: quando denunciada e repetida, evidencia, também, pouca familiaridade com os avanços teóricos que os estudiosos nos/dos/com os cotidianos vêm desenvolvendo e formulando, no sentido de demonstrar que, ao contrário do que pretendeu a modernidade por intermédio da cisão, da fragmentação e da hierarquização do mundo, na busca de viabilizar um suposto controle do pesquisador sobre ele, o cotidiano não é uma parcela isolável do social (Pais, 2003, p. 31). Ao contrário disso, ensina-nos esse autor, ele é um laço com o qual podemos caçar o real social, conferindo-lhe inteligibilidade, ou seja, o cotidiano é uma arma que nos permite, a partir dos indícios fornecidos pelo mergulho no real, melhor compreender a rica dinâmica dos processos sociais e, com isso, formular de modo mais efetivo possibilidades teóricas de compreensão e de intervenção. Além disso, como lembra Bourdieu (1989, p. 59),

(...) diferente da teoria teórica – discurso profético ou programático que tem em si mesmo o seu próprio fim e que nasce e vive da defrontação com outras teorias – a teoria científica apresenta-se como um programa de percepção e de ação só revelado no trabalho empírico em que realiza. Construção provisória elaborada para o trabalho empírico e por meio dele, ganha menos com a polêmica teórica do que com a confrontação com novos objetos. Por esta razão, tomar verdadeiramente o partido da ciência é optar, asceticamente, por dedicar mais tempo e mais esforços a pôr em ação os conhecimentos teóricos adquiridos investindo-os em pesquisas novas, em vez de os acondicionar, de certo modo, para a venda, metendo-os num embrulho de metadiscurso, destinado menos a controlar o pensamento do que a mostrar e a valorizar a sua própria importância ou a dele retirar, diretamente, benefícios fazendo-o circular nas inúmeras ocasiões que a idade do jato ou do colóquio [e mais ainda dos contatos via internet] oferece ao narcisismo do pesquisador.

Voltando a Boaventura Santos, o desenvolvimento de sua "sociologia das ausências" (Santos, 2004) – que preconiza a necessidade de tornar visíveis experiências de conhecimento e outras que foram tornadas invisíveis pela racionalidade moderna – traz elementos epistemológicos e políticos relevantes na legitimação da busca de aprendermos os acontecimentos12 12 . Foucault (1999) indica que a história "efetiva" faz ressurgir o "acontecimento" no que tem de único e de agudo. Dessa maneira, para esse autor: acontecimento – é preciso entendê-lo não como uma decisão, um tratado, um reinado ou uma batalha, mas como uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus usuários, uma dominação que se debilita, se distende, se envenena a si mesma, e outra que entra, mascarada. As forças em jogo na história não obedecem nem a um destino, nem a uma mecânica, mas efetivamente ao acaso da luta. Elas não se manifestam como as formas sucessivas de uma intenção primordial; tampouco assumem o aspecto de um resultado. Aparecem sempre no aleatório singular do acontecimento (Foucault, 1999, p. 145-172). nos/dos/com os cotidianos. A racionalidade cosmopolita proposta por ele pretende reverter o processo de redução da experiência do mundo ao que a modernidade ocidental considera válido e necessário e à lógica que lhe serve de base, entendendo que se faz necessário expandir o presente no sentido de criar as condições para o conhecimento e a valorização da inesgotável experiência social que está em curso no mundo de hoje (idem, ibid.). Ou seja, a razão cosmopolita volta-se contra o desperdício da experiência promovido pela razão indolente (cf. Santos, 2000). A sociologia das ausências é, portanto, um método sociológico que permite redescobrir existências invisibilizadas pelo cientificismo moderno, o qual se permitiu considerar inexistente ou negligenciável tudo aquilo que não se encaixava no seu modelo de racionalidade. Identificando como cinco monoculturas diferentes, as formas de produção de não-existência, o autor propõe, no que se refere à monocultura do saber – que pressupõe a ciência moderna e a alta cultura como critérios únicos de verdade, presidida, portanto, pela lógica do saber formal, que produz a ignorância como forma de não-existência –, a superação centrada no desenvolvimento de uma ecologia de saberes pela transformação da ignorância em saber aplicado. O exercício da sociologia das ausências estaria no trabalho de identificação de contextos e práticas em que os diferentes saberes se tornam operantes, superando, por meio da sua aplicação, a ignorância com a qual eram anteriormente identificados. A monocultura aqui identificada pode ser entendida como a origem e a fonte de legitimação dos epistemicídios cometidos pela modernidade. Em contrapartida, o procedimento de superação e a instauração da ecologia de saberes parecem repousar sobre a idéia de que

(...) não há, pois, nem ignorância em geral nem saber em geral. Cada forma de conhecimento reconhece-se num certo tipo de saber a que contrapõe um certo tipo de ignorância, a qual, por sua vez, é reconhecida como tal quando em confronto com esse tipo de saber. Todo saber é saber sobre uma certa ignorância e, vice-versa, toda a ignorância é ignorância de um certo saber. (Santos, 2000, p. 78)

O uso metodológico da sociologia das ausências na pesquisa em educação leva à necessidade de se mergulhar nos mundos nela existentes, tornados invisíveis pelos estudos dos modelos escolares e educativos, bem como pelas políticas educacionais oficiais. Assim, as possibilidades de ampliação da visibilidade das práticas/existências escolares/educativas não-oficiais repousam sobre a identificação dessas práticas, pela possibilidade de libertá-las do lugar de inexistência e inferioridade ao qual vêm sendo relegadas pela valorização das singularidades e das formas alternativas de se estar no mundo, de compreendê-lo, de senti-lo. Com isso, busca-se legitimar modos contra-hegemônicos de produção de práticas educativas, no sentido de credibilizar o que habita os espaçostempos educativos como potencial contribuição às possibilidades de emancipação social, tanto no sentido do processo educativo em si, quanto no sentido mais amplo de uma possível contribuição da escola à transformação social democratizante.

A reflexão epistemológica e a necessidade de uma metodologia da pesquisa nos/dos/com os cotidianos

Desse modo, em nossas pesquisas, como em tantas outras mais ou menos colocadas entre aquelas preocupadas com a compreensão das práticas nos tantos cotidianos vividos, vimos procurando identificar e valorizar esses outros modos de pensar e de estar no mundo, para além daquilo que a racionalidade moderna, com suas dicotomias e sua necessidade de ordem, percebe e aceita como existente. Para isso, vem sendo preciso considerar formas válidas de saber/fazer/pensar/sentir/estar no mundo tudo aquilo que a escola tem sido levada a negligenciar em nome da primazia do saber científico e da cultura ocidental branca e burguesa sobre os/as demais. É fundamental, para podermos entender o que está nas escolas e na vida dos alunos e que vai além dessa racionalidade, que não o compreendamos como desvio ou erro, e que são os acontecimentos não-enquadráveis naquilo que a racionalidade científica permite enquadrar, assim recuperando a riqueza da vida real. Para isso, julgamos indispensável mergulhar nos cotidianos. Buscando escapar das armadilhas que esse tipo de pesquisa traz e reconhecendo nossos limites pelas heranças de nossa formação, nosso trabalho epistemológico tem se feito acompanhar de um trabalho de desenvolvimento metodológico, com grande atenção ao empírico, não na qualidade de campo do experimental, mas entendido como o lócus possível de busca de entendimento da complexidade do real.

Sem medo da continuidade ou da ruptura, da conservação ou da superação e apoiando-nos em todo o pensamento disponível, sem temer a acusação de seguidismo ou de ecletismo, para ir além dos antecessores, como nos aconselha Bourdieu (1989, p. 63), costumamos nos servir de dois textos para debater as questões relacionadas às pesquisas nos/dos/com os cotidianos das escolas – e tudo o que fora delas está encarnado em seus praticantes pelas redes de conhecimentos com suas tantas tramas vividas. O primeiro deles é de Carlo Ginzburg (1989) e, nele, este autor propõe que determinadas questões e dimensões da realidade só podem ser conhecidas por meio dos indícios que esta fornece, jamais por intermédio de uma observação direta e inequívoca. Ginzburg indica, então, uma possível incapacidade de vermos diferenças em "objetos" nas próprias características do olho humano. Ao discutir as dificuldades da medicina em atender as exigências do conhecimento generalizante, o autor afirma que

(...) a impossibilidade da quantificação deriva da presença ineliminável do qualitativo, do individual; e a presença do individual, [derivaria] do fato de que o olho humano é mais sensível às diferenças entre os seres humanos do que entre as pedras ou entre as folhas. (p. 166)

Para a nossa discussão, a afirmação de Ginzburg pode significar que a identidade absoluta entre determinados "representantes" das "espécies quantitativas ou quantificáveis" pode ser questionada, na medida em que elas seriam fundamentadas, em verdade, na incapacidade do "nosso olho humano" de reconhecer as diferenças existentes entre eles. Ou seja, onde vemos identidades e permanências é possível que haja um universo tão rico e tão diverso quanto os universos aos quais atribuímos riqueza e diversidade. A credibilidade das conclusões definitivas a respeito das características de objetos e elementos do real fica relativizada diante da consciência que esta afirmação traz a respeito dos limites de nossa capacidade de observação.

O segundo texto está no livro As palavras e as coisas (1999), de Michel Foucault, no qual ele confessa que o nascimento dessa obra se deve a um texto de Borges, do riso que a leitura do referido texto provocou-lhe ao perturbar "todas as familiaridades do pensamento (...) abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a profusão dos seres" (p. 5). E, continua Foucault,

(...) este texto cita "uma certa enciclopédia chinesa" onde está escrito que "os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com pincel muito fino de pêlo de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas". (p. 5)

Sorrir diante de tal classificação é quase inevitável. Deliciar-se com a sua "ilogicidade" também. Foucault reafirma isso, na continuidade do texto, dizendo:

(...) no deslumbramento dessa taxionomia, o que de súbito atingimos, o que, graças ao apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de pensar isso. Que coisa, pois, é impossível pensar, e de que impossibilidade se trata? (Ibid.)

Assim, reconhecendo a pluralidade epistemológica do mundo e a necessidade de superação do cientificismo moderno e dos "epistemicídios" perpetrados em seu nome – na esteira da proposta de Foucault, mas sem a pretensão de dar conta definitivamente de nenhum dos dois debates –, temos sentido a necessidade de desenvolver – e já o vimos fazendo, sempre em muito boa companhia13 13 . A esse respeito ver os diferentes volumes da coleção "Metodologia da pesquisa no/do/com o cotidiano", da DP&A Editora. – métodos de pesquisa adequados à apreensão das lógicas próprias aos fazerespensares cotidianos nas/das/com as escolas e ao entendimento das criações presentes nesses espaçostempos, todas vinculadas a possibilidades, interesses, valores, fazeres, saberes dos praticantes que nelas estão e são. É, ainda, em Foucault, e em suas dúvidas, que encontramos ajuda para compreender a importância dos saberes prévios nas nossas ações cotidianas, considerando a sua influência sobre nossos quaisquer critérios de avaliação. No livro citado, esse autor pergunta e responde:

(...) quando instauramos uma classificação refletida (...) qual é, pois, o solo a partir do qual podemos estabelecê-lo com inteira certeza? Em que "tábua", segundo qual espaço de identidades, de similitudes, de analogias, adquirimos o hábito de distribuir tantas coisas diferentes e parecidas? Que coerência é essa – que se vê logo não ser determinada por um encadeamento a priori e necessário, nem imposta por conteúdos imediatamente sensíveis? (...) De fato não há, mesmo para a mais ingênua experiência, nenhuma similitude, nenhuma distinção que não resulte de uma operação precisa e da aplicação de um critério prévio. Um "sistema de elementos" – uma definição dos segmentos sobre os quais poderão aparecer as semelhanças e as diferenças, os tipos de variação de que esses segmentos poderão ser afetados, o limiar, enfim, acima do qual haverá similitude – é indispensável para o estabelecimento da mais simples ordem. (Foucault, 1999, p. 9)

A questão levantada por Foucault, bem como a resposta que ele se dá, nos remetem ao debate contemporâneo sobre questões importantes para o desenvolvimento de uma compreensão epistemologicamente fundamentada da importância do cotidiano (cf. Azanha, 1992), de suas lógicas de produção e funcionamento, e metodologicamente fundamental para as pesquisas desenvolvidas nesses espaçostempos, outrora negligenciados e desnudos de sua dignidade política e epistemológica pelos procedimentos epistemicidas levados a termo por uma autonomeada modernidade que se pretendeu "universal" como civilização e modo de compreensão de mundo. Por isso tudo, a dimensão política dessa postura epistemológica é tão importante, sendo indissociável da própria epistemologia. E é essa indissociabilidade que cria a necessidade e a inevitabilidade de concomitância no desenvolvimento político-teórico-epistemológico-metodológico14 14 . Talvez devêssemos dizer metódico e não metodológico, se aceitamos a idéia de Edgar Morin (1999, p. 39, apud Silva, 2003, p. 53) de que as metodologias são guias a priori que programam as pesquisas, ao passo que o método derivado do nosso percurso será uma ajuda à estratégia (a qual compreenderá utilmente, certo, segmentos programas, isto é, metodologias, mas comportará necessariamente descoberta e inovação). das pesquisas nos/dos/com os cotidianos, na compreensão própria sobre a relação práticateoriaprática.

Precisamos, assim, enfrentar o que Oliveira (2005) nomeou de cegueira epistemológica oriunda da parcialidade de nossa visão desenvolvida no seio de uma cultura, também sempre parcial (Santos, 2003) e de experiências singulares, e que nos pode impossibilitar de compreender e poder, a partir daí, crer e ver/ler/ouvir determinadas classificações, determinadas formas de compreender o mundo, determinadas formas de organização social, determinados valores morais, determinadas maneiras de relacionar as práticas às teorias, entre tantas outras coisas que nos causam espanto e nos imobilizam a capacidade de raciocinar.

Nessas circunstâncias, desprovidos da proteção da racionalidade cognitiva, somos levados ao riso, ao desespero ou à angústia, ou, genericamente, aos humanos sentimentos que tanto assustam as ciências. O interessante nessa relação razão/emoção é a crescente evidência de sua indissociabilidade, apesar de negligenciada pelo pensamento moderno. Almeida traz-nos, servindo-se de Damásio (1996), o argumento de que

(...) é no mesmo cérebro, e a partir dos mesmos mecanismos neuronais, que se explicitam o que convencionamos chamar de razão e de emoção. Também Oliver Sacks (1995), com a hipótese da plasticidade neurocerebral, permite re-problematizar a relação, antes inconcebível ou difícil de admitir, entre intelecto e emoções. (2003, p. 27)

Talvez tenhamos, então, a partir dessa argumentação, que considerar não apenas os limites culturais e epistemológicos para a compreensão dos diferentes modos de ver/ler/ouvir o mundo, mas também os limites emocionais.

Com a ajuda de von Foerster (1995) no entendimento de nossa cegueira epistemológica, vamos aprender que nós todos possuímos as chamadas disfunções de segunda ordem, no que se refere à visão. Ou seja, somos, sempre, parcialmente cegos e não o sabemos: não vemos que não vemos (p. 94). O autor esclarece que, ao contrário da lógica ortodoxa, na lógica da percepção, uma dupla negação não produz uma afirmação e alerta sobre o tanto que temos de compreender dessa situação, já que vamos, no mesmo movimento, ter de contrariar a lógica ensinadaaprendida.

É desse raciocínio que von Foerster parte para dizer que nossa cegueira só pode ser superada pelos olhos do Outro – e só quando este é entendido como o legítimo outro (Maturana, 2001) –, o que nos tem permitido afirmar a importância dos processos coletivos nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos.

Outra idéia de von Foerster (op. cit.) nos tem, também, ajudado. Trata-se de perceber uma questão da qual foi útil fugir durante muito tempo, mas que hoje vem se colocando de maneira reincidente, exigindo uma resposta: é a de que tratamos como objetos o que, em verdade, são processos. Essa situação se instalou, explica esse autor, por um lado, porque a ciência moderna precisou de objetos para tratar, o que hoje dificulta captar o conceito de processo, pois este se perde no meio de coisas. Por outro lado, porque permitiu que o conhecimento se transformasse em mercadoria: "a informação pode ser comprada como qualquer outra matéria-prima, pode ser cortada em pedaços, elaborada e vendida em 'bites' por dois dólares o quilo" (1995, p. 96), ao passo que os processos não o podem.

Buscando discutir algo parecido – a facilidade com que as teorias e os esquemas são importados/exportados, ao passo que as práticas não o são –, Morley indica que

(...) ainda que pareça um assunto trivial, no fundo é decisivo, porque, cruamente, um nível mais elevado de abstração ("teoria") se pode vender em um mercado mais amplo [e não nacional], com o qual aumentam não só os benefícios dos editores mas também o prestígio do teórico. Em suma: a "teoria" viaja melhor. (1996, p. 17)

Encontramos, com isso, em certo sentido, o que discutíamos antes com a ajuda de Certeau (1994): as táticas não são generalizáveis, não viajam e, portanto, não têm valor para quem busca o lucro. Ao contrário das estratégias, que têm condição de "viajar", dando a ilusão de que são aplicáveis por toda a parte, igualmente.

Mas é preciso aceitar que mudanças só poderão acontecer fazendo emergir aquilo que esteve, durante tanto tempo, imerso: os conhecimentos e os valores (conhecimentos especiais) dos sujeitos dos processos educativos, de todos os praticantes dos cotidianos e que são produzidos em suas tantas tramas nas redes cotidianas de viver. Dessa maneira, é a análise de múltiplos movimentos da sociedade – e não só dos da ciência – que vai permitir identificar e caracterizar os diversos processos. Nisso está a riqueza e a pluralidade das experiências e aprendizagens cotidianas que emergem em pesquisas e redes de saberesfazeres individuais e coletivas, mesmo naquelas que aparentemente parecem não conter uma teoria, o que já vimos ser impossível.

Neste sentido, a noção de tessitura do conhecimento em rede busca superar não só o paradigma da árvore do conhecimento como também a própria forma como são entendidos os processos individuais e coletivos de aprendizagem – cumulativos e adquiridos – segundo o paradigma dominante. Ao passo que a forma da árvore, própria do pensamento moderno, pressupõe linearidade, sucessão e seqüenciamento obrigatório, do mais simples ao mais complexo, da teoria para a prática, a noção de rede exige considerar a horizontalidade das relações entre os diferentes conhecimentos. Além disso, a árvore pressupõe a ação externa como elemento fundador da "construção" de conhecimentos ao passo que a noção de tessitura do conhecimento em rede pressupõe, ao contrário, que as informações às quais são submetidos os sujeitos sociais só passam a constituir conhecimento para eles quando podem enredar-se a outros fios já presentes nas redes de saberes de cada um, ganhando, nesse processo, um sentido próprio, não necessariamente aquele que o transmissor da informação pressupõe. Isso significa que dizer algo a alguém não provoca aprendizagem nem conhecimento, a menos que aquilo que foi dito possa entrar em conexão com interesses, crenças, valores ou saberes daquele que escuta. Ou seja, os processos de aprendizagemensino vividos, sejam eles formais ou cotidianos, envolvem a possibilidade de atribuição de significado, por parte daqueles que aprendem, às informações recebidas do exterior – da escola, da televisão, dos amigos, da família, dos sindicatos, das associações, das igrejas etc.

Considerando a singularidade das conexões que cada sujeito estabelece na formação de suas redes de conhecimentos, em decorrência de suas experiências e saberes anteriores, e, também, a multiplicidade de conexões possíveis na formação das subjetividades, não faz sentido pressupor um trajeto único e obrigatório para todos os sujeitos, nem em seus processos de formação de identidadesdiferenças nem nos de ensinoaprendizagem.

É com base nessa noção de tessitura de conhecimento em rede, e, particularmente, no seu corolário de que a fragmentação do real em unidades analíticas mutila vínculos que têm e produzem sentidos próprios, diferentes das partes que unem, que questionamos a idéia de que não há outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo para assim compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo (Moraes & Kuenzer, 2005, p. 1.353). Entendemos que essa idéia nega a própria lógica da pluralidade acadêmica que leva à produção de conhecimentos diferenciados, em razão de objetivos diferenciados de pesquisa e de compreensão do mundo. Mais do que isso, pode levar a epistemicídios não só de formas diferentes de conhecimentos, mas agora também de formas diferentes de produção destes, para além da ortodoxia dialética.

Boaventura Santos identifica a horizontalização das relações entre as diferentes formas de conhecimento existentes no mundo e o diálogo entre elas como um dos elementos da luta política emancipatória pela transformação das atuais relações entre as formas de conhecimento, que privilegiam a ciência moderna, desqualificando outros modos de conhecer. Entende ser necessário assumir como fundamento o caráter epistemológico de todas as formas de conhecimento e lutar pelo reconhecimento de que

(...) o perfil epistemológico das relações sociais não é fornecido por uma forma epistemológica específica, nomeadamente a forma epistemológica do espaço mundial (a ciência), mas sim pelas diversas constelações de conhecimentos que as pessoas e os grupos produzem e utilizam em campos sociais concretos. (2000, p. 326)

Assim, encerramos nossa contribuição para o debate entre as diferentes formas epistemológicas dos conhecimentos, esperando, com isso, que idéias, convicções e conhecimentos diferentes e mesmo antagônicos possam ser cada vez mais presentes na nossa vida acadêmica, levando-nos a descobrir no mundo experiências e conhecimentos invisibilizados pela modernidade ocidental, ampliando, com isso, os diálogos possíveis e a produção de conhecimentos novos que estes possibilitam, no campo da educação e em outros campos da pesquisa social.

Notas

Recebido em abril de 2006 e aprovado em maio de 2006.

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  • 1
    . Citaríamos, com medo de esquecer alguns, os grupos coordenados por: Regina Leite Garcia e Maria Teresa Esteban, na UFF; Carlos Eduardo Ferraço e Janete Magalhães Carvalho, na UFES; Marcos Reigota, na UNISO; Corinta Geraldi, na UNICAMP. Além desses que se preocupam diretamente com o cotidiano, lembraríamos também aqueles que, de modos diferenciados, nos têm permitido diálogos e discussões importantes: Ana Chrystina Mignot, Raquel Goulart Barreto, Maria Luiza Oswald e Rita Ribes, na UERJ, participantes de atividades do Laboratório Educação e Imagem; Elizabeth Macedo, Alice Casimiro Lopes, Maria de Lourdes Tura e Edil Vasconcelos Paiva, companheiras da linha de pesquisa "Cotidiano e cultura escolar", no PROPED/UERJ; Antonio Carlos Amorim, da UNICAMP; Marisa Vorraber Costa e Alfredo Veiga-Neto, na UFRGS e ULBRA.
  • 2
    . Citamos um só: Osmar Fávero.
  • 3
    . Todos podem saber a quem nos referimos, mas queremos citar duas mulheres que foram importantes para nós, além de para o campo, e que são "oficialmente" pesquisadoras 1: Maria de Lourdes Fávero e Julieta Calazans.
  • 4
    . Creio que o primeiro estudo clássico que se poderia citar, por sua importância, foi aquele que Luiz Antonio Cunha desenvolveu sobre a história das universidades brasileiras.
  • 5
    . O nome de Vera Candau deve ser lembrado, uma vez que, desde o início de sua trajetória como "militante" do campo, preocupou-se com a relação prática-teoria-prática. Somos obrigadas a lembrar também os trabalhos de Osmar Fávero sobre os movimentos sociais de alfabetização.
  • 6
    . Esse autor foi escolhido por ter uma importância grande nos trabalhos de uma de nós (Nilda Alves).
  • 7
    . Lembramos que Jamil Cury, no agora longínquo 1988, quando presidia a Comissão de Avaliação da CAPES, da qual Nilda Alves fazia parte, falou da necessidade deste trabalho dizendo, em afirmativa que nunca foi esquecida: "Afinal, se trabalhamos duro, nesses últimos anos para formar pesquisadores, precisamos organizar uma pesquisa para saber por que caminhos estão seguindo!". Parafraseando-o, permitimo-nos dizer: "Afinal, se trabalhamos duro nesses últimos 40 anos para formar pesquisadores, precisamos organizar algumas pesquisas (a ampliação do campo exige este plural) para saber por que caminhos estão seguindo – todos eles, de preferência!".
  • 8
    . Temos acompanhado, de perto, os estudos que Maria Célia Moraes tem feito com os trabalhos apresentados na ANPED no que se refere às influências teóricas presentes. Diversos GTs da ANPED têm se dedicado a fazer algumas sínteses da evolução de seus trabalhos e pesquisas: História da Educação, Sociologia da Educação, Currículo são alguns que nos ocorrem imediatamente. O Núcleo de Estudos de Currículo (NEC), coordenado por Antonio Flavio Moreira Barbosa, na UFRJ, hoje também sob a coordenação de Márcia Serra, dedica-se há anos a compreender a evolução deste campo, no Brasil, com as influências sofridas. Mas temos certeza de que um maior número de pesquisadores precisa se dedicar a esses estudos para que possamos melhor compreender nossa subárea.
  • 9
    . Com Certeau (1994), entendemos que, para além do consumo desses
    espaçostempos e dos artefatos culturais que os preenchem, os praticantes da vida cotidiana criam "usos" próprios das regras e produtos que lhes são dados para consumo, criando tecnologias.
  • 10
    . Temos adotado esse modo de escrever para uma série de termos que nos foram dados a aprender como "dicotomizados", para marcar que compreendemos nossos limites de formação e a necessidade de superá-los, permanentemente.
  • 11
    . A esse respeito, diz Boaventura Santos: "O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objetivar os fenómenos, os objectualiza e os degrada, que, ao caracterizar os fenómenos, os caricaturiza. (...) Desta forma, o conhecimento ganha em rigor o que perde em riqueza" (2000, p. 73).
  • 12
    . Foucault (1999) indica que a história "efetiva" faz ressurgir o "acontecimento" no que tem de único e de agudo. Dessa maneira, para esse autor: acontecimento – é preciso entendê-lo não como uma decisão, um tratado, um reinado ou uma batalha, mas como uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus usuários, uma dominação que se debilita, se distende, se envenena a si mesma, e outra que entra, mascarada. As forças em jogo na história não obedecem nem a um destino, nem a uma mecânica, mas efetivamente ao acaso da luta. Elas não se manifestam como as formas sucessivas de uma intenção primordial; tampouco assumem o aspecto de um resultado. Aparecem sempre no aleatório singular do acontecimento (Foucault, 1999, p. 145-172).
  • 13
    . A esse respeito ver os diferentes volumes da coleção "Metodologia da pesquisa no/do/com o cotidiano", da DP&A Editora.
  • 14
    . Talvez devêssemos dizer metódico e não metodológico, se aceitamos a idéia de Edgar Morin (1999, p. 39, apud Silva, 2003, p. 53) de que as metodologias são guias
    a priori que programam as pesquisas, ao passo que o método derivado do nosso percurso será uma ajuda à estratégia (a qual compreenderá utilmente, certo, segmentos programas, isto é, metodologias, mas comportará necessariamente descoberta e inovação).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2006
    • Recebido
      Abr 2006
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