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Origens da escola moderna no Brasil: a contribuição jesuítica

Origins of the modern school in Brazil: the jesuitic contribution

Resumos

Este trabalho objetiva discutir a contribuição da Companhia de Jesus para a instauração da escola moderna no Brasil. Muito já foi dito sobre essa ordem religiosa, mas torna-se imperativo considerar sua obra educacional na perspectiva da contradição. Com essa intenção, são analisados aspectos ideológicos do ensino jesuítico, a relação educativa pertinente e a materialidade dos colégios, estabelecimentos escolares que colocaram a Companhia de Jesus na vanguarda da educação, desde os primeiros tempos de sua existência. A categoria organização do trabalho didático é central na análise, enquanto o material empírico é buscado, sobretudo, em fontes documentais e obras clássicas expressivas do período analisado.

Ensino jesuítico; Escola moderna; Organização do trabalho didático


The purpose of this work is to discuss the contribution of the Company of Jesus to the instauration of the modern school in Brazil. Much has been said about that religious order, but it becomes imperative to consider its educational work in the perspective of the contradiction. With that intention, are analyzed the ideological aspects of the Jesuitical education, the pertinent educational relation and the materiality of the college, school establishments that have placed the Company of Jesus in the vanguard of the education, since the first time of its existence. The organization of the teaching work category is central in the analysis, while the empirical material is searched mainly on documental sources and expressive classical works from the period analyzed.

Jesuitical education; Modern school; Organization of the teaching work


ARTIGOS

Origens da escola moderna no Brasil: a contribuição jesuítica* * Este trabalho sistematiza algumas conclusões do projeto de pesquisa Gênese e desenvolvimento da Escola Pública no Brasil (Primeira Parte: Origem, desenvolvimento e difusão da escola tradicional - 1759-1870), desenvolvido dentro do Núcleo de Pesquisa de Educação (NUPED), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Foi apresentado no V Seminário Nacional do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil", realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), de 20 a 24 de agosto de 2001.

Origins of the modern school in Brazil: the jesuitic contribution

Gilberto Luiz Alves

Doutor em educação pela UNICAMP e professor do Curso de Mestrado de Educação da Universidade do Contestado (UNC), Campus de Caçador (SC). E-mail: gilbertoalves@terra.com.br

RESUMO

Este trabalho objetiva discutir a contribuição da Companhia de Jesus para a instauração da escola moderna no Brasil. Muito já foi dito sobre essa ordem religiosa, mas torna-se imperativo considerar sua obra educacional na perspectiva da contradição. Com essa intenção, são analisados aspectos ideológicos do ensino jesuítico, a relação educativa pertinente e a materialidade dos colégios, estabelecimentos escolares que colocaram a Companhia de Jesus na vanguarda da educação, desde os primeiros tempos de sua existência. A categoria organização do trabalho didático é central na análise, enquanto o material empírico é buscado, sobretudo, em fontes documentais e obras clássicas expressivas do período analisado.

Palavras-chave: Ensino jesuítico. Escola moderna. Organização do trabalho didático.

ABSTRACT

The purpose of this work is to discuss the contribution of the Company of Jesus to the instauration of the modern school in Brazil. Much has been said about that religious order, but it becomes imperative to consider its educational work in the perspective of the contradiction. With that intention, are analyzed the ideological aspects of the Jesuitical education, the pertinent educational relation and the materiality of the college, school establishments that have placed the Company of Jesus in the vanguard of the education, since the first time of its existence. The organization of the teaching work category is central in the analysis, while the empirical material is searched mainly on documental sources and expressive classical works from the period analyzed.

Key words: Jesuitical education. Modern school. Organization of the teaching work.

A análise do patrimônio histórico-educacional, no Brasil, tem transitado abruptamente da apologia à crítica negativa. Nem aquela nem esta são caminhos da crítica científica, caminhos da superação por incorporação. Eis a razão de a presente discussão da contribuição educacional da Companhia de Jesus ao Brasil se distanciar de todos aqueles trabalhos que têm feito a apologia da congregação ou condenado a sua ação catequética e missionária. Nele, não há lugar para o elogio de uma pretensa epopéia jesuítica nos trópicos nem encontra eco a crítica que pretendeu identificar a atuação dos inacianos com o obscurantismo feudal, ou interpretá-la no contexto de uma pretensa xenofobia pombalina ou, ainda, reduzi-la a instrumento de dominação da burguesia mercantil.

Acrescente-se, também que, presentemente, há inúmeros grupos de pesquisa preocupados com o estudo do patrimônio legado pelos jesuítas à educação brasileira. Mas, por força de delimitação do estudo, essa produção acabou sendo desconsiderada, pois tangencia o que este trabalho postula como básico: a organização do trabalho didático.

Do ponto de vista metodológico se impõe, ainda, outro esclarecimento. Uma vez que o objeto deste trabalho nasceu no interior de um projeto de pesquisa centrado na escola pública moderna e suas origens no Brasil Colônia, afirme-se que a emergência dessa instituição social constituía-se, à época, um reclamo universal. Daí a necessidade de se levar em conta as suas formas mais desenvolvidas, que, decididamente, ocorriam ao largo das nações da península ibérica e de seus domínios ultramarinos. Isso, em absoluto, representa concessão a um esquema de análise estranho ao Brasil e ao império colonial português. Estamos falando de um fenômeno que se realizava e se difundia no âmbito da sociedade capitalista, cuja especificidade, desde os seus primórdios, manifestara-se na sua tendência à universalização. Em regiões onde mais avançava o processo de estabelecimento de relações de produção capitalistas, eram formuladas propostas educacionais mais ricas, como a da Reforma protestante. Pelo caráter universal da sociedade capitalista e pelo fato de essas propostas encarnarem com maior riqueza a condição de "sínteses de múltiplas determinações", tornam-se recursos instrumentais que colocam luzes para o entendimento e a configuração, também, da universalidade e da singularidade dos casos situados fora de sua órbita, inclusive do caso brasileiro.

Feitos esses esclarecimentos introdutórios, diga-se que o presente trabalho foi suscitado por uma releitura do Ratio Studiorum (Franca, 1952. p. 119-230), o plano de estudos da Companhia de Jesus. Em função do pressuposto metodológico, já exposto, tanto essa releitura quanto o contato com outros documentos referentes à obra educacional dos inacianos, no Brasil, vêm sendo crivados pelos resultados do estudo anterior de uma outra obra clássica - a Didáctica Magna, de Comenius (Coménio, 1976) - sintetizados em A produção da escola pública contemporânea (Alves, 2001). Ao longo da exposição, o antagonismo entre a escolástica e a escola moderna domina a síntese resultante da releitura do Ratio Studiorum, pois, na tensão estabelecida pela disputa entre esses dois pólos, desenvolveu-se a experiência pedagógica da Companhia de Jesus. Claro que esse antagonismo é uma expressão, no campo da educação, da luta mais ampla estabelecida no interior da sociedade entre a nobreza e o clero católico, de um lado, e a burguesia, de outro, que cada vez mais claramente manifestava pelos mais diferentes meios sua contestação à ordem feudal.

Acentue-se, sobretudo, que a categoria trabalho didático disputa um lugar cada vez mais central em nossas análises. Por meio dela é possível fazer uma retrospectiva não só da relação educativa, na época moderna, mas também de como a escola moderna germinou a partir das transformações sociais desencadeadas pela ascensão burguesa.

Até o século XVI, o trabalho didático preservava as suas características artesanais. Era um legado da sociedade feudal; um registro que resistia à emergência de uma nova época cujas necessidades educacionais já não lhe eram mais pertinentes. A burguesia imitava a nobreza quando contratava um preceptor para educar os seus filhos. A relação do preceptor com o discípulo era de natureza individual, mesmo quando a responsabilidade daquele se dividia entre dois ou mais jovens. O ensino era ministrado, com predominância, em ambientes internos e externos da residência do discípulo ou da própria residência do preceptor. A sala de aula ainda não havia se expressado, claramente, como uma necessidade no âmbito da educação. Também a Reforma, nos seus albores, não prometia qualquer mudança substantiva em face da organização do trabalho didático. Esse movimento religioso incorporava uma novidade fundamental ao pressupor a necessidade de todos terem acesso à leitura e à escrita, para ler e interpretar livremente os livros sagrados. Mas não havia preceptores em número suficiente para atender a essa imensa demanda social. Enfatize-se que, ao impor os rudimentos da instrução para todos, a Reforma não fez ruir, imediatamente, a relação preceptor-discípulo, tal como se realizara até a época da Renascença. Pelo contrário, pretendeu estendê-la e reproduzi-la ao postular a transformação dos pais em preceptores, atribuindo-lhes a responsabilidade pela educação da prole. Nos Estados Unidos da América, até mesmo uma legislação punitiva foi erigida para coibir a omissão dos pais quando essa atribuição não fosse cumprida a contento. Acentue-se, mais uma vez, a relação educativa continuava sendo de caráter individual.

Passado mais de um século após a sua emergência, porém, a Reforma protestante passou a afirmar categoricamente a necessidade de uma nova instituição social para a educação das crianças e dos jovens. Anunciava-se, enfim, a superação do ensino preceptorial. Motivado por essa necessidade social emergente, Comenius foi o mentor que melhor expressou, por meio de sua obra, a concepção da nova instituição educacional. Foi um pioneiro, também, pelas inúmeras iniciativas em que se envolveu visando realizá-la. Frisando, Comenius foi o educador que encarnou a posição de vanguarda da Reforma protestante nas origens da produção da escola moderna; foi quem concebeu, de uma forma mais elaborada, orgânica e de conjunto, o projeto dessa instituição social, em meados do século XVII, tendo como fonte de inspiração a manufatura burguesa (Alves, op. cit., p. 81-103). Portanto, o surgimento da escola moderna implicava também a superação da base artesanal da organização do trabalho didático.

Paralelamente, reconheça-se que o Humanismo não avançara no terreno educacional. É verdade que, do ponto de vista do conteúdo, esse movimento burguês havia recuperado os clássicos do mundo antigo, zelando pela integridade e pela fidedignidade dos textos, superando assim o tratamento da escolástica, que os censurava e mutilava pelo "expurgo", a propósito de preservar a ética católica. A melhor ilustração do salto imposto pelo Humanismo pode ser dada tendo como referência a obra de Aristóteles. Este não foi banido dos estudos de filosofia, por exemplo. Banido foi o "Aristóteles cristão medieval", segundo a expressão de Abbagnano (1999, p. 79), em benefício de um Aristóteles mais condizente com os seus escritos originais, recuperados a partir da faina meticulosa dos humanistas, que percorriam toda a Europa em busca de textos não adulterados, e do contato com as fontes árabes. Mas a relação educativa continuava sendo aquela que colocava frente a frente o preceptor e o discípulo.

Por representar a proposta mais desenvolvida e articulada de "educação para todos", antes de o enciclopedismo e de a Revolução Francesa clamarem pela formação do cidadão por meio da escola pública, Comenius tornou-se a chave maior para o entendimento da origem e dos primeiros passos da escola moderna na sociedade burguesa e, como decorrência, para dimensionar a contribuição jesuítica, nesse processo. Deve-se ter em conta que, no lapso considerado, os discípulos de Inácio de Loyola dominavam a educação no mundo católico e, por conseqüência, no Brasil colonial, daí a relevância de seu estudo.

Na presente análise da contribuição educacional da Companhia de Jesus ao Brasil, como resultado do crivo exercido pela forma mais desenvolvida de concepção da escola moderna em seu tempo, afloram, sobretudo, dois temas: o primeiro referente à organização e à divisão do trabalho didático e, o segundo, à materialidade dos colégios jesuíticos. Outros, tão relevantes quanto estes, poderiam ser tocados, também, a exemplo das fontes do conhecimento exploradas na atividade de ensino, da formação de quadros para o magistério e das tecnologias educacionais envolvidas. Mas, para não pairar na superficialidade de todos eles, a opção foi a de delimitar o estudo, restringindo-o aos dois eleitos. Muitos dos temas referidos, que mais tarde ganharam centralidade na teoria educacional, até meados do século XVII só estavam explícitos na obra do bispo morávio, o que faz ressaltar o teor explicativo de sua concepção.

Quanto ao conteúdo da escolástica medieval, o Ratio Studiorum praticamente pouco inovou. Mas é patente a sua ênfase no tomismo, revigorado a partir da renovação dos estudos da Universidade de Paris, levada a cabo pelo dominicano Pedro Crockaert (Franca, 1952. p. 33). Daí a opção pelo modus parisiensis de ensinar e o apelo sistemático à autoridade de São Tomás de Aquino. No essencial, o plano de estudos dos jesuítas consagrou a orientação da escolástica e colocou-se como o seu instrumento de realização no âmbito da educação. No texto do documento em referência, que expressa sobretudo o conteúdo da Contra-Reforma, a peculiaridade mais notória é o seu tom incisivo, do ponto de vista ideológico, resultante do novo momento histórico que lhe correspondia, no interior do qual a Igreja Católica, além do combate a velhos adversários como o judaísmo e o islamismo, desenvolvia, sobretudo, uma reação intencional às "novidades"1 1 . "6. Evite-se a novidade de opiniões. - (...) ninguém introduza questões novas em matéria de certa importância, nem opiniões não abonadas por nenhum autor idôneo, sem consultar os superiores; nem ensine cousa alguma contra os princípios fundamentais dos doutores e o sentir comum das escolas." (Cf. Organização e plano de estudos..., apud Franca, op. cit., p. 145). trazidas por movimentos como o Humanismo e a Reforma. Daí a recomendação de uma atenta vigilância sobre os estudantes dos colégios da Companhia de Jesus, visando mantê-los dentro dos limites da interpretação tomista; distanciá-los dos escritos rabínicos, de "seitas filosóficas" e afastá-los, igualmente, dos escritos de Averróis,2 2 . "2. Como seguir Aristóteles. - Em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles, a menos que se trate de doutrina oposta à unanimemente recebida pelas escolas, ou, mais ainda, em contradição com a verdadeira fé. (...). 3. Autores infensos ao Cristianismo. - Sem muito critério não leia nem cite na aula os intérpretes de Aristóteles infensos ao Cristianismo; (...). 4. Averrois. - Por essa mesma razão não reúna em tratado separado as digressões de Averrois (e o mesmo se diga de outros autores semelhantes) e, se alguma cousa boa dele houver de citar, cite-a sem encômios e, quando possível, mostre que hauriu em outra fonte. 5. Não se filiar em seita filosófica. - (...) como a dos Averroistas, dos Alexandristas e semelhantes; nem dissimule os erros de Averrois, de Alexandre e outros, antes tome daí ensejo para com mais vigor diminuir-lhes a autoridade. 6. Santo Tomás. - De Santo Tomás, pelo contrário, fale sempre com respeito; seguindo-o de boa vontade todas as vezes que possível, dele divergindo, com pesar e reverência, quando não for plausível a sua opinião." (Idem, ibid., p. 159). filósofo árabe que tanto contribuíra para que o Humanismo recuperasse o pensamento aristotélico menos contaminado pela reinterpretação dos teólogos católicos medievais.

Em meio à decomposição do feudalismo, o combate histórico se intensificava. A Contra-Reforma, que expressava no plano ideológico a recusa ao desaparecimento dessa época cujo fim a história anunciava, passava a cuidar para que a ortodoxia católica não se desviasse, dando-lhe, cada vez mais, um conteúdo dogmático. Eis a razão de o Ratio Studiorum ameaçar ostensivamente com a exclusão quaisquer estudantes que se manifestassem interessados pelas "novidades". O mero fato de fazer essa referência já denota que os "novidadeiros" existiam e que, apesar da Contra-Reforma, as pregações das hostes humanistas e reformistas encontravam repercussão entre os católicos, inclusive entre os discípulos dos jesuítas e talvez até mesmo entre os mestres dessa ordem religiosa.

Aliás, a inserção material da Companhia de Jesus no Novo Mundo e o combate na frente ideológica contra-reformista expunham os jesuítas à nova ordem que se instaurava e às novas idéias, o que não deixou de influenciar o comportamento político da congregação. Fosse por puro oportunismo político, pela defesa de interesses materiais da ordem religiosa ou pelo vislumbre da importância de algumas idéias novas, os padres da Companhia de Jesus revelaram maior tolerância política em relação aos adversários, o que não representava o tom dominante da Contra-Reforma, principalmente da Inquisição. Por esse caminho podem ser entendidos certos casos paradigmáticos. Um deles é o do Pe. António Vieira, que, contra a expectativa da Inquisição, não tergiversou sua simpatia aos judeus nem deixou de desenvolver intensa atividade diplomática em Portugal, após a Restauração, visando fazer regressar o imenso contingente dessa colônia que havia se evadido do país na fase de dominação espanhola.3 3 . "Por todos os reinos e províncias da Europa está espalhado grande número de mercadores portugueses, homens de grandíssimos cabedais, que trazem em suas mãos a maior parte do comércio e riquezas do Mundo." (...). "Por falta de comércio se reduziu a grandeza e opulência de Portugal ao miserável estado em que Vossa Majestade o achou, e a restauração do comércio é o caminho mais pronto de a restituir ao antigo e ainda mais feliz estado. E se o Castelhano, para reduzir Portugal a província e lhe quebrantar as forças, tomou por arbítrio retirar-lhe os mercadores e chamar para as praças de Castela os homens de negócio, chame-os Vossa Majestade e restitua-os a Portugal, que não pode ser razão de estado para a nossa restauração e conservação, o continuar e ajudar os mesmos meios que escolheram os nossos inimigos para a nossa ruína. E porque são duas as causas que desnaturalizaram deste Reino os homens de negócio - ou as culpas de que estão acusados na Inquisição ou o receio do estilo com que as cousas da Fé se tratam em Portugal -, para que com segurança possam tornar para ele, Vossa Majestade lhes deve dar sua real palavra de procurar admitir o perdão que eles alcançaram do Papa acerca do passado, e para o futuro a moderação do rigor que Sua Santidade julgar ser mais conveniente se guarde nas Inquisições deste Reino, como se tem feito em outros da Cristandade, principalmente no de Castela." (VIEIRA, Pe. António. Obras escolhidas. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951. v. 4, p. 11 e 15). Para estranheza de quem vê na atuação jesuítica, sempre, o selo do obscurantismo, motivavam Vieira, nessa circunstância, interesses exclusivamente materiais, que se orientavam pela necessidade de recuperar reservas de capital e a antiga grandeza material de reino português. A ordem religiosa também acabou tornando-se lucrativa empresa capitalista no Novo Mundo, por força do patrimônio que progressivamente amealhara. Engenhos, fazendas de gado e outras modalidades de propriedade, fizeram a Companhia de Jesus estabelecer relações capitalistas no âmbito da produção.4 4 . Sobre os bens da Companhia de Jesus, à época de sua expulsão do Brasil, ver ALDEN, D. Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil: notícia preliminar. In: KEITH, H.H.; EDWARDS, S.F. (Org.) Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. p. 31-78. (Retratos do Brasil, 79) Assim, suas casas na América distanciavam-se do enraizamento material das européias e predispunham-se mais, aqui, à tolerância, ao diálogo e à cumplicidade com as forças sociais que encarnavam o novo. Obras de jesuítas como Antonil (1711) e Benci (1977), centradas nas questões de ordem prática da produção capitalista, são a demonstração inequívoca dessa predisposição.

Mas, mesmo na Europa, pela atenta vigilância que sempre dispensaram ao novo, muitas vezes os jesuítas viram-se enredados por ele. É expressivo o fato de que um dos fundadores da ciência moderna, Galileu Galilei, nunca duvidou da acolhida respeitosa, entre os inacianos, das descobertas propiciadas por suas observações astronômicas. Por Cristóvão Gruenberger, discípulo e sucessor de Clávio na cátedra de matemática do Colégio Romano, sempre revelou apreço e respeito.5 5 . Ao defender-se de pressões exercidas por padres dominicanos, Galileu Galilei solicitou a seu amigo Monsenhor Piero Dini, por carta, que lesse o seu conteúdo para "o Pe. Gruenberger, jesuíta, matemático insigne e meu grandíssimo amigo e patrono". (Cf. GALILEI, 1988, p. 26). O próprio Pe. Cristóforo Clávio não estava entre aqueles que se recusavam a usar a luneta, instrumento que Galileu difundira nos estudos de astronomia e que tanta resistência recebera de astrônomos, filósofos e matemáticos escolásticos. Segundo Carlos Ziller Camenietzki, o "modelo geocêntrico da escola Aristotélico-Tomista propunha que os astros seriam formados por um éter, substância puríssima e incorruptível". Entre outras conseqüências, "isso impunha que a Lua fosse perfeitamente esférica". Galileu, ao evidenciar o relevo acidentado da Lua criou uma dificuldade para essa concepção, que, imediatamente, mobilizou Clávio, "a maior autoridade em astronomia da Companhia de Jesus": "ao ver pela luneta o relevo lunar, propôs uma hipótese que afirmava a existência de uma camada cristalina, transparente, recobrindo a Lua de tal modo que sua superfície teria uma forma perfeitamente lisa. (...) Galileu responde a ele dizendo: 'Veramente l'immaginazione è bella... solo gli manca il non esser né dimonstrata né dimonstrabile'['Verdadeiramente a imaginação é bela, só lhe falta o não ser demonstrada nem demonstrável']". (Apud GALILEI, 1987, nota 16, p. 39).

Por isso, também, a prática pedagógica da Companhia de Jesus se, por um lado, consagrou o conteúdo da escolástica medieval, por outro inovou sensivelmente, o que se pretende demonstrar na seqüência.

Quando o Ratio Studiorum discorre sobre o "método de estudar, repetir e disputar" deixa evidente que divide o processo ensino-aprendizagem em duas etapas fundamentais. A primeira delas corresponderia à prelectio, que girava em torno da figura e da ação do professor. A preleção, como o próprio termo indica, era entendida como "lição antecipada, uma explicação do que o aluno deverá estudar" (Franca, op. cit., p. 57). Algumas vezes, antes da preleção, "recitava-se de cor um trecho latino em prosa ou verso" (Franca, 1952, p. 59). Contudo, quase sempre as atividades de ensino eram desencadeadas a partir da "leitura e o resumo do texto" (idem, ibid., p. 57). A leitura do texto podia incidir sobre uma carta, um documento ou um trecho de obra clássica, fosse de Aristóteles, de um padre da Igreja, de Santo Tomás de Aquino ou um extrato "expurgado" de alguma peça da literatura greco-latina. Após a leitura desse texto, o professor passava à leitura de um escrito de sua lavra, preparado previamente para assegurar "ordem" ao trabalho didático. Numa aula de retórica, por exemplo, após a apresentação do resumo do texto de referência, o professor em seguida esclarecia cada passo de seu conteúdo, discutia os significados de termos desconhecidos, as regras de gramática e as normas de estilística. A explicação preparada pelo professor deveria explorar, ao máximo, os "conhecimentos das realia", isto é, os conhecimentos positivos que configuravam a eruditio, hauridos da história, da geografia, da mitologia, da etnologia, da arqueologia e instituições do mundo clássico, segundo Franca. Durante as explicações, o mestre interrogava os alunos e solicitava colaborações para verificar o grau de compreensão do conteúdo. Ao final da aula, ficava à disposição dos estudantes, por algum tempo, visando complementar suas impressões sobre o domínio do conteúdo da exposição pelos colegiais.

Cumprida a prelectio, iniciava-se a segunda etapa do processo ensino-aprendizagem, denominada composição. Essa era a etapa em que o aluno exercia plenamente a atividade intelectual e a realizava com recursos que extrapolavam a sala de aula. Se a preleção fazia a "análise viva de um modelo", na composição, usando o modelo - uma carta, um documento ou um extrato "expurgado" de alguma obra da literatura greco-latina - o jovem nele se aprofundava pelo estudo. O modelo deveria ser "contemplado", "admirado" e "assimilado", para possibilitar, na seqüência, a sua "reprodução" por meio de uma composição pessoal. O pressuposto era o de que, progressivamente, o estudante se libertaria dessa camisa de força, representada pelo modelo externo, para construir sua autonomia e manifestar sua identidade em composições originais.

A argumentação desenvolvida pode gerar a impressão, talvez, de que nenhuma inovação foi ensejada pela prática pedagógica dos jesuítas. É errônea essa impressão. O trabalho pedagógico nos colégios jesuíticos não se circunscrevia aos dois momentos relatados friamente. Inúmeros recursos didáticos foram sendo agregados ao trabalho de ensino de forma a configurar uma relação diferenciada entre o professor e o aluno, muito distante da prática pedagógica medieval. Não somente as preocupações com a disciplina foram abrandadas. Necessário se torna frisar que os castigos físicos não foram abolidos. Existia, mesmo, a figura do "corretor" (Organização e plano de estudos..., apud Franca, op. cit., p. 220) dentro de cada colégio, mas começou a se sobrepor a idéia de que os castigos deveriam ter mais o caráter "moral", apelando-se, só em último caso, para os castigos físicos. Mais importante foi o uso do recurso da emulação para assegurar o empenho dos estudantes. Franca deixa evidente que, por inspiração da organização militar, as salas de aula eram subdivididas em dois "exércitos", ambos tomados pela convicção de lutar contra o adversário e vencê-lo. Internamente cada "exército" apresentava, também, uma hierarquia de tipo militar. Ressalte-se nessa organização, porém, algo muito diferente da rígida estratificação da sociedade feudal. Nesta, o enraizamento dos homens nas classes repousava em direitos de nascimento, o que a tornava impermeável ao trânsito social. Isso gerava conseqüências até mesmo dentro da organização militar feudal. Os comandos superiores eram açambarcados pelos senhores feudais mais poderosos. Os postos de chefia intermediários eram atribuídos aos integrantes da média e da pequena nobrezas, subordinados por laços de suserania aos comandantes maiores. A cavalaria era a arma privilegiada da nobreza. A infantaria era constituída pelos elementos do povo. Mas na organização dos estudantes, dentro das salas de aula jesuíticas, não era assim. No dia a dia do trabalho didático, em que pese a influência militar nas denominações dos postos de cada "exército", os papéis respectivos eram atribuídos aos estudantes por mérito, do que resultava um câmbio sistemático. O estudante, integrado ao seu posto, vigiava e corrigia o seu correspondente na hoste adversária e os deslizes constatados eram somados positivamente ao desempenho geral de seu exército. Os mais perspicazes e inteligentes recebiam promoções dentro de seu grupo. Isso gerou um clima de competição, dentro das salas de aula, muito próximo da forma de existência da nova classe social, a burguesia. Não há proximidade entre esse ambiente dominante nos colégios jesuíticos, marcado pela competição e pela meritocracia, e as silenciosas e soturnas aulas dos mestres medievais.

No interior da Contra-Reforma, por outro lado, não deve ser desprezada a nova importância de que se revestiu a educação como instrumento de conquista dos fiéis e, por isso, de difusão da religião católica por todo o universo. Esse novo momento histórico criou uma demanda peculiar e os jesuítas, principalmente, foram conclamados a atendê-la. Já não se tratava de receber algum jovem que, por iniciativa de uma ou outra família, procurava pelos acanhados serviços educacionais dos monastérios e das catedrais. Nem se tratava de assegurar a difusão da doutrina pela expansão das atividades catequéticas, que dispensavam o domínio da leitura e da escrita. Tratava-se, então, de estimular os fiéis a receber os benefícios da educação. Nesse instante, como não poderia deixar de ser, a campanha encetada privilegiou, basicamente, a nobreza e a burguesia. Mesmo assim, houve uma expansão sensível dos serviços educacionais, então em escala universal.6 6 . "A instituição de colégios para estudantes não pertencentes à Ordem não entrava no plano primitivo de Inácio, mas bem depressa se lhe impôs como uma necessidade quase indeclinável e um instrumento eficaz de renovação cristã muito em harmonia com as suas altas finalidades e com a inclinação espontânea de Inácio. A fundação em Goa por S. Francisco Xavier do primeiro colégio para externos em 1543 e a doação em 1544 de S. Francisco de Borja, então duque de Gandia, para a abertura nesta cidade de um colégio, transformado, em 1547, em Universidade ou Studium generale, enveredaram a nova Ordem pelo caminho de sua missão educativa. (...) Quando faleceu S. Inácio já a Companhia contava colégios na Itália, na Espanha, na Áustria, na Boêmia, na França e em Portugal, ao todo 33 colégios em atividade e 6 outros já por ele formalmente aceitos. Na aurora do século XVI, pouco depois de promulgado o seu Código de ensino, já eram 293 os colégios dirigidos pelos jesuítas, deles, 37 no ultra-mar; e em 1615, ao falecer Aquaviva, o grande promotor e promulgador do Ratio, o seu número ascendia a 373. E no entanto o próprio Aquaviva, numa carta aos delegados da província siciliana, declara que só nos quatro primeiros anos do seu governo (1581-84) recusara mais de 60 pedidos de Colégios na Europa. Os colégios multiplicavam-se em número e avultavam em importância. (...) Algumas cifras, apenas, para demonstrá-lo. O primeiro colégio da Companhia, na França, foi aberto em Billom, em 1556, com 500 alunos, três anos depois já contava 800 e quatro anos mais tarde, em 1563, 1.600. O célebre Colégio de Clermont, em Paris, matriculara, em 1581, 1.200 alunos, e após cinco anos, 1.500. Na Germânia, mesma expansão. Em 1581, Mogúncia contava 700 alunos, Treviri 1.000 e em Colônia as matrículas passavam de 560 em 1558 a 1.000 em 1581. Portugal não se deixou vencer pelas nações maiores. Em Lisboa os alunos passavam de 1.300 em 1575 a quase 2.000 em 1588; em Évora de 1.000 em 1575 cresciam a 1.600 em 1592; e em Coimbra os estudantes que frequentavam o Colégio das Artes regulavam por 1.000 em 1558 e em 1594 por 2.000!" (Franca, op. cit., p. 7 e p. 13-14). Ao contrário da valorização do ascetismo medieval e da parcimônia na distribuição dos instrumentos de inserção cultural, numa nova fase da história em que as cidades se transformavam nos eixos dos acontecimentos humanos, começou a dominar, na propaganda católica, a preocupação intencional de suscitar o interesse das famílias pela educação, traduzindo-a como condição necessária ao aperfeiçoamento da vida cristã. Esse aperfeiçoamento decorreria, em grande parte, do descortínio propiciado pela educação, visto como recurso indispensável ao combate às idéias largamente difundidas pelos adversários. O burburinho das cidades, o desenvolvimento material que fortalecia a burguesia, o surgimento de novas idéias que espelhavam esse desenvolvimento, a exemplo das heresias, do Humanismo e da Reforma, bem como a reiterada luta contra o islamismo e o judaísmo, eram fatores que impunham uma nova atitude na Igreja Católica em face da educação. Se essa atitude já estava disseminada entre alguns adversários, Roma, para não perder espaço, começava a admitir, da mesma forma, que o domínio das consciências passava, nesse novo estágio da história humana, a transitar também pela educação formal. Estava sendo superada a época em que a submissão e a ingênua ignorância dos fiéis, perdidos na imensidão dos campos feudais, poderiam repousar somente nos ensinamentos do catecismo, transmitidos oralmente, e nas trovejantes ameaças contra os pecadores ou nas doces promessas de um mundo melhor, além da vida terrena, verbalizadas pelo cura.

Nesse sentido e como decorrência de uma nova e grande demanda, as escolas jesuíticas inovaram em relação aos estabelecimentos educacionais católicos pregressos. Suas escolas, denominadas colégios, carregavam uma ambivalência quanto à finalidade, pois eram, ao mesmo tempo, seminários, tal como os preconizara o Concílio de Trento, e colégios para a formação de jovens burgueses e nobres, que buscavam sólida formação humanística visando desenvolver as bases para a realização, com sucesso, no futuro, de estudos superiores. Afirme-se que não constava das intenções originais de Inácio de Loyola o trabalho educacional, mas a pressão social, associada ao reconhecimento da importância da educação como instrumento de luta ideológica fez, logo nos primeiros tempos da ordem, com que ela incursionasse nessa frente e a elegesse como prioridade. Pela gigantesca demanda, seus colégios foram concebidos para o atendimento de grande número de jovens. Daí, também, a adoção do modus parisienses de ensino, familiar a todos os pioneiros da ordem, que haviam realizado estudos superiores na Universidade de Paris. O modus parisiensis implicava uma forma de distribuição dos alunos por nível de adiantamento, o que resultou na formação de classes. A maior homogeneidade das turmas constituídas permitiu que se estabelecesse uma tímida divisão do trabalho, no interior do trabalho didático, e que diferentes professores assumissem classes distintas (Julia, 2001, p. 14). Também insinuou a progressão dos níveis de escolarização, que, com o tempo, foi se fixando e aperfeiçoando, até configurar um plano de estudos sistemático com articulação horizontal e vertical. Com isso mudava, ainda, a concepção de espaço em relação ao local devotado ao ensino e, como decorrência, impunha-se o desenvolvimento das condições materiais que lhe correspondiam. O local de ensino, que era um apêndice no monastério e na catedral, elevou-se ao primeiro plano, ao dar origem ao colégio, e ganhou visibilidade. As edificações jesuíticas passaram a ser identificadas, em primeiro lugar, pelo colégio. A igreja e demais dependências, mesmo que essenciais para a prática missionária dos jesuítas, se tornaram elementos acessórios. Para patentear a inversão apontada, desde então passou a ser comum falar, por exemplo, em "Convento e Igreja do Colégio dos Jesuítas em São Paulo" (Moura, 1954, p. 20. Grifo nosso). A Carta Real de Dona Maria I, que doou à Igreja de Pernambuco os bens dos jesuítas em Olinda, para atender condição exigida por Azeredo Coutinho visando à fundação de um novo Seminário, é, também, muito expressiva. Nela é feita referência à existência, em Olinda, de uma "Casa que foi Colégio e habitação dos extintos Jesuítas, com a sua respectiva Igreja, Alfaias a ela pertencentes, e Cerca, que é anexa à referida Casa, e Colégio" (apud Nogueira, 1985, p. 381-382. Grifo nosso). Para definir os bens dos jesuítas, no caso identificados com a sua "Casa" em Olinda, os termos "colégio" e "habitação" antecedem e são os referenciais em torno dos quais giram todos os demais. Essas demonstrações colocam em tela o que se deu, igualmente, com o Colégio da Bahia e tantos outros. A nova referência, que se disseminou por todo o universo, colocava o colégio em posição central nas residências jesuíticas.

Quanto ao plano de estudos da Companhia de Jesus há que se ressaltar a sua uniformidade. Em princípio, não havia a possibilidade de o colegial seguir modalidades especializadas de estudos. O plano era um bloco monolítico, que todos deveriam trilhar, desde os estudos iniciais de gramática latina até o seu cume, representado pelos estudos de teologia, reservados aos seminaristas. Mas as diferenças individuais existiam e o seu reconhecimento permitia ajustes, mas não a ponto de romper com esse monolitismo. Aqueles que se destacavam nos estudos de retórica, por exemplo, poderiam aprofundar-se na matéria por mais algum tempo - um ano, quase sempre. O mesmo se dava com os estudantes de teologia. Os mais talentosos eram premiados com anos adicionais de estudos, normalmente dois. Os excepcionais poderiam ter, inclusive, três ou quatro anos de estudos, ao final dos quais defendiam teses e obtinham graus. Acentue-se que, nestes casos de anos adicionais de estudos, o Ratio Studiorum não discriminava a programação dos conteúdos desenvolvidos. Tudo induz ao entendimento de que se mantinha a programação dos estudos regulares e de que o aprofundamento decorria mais da capacidade do estudante do que propriamente de um acréscimo de conteúdos. A aspiração pedagógica perseguida era a de formar um padre com o domínio básico da filosofia aristotélica e da teologia, na sua vertente tomista, que pudesse brandir com elegante eloqüência a doutrina católica para, assim, obter a adesão subjetiva do fiel à tutela da religião. Se o modelo ideal só poderia encarnar-se no expoente, o plano de estudos demonstra a consciência, também, de que muitos não seriam talhados para o exercício da eloqüência além da média, nem para o domínio da filosofia ou da teologia com maior talento. Mas nunca um quadro da Companhia de Jesus poderia exercer as funções missionárias superiores, entre as quais a do ensino, se estivesse aquém da "mediania".7 7 . "A mediania, (...), deve entender-se no sentido em que vulgarmente se entende quando se diz de alguém que é de talento mediano, a saber, quando percebe e compreende o que ouve e estuda e é capaz de dar razão suficiente a quem lha pede, ainda que, em filosofia e teologia, não atinja o grau de doutrina que as Constituições designam com a expressão 'haver nela feito bastante progresso', nem seja capaz de defender as teses aí mencionadas com o saber e a facilidade com que as defenderia quem fosse dotado de talento para ensinar Filosofia e Teologia." (Organização e plano de estudos, apud Franca, op. cit., p. 125-126). Já no início do processo de escolarização, à medida que fossem sendo constatadas as limitações dos estudantes intelectualmente mais fracos, para eles eram estabelecidas destinações de menor peso que aquelas reservadas aos jovens mais talentosos. Se o estudante não demonstrasse maior propensão para a filosofia, deveria logo se dirigir aos "casos de consciência", um exercício escolástico que realçava "alguns princípios gerais da moral que se costuma debater com método teológico" (Organização e plano de estudos , apud Franca, op. cit., p. 155) e que representava a base mínima de domínio de um padre. Mas esse jovem jamais seria professor de teologia ou de filosofia. Poderia, quando muito, lecionar as disciplinas do "magistério inferior".8 8 . "Os que, no primeiro exame, se revelarem incapazes para a filosofia deverão ser destinados aos Casos ou, a juízo do Provincial, ao magistério [inferior] (assim entendemos a destinação aos casos); quanto aos demais nada por então se decida. No segundo exame, poderão distinguir-se entre os candidatos três graus: os que excedem a mediania e estes deverão prosseguir os demais estudos; os que lhe ficam abaixo e estes serão logo aplicados aos Casos; e finalmente os que apenas a atingem e entre estes caberá ainda uma discriminação." (Idem, ibid., p. 124).

Essa discussão já introduziu, de fato, a questão da divisão do trabalho. Pelo que se viu, não há uma divisão do trabalho imanente à na tureza do trabalho didático entre os jesuítas. A aspiração do plano de estudos era a de formar o padre. E qualquer padre jesuíta resumia, ao mesmo tempo, esse ideal pedagógico e a sua realização. O padre representava, para cada estudante, o horizonte do que ele poderia ser no futuro; era a expressão do ideal pedagógico a ser seguido pelo aluno.

Os padres se distribuíam pelas disciplinas de um colégio não como resultado de especializações adredemente fixadas. Os estudos se distinguiam quanto aos seus objetos, mas nenhum mestre tivera uma formação especializada em quaisquer deles. Todos haviam seguido o mesmo plano de estudos e apreendido os seus conteúdos com uma intensidade média dominante. Logo, todos poderiam ministrar todas as disciplinas, ressalvados aqueles casos dos pouco dotados intelectualmente. Os talentos pessoais não eram vistos como fatores de especialização dos quadros; eram encarados como dons a serem cultivados, sem prejuízos para os estudos em outras áreas. A expectativa em relação a um jovem estudante eloqüente, que começava a se distinguir na retórica, se resumia a vê-lo como alguém que poderia desenvolver, no futuro, um importante trabalho missionário no púlpito. Pelo dom pessoal de que dispunha, era desejável que a esse jovem fosse assegurada a possibilidade de se aprimorar no estudo e nos exercícios da retórica. Mas, repita-se, isso não fazia dele um especialista, pois não abdicava das outras áreas de formação nem de outras atividades em favor da eloqüência. Esta era só um recurso complementar, que merecia ser dominado plenamente para que seu dom pessoal não fosse desperdiçado.

Qualquer padre talentoso, portanto, poderia lecionar qualquer disciplina. Sob esse aspecto, só quem estava abaixo da "mediania" enfrentaria restrições. Reafirme-se, mais uma vez, que o trabalho didático não estava organizado de forma a exigir a entronização especializada dos mestres ao magistério. Suplantando a influência dos dons, a necessidade de repartir os encargos missionários de uma forma equânime era muito mais determinante na distribuição das disciplinas entre os padres. Isso fica claro a partir de algumas orientações do próprio Ratio Studiorum. Ao discutir o desenvolvimento dos estudos de teologia, por exemplo, essa norma afirma que, onde os tivesse, o colégio deveria distribuir os encargos de ensino entre três professores. Caso não houvesse três padres, que fossem designados dois. Por outro lado, ao referir-se àquele com especial talento para o exercício da eloqüência sagrada, mesmo reconhecendo a importância de que ensinasse retórica, a orientação era no sentido de que ele não se consumisse no magistério, pois o trabalho missionário exigia sua presença também no púlpito.

Com a Contra-Reforma o trabalho de ensino ganhara peso ideológico e não se realizava mais como algo esporádico, a exemplo do que ocorrera na Idade Média, tanto nos monastérios quanto nas catedrais. Esse maior peso do trabalho de magistério, no entanto, não liberava o padre de suas outras atribuições, o que implicava a necessidade de distribuição equânime das tarefas. Contudo, tratava-se de uma distribuição de encargos visando não sobrecarregar mais alguns do que outros. Se os dons pessoais tinham alguma influência nessa distribuição, que ninguém se equivoque e a atribua a especializações prévias dos padres, pois elas não existiam. É evidente a existência de uma divisão do trabalho missionário entre os jesuítas, mas não se constata uma divisão do trabalho imanente à natureza do trabalho didático.

Uma última relação importante deve ser firmada. Há um paralelo entre a agregação dos padres jesuítas em torno do plano de estudos dos colégios e as manufaturas nascentes. Na manufatura nascente ocorria uma simples agregação de artesãos sob uma mesma oficina, trabalhando de forma independente, mas utilizando em comum dependência física e instrumentos de trabalho. A queda do custo de produção das mercadorias, propiciada por essa utilização comum, fixou a agregação e criou as condições materiais para o estabelecimento da divisão do trabalho, na seqüência. Portanto, a manufatura capitalista desenvolvida, caracterizada pela divisão do trabalho, muito ficou devendo a essa forma inicial e não teria desabrochado sem ela. O que se via nos colégios jesuítas era muito parecido. Neles coexistiam padres com formação comum, concebida sob o primado do artesanato, daí a capacidade que qualquer um deles revelava para atuar nas mais diferentes áreas do plano de estudos. Isso os aproximava do próprio preceptor feudal, que acompanhava o seu discípulo desde as etapas iniciais da leitura e da escrita até o momento em que lhe eram ministrados os retoques finais de formação humanística. A arregimentação de um número cada vez maior de estudantes, bem como a concentração de padres voltados para o trabalho educacional, criaram as condições não só de instauração da divisão do trabalho didático, mas também da decorrente produção de uma materialidade escolar peculiar, plasmada no espaço físico do colégio. A produção da seriação, das áreas do conhecimento e dos professores especializados, reproduzindo na escola a decomposição do processo de trabalho e a produção de trabalhadores especializados nas manufaturas, não tardaria a ocorrer. Logo, não há como deixar de reconhecer que os jesuítas estavam na ponta daquele processo que iria resultar na produção da escola moderna. Entre eles, o plano de estudos ainda estava distante da concepção de Comenius, dominada pela divisão manufatureira do trabalho didático. Mas, é necessário ter em vista que a contribuição educacional dada por eles se iniciara um século antes de ter sido publicada a obra Didáctica Magna. Os jesuítas já estavam criando escolas quando a Reforma impunha às famílias, ainda, a responsabilidade pela educação de seus filhos. Criaram os inacianos, assim, no plano da materialidade escolar, as condições para a divisão do trabalho didático consagrada por Comeniusa9 9 . Comenius "conhecia bem as doutrinas que, sobre a educação, haviam professado Lutero, Melanchton e Calvino, assim como os Jesuítas e o célebre Reitor do Ginásio de Estrasburgo, João Sturm", bem como as idéias "de reformas do sistema pedagógico medieval, preconizadas por Erasmo, Rabelais e Montaigne." (Cf. Gomes, 1976, p. 10-11. Grifo nosso). um século mais tarde. Logo, ao analisar a emergência da escola moderna, um novo tipo de instituição educacional reclamado pela época de ascensão burguesa, sobrepõe-se o reconhecimento de que, pelas condições objetivas que criaram em seus colégios, os jesuítas pioneiramente começaram a antecipá-la já no século XVI.

Não por acaso, no século XVI e início do século XVII, testemunhos contemporâneos variados, inclusive pensadores do porte de um Bacon, apontaram o colégio jesuítico como a forma educacional mais avançada. Até os adversários renderam-se a esse fato. É expressivo que, ainda hoje, um representante da "história das disciplinas escolares" parece tomar o colégio jesuítico não como uma das formas educacionais bastante difundidas, no século XVI, mas como a forma educacional expressiva do ensino secundário à época.10 10 . "O século XVI vê a realização de um espaço escolar à parte, com um edifício, um mobiliário e um material específicos: o que é verdadeiro para as universidades desde o século XV prolonga-se neste momento no colégio, que hoje chamamos secundário. Basta refletir sobre as exigências materiais manifestadas pelos jesuítas no momento em que eles se vêem encarregados, por determinação da administração de determinada municipalidade, de um estabelecimento escolar, e também sobre a proximidade das plantas utilizadas, que torna ainda hoje reconhecível, no espaço urbano contemporâneo, o antigo colégio da Companhia." (Julia, 2001, p. 13). Pode ser levantada a objeção que o autor é francês e que, no caso, reporta-se à história francesa. Contudo, mesmo que fosse válida tal objeção, não estaria arranhada a importância do colégio jesuítico à época; não estaria contestada a sua hegemonia no mundo católico nem a idéia de que teria sido um germe importante da escola moderna.

Notas

Recebido em junho de 2004 e aprovado em dezembro de 2004

  • ABBAGNANO, N. Aristotelismo. In: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 79.
  • ALVES, G.L. A produção da escola pública contemporânea Campo Grande: UTMS; Campinas: Autores Associados, 2001. 288p.
  • ANTONIL, A.J. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas, e minas, ... Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1711. (Edição facsimilar do Museu do Açúcar/IAA)
  • BENCI, J. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos (1700). São Paulo: Grijalbo, 1977. 225p.
  • COMÉNIO, J.A. Didáctica magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Trad., introd. e notas de J.F. Gomes. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. 525p.
  • FRANCA, L. O método pedagógico dos jesuítas Rio de Janeiro: Agir, 1952. p. 5-118.
  • GALILEI, G. Ciência e fé São Paulo: Nova Stella; Rio de Janeiro: MAST, 1988. 109p.
  • GALILEI, G. Galileu Galilei: a mensagem das estrelas. Trad., introd. e notas de C.Z. Camenietzki. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; Salamandra, 1987. nota 16, 72p.
  • GOMES, J.F. Introdução. In: COMÉNIO, J.A. Didáctica magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Trad., introd. e notas de J.F. Gomes. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. p. 5-41.
  • JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 1, p. 9-43, jan./jul. 2001.
  • KEITH, H.H.; EDWARDS, S.F. (Org.). Conflito e continuidade na sociedade brasileira Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. p. 31-78. (Retratos do Brasil, 79)
  • MOURA, P.C. São Paulo de outrora 3. ed. São Paulo: Martins, 1954.
  • NOGUEIRA, S.L. O Seminário de Olinda e seu fundador o bispo Azeredo Coutinho Recife: FUNDARPE, 1985. 383p.
  • ORGANIZAÇÃO e plano de estudos da Companhia de Jesus. In: FRANCA, L. O método pedagógico dos jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952. p. 119-230. (Obras completas, 10)
  • 1
    . "6.
    Evite-se a novidade de opiniões. - (...) ninguém introduza questões novas em matéria de certa importância, nem opiniões não abonadas por nenhum autor idôneo, sem consultar os superiores; nem ensine cousa alguma contra os princípios fundamentais dos doutores e o sentir comum das escolas." (Cf. Organização e plano de estudos..., apud Franca, op. cit., p. 145).
  • 2
    . "2.
    Como seguir Aristóteles. - Em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles, a menos que se trate de doutrina oposta à unanimemente recebida pelas escolas, ou, mais ainda, em contradição com a verdadeira fé. (...). 3.
    Autores infensos ao Cristianismo. - Sem muito critério não leia nem cite na aula os intérpretes de Aristóteles infensos ao Cristianismo; (...). 4.
    Averrois. - Por essa mesma razão não reúna em tratado separado as digressões de Averrois (e o mesmo se diga de outros autores semelhantes) e, se alguma cousa boa dele houver de citar, cite-a sem encômios e, quando possível, mostre que hauriu em outra fonte. 5.
    Não se filiar em seita filosófica. - (...) como a dos Averroistas, dos Alexandristas e semelhantes; nem dissimule os erros de Averrois, de Alexandre e outros, antes tome daí ensejo para com mais vigor diminuir-lhes a autoridade. 6. Santo Tomás. - De Santo Tomás, pelo contrário, fale sempre com respeito; seguindo-o de boa vontade todas as vezes que possível, dele divergindo, com pesar e reverência, quando não for plausível a sua opinião." (Idem, ibid., p. 159).
  • 3
    . "Por todos os reinos e províncias da Europa está espalhado grande número de mercadores portugueses, homens de grandíssimos cabedais, que trazem em suas mãos a maior parte do comércio e riquezas do Mundo." (...).
    "Por falta de comércio se reduziu a grandeza e opulência de Portugal ao miserável estado em que Vossa Majestade o achou, e a restauração do comércio é o caminho mais pronto de a restituir ao antigo e ainda mais feliz estado.
    E se o Castelhano, para reduzir Portugal a província e lhe quebrantar as forças, tomou por arbítrio retirar-lhe os mercadores e chamar para as praças de Castela os homens de negócio, chame-os Vossa Majestade e restitua-os a Portugal, que não pode ser razão de estado para a nossa restauração e conservação, o continuar e ajudar os mesmos meios que escolheram os nossos inimigos para a nossa ruína.
    E porque são duas as causas que desnaturalizaram deste Reino os homens de negócio - ou as culpas de que estão acusados na Inquisição ou o receio do estilo com que as cousas da Fé se tratam em Portugal -, para que com segurança possam tornar para ele, Vossa Majestade lhes deve dar sua real palavra de procurar admitir o perdão que eles alcançaram do Papa acerca do passado, e para o futuro a moderação do rigor que Sua Santidade julgar ser mais conveniente se guarde nas Inquisições deste Reino, como se tem feito em outros da Cristandade, principalmente no de Castela." (VIEIRA, Pe. António.
    Obras escolhidas. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951. v. 4, p. 11 e 15).
  • 4
    . Sobre os bens da Companhia de Jesus, à época de sua expulsão do Brasil, ver ALDEN, D. Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil: notícia preliminar. In: KEITH, H.H.; EDWARDS, S.F. (Org.)
    Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. p. 31-78. (Retratos do Brasil, 79)
  • 5
    . Ao defender-se de pressões exercidas por padres dominicanos, Galileu Galilei solicitou a seu amigo Monsenhor Piero Dini, por carta, que lesse o seu conteúdo para "o Pe. Gruenberger, jesuíta, matemático insigne e meu grandíssimo amigo e patrono". (Cf. GALILEI, 1988, p. 26). O próprio Pe. Cristóforo Clávio não estava entre aqueles que se recusavam a usar a luneta, instrumento que Galileu difundira nos estudos de astronomia e que tanta resistência recebera de astrônomos, filósofos e matemáticos escolásticos. Segundo Carlos Ziller Camenietzki, o "modelo geocêntrico da escola Aristotélico-Tomista propunha que os astros seriam formados por um éter, substância puríssima e incorruptível". Entre outras conseqüências, "isso impunha que a Lua fosse perfeitamente esférica". Galileu, ao evidenciar o relevo acidentado da Lua criou uma dificuldade para essa concepção, que, imediatamente, mobilizou Clávio, "a maior autoridade em astronomia da Companhia de Jesus": "ao ver pela luneta o relevo lunar, propôs uma hipótese que afirmava a existência de uma camada cristalina, transparente, recobrindo a Lua de tal modo que sua superfície teria uma forma perfeitamente lisa. (...) Galileu responde a ele dizendo: 'Veramente l'immaginazione è bella... solo gli manca il non esser né dimonstrata né dimonstrabile'['Verdadeiramente a imaginação é bela, só lhe falta o não ser demonstrada nem demonstrável']". (Apud GALILEI, 1987, nota 16, p. 39).
  • 6
    . "A instituição de colégios para estudantes não pertencentes à Ordem não entrava no plano primitivo de Inácio, mas bem depressa se lhe impôs como uma necessidade quase indeclinável e um instrumento eficaz de renovação cristã muito em harmonia com as suas altas finalidades e com a inclinação espontânea de Inácio. A fundação em Goa por S. Francisco Xavier do primeiro colégio para externos em 1543 e a doação em 1544 de S. Francisco de Borja, então duque de Gandia, para a abertura nesta cidade de um colégio, transformado, em 1547, em Universidade ou
    Studium generale, enveredaram a nova Ordem pelo caminho de sua missão educativa.
    (...) Quando faleceu S. Inácio já a Companhia contava colégios na Itália, na Espanha, na Áustria, na Boêmia, na França e em Portugal, ao todo 33 colégios em atividade e 6 outros já por ele formalmente aceitos. Na aurora do século XVI, pouco depois de promulgado o seu Código de ensino, já eram 293 os colégios dirigidos pelos jesuítas, deles, 37 no ultra-mar; e em 1615, ao falecer Aquaviva, o grande promotor e promulgador do
    Ratio, o seu número ascendia a 373. E no entanto o próprio Aquaviva, numa carta aos delegados da província siciliana, declara que só nos quatro primeiros anos do seu governo (1581-84) recusara mais de 60 pedidos de Colégios na Europa.
    Os colégios multiplicavam-se em número e avultavam em importância. (...) Algumas cifras, apenas, para demonstrá-lo. O primeiro colégio da Companhia, na
    França, foi aberto em Billom, em 1556, com 500 alunos, três anos depois já contava 800 e quatro anos mais tarde, em 1563, 1.600. O célebre Colégio de Clermont, em Paris, matriculara, em 1581, 1.200 alunos, e após cinco anos, 1.500. Na
    Germânia, mesma expansão. Em 1581, Mogúncia contava 700 alunos, Treviri 1.000 e em Colônia as matrículas passavam de 560 em 1558 a 1.000 em 1581.
    Portugal não se deixou vencer pelas nações maiores. Em Lisboa os alunos passavam de 1.300 em 1575 a quase 2.000 em 1588; em Évora de 1.000 em 1575 cresciam a 1.600 em 1592; e em Coimbra os estudantes que frequentavam o Colégio das Artes regulavam por 1.000 em 1558 e em 1594 por 2.000!" (Franca, op. cit., p. 7 e p. 13-14).
  • 7
    . "A mediania, (...), deve entender-se no sentido em que vulgarmente se entende quando se diz de alguém que é de talento mediano, a saber, quando percebe e compreende o que ouve e estuda e é capaz de dar razão suficiente a quem lha pede, ainda que, em filosofia e teologia, não atinja o grau de doutrina que as
    Constituições designam com a expressão 'haver nela feito bastante progresso', nem seja capaz de defender as teses aí mencionadas com o saber e a facilidade com que as defenderia quem fosse dotado de talento para ensinar Filosofia e Teologia." (Organização e plano de estudos, apud Franca, op. cit., p. 125-126).
  • 8
    . "Os que, no primeiro exame, se revelarem incapazes para a filosofia deverão ser destinados aos Casos ou, a juízo do Provincial, ao magistério [inferior] (assim entendemos a destinação aos casos); quanto aos demais nada por então se decida. No segundo exame, poderão distinguir-se entre os candidatos três graus: os que excedem a mediania e estes deverão prosseguir os demais estudos; os que lhe ficam abaixo e estes serão logo aplicados aos Casos; e finalmente os que apenas a atingem e entre estes caberá ainda uma discriminação." (Idem, ibid., p. 124).
  • 9
    . Comenius "conhecia bem as doutrinas que, sobre a educação, haviam professado Lutero, Melanchton e Calvino, assim como os
    Jesuítas e o célebre Reitor do Ginásio de Estrasburgo, João Sturm", bem como as idéias "de reformas do sistema pedagógico medieval, preconizadas por Erasmo, Rabelais e Montaigne." (Cf. Gomes, 1976, p. 10-11. Grifo nosso).
  • 10
    . "O século XVI vê a realização de um espaço escolar à parte, com um edifício, um mobiliário e um material específicos: o que é verdadeiro para as universidades desde o século XV prolonga-se neste momento no colégio, que hoje chamamos secundário. Basta refletir sobre as exigências materiais manifestadas pelos jesuítas no momento em que eles se vêem encarregados, por determinação da administração de determinada municipalidade, de um estabelecimento escolar, e também sobre a proximidade das plantas utilizadas, que torna ainda hoje reconhecível, no espaço urbano contemporâneo, o antigo colégio da Companhia." (Julia, 2001, p. 13).
  • *
    Este trabalho sistematiza algumas conclusões do projeto de pesquisa
    Gênese e desenvolvimento da Escola Pública no Brasil (Primeira Parte: Origem, desenvolvimento e difusão da
    escola tradicional - 1759-1870), desenvolvido dentro do Núcleo de Pesquisa de Educação (NUPED), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Foi apresentado no V Seminário Nacional do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil", realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), de 20 a 24 de agosto de 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2004
    • Aceito
      Dez 2004
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