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Fóruns das licenciaturas em universidades brasileiras: Construindo alternativas para a formação inicial de professores

Teacher education forums in brazilian universities: Constructing alternatives for preservice teacher education

Resumos

Este artigo analisa as atuais políticas governamentais para a educação brasileira e suas implicações no campo político e pedagógico da formação docente. São apresentados alguns dados estatísticos gerais sobre o ensino superior brasileiro e sobre as licenciaturas, buscando relacioná-los às metas governamentais e às orientações das agências internacionais de fomento, particularmente do Banco Mundial. Por fim, os fóruns das licenciaturas das universidades brasileiras são apresentados como uma estratégia para construção de alternativas para a formação inicial de professores.

Política educacional; Formação docente; Licenciaturas


This paper analyzes the current governmental policies in Brazilian education and their effects on the pedagogical field of teacher education. It presents some general statistical data about Brazilian Higher Education and connects them to the governmental aims and to the orientations of such international funding institutions as the World Bank. Finally, the Teacher Education Forums in Brazilian Universities are presented as a strategy to construct alternatives for preservice teacher education.

Educational policies; Teacher education; Teacher education courses (Teacher licensure)


FÓRUNS DAS LICENCIATURAS EM UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: CONSTRUINDO ALTERNATIVAS PARA A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Carlos Alberto Marques* * Professor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: bebeto@ced.ufsc.br Júlio Emílio Diniz Pereira** * Professor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: bebeto@ced.ufsc.br

RESUMO: Este artigo analisa as atuais políticas governamentais para a educação brasileira e suas implicações no campo político e pedagógico da formação docente. São apresentados alguns dados estatísticos gerais sobre o ensino superior brasileiro e sobre as licenciaturas, buscando relacioná-los às metas governamentais e às orientações das agências internacionais de fomento, particularmente do Banco Mundial. Por fim, os fóruns das licenciaturas das universidades brasileiras são apresentados como uma estratégia para construção de alternativas para a formação inicial de professores.

Palavras-chave: Política educacional. Formação docente. Licenciaturas.

TEACHER EDUCATION FORUMS IN BRAZILIAN UNIVERSITIES: CONSTRUCTING ALTERNATIVES FOR PRESERVICE TEACHER EDUCATION

ABSTRACT: This paper analyzes the current governmental policies in Brazilian education and their effects on the pedagogical field of teacher education. It presents some general statistical data about Brazilian Higher Education and connects them to the governmental aims and to the orientations of such international funding institutions as the World Bank. Finally, the Teacher Education Forums in Brazilian Universities are presented as a strategy to construct alternatives for preservice teacher education.

Key words: Educational policies. Teacher education. Teacher education courses (Teacher licensure).

Objetivo deste artigo é analisar as atuais políticas governamentais para a formação docente no País1 1 . Recentemente, a revista Educação & Sociedade dedicou um número especial (nº 68, dezembro de 1999) para análise das atuais políticas de formação de professores no Brasil. e, ao mesmo tempo, apresentar uma estratégia para construção de alternativas para esse campo.

Dessa maneira, discutimos por intermédio deste texto aspectos das políticas governamentais no âmbito da educação e suas implicações no campo da formação docente. Analisamos essas políticas partindo de alguns dados estatísticos gerais sobre o ensino superior brasileiro e mais especificamente sobre as licenciaturas, buscando relacioná-los às metas governamentais e às orientações das agências internacionais de fomento, particularmente do Banco Mundial (BM). Por fim, os fóruns das licenciaturas das universidades brasileiras são apresentados como uma possibilidade para construção de alternativas para a formação inicial de professores.

Alguns números do ensino superior brasileiro

Inicialmente, analisamos alguns índices recentes sobre o ensino superior brasileiro em geral e, particularmente, sobre a formação docente no País. Os dados oficiais, por exemplo os dos censos escolares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (INEP/MEC), não conseguem esconder – mesmo que assim o desejassem – a dura e triste situação da educação brasileira e mais especificamente da formação de professores no País.

Primeiro, é inegável que houve uma inversão no sistema de ensino superior brasileiro quanto ao crescimento dos setores público e privado. Fruto de uma política governamental que privilegiou o sistema privado em detrimento do público, o crescimento do ensino superior brasileiro tornou-se dependente da iniciativa privada.

Em relação à oferta de vagas no ensino superior, por exemplo, os índices são muito expressivos. Os dados do censo do ensino superior, recentemente divulgados pelo INEP/MEC e relativos ao ano 2000, mostram uma expansão de 13,7% no número de matrículas em relação ao ano anterior. No entanto, 67% destas vagas são oriundas da rede privada. Quando analisamos tal crescimento por rede de ensino, observa-se que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) cresceram 9,1%, ao passo que as instituições privadas cresceram 17,5%. Com isso se acentuou ainda mais o peso relativo que cada uma dessas redes tem na oferta e no preenchimento das vagas no sistema: no ano de 2000 a proporção alcançou 79% na rede privada e 21% nas IFES. Os números demonstram uma inversão no atendimento em relação à década de 1970, quando 1/3 do sistema era privado e 2/3, público.

No que diz respeito ao número de instituições de ensino superior, já no ano de 1996 era possível notar também essa desproporcionalidade entre o público e o privado. Nessa época, 922 instituições estavam credenciadas para funcionar no País, sendo 23% instituições públicas e 77% privadas. Hoje estão credenciadas 1.180 instituições, sendo 1.004 particulares, o que representa 85% do total. Outro dado que chama nossa atenção é o total de cursos de graduação oferecidos atualmente no país: 10.585. Apenas no sistema privado são 6.564 cursos. Obviamente, isso não ocorre por acaso e, como procuramos analisar, é determinado por uma política de Estado.

O governo enfatiza em seu discurso o crescimento do ensino superior como uma de suas principais realizações no campo da educação. Contudo, o financiamento exclusivo para expansão das instituições privadas com dinheiro público, via o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), vem acontecendo com denúncias de favorecimento e irregularidades (Folha de S. Paulo, mar. 2000). O governo justifica o incentivo ao crescimento da rede privada, sabidamente de qualidade discutível, afirmando que, no futuro, o mercado incumbir-se-á da seleção dos cursos bons e da exclusão dos ruins.

Ainda assim, percebe-se a insuficiência de vagas nas universidades e demais instituições de ensino superior no Brasil, não contemplando a demanda de jovens entre 18 e 24 anos. Hoje se atendem somente 9% dessa demanda, ao passo que o padrão em países desenvolvidos é de 60%. Estima-se que o déficit total do sistema gire em torno de dois milhões de vagas (dados do ano 2000), ou seja, a maioria dos jovens que concluiu o ensino médio não tem acesso ao ensino superior. Eles se somarão àqueles que concluíram seus cursos em anos anteriores e não tiveram sucesso no vestibular, constituindo-se em uma verdadeira avalanche de excluídos. A velocidade de crescimento dessa demanda é de cerca de 15% ao ano. Logo, muitos jovens ainda ficam pelo caminho! O problema da defasagem de vagas tem sido minimizado por meio do ensino pago e do incentivo à educação a distância, ambos recebendo significativos recursos financeiros.

Há de se destacar ainda que o Plano Nacional de Educação (PNE) determina um crescimento dos índices atuais de atendimento para 30% nos próximos dez anos. Assim, preservada a atual política do governo Fernando Henrique Cardoso, que privilegia a iniciativa privada em detrimento do ensino publico, esse aumento na procura por uma vaga nas universidades continuará sendo um excelente negócio para as empresas de ensino.

Desse modo, as ações governamentais no plano administrativo, de fomento e de normatização do sistema educacional superior como um todo, parecem imprimir um crescente e acelerado processo de desmonte das universidades públicas, paralelamente à expansão da rede privada. Esse fenômeno também se repetirá na área da formação inicial de nossos professores.

Alguns índices das licenciaturas

A publicação dos dados coletados pelo Censo do Ensino Superior 2000 possibilitou uma visão mais atualizada da situação dos cursos de licenciatura no País – estes já recebem neste documento a denominação de cursos de formação de professores da educação básica, de disciplinas profissionais da educação infantil e de matérias específicas. De acordo com o Censo, existem atualmente no Brasil 2.095 cursos de formação de professores de disciplinas específicas – Geografia, Biologia, Química, Física, Matemática, Línguas, História, entre outros – e 837 de Pedagogia.

Segundo o Ministro da Educação (MEC), as redes escolares do País possuem cerca de 73 mil professores trabalhando no ensino fundamental sem "formação mínima" – definição vaga e pouco precisa (Folha de S. Paulo, fev. 2000). Na verdade, o que deveria ser anunciado é que existem aproximadamente 830 mil professores sem formação de nível superior atuando na educação básica brasileira (censo INEP/MEC, 1998). Das sinopses estatísticas oficiais é possível ainda extrair a formidável cifra em relação ao déficit total de professores na educação básica brasileira: em 1996, esse número era de 1,2 milhão de docentes (Evangelista, 2000). Ou seja, temos necessidade de formação, inicial e continuada, de cerca de 2 milhões de professores somente na educação básica!

Nesse período, o MEC recebeu cerca de 5 mil pedidos para abertura de novos cursos de formação docente, sendo que somente 647 receberam autorização, criando-se assim 59 mil novas vagas. Em relação ao grande número de pedidos para abertura de novos cursos de licenciatura, é importante destacar que ele vem ocorrendo, sobretudo, em instituições privadas. Os pedidos das universidades públicas têm sido poucos, em função de uma estrutura que não privilegia o ensino e a formação docente em seu interior (Diniz-Pereira, 2000) e, principalmente, graças ao processo de sucateamento a que essas instituições têm sido submetidas nos últimos anos.

Paradoxalmente, de acordo com o mesmo censo, no ano de 1997, cerca de 39.800 vagas deixaram de ser preenchidas em 13 diferentes cursos de licenciatura – estes dados se referem ao baixo número de formandos em relação às vagas oferecidas. Desistências, transferências para outros cursos, baixa procura em comparação aos cursos de bacharelado das demais áreas, estes considerados mais nobres, são problemas conhecidos que bem caracterizam, pelo menos nas instituições públicas, o baixo número de formandos. Alguns desses cursos ainda estão concentrados nas universidades federais, como por exemplo o curso de Física. Em 2001, existiam 112 cursos de licenciatura em Física em todo o Brasil, porém somente oito (8) oferecidos nas particulares.

Dessa forma, os dados fornecidos pelo MEC são aparentemente contraditórios, pois, ao mesmo tempo que existe a necessidade de formar/certificar um enorme número de professores e um crescimento na demanda para abrir novos cursos de licenciatura, há uma baixa ocupação de vagas nos cursos já existentes.

Contudo, é essencial enfatizar que a dificuldade de os alunos manterem o seu sustento durante a graduação,2 2 . Levantamento socioeconômico feito com alunos que prestaram o provão desse ano aponta que, em cursos de formação de professores, a maioria dos alunos vem de família de baixa renda (varia de R$ 541 a R$ 1.800). ( Folha de S. Paulo, 13/12/2001). a baixa expectativa de renda em relação à futura profissão e o declínio do status social da docência fazem com que os cursos de licenciatura, tanto em instituições públicas como privadas, vivam em constante crise.

O governo federal vem respondendo ao problema da falta de professores certificados/qualificados na educação básica com ações em diferentes frentes, pouco articuladas e mais preocupadas em mudar as estatísticas educacionais do que propriamente em enfrentar a questão de maneira quantitativa e qualitativa. Esses programas – por exemplo, os programas de informatização (Proinfo) e o Proformação – têm como base a utilização de novas tecnologias, voltadas para o ensino a distância. O Censo do Ensino Superior 2001 traz, pela primeira vez, informações sobre os cursos de formação de professores a distância oferecidos no Brasil. Em 2000, foram disponibilizadas 6.430 vagas em cursos de graduação dessa natureza. Não há informações nesse documento em relação ao custo financeiro de cada aluno certificado por essa alternativa. Esses programas seguem também, como discutiremos no próximo tópico, as orientações das agências internacionais de fomento para a formação docente em países em desenvolvimento.

As raízes das atuais reformas educacionais e das políticas de formação docente no Brasil

O crescimento do setor privado no ensino superior brasileiro, já discutido anteriormente, ocorre conjuntamente com as reformas autoritárias e centralizadoras no ensino básico e profissional, por exemplo, por meio do estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e dos exames unificados, da criação do ensino pós-médio, entre outras. Tais mudanças implicam alterações também nas licenciaturas e em seus currículos por intermédio da criação de novas instituições formadoras e novas modalidades de cursos.

No ensino profissional em geral, as principais mudanças visam a dotá-lo de uma estrutura básica e flexível, por meio de módulos, a fim de permitir o ir e o vir contínuo do trabalhador em um mercado mutável, garantindo a ele uma segunda ou terceira certificação. Motivos pelos quais está sendo incentivada a criação de cursos mais aligeirados, flexíveis e baratos. Entram em cena a flexibilização curricular e os cursos seqüenciais.

As principais mudanças na formação docente são orientadas pelas "Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em Nível Superior: Curso de Licenciatura de Graduação Plena" (CNE/CP 009/2001, Projeto de Resolução de 8 de maio de 2001). Estas, após um percurso pseudodemocrático – audiências públicas regionais e nacional –, no qual mais do que discutir se procurou legimitar o documento pré-formulado pelo MEC e endossado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), visam a introduzir novas estruturas organizacionais nos programas de formação de professores por meio da criação dos Institutos Superiores de Educação, dos Cursos Normais Superiores e dos Programas Especiais de Formação Pedagógica. As redefinições nos cursos de Pedagogia, iniciadas por meio de decreto presidencial (Decreto nº 3.276/99) e ainda em fase de conclusão, não deixam dúvidas sobre a sua natureza: a separação entre a docência e a função de especialista nas escolas.

Cabe perguntar: De onde surgem tais propostas? Duas ações em esfera mundial nos chamam a atenção. A primeira refere-se à reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) ocorrida em Seattle (Estados Unidos), em novembro de 1999. A segunda diz respeito a análises, orientações e programas de financiamento do Banco Mundial.

Como se sabe, a OMC é uma instituição que reúne ministros do comércio de 135 países e se encarrega principalmente das tarifas de importações de mercadorias dos países-membros, regulando em última instância o comércio internacional. Amplamente divulgado nos noticiários internacionais e nacionais (por exemplo, Folha de S. Paulo, mar. 2000, Caderno Mais!), a reunião em Seattle revestiu-se de situações particularmente inusitadas: o grande protesto político da sociedade civil organizada – organizações não-governamentais (ONGs), sindicatos e associações civis e religiosas – contra a globalização e o neoliberalismo, bem como a resistência dos países do Terceiro Mundo em assinar os acordos propostos que favoreciam apenas as políticas protecionistas dos Estados Unidos e da Europa.

No entanto, o que mais chamou atenção nessa reunião foi a discussão da transformação e regulamentação da educação e da cultura em serviços. Isso significa conceber educação e cultura como qualquer mercadoria que é comercializada, inclusive em âmbito internacional. Um negócio estimado pelos círculos financeiros em centenas de bilhões de dólares. O que mais interessa aos Estados Unidos e a alguns países do primeiro mundo é o ensino superior, pois nele ocorrem a formação dos profissionais e a venda da mercadoria "ensino".

Além disso, quando analisamos as orientações principais do BM, principalmente aquelas apresentadas no relatório "La enseñanza superior: Las lecciones derivadas de la experiencia" (BM, 1995), pode-se também constatar a origem da política educacional do governo brasileiro. Destacamos apenas duas dessas orientações, por limitação de espaço neste artigo: a) fomento à proliferação e consolidação das instituições privadas; e b) diversificação das fontes de financiamento das instituições públicas. Em relação à primeira orientação, este documento indica que

(¼) a introdução de uma maior diversidade no ensino superior, ou seja, a criação de instituições não-universitárias e o aumento das instituições privadas

(¼) [faz com que] os sistemas de ensino se ajustem melhor às necessidades do mercado de trabalho. (Tradução nossa)

O mesmo documento aponta a necessidade de os países controlarem melhor o crescimento da demanda de matrículas no ensino superior por meio de diferentes tipos de instituições que tenham também uma diversidade maior de estratégias. Cita como exemplo exitoso a Ásia e entre a variedade de estratégias os cursos de curta duração e o sistema de ensino a distância.

As reformas educacionais nos países da América Latina, desde os anos 80, buscam criar condições estruturais para a formação de uma mão-de-obra que dê suporte à intensificação do processo de internacionalização das economias nesses países. O exemplo do Chile é muito significativo. Com poucas instituições de ensino superior – apenas 8 até a década de 1980: 2 estatais e 6 privadas –, a reforma possibilitou a criação de 82 institutos profissionais, 168 centros técnicos com cursos de dois anos de duração e a subdivisão das universidades estatais em 12 universidades menores. No Chile pós-reforma, o número de matrículas no ensino superior e profissional foi duplicado e os gastos estatais diminuídos: de 1,65% a 0,45% do Produto Interno Bruto (PIB). Este seria, aos olhos do BM, o exemplo a ser seguido pelos demais países do continente para atender a demanda de jovens em busca de continuidade em sua formação. Ou seja, segundo o BM, a fórmula para qualificação de mão-de-obra na América Latina seria a criação, o reordenamento e/ou a expansão do ensino pós-médio bem como a diversificação de instituições de ensino superior.

A segunda orientação expressa no documento do BM – diversificação das fontes de financiamento das instituições públicas – vem se tornando cada vez mais real e eficaz no Brasil, principalmente por meio da política do atual governo de estrangulamento financeiro imposta às instituições federais de ensino superior (IFES) – aquilo que é convencionalmente chamado "morte por asfixia". Para sobreviverem neste contexto, as IFES estão cada vez mais oferecendo cursos de especialização pagos, projetos de extensão concebidos como prestação de serviços além de um número crescente de consultorias remuneradas. Do mesmo modo, intensifica-se sua crise em razão da não-reposição do quadro de pessoal – aposentadorias e pedidos de demissões –, do achatamento salarial de seus funcionários e da conseqüente fuga de pessoal qualificado seja por melhores salários, seja por melhores condições de trabalho.

Ao analisar as últimas proposições do Banco Mundial, em especial o recente documento "Higher Education in Developing Countries: Peril and Promise", Sguissardi (2000) afirma que a maior parte das orientações-chave do documento anterior (BM, 1995) se tornou realidade em muitos países, tais como: maior privatização e diferenciação do ensino superior, diversificação de fontes de recursos, redefinição das funções e menor envolvimento do governo com esse nível de ensino.

Este documento (BM, 2000), ao fazer uma verdadeira apologia das potencialidades da educação superior, ressalta que ela pode trazer taxas de retorno econômico-social relevantes, diminuindo as diferenças entre os países ricos e pobres. O BM aponta ainda sua confiança no mercado, embora reconheça que este, em razão de sua busca por lucros, não seja a solução para todas as demandas por educação, tornando-se necessário o concurso do poder público na supervisão, na gestão e como financiador. Propõe, então, um "modelo de fundos mistos para maximizar as contribuições financeiras dos setores privado, filantrópico, de instituições e de estudantes".

O Banco Mundial defende, por meio desse documento, a multiplicação das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, a introdução do ensino pago nas IES públicas e a ampliação da diferenciação institucional, que somadas às fontes alternativas de recursos garantiriam competitividade, visando à maior qualidade. O BM faz, portanto, um esforço para conciliar a ação do poder público com as virtudes do mercado.

Esse quadro geral se aplica também aos cursos de formação de professores. Talvez ele se agrave ainda mais nesse campo, na medida em que tais cursos, como já apontamos, são os primeiros a serem oferecidos por uma instituição privada quando de sua criação, considerando os custos mais baixos para implantação desses cursos. O crescimento no número de instituições privadas dá-se também no interior dos estados, fazendo com que os jovens, em busca de qualificação, trabalhem de dia e estudem à noite, a fim de pagarem seus estudos.

Portanto, as reformas educacionais – envolvendo tanto o ensino médio quanto os cursos de formação de professores – introduzem novas modalidades de cursos, determinando mudanças significativas tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo. A comunidade acadêmica e científica tem colocado em dúvida, não sem motivos, a qualidade e os propósitos de tais reformas, enfatizando que proliferarão cursos e programas sem critérios pedagógicos, aligeirados, baratos, sem controle social, feitos em qualquer lugar e de qualquer maneira (Bosi, 2000; Educação & Sociedade, 1999). Como sabemos, tal política favorece o lucro fácil das empresas de ensino e coloca em risco o futuro do País.

Os fóruns das licenciaturas nas universidades brasileiras

Algumas iniciativas têm procurado apontar caminhos para superar a situação atual dos cursos de formação inicial de professores no País. Destacamos neste artigo o papel dos fóruns das licenciaturas para a busca de alternativas no campo da formação docente.

Algumas instituições de ensino superior instalaram, no início da década de 1990, fóruns permanentes de discussão e alguns também de deliberação a respeito da problemática das licenciaturas. Esses fóruns das licenciaturas procuraram discutir os modelos dos cursos de formação de professores em vigor nas universidades com vistas à reformulação curricular desses cursos.

De uma maneira geral, as propostas advindas desses fóruns enfatizaram a necessidade da reformulação curricular das licenciaturas, objetivando a superação do tradicional esquema "3 + 1". Várias críticas procuraram, porém, relativizar a importância e a confiança depositada nas reformas curriculares como única forma de solucionar os problemas das licenciaturas.

Fazendo parte da programação do IV Seminário Nacional da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), realizou-se em Recife (PE), em novembro de 1999, o I Encontro Nacional dos Fóruns das Licenciaturas. Neste evento, enfatizou-se a importância dos fóruns como estratégia para construção de novas alternativas para as licenciaturas. Destacou-se ainda a necessidade de ampliar essa discussão, a fim de compreender o contexto político em que as reformas dos cursos de formação de professores estão acontecendo. Foram apresentados também dados sobre a atual organização desses fóruns nas universidades brasileiras e relatadas algumas experiências interessantes em andamento.

Apenas 13 instituições de ensino superior responderam ao questionário elaborado pela comissão organizadora do Encontro. Destas, dez eram universidades federais, duas estaduais e apenas uma instituição privada. Desse total, apenas oito instituições confirmaram a existência de fóruns das licenciaturas em seu interior. Quatro disseram existir organizações de natureza similar e uma respondeu não haver tal organização na universidade.

Dos oito fóruns das licenciaturas, cinco foram criados por portaria ou resolução e, portanto, são institucionalizados e reconhecidos pela administração central das universidades. Três constituem-se – ou constituíram-se – apenas em encontros organizados para discutir temáticas específicas dos cursos de formação docente. A metade desses fóruns foi organizada entre os anos de 1992 e 1995 e a outra metade instituída a partir de 1997.

Os principais temas tratados, nos últimos anos, nesses fóruns das licenciaturas nas diferentes universidades foram: 1) o estágio supervisionado, a prática de ensino e a questão das 300 horas de prática de ensino (Art. 65; LDB); 2) questões curriculares, contemplando discussões sobre diretrizes para a formação de professores, reforma dos cursos de licenciatura, novos paradigmas e a formação pedagógica dos futuros profissionais da educação; 3) questões institucionais, como a própria estrutura e organização dos fóruns, programas de reformulação institucional, articulação entre a universidade e as escolas públicas; 4) programas especiais de formação de professores, por exemplo formação e titulação de professores leigos; 5) por fim, políticas educacionais para a formação docente.

A metade dos fóruns é composta de representação interna e externa, ou seja, além dos diferentes setores da universidade envolvidos na questão da formação docente participam dos debates representantes de associações profissionais, de entidades de classe, de conselhos profissionais, dos sindicatos dos professores e das secretarias municipal e estadual da educação. Os outros quatro fóruns possuem apenas representação universitária como, por exemplo, pró-reitores, coordenadores de colegiados de curso, diretores e vice-diretores de unidades acadêmicas, chefes de departamento, estudantes e demais setores envolvidos com os cursos de licenciatura.

Como membros da comissão que ajudou a organizar esse evento e a sistematizar os dados acima relatados, sabemos da incompletude destes. O II Encontro Nacional dos Fóruns das Licenciaturas, fazendo parte da programação do V Seminário Nacional da Anfope, realizado no Rio de Janeiro (RJ), em maio de 2000, demonstrou a existência de iniciativas acontecendo em outras universidades que não foram contempladas pela nossa enquete. Portanto, a proliferação de fóruns das licenciaturas, com uma conotação mais política, parece um fenômeno relativamente recente nas universidades brasileiras, buscando construir alternativas e, ao mesmo tempo, enfrentar as reformas autoritárias e centralizadoras no campo da formação de professores.

Finalmente, a instalação de fóruns permanentes para discussão da problemática específica dos cursos de formação dos profissionais da educação, com poder deliberativo ou não, tem o mérito de fomentar o debate nas instituições de ensino superior brasileiras e de incentivar a realização de projetos bem como o levantamento de propostas para as diferentes licenciaturas. Esse espaço institucionalizado e apoiado pela administração central das universidades não deve concentrar seus esforços unicamente em elaborar e executar a implantação de uma nova estrutura curricular. Os fóruns devem investir, por meio de discussões políticas mais amplas e de estudos sistematizados, na análise da situação dos cursos de formação docente nessas instituições. A síntese dos debates e as propostas, curriculares ou não, para a solução e/ou amenização dos problemas, podem desembocar em um projeto político-pedagógico específico para as licenciaturas.

Considerações finais

Como já sabemos, os problemas da profissão docente no Brasil são inúmeros e excedem os próprios limites dos cursos de formação acadêmica. Os problemas conjunturais, como os apresentados neste artigo e os já conhecidos – o aviltamento salarial dos profissionais da educação e a precariedade do trabalho escolar –, trazem graves conseqüências aos cursos de licenciatura. Sabe-se que o desestímulo dos jovens à escolha do magistério na qualidade de profissão futura e a desmotivação dos professores em exercício para buscar aprimoramento profissional é conseqüência, sobretudo, das más condições de trabalho, dos salários pouco atraentes, da jornada de trabalho excessiva e da inexistência de planos de carreira.

Acreditamos que um fórum, reunindo no âmbito das instituições de ensino superior os diferentes sujeitos e entidades envolvidos na formação e profissionalização docente, pode ser um espaço importante de articulação política e pedagógica, visando a construir alternativas e auxiliar na transformação qualitativa desses cursos.

Recebido em janeiro de 2001.

Reformulado pelo autor em dezembro de 2001.

Aprovado em fevereiro de 2002.

Notas

** Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: jdpereira@students.wisc.edu

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  • 1
    . Recentemente, a revista
    Educação & Sociedade dedicou um número especial (nº 68, dezembro de 1999) para análise das atuais políticas de formação de professores no Brasil.
  • 2
    . Levantamento socioeconômico feito com alunos que prestaram o provão desse ano aponta que, em cursos de formação de professores, a maioria dos alunos vem de família de baixa renda (varia de R$ 541 a R$ 1.800). (
    Folha de S. Paulo, 13/12/2001).
  • *
    Professor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2002

    Histórico

    • Revisado
      Dez 2001
    • Recebido
      Jan 2001
    • Aceito
      Fev 2002
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