Resumos
A interação do riacho dos Macacos e de uma bateria de poços, na sua vizinhança, em Juazeiro do Norte-CE, foi avaliada segundo parâmetros físicos, químicos e bacteriológicos. Foram realizadas também análisés de oxigênio-18 a fim de avaliar a mistura de águas subterrâneas com águas superficiais. Verificou-se que o riacho dos Macacos, na maioria dos parâmetros analisados, não se enquadra em nenhuma das classes de águas doces da Resolução N° 357 do CONAMA e da Portaria N° 518 do Ministério da Saúde. Constatou-se que neste riacho e no lago da Timbaúba a concentração de coliformes totais e termotolerantes é extremamente elevada. Uma simulação computacional do transporte advectivo do contaminante de partículas do rio para o aqüífero com o modelo MODPATH/MOFLOW revela tempos mínimos de transito do manancial superficial poluído até os filtros dos poços entre 15 e 100 dias. Considerando a meia vida dos coliformes em águas subterrâneas de aproximadamente 8 dias e sua alta concentração na água superficial, contaminação dos poços de abastecimento é inevitável.
Qualidade de água; contaminação de mananciais; simulação do transporte advectivo
The interaction of the Macacos Creek and a neighboring well field, in Juazeiro do Norte-Ceará, was assessed through chemical, physicochemical and bacteriological parameters. Oxygen -18 measurements were made for the identification of mixes from surface and underground waters. It was found that Macacos Creek water, with respect to most of the parameters analysed, does not conform to any of the classes for fresh water defined by CONAMA Resolution Nr.357 by the Ministry of Health. In this creek and in the Timbauba Lake the concentration of coliform and thermo-resistant bacteria is extremely high. MODFLOW / MODPATH modeling of advective contaminant transport from the creek to the wells showed minimum transit times between 15 and 100 days. Considering a half life of about 8 days for coliform bacteria in groundwater and their extremely high concentration in surface waters, contamination of the supply wells is inevitable.
Water quality aquifer contamination; advective transport simulation
ARTIGO TÉCNICO
Contaminação de poços tubulares em Juazeiro do Norte-CE
Contamination of a well field in Juazeiro do Norte - Ceará
Raimunda Moreira da FrancaI; Horst FrischkornII; Manoel Roberval Pimentel SantosIII; Luiz Alberto Ribeiro MendonçaIV; Maria da Conceição BeserraV
IBióloga. Mestre em Engenharia Civil-Saneamento Ambiental pelo Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental -UFC, Pesquisadora do CNPq/ PROSAB/ UFC
IIDoutor Rer. Nat. em Físico-química pela Universidade de Marburg/Alemanha. Professor adjunto do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC
IIIMestre.Dutorando em Física pelo Departamento de Física da UFC
IVBiólogo. Engenheiro Civil pela UFC. Doutor em Recursos Hídricos pelo Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC. Professor do Instituto Centec Cariri-CE
VBióloga. Especialização em Meio Ambiente pela Universidade Regional do Cariri-URCA
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Raimunda Moreira da Franca Departamento de Hidráulica e Ambiental Universidade Federal do Ceará Rua Padre Verdeixa, 850 CEP: 63100-000 Crato - CE - Brasil Tel.: (88) 3521-3410 E-mail: rmfcariri@hotmail.com
RESUMO
A interação do riacho dos Macacos e de uma bateria de poços, na sua vizinhança, em Juazeiro do Norte-CE, foi avaliada segundo parâmetros físicos, químicos e bacteriológicos. Foram realizadas também análisés de oxigênio-18 a fim de avaliar a mistura de águas subterrâneas com águas superficiais. Verificou-se que o riacho dos Macacos, na maioria dos parâmetros analisados, não se enquadra em nenhuma das classes de águas doces da Resolução N° 357 do CONAMA e da Portaria N° 518 do Ministério da Saúde. Constatou-se que neste riacho e no lago da Timbaúba a concentração de coliformes totais e termotolerantes é extremamente elevada. Uma simulação computacional do transporte advectivo do contaminante de partículas do rio para o aqüífero com o modelo MODPATH/MOFLOW revela tempos mínimos de transito do manancial superficial poluído até os filtros dos poços entre 15 e 100 dias. Considerando a meia vida dos coliformes em águas subterrâneas de aproximadamente 8 dias e sua alta concentração na água superficial, contaminação dos poços de abastecimento é inevitável.
Palavras-chave: Qualidade de água, contaminação de mananciais, simulação do transporte advectivo.
ABSTRACT
The interaction of the Macacos Creek and a neighboring well field, in Juazeiro do Norte-Ceará, was assessed through chemical, physicochemical and bacteriological parameters. Oxygen -18 measurements were made for the identification of mixes from surface and underground waters. It was found that Macacos Creek water, with respect to most of the parameters analysed, does not conform to any of the classes for fresh water defined by CONAMA Resolution Nr.357 by the Ministry of Health. In this creek and in the Timbauba Lake the concentration of coliform and thermo-resistant bacteria is extremely high. MODFLOW / MODPATH modeling of advective contaminant transport from the creek to the wells showed minimum transit times between 15 and 100 days. Considering a half life of about 8 days for coliform bacteria in groundwater and their extremely high concentration in surface waters, contamination of the supply wells is inevitable.
Keywords: Water quality aquifer contamination, advective transport simulation.
INTRODUÇÃO
O município de Juazeiro do Norte situa-se no sul do Estado do Ceará, no Vale do Cariri, sob as coordenadas geográficas 7°12'47'' de latitude sul e 39°18'55'' de longitude oeste, e possui uma área de 235,40Km2. Está inserido na bacia hidrográfica do Salgado e apresenta como principais drenagens o riacho dos Macacos e o rio Salgado. Possui como fonte hídrica direta ou indireta o manancial subterrâneo, que representa a única fonte de abastecimento d'água. É considerada a maior cidade do interior cearense em aspecto de desenvolvimento, possui uma população de 212.133 mil habitantes, densidade demográfica de 900hab/km², com taxa de urbanização de 95,32%. Apresenta um comércio bem desenvolvido e festas religiosas que atraem romeiros e turistas do Brasil e do exterior em média anual de, aproximadamente, dois milhões de visitantes (IBGE, 2000).
De acordo com Ceará (2003), quase 100% da população urbana é abastecida basicamente com água proveniente de uma bateria de 18 poços, implantada pela companhia a partir de 1976, com uma produção máxima de 2.592 m3/h, operada 24 h/dia. Nove poços da bateria encontram-se nas margens do riacho dos Macacos (Figura 1), que anteriormente drenava a área exudante do aqüífero Rio da Batateira (aqüífero superior no Vale do Cariri). Hoje, o fluxo natural deste riacho é substituído por águas de esgotos.
Todos os poços exploram o aqüífero semi-confinado Rio da Batateira, com profundidades entre 80 e 200 m. A estratigrafia geológica de uma seção da bateria de poços e o perfil construtivo do poço PT 03, que é representativo para os demais é mostrado na Figura 2. Uma descrição detalhada da geologia deste aqüífero encontra-se em Mendonça (1996).
Naturalmente, dependendo da permeabilidade do leito do rio e da diferença de carga potenciométrica entre o rio e o aqüífero, a água pode fluir do rio para o aqüífero ou vice-versa. Normalmente, nos aqüíferos aluviais, a recarga tem origem fluvial nos períodos de altas águas, enquanto que o fluxo de base dos rios, nos períodos de baixas águas, é assegurado pelas águas subterrâneas.
Mendonça et al. (2005), utilizando medidas isotópicas de oxigênio-18 e carbono-14 nas águas subterrâneas da região do Cariri, comprovaram que elas são misturas de paleoáguas (idade >10.000 anos), provenientes de um fluxo regional ascendente no vale, com águas pluviais recentes infiltradas diretamente no Vale do Cariri. Tal fato chama atenção com relação à situação atual da superex- plotação das águas subterrâneas, uso e ocupação desordenada da área de recarga das unidades aqüíferas, falta de conservação e proteção nas áreas de influência dos poços e à falta de informações sobre a vulnerabilidade natural dos aqüíferos.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar a interação entre unidades aqüíferas e mananciais superficiais poluídos, o grau de poluição e/ou contaminação da bateria de poços tubulares, que abastece o município de Juazeiro do Norte, e do riacho dos Macacos, por meio de análises físicas, químicas, bacteriológicas e isotópicas.
METODOLOGIA
Com base na localização dos poços utilizados para abastecimento humano, situados em áreas críticas e vulneráveis à poluição, e considerando a presença de mananciais superficiais susceptíveis à poluição localizados em áreas adjacentes aos poços, foram selecionados 12 pontos de coleta, a fim de se obter dados sobre a qualidade da água dos poços e mananciais superficiais. No riacho dos Macacos, a escolha dos pontos de amostragens foi com base nos locais de descarga de poluentes a montante e jusante de parte da bateria de poços localizada na Várzea da Timbaúba (Figura 1). Adotou-se PT para poço tubular e RM para o riacho dos Macacos, com indicação do poço mais próximo em parêntese.
As coletas foram realizadas durante 3 meses (junho, novembro e dezembro de 2002) do período seco e em mais 3 meses (janeiro, abril e maio de 2003) do período chuvoso. Nas coletas de 2003 foram incluídos os poços PT11 e PT12 que exploram o mesmo aqüífero, porém, fora da bateria aqui pesquisada e distante do riacho dos Macacos, para obtenção de parâmetros para o aqüífero não poluído.
Métodos de análises dos parâmetros determinados
Dureza: método titulométrico do EDTA (APHA, 1995).
Cloreto: método titulométrico do EDTA (APHA, 1995).
Amônia: método da nesslerização direta (APHA, 1995).
Nitrato: método espectrofotométrico do salicilato de sódio, método de Rodier (APHA, 1995).
Demanda Bioquímica de Oxigênio: método dos frascos padrões (APHA, 1995).
Demanda Química de Oxigênio: refluxação fechada do dicromato de potássio (APHA, 1995).
Alcalinidade: método titulométrico e potenciométrico (APHA, 1995).
Oxigênio Dissolvido: determinação in loco, utilizando oxímetro modelo 55 YSI
Condutividade Elétrica: determinação in loco, utilizando condutivímetro portátil, (WTW).
pH: determinação direta in loco com medidor de pH da Digimed.
d18O (Oxigênio 18): espectrometria de massa.
Coliformes Totais e Termotolerantes: método cromogênico.
As análises isotópicas foram feitas pelo Laboratório de Ecologia Isotópica da Universidade de São Paulo-USP, no Centro de Energia Nuclear da Agricultura-CENA em Piracicaba. As medidas de 18O são feitas em relação ao padrão VSMOW (Viena SMOW: Standard Mean Ocean Water), fornecido pela Agência Internacional de Energia Atômica em Viena/Áustria) e expressas em valor de d (delta por mil).
onde:
R é a razão isotópica (18O/16O) entre o isótopo pesado 18O e o mais abundante 16O na amostra; e R0: é a razão isotópica (18O/16O) do padrão. O erro das medidas é cerca 0,1.
Na simulação utilizou-se o modelo computacional MODPATH, em conjunto com o MODFLOW, para simular o transporte advectivo de partículas contaminantes da fonte de poluição (riacho) até o filtro dos poços. O MODPATH traça o percurso de partículas por transporte advectivo utilizando as cargas hidráulicas calculadas previamente pelo MODFLOW. Essa simulação completa encontra-se descrita em Santos (2003).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A qualidade da água é definida em função de valores máximos permitidos para variáveis físicas, químicas e biológicas. A classificação dos corpos d'água é estabelecida a partir da Resolução CONAMA Nº 357 de 15 de março 2005, que enquadra as águas em nove classes através de condições indispensáveis, visando os diferentes usos e equilíbrio ecológico dos corpos d'água. A água para consumo humano deve-se ajustar a padrões adequados de potabilidade segundo as normas do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde. A Portaria do Ministério da Saúde Nº 518, de 25 de março de 2004, estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano, bem como o seu padrão de potabilidade.
Condutividade elétrica - CE
Durante o período seco (Figura 2) a condutividade elétrica média da bateria de poços estudados variou de 150µS/cm, no PT 17, a 549µS/cm, no PT 2A. Durante este periodo as águas dos poços apresentaram maior carga de íons. Já durante o período chuvoso (figura 3), a CE variou entre 131ìS/cm, e 506ìS/cm. Ocorreu uma diminuicão dos valores em quase todos os poços, com exceção de PT 03, provavelmente, devido a recarga do aqüífero a partir de águas profundas ascendentes.
Durante o período chuvoso (Figura 3), no riacho dos Macacos, a CE diminuiu; o menor valor foi de 358ìS/cm e o maior, 756ìS/cm. Essa diminuição, certamente, aconteceu devido a diluição com águas provenientes das precipitações ocorridas neste período.
pH
Na maioria dos corpos d'água naturais, o pH é influenciado pela dissolução do ácido carbônico ou ainda pelo despejo de efluentes domésticos e industriais ou pelo intemperismo de rochas e da erosão de áreas agrícolas com uso de corretivos e fertilizantes (Conte et al, 2001).
A maioria das águas subterrâneas tem pH entre 5,5 e 8,5. Em casos excepcionais pode variar entre 3 e 11 (Santos, 2000). A legislação brasileira estabelece valores de pH entre 6,5 e 8,5 para águas destinadas ao consumo humano, e entre 6,0 e 9,0 para todas as classes de água doce.
Durante o período seco (Figura 4), as águas dos poços apresentam valores médios máximo de pH igual a 7,6, no PT 05, e pH médio mínimo de 6,2, no PT 2A. No período chuvoso (Figura 5), o valor médio máximo de pH 7,4 foi constatado no PT 14 e o mínimo de 6,2, no PT 2A. Na época da perfuração (1976), o PT 04 apresentou pH 8,2 e durante o monitoramento apresentou valor médio de 6,7. No riacho dos Macacos, no ponto vizinho ao PT 05, na coleta de maio 2003, o valor de pH não condiz com o limite estabelecido para a classe de águas doces. Durante o período seco, o pH médio foi 7,0, no ponto vizinho ao PT 03, e 7,5, no ponto vizinho ao PT 05. No Lago da Timbaúba o valor médio foi 7,4. Apesar da pequena variação constatada, o pH dessas águas pode variar em função da temperatura, atividade biológica e lançamentos de efluentes.
De acordo com a Resolução Nº 357 do CONAMA, considerando valores médios, as águas do riacho dos Macacos se enquadram dentro das classes, 1, 2, 3, ou 4, classificadas como água doce.
Oxigênio dissolvido
Durante o período seco, o valor de OD nos poços (figura 6) variou de 3,8 mg/L, no PT 17, a 6,8 mg/L, no PT 11. No período chuvoso (figura 7), o OD na água dos poços se manteve quase estável, não apresentando grandes variações, o menor valor foi de 4,7 mg/L e o maior, 6,0 mg /L. No riacho dos Macacos (Figura 7), durante o período seco, o menor valor foi 1,1 mg/L, nos dois pontos amostrados; o maior foi 1,8 mg/L, no ponto vizinho ao PT 05. Neste período do ano a carga orgânica lançada no riacho é mais concentrada.
Durante o período chuvoso, o aumento no OD é significativo, partindo de valores próximos de zero até atingir 5,6 mg/L, o maior valor. Esse aumento é associado à ocorrência de chuvas, cujas águas diluem os esgotos lançados no riacho e aumentam a turbulência de fluxo, propiciando uma maior oxigenação da água.
A legislação brasileira em vigor estabelece limites de 6,0, 5,0, 4,0 e 2,0 mg/L de OD para as águas de classe 1, 2, 3, e 4, respectivamente. Verifica-se que durante o período seco, as águas do riacho dos Macacos não se enquadram nas classes 1, 2, 3, e 4 de águas doces.
Nitrato
As águas subterrâneas apresentam geralmente teores de nitrato entre 0,1e 10 mg/L, porém, em águas poluídas, osteores podem chegar a 1.000mg/L (Santos, 2000). Segundo a Portaria Nº 518 de 25 de Março de 2004, água destinada ao abastecimento humano não deve conter mais que 10mg N-NO3-/L. Concentrações elevadas podem causar metahemoglobinemia (cianose) em crianças.
O nitrato pode chegar às águas subterrâneas através de esgotos domésticos e industriais ou pela lixiviação de áreas agrícolas. Elevado teor de nitrato associado com um teor de cloreto é uma forte indicação de poluição de águas subterrâneas por águas residuárias domésticas (Driscoll, 1987).
Durante o período seco (Figura 8), nas águas dos poços, as concentrações de nitrato se mantiveram entre 15,6 mg N-NO3-/L, no PT 2A, e 0,8 mg N-NO3-/L, no PT 17. No período chuvoso (Figura 9), essas concentrações variaram entre 5,8 mg N-NO3-/L, no PT 2A, e 0,3 mg N-NO3-/L), no PT 12.
Considerando o nível máximo de nitrato permitido pela legislação (10 mg N-NO3-/L), verifica-se que o PT 2A apresentou concentrações superiores no período seco (15,6 mg N-NO3-/L), o que indica poluição por esgotos domésticos devido à proximidade de mananciais superficiais poluídos. A maior concentração de nitrato no riacho dos Macacos aconteceu durante o período seco, atingindo 12,8 mg N-NO3-/L. No período chuvoso, considerando a média dos dois pontos amostrados, essa concentração caiu para 4,3mg N-NO3-/L. No Lago da Timbaúba, amostrado apenas durante o período chuvoso, a media foi 4,8mg N-NO3-/L.
De acordo com a Resolução Nº 357 do CONAMA, as águas do riacho dos Macacos durante o período seco e chuvoso se enquadram no limite de 10 mg N-NO3-/L estabelecido para águas de classes doces.
Amônia
Durante o período seco (Figura 10), somente o PT 17 apresentou valores (1,4 mg NH3/L) condizentes com a Portaria Nº 518 de 25 de Março de 2004, que estabelece uma concentração abaixo de 1,5 mg N-NH3/L.
Durante o período chuvoso (Figura 11) as concentrações de amônia nos poços variaram de 3,0 mg N-NH3/L, no PT 06, e 0,7 mg N-NH3/L, no PT 11. Com base na Portaria Nº 518 de 25 de Março de 2004, considerando valores médios, os poços (PT 01, PT 2A, PT 03, PT 05, PT 06 e PT 17), apresentaram valores acima do limite de 1,5 mg N-NH3/L estabelecido para águas de consumo humano. Com relação a esse parâmetro, tais poços apresentam indícios de poluição por matéria orgânica. Na época da perfuração (1976), o PT 04 apresentou traços de amônia e durante o monitoramento a concentração média observada foi de 1,3 mg N-NH3/L.
A concentração de amônia no riacho dos Macacos é mais elevada; durante o período seco (figura 10), o mínimo foi de 9 mg N-NH3/L e o máximo, 12,8 mg N-NH3/L.
A presença de amônia no riacho dos Macacos pode ser atribuída aos constantes lançamentos de efluentes domésticos in natura como também ao uso de fertilizantes nitrogenados na área, processos erosivos e lixiviação dos solos agrícolas.
De acordo com a Resolução Nº 357 do CONAMA, o riacho dos Macacos não se enquadra nas classes 1, 2, ou 3, cujo valor máximo é de 0,02 mg /L, podendo ser enquadrado na classe 4 (águas destinadas à navegação), para qual um valor limite de amônia não foi estipulado.
Durante o período chuvoso (Figura 11), no riacho e no Lago da Timbaúba, as concentrações variaram de 8,9 mg N-NH3/L, no ponto vizinho ao PT 03, e 11,5 mg N-NH3/L, no ponto vizinho ao PT 05. Neste período as águas do riacho também não se enquadram dentro das classes 1, 2, ou 3, classificação da Resolução Nº 357 do CONAMA; assim, tanto o riacho dos Macacos como o Lago da Timbaúba encontram-se poluídos por esgotos domésticos.
Alcalinidade
A alcalinidade das águas subterrâneas, geralmente, situa-se entre 100 e 300 mg CaCO3/L, somente em casos excepcionais pode atingir 1000mg CaCO3/L (Custodio e Llamas, 1983).
Para o período seco (Figura 12), os poços mostraram variação na média de 17,3 mg CaCO3/L, no PT 2A, e 157,2 mg CaCO3/L, no PT 06. No período chuvoso (figura 13), a alcalinidade foi superior em todos os poços, apresentando valores médios mínimo de 41,1 mg CaCO3/L (PT 2A) e máximo de 169,8 mgCaCO3/L (PT 06). O aumento da alcalinidade das águas dos poços durante esse período pode estar relacionado á entrada de águas novas bicarbonatadas.
Durante o período seco, no riacho dos Macacos, os valores médios de alcalinidade situaram-se entre 156,4 mg CaCO3/L e 226,3 mg CaCO3/L. Já no período chuvoso, os valores médios variaram de 161,6 mgCaCO3/L a 199,7 mg CaCO3/L (Figuras 12 e 13). Constata-se, portanto, que não há mudanças significativas no riacho dos Macacos em função da estação. A alcalinidade é determinada mais pelos de efluentes domésticos e industriais do que pelas águas naturais.
Dureza
De acordo com os padrões de qualidade da água para consumo humano (Portaria Nº 518 de 25 de Março de 2004), o limite máximo desejável é de 500 mg CaCO3/L.
Os valores de dureza para as águas subterrâneas estão, geralmente, situados entre 10 e 300 mgCaCO3/L, podendo atingir 1000 mgCaCO3/L e, em casos excepcionais, 2000 mgCaCO3/L. As águas subterrâneas podem ser classificadas, em termos de dureza (mg CaCO3/L), como "branda" (<50), "pouco dura" (50-100), "dura" (100-200) e "muito dura" (>200) (Custodio & Lamas,1983).
Durante o período seco (Figura 14), a dureza das águas dos poços, considerando valores médios, se manteve bastante variável. O valor menor foi 48 mgCaCO3/L, no PT 17, e o maior, 138 mgCaCO3/L, no PT 06. No período chuvoso (Figura 15), a dureza das águas dos poços aumentou em quase todos os poços, o maior valor médio foi de 156,6 mg CaCO3/L, PT 2A, e o menor, de 53,6 mgCaCO3/L, PT 17. Mesmo assim, as águas dos poços, também considerando valores médios, mantêm a mesma classificação ("dura" na maioria dos poços), com exceção do PT 17, que passa a ter águas "branda".
De acordo com a Portaria Nº 518 de 25 de março de 2004, as águas de todos os poços estão dentro do limite estabelecido (500 mg CaCO3/L) para águas de consumo humano.
Durante o período seco, no riacho dos Macacos, considerando os dois pontos amostrados, a dureza média foi de 216 mg CaCO3/L. Já no período chuvoso, o valor da dureza duplicou com relação ao período seco, atingindo valores em torno de 426 mg CaCO3/L.
Cloreto
As concentrações de cloreto verificadas nas águas dos poços durante o período seco se mantiveram bastante variáveis (Figura 16). A média menor foi 9,5 mg/L, nos poços PT 14 e PT 17, e maior, 61,5 mg/L, no PT 2A. Durante o período chuvoso, as concentrações de cloreto aumentaram nos poços PT 01, PT 2A, PT 03, PT 04, PT 06, PT 14 e PT 17 e diminuíram nos poços PT 02 e PT 05 (figura 17). Na época da perfuração (1976), o PT 04 apresentou concentração de cloreto 8 mg/L e durante o monitoramento o valor médio observado foi 39,55 mg/L. Porém, as águas de todos os poços atendem ao limite de 250 mg/L, estabelecido na Portaria Nº 518 de 25 de março de 2004.
No período seco, as concentrações de cloreto no riacho dos Macacos foram de 67 mg/L e 348,3 mg/L (figura 16). No primeiro ponto de coleta, as águas do riacho dos Macacos não se enquadram dentro dos limites estabelecidos para águas doces. Durante o período chuvoso, no riacho dos Macacos, o menor valor foi 82,7 mg/L e o maior, de 209,7 mg/L (Figura 17). No primeiro ponto ocorreu uma diminuição na concentração de cloreto, provavelmente devido à diluição durante as chuvas. Nesse período, as águas atendem ao limite estabelecido pela Resolução Nº 357 do CONAMA para águas doces, que fixa o valor em 250 mg/L.
Demanda bioquímica de oxigênio e demanda química de oxigênio
Durante o período seco (Figura 18), o valor maior de DBO observada no riacho dos Macacos foi de 244 mg/L e o menor de 15mg/L. Já durante o período chuvoso com uma melhor homogeneização, o valor mínimo foi 65 mg/L e o valor máximo 155 mg/L. Em termos de média, houve um decréscimo durante o período chuvoso, que pode ser explicado pela diluição da matéria orgânica devido às chuvas. Com relação à DBO medida, o riacho dos Macacos não se enquadra nas classes especial, 1, 2, 3 e 4 de águas doces, conforme o que estabelece a Resolução Nº 357 do CONAMA.
As concentrações de DQO (Figura 19) nas águas do riacho dos Macacos, durante o período seco, variaram de 89 mg/L a 456 mg/L. Durante o período chuvoso não houve grandes variações com relação ao período seco. Os valores de DBO e DQO se apresentaram bastante elevados, confirmando que o riacho dos Macacos recebeu carga orgânica poluidora.
De acordo com a Resolução Nº 357 do CONAMA, a DBO5 (medida por 5 dias a 20°C), pode atingir 3 mg/L para as classes de águas doces (classes especial e 1), 5 mg/L para classe 2, 10 mg/L para classe 3; para a classe 4 não faz referência.
Coliformes totais e termotolerantes
As concentrações de coliformes totais e termotolerantes nas águas dos poços apresentaram-se bastante variáveis ao longo do período de monitoramento. Dos onze poços amostrados, apenas dois (PT 11 e PT 12), não apresentaram coliformes em nenhuma das coletas. Tais poços, embora localizados fora da parte da bateria estudada, foram incluídos no monitoramento com o propósito de comparação, visto que se encontram em boas condições sanitárias e distantes dos focos de poluição.
De acordo com a tabela 1, os poços PT 2A e PT 05, apresentam maior incidência de coliformes totais e termotolerantes (39 e 76 NMP/100mL) respectivamente. No PT 2A pode estar relacionado com a proximidade do poço com o riacho dos Macacos (17 m) e a pouca profundidade, de apenas 32 m. No PT 05 suspeitamos ter ocorrido contaminação da amostra, já que valores elevados não se repetiram. Os poços PT 17, PT 02 e PT 14 também apresentaram concentrações de coliformes totais e termotolerantes bastante variáveis, se repetindo ao longo do monitoramento. O PT 17 situa-se a 27 m do lago da Timbaúba, que recebe contribuições fluviais, é usado para dessedentação de animais e para lançamentos de resíduos sólidos das proximidades. O PT 02 está localizado a 70 m do riacho dos Macacos, provável fonte de poluição. O PT 14 apresenta apenas coliformes totais em pequenas densidades, porém, repetindo-se em três coletas. O PT 03 apresenta apenas coliformes totais apesar de estar localizado a 13 m do riacho dos Macacos, a jusante de lançamentos de efluentes brutos.
Os poços PT 01, PT 04, PT 05 e PT 06 apresentaram pouca e variável concentração de coliformes. Alguns desses poços estão localizados em áreas de poluição próxima, com córregos de esgoto visíveis na vizinhança.
No riacho dos Macacos e no lago da Timbaúba, a concentração de coliformes totais e termotolerantes, em ambos os períodos de amostragem, superam o limite máximo detectado pelo método cromogênico, de 2.419 NMP/100mL (Tabela 1).
Simulação computacional com uso do MODPATH
A simulação foi feita considerando apenas a bateria de poços do riacho dos Macacos, que apresenta problemas ambientais. A área de domínio do modelo, de extensão 11.000 m x 13.000 m, foi escolhida de tal forma que a área de interesse, que corresponde à bateria de poços, ficasse centrada na malha para não sofrer interferência dos contornos durante as simulações. Foi traçado um círculo em torno do poço, com raio igual à distância entre o poço e riacho dos Macacos, onde as partículas (bactérias) transportadas por advecção são dispersas. As linhas de trajetória das partículas mergulham em direção aos filtros dos poços. As partículas mais rápidas levam um tempo entre 15 e 100 dias para atingir o filtro do poço (Tabela 2).
As concentrações de coliformes apresentam variações temporais diferenciadas, indicando uma dependência com a carga de poluentes existentes nas proximidades de cada poço. No final do período chuvoso verifica-se uma redução das concentrações.
Os tempos para as partículas atingirem os filtros dos poços são relativamente reduzidos, principalmente nos poços PT 03 e PT 17, mais próximos das fontes poluidoras, considerando a alta carga bacteriana do riacho dos Macacos e a meia vida de coliformes em água subterrânea de aproximadamente 8 dias (Edberg et al, 1997).
Segundo Auer e Niehaus (1993), as bactérias do grupo coliforme, em um dado ambiente, têm seu decaimento acelerado por agentes físicos, químicos e biológicos, dentre eles a radiação solar, a temperatura, o pH, a salinidade e a bacteriofagocitose. No caso da água, o decaimento pode ser mais lento em ambiente turvo ou escuro com temperatura próxima a da atmosfera. Nas águas subterrâneas, as bactérias estão protegidas de agentes que aceleram o decaimento. Desta maneira, aumenta a permanência das bactérias neste meio e o perigo de contaminação bacteriana pelo riacho dos Macacos.
Caracterização isotópica das águas subterrâneas: oxigênio-18
Foram feitas medidas de 18O para avaliar o grau de influência de águas superficiais nas águas bombeadas pelos poços. Em águas superficiais este isótopo é enriquecido pela evaporação (que vaporiza com uma pequena preferência as moléculas mais leves), resultando em um d 18O mais elevado (aqui, menos negativo).
Valores em torno de 3,2 representam água de chuva atual infiltrada rapidamente nos solos de alta permeabilidade (Tabela 3). Os valores mais baixos, para PT 06, PT 05 e PT 14 (25/03/03), representam misturas das águas recentes de origem pluvial com paleoáguas ascendentes de um fluxo regional. Estas paleoáguas têm d18O mais baixo, pois são marcados pela temperatura mais baixa (@ 5°C) no final do Pleistocênico.
Os valores mais altos (em negrito Tabela 2) representam misturas de águas recentes de origem pluvial com águas superficiais (marcados pela evaporação com d18O mais elevado): PT 2A (26/08/02; 25/03/03), PT 03 (10/06/02; 26/08/02), PT 07 (10/06/02), PT 14 (26/08/02) e PT 17 (26/08/02; 25/03/03). Conseqüentemente, os poços com aguas superficiais (marcados pela evaporacao com d18O mais elevado): PT 2A (26/08/02; 25/03/03), PT 03 (10/06/02; 26/08/02), PT 07 (10/06/02), PT 14 (26/08/02) e recentes de origem pluvial com águas superficiais (marcados pela evaporação com d18O mais elevado): PT 2A (26/08/02; 25/03/03), PT 03 (10/06/02; 26/08/02), PT 07 (10/06/02), PT 14 (26/08/02) e PT 17 (26/08/02; 25/03/03). Conseqüentemente, os poços com d18O mais elevado, PT 2A e PT 17, se destacam também nos coliformes totais (Figura 20). Assim, as medidas de d18O comprovam para a área dos poços, a forte recarga do aqüífero pelo riacho.
CONCLUSÕES
A qualidade química das águas de parte dos poços amostrados apresenta indícios de poluição por esgotos domésticos. Constatou-se uma sazonalidade na condutividade elétrica das águas dos poços. No riacho dos Macacos, durante o período seco, observou-se variações acentuadas, o menor valor foi 706µS/cm e o maior 1.087ìS/cm. No PT 2A as medidas de nitrogênio de amônia e de nitrato ultrapassaram os valores máximos permitidos pela Portaria 518 do Ministério da Saúde. As águas da maioria dos poços foram classificadas como de dureza moderada com valores variando entre 56 e 149 mgCaCO3/L. Já as águas do riacho dos Macacos foram classificadas como águas duras.
O riacho dos Macacos pode ser enquadrado dentro das classes de águas doces (1, 2, 3, e 4) de acordo com a Resolução Nº 357 do CONAMA, considerando os parâmetros: pH e cloreto. Os demais parâmetros analisados não se enquadram em nenhuma das classes de águas doces. No riacho dos Macacos e no Lago da Timbaúba, em todas as análises realizadas, constataram-se concentrações de coliformes totais e termotolerantes maiores que a quantificável pelo método cromogênico (> 2.419 NMP/100mL).
Embora sendo facilmente possível a remoção destas bactérias por tratamento, a Portaria No. 518 do Ministério da Saúde define-as como padrões de potabilidade e indicadores de contaminação fecal, exigindo-se ausência em água para consumo humano. Assim, apesar dos números relativamente baixos, consideramos a sua presença mais um indício de contaminação da água subterrânea pelo riacho dos Macacos.
Medidas de oxigênio-18 comprovam uma forte interação hidráulica entre o riacho dos Macacos e o aqüífero Rio da Batateira. Os poços PT 2A e PT 17, que receberam mais contribuição de águas superficiais, reconhecíveis pelos valores mais elevados de d18O, também apresentaram coliformes totais e termotolerantes com concentração máxima de, respectivamente, 39 NMP/100mL e 6 NMP/100mL e de 31 NMP/100mL e 6 NMP/100mL.
Em geral, as águas captadas por poços profundos não apresentam coliformes fecais devido à baixa velocidade e a capacidade filtrante do meio aqüífero. Dessa forma, a presença de coliformes nessas águas indica um perigo eminente de contaminação por elementos químicos conservativos.
Na simulação computacional com o aplicativo MODPATH, o tempo mínimo para o transporte advectivo de partículas do manancial superficial até o filtro dos poços varia de aproximadamente 15 a 100 dias. Estes tempos são relativamente reduzidos considerando a meia vida dos coliformes em águas subterrâneas, de aproximadamente 8 dias, e a elevada carga bacteriana no riacho dos Macacos e no lago da Timbaúba. Dessa forma, a contaminação dos poços por estes mananciais se torna evidente.
Assim, o riacho dos Macacos e o lago da Timbaúba constituem os elos principais na conexão entre a água superficial e a água subterrânea e necessitam de elevada atenção e proteção. Na atualidade, eles são as principais entradas de contaminação química e bacteriológica das águas subterrâneas, funcionando como fontes persistentes e contínuas de poluição das águas exploradas para consumo humano. Portanto, devem ser tomadas precauções para evitar o despejo de esgoto e lixo na área. O perigo que a bateria de poços e o aqüífero rio da Batateira correm no caso de contaminação do riacho dos Macacos por matéria tóxica persistente, é elevado.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq, à FUNCAP, à Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará-ARCE, ao Laboratório de Saneamento - Labosan da UFC, à Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará - Cagece, à Universidade Regional do Cariri Urca (nas pessoas dos professores Jackson Antero da Silva e Rodolfo José Sabiá) e a Profa. Marlúcia Freitas Santiago da UFC.
Recebido: 22/03/05
Aceito: 23/02/06
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Maio 2006 -
Data do Fascículo
Mar 2006
Histórico
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Aceito
23 Fev 2006 -
Recebido
22 Mar 2005