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Aplicação conjunta de tratamento anaeróbio termofílico por lodo granular e de mediadores redox na remoção de cor de águas residuárias têxteis

Applicability of both thermophilic treatment by anaerobic granular sludge and redox mediators on colour removal of textile wastewaters

Resumos

Investigou-se o efeito de diferentes mediadores redox na remoção de cor de corantes azo pelo uso de lodo granular anaeróbio sob condições mesofílicas (30ºC) e termofílicas (55ºC). Adicionalmente, estudou-se em ambas temperaturas, o efeito de diferentes doadores de elétrons nos processos de descoloração. Comprovou-se em tais processos um impacto marcante da adição de concentrações catalíticas de mediadores redox, aumentando a cinética da reação em até 1 ordem de magnitude. Comparado com tratamento mesofílico, remoções de cor sob condições termofílicas foram extremamente aceleradas, além de o impacto dos mediadores redox ser consideravelmente diminuído à 55ºC. Por exemplo, em experimento de fluxo contínuo, eficiências de remoção em torno de 95% e 56% foram obtidas à 55ºC e 30ºC, respectivamente, na ausência de qualquer mediador redox. Hidrogênio se mostrou extremamente efetivo como doador de elétrons para o processo de descoloração redutiva de corantes azo quando comparado com glicose, formiato e acetato. Os resultados obtidos nesta investigação trazem boas perspectivas para o uso conjunto de reatores anaeróbios sob condições termofílicas e de mediadores redox no pré-tratamento das águas residuárias de indústrias têxteis.

Remoção de cor; corantes azo; tratamento anaeróbio; mediadores redox; tratamento mesofílico e termofílico


The use of different redox mediators on colour removal of azo dyes by anaerobic granular sludge was investigated under mesophilic (30ºC) and thermophilic (55ºC) conditions. Additionally, the use of different electron donors on the reductive decolourisation was studied in both temperatures. The addition of catalytic concentrations of redox mediators had an evident impact on the decolourisation process, enhancing the rates up to one order of magnitude. Compared to mesophilic conditions, colour removal under thermophilic conditions was extremely accelerated, and the impact of redox mediators on the decolourisation rates was considerably decreased at 55ºC. For instance, in a continuous flow experiment, efficiencies of around 95% and 56% were obtained at 55ºC and 30ºC, respectively, in the absence of redox mediators. Hydrogen was a much better electron donor for sustaining dye reduction than glucose, formate and acetate. The present results bring good prospects for the use of thermophilic anaerobic treatment and redox mediators on colour removal of textile wastewaters.

Colour removal; azo dyes; anaerobic treatment; redox mediators; mesophilic and thermophilic treatment


ARTIGO TÉCNICO

Aplicação conjunta de tratamento anaeróbio termofílico por lodo granular e de mediadores redox na remoção de cor de águas residuárias têxteis

Applicability of both thermophilic treatment by anaerobic granular sludge and redox mediators on colour removal of textile wastewaters

André Bezerra dos Santos

Doutor em Saneamento Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR), Wageningen, Holanda. Pesquisador DCR da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa (FUNCAP) junto ao Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (DEHA) da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência André B. dos Santos Universidade Federal do Ceará Campus do Pici, bloco 713 Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental 60455-760 Fortaleza - Ceará - Brasil Telefone: (085) 4008 9624 E-mail: andrebds@deha.ufc.br

RESUMO

Investigou-se o efeito de diferentes mediadores redox na remoção de cor de corantes azo pelo uso de lodo granular anaeróbio sob condições mesofílicas (30ºC) e termofílicas (55ºC). Adicionalmente, estudou-se em ambas temperaturas, o efeito de diferentes doadores de elétrons nos processos de descoloração. Comprovou-se em tais processos um impacto marcante da adição de concentrações catalíticas de mediadores redox, aumentando a cinética da reação em até 1 ordem de magnitude. Comparado com tratamento mesofílico, remoções de cor sob condições termofílicas foram extremamente aceleradas, além de o impacto dos mediadores redox ser consideravelmente diminuído à 55ºC. Por exemplo, em experimento de fluxo contínuo, eficiências de remoção em torno de 95% e 56% foram obtidas à 55ºC e 30ºC, respectivamente, na ausência de qualquer mediador redox. Hidrogênio se mostrou extremamente efetivo como doador de elétrons para o processo de descoloração redutiva de corantes azo quando comparado com glicose, formiato e acetato. Os resultados obtidos nesta investigação trazem boas perspectivas para o uso conjunto de reatores anaeróbios sob condições termofílicas e de mediadores redox no pré-tratamento das águas residuárias de indústrias têxteis.

Palavras-chave: Remoção de cor; corantes azo; tratamento anaeróbio; mediadores redox; tratamento mesofílico e termofílico.

ABSTRACT

The use of different redox mediators on colour removal of azo dyes by anaerobic granular sludge was investigated under mesophilic (30ºC) and thermophilic (55ºC) conditions. Additionally, the use of different electron donors on the reductive decolourisation was studied in both temperatures. The addition of catalytic concentrations of redox mediators had an evident impact on the decolourisation process, enhancing the rates up to one order of magnitude. Compared to mesophilic conditions, colour removal under thermophilic conditions was extremely accelerated, and the impact of redox mediators on the decolourisation rates was considerably decreased at 55ºC. For instance, in a continuous flow experiment, efficiencies of around 95% and 56% were obtained at 55ºC and 30ºC, respectively, in the absence of redox mediators. Hydrogen was a much better electron donor for sustaining dye reduction than glucose, formate and acetate. The present results bring good prospects for the use of thermophilic anaerobic treatment and redox mediators on colour removal of textile wastewaters.

Keywords: Colour removal; azo dyes; anaerobic treatment; redox mediators; mesophilic and thermophilic treatment.

INTRODUÇÃO

A indústria têxtil representa um importante setor da economia brasileira e mundial, tendo experimentado considerável crescimento nos últimos anos. Como conseqüência, essa indústria tem aumentado a produção de esgotos, sendo um potencial contribuinte à degradação do meio-ambiente. Uma das principais características desses efluentes é que os mesmos são altamente coloridos, resultado principalmente dos corantes que são aplicados nas operações de tingimento. É estimado que 109 kg de corantes são anualmente produzidos no mundo, dos quais 70% pertencem à classe dos corantes azo (-N-N-) (Zollinger, 1987). Juntamente com estes, outros corantes como os antraquinônicos (contém quinonas na sua estrutura) e ftalocianinos (contém metais) são amplamente utilizados (Christie, 2001). O lançamento em corpos de água de efluentes contendo altas concentrações de corantes é indesejável pois os mesmos podem afetar a fotossíntese das algas, além do fato de muitos desses corantes e seus produtos de degradação serem carcinogênicos (Weisburger, 2002). Processos de remoção de cor de efluentes têxteis têm sido um constante desafio para a ciência nas últimas décadas, e até o presente não há um único e econômico tipo de tratamento que seja efetivamente capaz de ser empregado nas estações de tratamento de esgotos. Entretanto nos últimos anos, grandes progressos foram alcançados na área de biotecnologia ambiental aplicada à descoloração de corantes, no qual diferentes microrganismos à citar bactérias aeróbias e anaeróbias, fungos e actinomicetos se mostraram possuir tais propriedades (Dos Santos, 2005). O mecanismo de ação entre tais microrganismos é bem variado, envolvendo tanto mecanismos oxidativos como redutivos. Por exemplo, bactérias aeróbias somente removem cor quando possuem enzimas chamadas azo redutases, as quais são catalisadas na presença de oxigênio (Stolz, 2001). Tais enzimas foram descobertas em organismos do tipo Pseudomonas K22 e KF46, e Pagmentiphaga kullae K24 (Zimmermann et al, 1982; Blumel e Stolz, 2003). Já a capacidade de fungos em remover cor é associada com a formação de exo-enzimas tais quais peroxidases e fenolxidases, e conseqüente oxidação dos corantes (Duran et al, 2002). Espécies fúngicas do tipo Bjerkandera adusta, Trametes versicolor e Phanerochaete chrysosporium mostraram ser eficientes na oxidação de corantes (Heinfling et al, 1997).

A remoção de cor de corantes azo por bactérias aeróbias, a citar nos sistemas de lodos ativados, é normalmente baixa (10-30%), a qual é associada principalmente a adsorção do corante no lodo ativo (Dos Santos, 2005). Isso se dá em decorrência da preferência do aceptor final de elétrons, oxigênio, comparada aos corantes azo, pelos elétrons gerados nos processos oxidativos (produção de ATP) (Stolz, 2001). Por outro lado sob condições anaeróbias, tais corantes são usualmente os únicos aceptores finais de elétrons, fazendo com que melhores eficiências de remoção sejam alcançadas (60-80%). Entretanto, durante esse processo redutivo os corantes azo dão origem às incolores (usualmente) aminas aromáticas, as quais são recalcitrantes sob condições anaeróbias. Assim antes de qualquer emissão, pós-tratamentos devem ser incluídos de forma a remover as aminas aromáticas, pelo fato de as mesmas serem carcinogênicas (Dos Santos, 2005).

Foi recentemente descoberto que a aplicação conjunta do tratamento anaeróbio com mediadores redox aumentava a cinética de redução de corantes azo em até 1 ordem de magnitude, na qual os mediadores redox aceleravam a taxa de transferência de elétrons do doador primário ao receptor final de elétrons. Tal transferência de elétrons é usualmente o limitante do processo de redução (Lovley et al, 1996; Dos Santos et al, 2005). Vitaminas como riboflavina (Vitamina B2), e outras substâncias como as quinonas presentes em húmus e carvão ativado, podem funcionar como mediadores redox (Rau et al, 2002; Dos Santos et al, 2004). A remoção de cor na presença dessas substâncias se dá em duas fases: a primeira fase consiste na redução enzimática do mediador redox através dos elétrons gerados nos processos oxidativos; e a segunda fase consiste na transferência química desses elétrons para os corantes azo, com a conseqüente regeneração dos mediadores redox (Figura 1) (Keck et al, 1997).


Até o presente, a aplicação conjunta de mediadores redox e lodo granular anaeróbio, nos processos de redução de corantes azo, foi somente estudada sob condições mesofílicas (Van Der Zee et al, 2001; Cervantes et al, 2001). Entretanto, constatou-se que efeito nas taxas de descoloração devido à mudança de operação do reator de condições mesofílicas para condições termofílicas era muitas vezes maior do que o próprio efeito dos mediadores redox (Dos Santos et al, 2003; Dos Santos et al, 2005). Isso somado ao fato de que as águas residuárias têxteis são normalmente descartadas sob altas temperatures, traz boa perspectiva à aplicação do tratamento termofílico como unidade de pré-tratamento. O presente trabalho investiga o efeito de diferentes mediadores redox na remoção de cor pelo uso de lodo granular anaeróbio sob condições mesofílicas e termofílicas. Adicionalmente, estudou-se em ambas as temperaturas, o efeito de diferentes doadores de elétrons na aceleração dos processos de redução dos corantes. Finalmente, um experimento de fluxo contínuo foi conduzido à 30ºC e 55ºC, para testar o impacto da temperatura e da contínua dosagem de mediador redox, nas taxas de descoloração.

MATERIAL E MÉTODOS

Químicos

Selecionou-se o corante azo RR2 (Reactive Red 2, Procion Red MX-5B) como composto modelo para esse estudo. RR2 foi usado em sua forma analítica, sem adicional purificação. Entretanto, a solução estoque de RR2 era inicialmente hidrolisada, a qual objetivava simular a real forma do corante nas águas residuárias têxteis. A hidrólise consistia no aumento do pH da solução para 11 com NaOH, seguido por 1 h de aquecimento à 80ºC, e finalmente na diminuição do pH para 7 com HCl (após Beydilli et al, 1998). A Figura 2 traz a forma do corante azo RR2 antes e após a hidrólise.


Selecionou-se como compostos modelos de mediadores redox anthraquinone-2,6-disulfonate (AQDS), anthraquinone-2-sulfonate (AQS) e riboflavina (Vitamina B2), os quais foram usados na sua forma analítica (Sigma-Aldrich, Gillingham, UK). As estruturas moleculares dos compostos modelos são mostradas na Figura 3.


Experimentos em batelada e de fluxo contínuo

a) Inóculo e meio basal

Coletou-se o lodo granular anaeróbio em um reator mesofílico do tipo UASB (upflow anaerobic sludge blanket), o qual tratava águas residuárias de indústrias de papel (Eerbeek, The Netherlands). O lodo mesofílico foi aclimatado por 3 meses à 55ºC em um reator de leito expandido (EGSB) com volume útil de 5,6 L. Ele foi operado sob um tempo de detenção hidráulica (TDH) de 6 h e taxa de carga orgânica de 2,5 kg DQO (demanda química de oxigênio) m-3 d-1. A DQO consistia de uma mistura de glicose e ácidos graxos voláteis (AGV) a uma razão de 1:3. A solução de AGV era neutralizada, a qual continha acetato, propionato e butirato a uma razão de 1:1:1 (também baseada em DQO).

Para os experimentos a 30ºC, o mesmo lodo granular mesofílico foi aclimatado sob as mesmas condições hidráulicas e orgânicas descritas acima, até o alcance de condições de estabilidade operacional.

O meio basal consistia de (mg/L): NH4Cl (280), K2HPO4 (250), MgSO4·7H2O (100) e CaCl2·2H2O (10) e 1 mL/L de elementos trácicos, o qual continha (mg/L): H3BO3 (50), FeCl2·4H2O (2000), ZnCl2 (50), MnCl2·4H2O (500), CuCl2·2H2O (38), (NH4)6Mo7O24 ·4H2O (50), AlCl3·6H2O (90), CoCl2·6H2O (2000), NiCl2·6H2O (92), Na2SeO3·5H2O (162), EDTA (1000) e HCl 36% (1). Resazurina não era incluída na solução de elementos trácicos devido às suas propriedades de mediador redox. O meio basal era tamponado com 5,0 e 6,2 g/L de bicarbonato de sódio, para as temperaturas de 30ºC e 55ºC, respectivamente, de forma a manter o pH próximo de 7,1.

b) Testes de atividade

Para os testes de atividade, 1,3 ± 0,1 gSSV/L do lodo previamente aclimatado era adicionado em garrafas em série com volume total de 117 mL, dos quais 50 mL representavam a fração líquida com meio basal. Selavam-se as garrafas com tampas em borracha do tipo butil, juntamente com prendedores em alumínio. Estabeleciam-se condições anaeróbias nas garrafas através da exaustiva troca do meio gasoso por N2/CO2 (70%:30%) (Manifold Gas System, The Netherlands). Em seguida, 1,5 g DQO/L de doador de elétrons (variável), corante azo RR2 (0,3 mM) e mediadores redox (variável) eram adicionados às garrafas. Controles estéreis eram autoclavados em duas etapas de 240 minutos à 122ºC, com um período de 5 dias de incubação, logo após os diferentes doadores de elétrons, mediadores redox e corante eram adicionados às garrafas a partir de soluções estéreis. O pH de cada garrafa, assim como a exata quantidade de SSV, eram determinados ao final de cada experimento.

c) Efeito de diferentes mediadores redox na remoção de cor por lodo granular mesofílico e termofílico

Estudou-se sob condições mesofílicas (30ºC) e termofílicas (55ºC) o efeito dos mediadores redox AQDS, AQS e riboflavina na remoção de cor do corante azo RR2 (0,3 mM), na presença de 1,5 g DQO/L do doador de elétrons glicose. Adicionava-se nas diferentes garrafas a mesma concentração de mediadores redox (0,050 mM), onde controles sem adição de mediadores avaliavam o seu efeito catalítico nas taxas de descoloração. Garrafas com lodo autoclavado controlavam a adsorção do corante no lodo além da remoção de cor abiótica por compostos redutivos. Garrafas sem adição de lodo controlavam a estabilidade química do corante nas temperaturas testadas.

d) Efeito de diferentes doadores de elétrons na remoção de cor por lodo granular mesofílico e termofílico

Avaliou-se sob condições mesofílicas (30ºC) e termofílicas (55ºC) o efeito de diferentes doadores de elétrons na redução do corante RR2 (0,3 mM), tanto na presença como na ausência do mediador redox riboflavina (0,012 mM). Os doadores de elétrons acetato, H2/CO2 e formiato eram testados a uma mesma concentração de 1,5 g DQO/L. As garrafas eram incubadas em um agitador rotatório a 50 rpm, no escuro. Quando H2/CO2 (80%/20%) era usado como doador de elétrons, o mesmo era adicionado sob uma pressão de 1,8 bars, e a rotação do agitador era aumentada para 200 rpm visando facilitar a transferência de massa do hidrogênio para a fase líquida. Garrafas com lodo autoclavado controlavam a adsorção do corante no lodo além da remoção de cor abiótica por compostos redutivos. Garrafas sem adição de lodo controlavam a estabilidade química do corante nas temperaturas testadas.

e) Experimento de fluxo contínuo para comprovar o aumento de eficiência de remoção de cor devido ao emprego de mediadores redox

Para comprovar o aumento das taxas de descoloração devido ao emprego de mediadores redox, um curto experimento de fluxo contínuo foi conduzido à 30ºC e 55ºC. Utilizou-se um reator anaeróbio do tipo EGSB (expanded anaerobic sludge blanket), com volume útil de 0,53 L, concentração da manta de lodo em 30 gSSV/Lreator e velocidade ascensional de 4 m/h. Ele era operado com um TDH de 10 h e uma taxa de carga orgânica de of 5,0 kg DQO m-3 d-1. A DQO consistia de uma mistura de glicose e ácidos graxos voláteis (AGV) a uma razão de 1:3. Os reatores mesofílicos eram denominados R1 e R2, e os termofílicos R3 e R4. Avaliou-se o efeito catalítico do mediador redox AQDS, através da sua dosagem contínua (0,025 mM) nos reatores R2 e R4. A mesma concentração de corante RR2 (0,60 g/L) foi utilizada nos quatro reatores, fornecendo uma taxa de carga de 1,25 g RR2 L-1 d-1. O meio basal utilizado é o mesmo descrito para os experimentos em batelada.

Análises

A remoção de cor do composto modelo RR2 foi determinada fotometricamente (Spectronics 60, Milton-Roy Analytical Products Division, Belgium), cuja absorbância era lida em 539 nm, ou seja, no máximo comprimento de onda do RR2. Usou-se um coeficiente de extinção de 33,3 UA cm-1 mM-1 para a conversão dos valores de absorbância em valores de concentração. As amostras eram centrifugadas por 3 minutos a uma velocidade de 10000 rpm antes de se efetuar a leitura. A Produção de metano era monitorada pela injeção de um volume de 100 mL em um cromatógrafo de gás modelo 438/S (Packard-Becker, Delft, The Netherlands), equipado com uma coluna em aço (2 m x 2 mm) contendo Porapak Q (80/100 mesh, Milipore Corp., Bedford, M.A.). As temperaturas da coluna, porta de injeção e detector de ionização de chamas eram 60ºC, 200ºC e 220ºC, respectivamente, com nitrogênio sendo o transportador de gases (20 mL/min). Ácidos Graxos Voláteis, metanol e etanol, eram medidos em um croma-tógrafo de gás modelo Hewlett Packard 5890 (Palo Alto, USA), equipado com uma coluna em vidro (2 m x 2 mm) contendo Supelcoport (100-120 mesh), a qual era coberta com 10% Fluorad FC 431. As temperaturas da coluna, porta de injeção e detector de ionização de chamas eram 130ºC, 200ºC e 280ºC, respectivamente. Para os álcoois, a temperatura da coluna era ajustada para 70ºC. Sucrose, frutose, glicose, lactato e formiato eram medidos em um cromatógrafo líquido (HPLC) equipado com uma coluna do tipo Ion-300 e detector de índice refrativo de acordo com Van Lier et al (1997). Sólidos Suspensos Voláteis (SSV) eram analisados de acordo com o APHA Standard Methods (1998).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Efeito de diferentes mediadores redox na remoção de cor por lodo granular mesofílico e termofílico

Uma cinética de primeira-ordem com relação à concentração de RR2 foi utilizada para calcular os valores da constante de primeira-ordem "k", seguindo a equação 1 mostrada abaixo:

At é a absorbância no tempo "t", A0 é a absorbância no tempo t = 0, "k" é a constante de primeira-ordem (dia-1) e "t" é o tempo acumulado do experimento (dias). O tempo era plotado contra ln(At/A0) e o valor de k era estimado pelo coeficiente angular da regressão linear.

Na presença de glicose como doador de elétrons, uma completa remoção de cor por lodo granular mesofílico e termofílico foi encontrada em todos os casos (Tabela 1). A adição de glicose aumentou as taxas de redução do corante RR2 em 2,2 vezes (30ºC) e 2,7 vezes (55ºC), quando comparado com os respectivos controles endógenos (sem adição de glicose). Adicionalmente, pode-se observar o efeito evidente de concentrações catalíticas dos mediadores redox na velocidade de descoloração. Por exemplo, comparando-se as taxas de redução de RR2 obtidas com riboflavina com os valores obtidos sem a adição de qualquer mediador redox, há um aumento de cerca de 19,9 vezes à 30ºC, e 5,2 vezes à 55ºC (Tabela 1). Os outros mediadores redox AQS e AQDS foram também eficientes na redução de RR2, mas abaixo das propriedades catalíticas da riboflavina. A distinta capacidade da riboflavina em acelerar a redução do corante RR2 foi também verificada em Dos Santos et al (2004). Entretanto AQS teve propriedades mediadoras superiores às da riboflavina com os outros tipos de corantes azo testados e, portanto, diferentes estruturas moleculares. Em conclusão, as interações eletroquímicas entre mediadores redox e corantes, as quais são dependentes de fatores como os tipos e concentrações dos corantes e mediadores redox, temperatura, pH, doador de elétrons e etc., é que irão determinar a cinética da reação (Dos Santos, 2005). Tais observações estão de acordo com as conclusões de Moir et al (2001), durante o estudo da relação estrutura-atividade na redução de corantes azo por Clostridium paraputrificum.

Observou-se também o claro efeito da temperatura na descoloração de RR2 (Tabela 1). Por exemplo na ausência de mediadores redox, a cinética da reação era aumentada em 3,7 vezes à 55ºC comparada à 30ºC. Na presença de AQS e AQDS sob condições termofílicas, os valores de k eram aumentados em 4,5 e 2,9 vezes, respectivamente. Rau et al (2002) também encontraram que o mediador redox AQS era mais efetivo to que AQDS na redução do corante Amarant pela cultura pura de Sphingomonas xenophaga BN6. Os últimos autores atribuíram tal observação ao valor mais negativo do potencial redox padrão (E0') do AQS (-225 mV) comparado com AQDS (-184 mV), o que refletia uma melhor capacidade de transferência de elétrons da sua forma reduzida para os corantes. Interessantemente com riboflavina, valores próximos de k foram encontrados em ambas as temperaturas testadas (Tabela 1), o que provavelmente foi devido a saturações cinéticas resultante de uma alta afinidade dos inóculos utilizados por riboflavina, diminuindo assim o impacto da temperatura nas taxas de remoção de cor. Field e Brady (2003) observaram uma alta afinidade de lodo granular por riboflavina, durante a redução do corante azo Mordant Yellow 10 sob condições mesofílicas, a qual foi assumida como cinética de ordem-zero.

Efeito de diferentes doadores de elétrons na remoção de cor por lodo granular mesofílico e termofílico

Pode-se consideravelmente acelerar a cinética de remoção de cor por lodo granular, através do uso de diferentes doadores de elétrons (Tabela 2). Constatou-se que hidrogênio era um excelente doador de elétrons (Figura 4B), aumentando as taxas de redução de RR2 em até 10,5 vezes à 55ºC e 7,6 vezes à 30ºC, comparados com garrafas contendo glicose (Tabela 2). Acetato, apesar de ser um bom substrato para metanogênese, se mostrou um pobre doador de elétrons para a redução do corante RR2 (Tabela 2, Figura 4A). Durante o estudo de diferentes doadores de elétrons na redução do tetracloreto de carbono (CCl4), o qual possui um mecanismo de redução semelhante às do corante azo, hidrogênio foi também um efetivo doador de elétrons, onde acetato, metanol e glicose tiveram uma baixa capacidade de doação (Cervantes et al, 2004). No mesmo estudo, 0,020 mM do mediador redox AQDS aumentou de forma marcante as taxas de redução de CCl4, fazendo com que mesmo os pobres doadores de elétrons fossem efetivos na desclorinação. A verdadeira razão bioquímica para a baixa cinética de remoção de cor das arqueas metanogênicas na presença acetato é ainda desconhecida. Porém, muito provavelmente deve ser relacionada com a competição entre metanogênese e a redução dos corantes, pelos equivalentes reduzidos gerados na conversão do doador de elétrons. Por exemplo na metanogênese a partir do acetato, as enzimas envolvidas não utilizam NAD+ ou NADP+ como coenzimas, e sim uma coenzima do tipo 5-dezaflavin F420 (Berk e Thauer, 1997). É presentemente aceito que NADH ou NAD(P)H são os doadores de elétrons primários na redução biológica de corantes azo (Stolz, 2001; Blumel e Stolz, 2003).


Foi novamente constatado com os doadores de elétrons testados, um considerável aumento nos valores de k nas incubações à 55ºC comparados aos valores à 30ºC. Ademais, o mediador redox riboflavina acelerou a descoloração redutiva em todos os casos, mostrando assim a habilidade das hidrogenotróficas e acetoclásticas metanogênicas, em utilizarem riboflavina como aceptor de elétrons (Tabela 2). Por exemplo nas garrafas contendo hidrogênio e riboflavina, a redução de RR2 era acelerada em 4,6 e 3,8 vezes, para incubações à 30ºC e 55ºC, respectivamente, quando comparados com as garrafas contendo apenas hidrogênio.

Experimento de fluxo contínuo para comprovar o aumento de eficiência de remoção de cor devido ao emprego de mediadores redox

Operaram-se inicialmente os reatores mesofílicos e termofílicos por um período de 35 dias, sem qualquer contato com o corante RR2 e o mediador redox AQDS (Figura 5). Após a obtenção de condições estáveis de operação, com eficiências de remoção de DQO em torno de 85%, os compostos RR2 e AQDS foram introduzidos no sistema. Pode-se comprovar através do experimento de fluxo contínuo que a remoção de cor foi quase que imediata em todos os reatores, o que indicou um processo co-metabólico. Observou-se também uma adsorção inicial do corante à manta de lodo, mas que certamente não foi a principal razão da remoção inicial de cor dos reatores. Pode-se verificar também a excelente performance dos reatores termofílicos R3 e R4, comparados com os reatores mesofílicos R1 e R2 (Figura 5).


Além do mais, pode-se observar que o impacto do mediador redox AQDS era significantemente reduzido à 55ºC, ao passo que um visível efeito era observado nos reatores mesofílicos (Figura 5). Obteve-se um valor médio de eficiência de remoção de cor em torno de 95% para os reatores termofílicos R3 e R4, e um valor médio de 56% e 88% para os reatores mesofílicos R1 (sem AQDS) e R2 (com AQDS), respectivamente. Assim, devido ao efeito da temperatura nas taxas de descoloração, o efeito catalítico do mediador redox era diminuído sob condições termofílicas. O efeito evidente do mediador redox AQDS à 30ºC está em acordo com as observações de Cervantes et al (2001), durante a remoção do corante azo Acid Orange 7 em um reator UASB. Quando AQDS não era suplementado, os valores de eficiência eram cerca de 86%, se aumentado para aproximadamente 99%, quando uma concentração de 0,030 mM de AQDS era introduzida no sistema. Dos Santos et al (2003) também verificaram uma alta estabilidade e altos valores de eficiência de remoção de cor na utilização de tratamento termofílico, o que está de acordo com as observações da presente investigação.

Todos os reatores apresentaram capacidade similar de remoção de DQO (> 90%), em termos dos doadores de elétrons glicose e AGV, em que somente baixíssimas concentrações de AGV foram detectadas no efluente. Os produtos da oxidação da glicose, por exemplo piruvato, formiato, lactato e álcoois, nunca se mostraram presentes no efluente. Assim sendo, a taxa de formação de elétrons era similar entre os quatro reatores operados. Logo, o melhor desempenho dos reatores termofílicos era atribuído ao efeito da temperatura na capacidade de transferência de elétrons, resultando em um aumento considerável das taxas de remoção de cor encontradas.

CONCLUSÕES

Comprovou-se o impacto marcante dos mediadores redox nos processos de descoloração, aumento a cinética da reação em até 1 ordem de magnitude. Comparado com tratamento mesofílico, remoções sob condições termofílicas eram extremamente aceleradas, o que traz boas perspectivas ao mesmo na sua inclusão como uma unidade de pré-tratamento das águas residuárias de indústrias têxteis. Hidrogênio se mostrou extremamente efetivo como doador de elétrons para o processo de descoloração redutiva de corantes azo quando comparado com glicose, formiato e acetato. Pode-se observar que o impacto dos mediadores redox nas taxas de descoloração sob condições termofílicas era consideravelmente diminuído, o qual pode representar uma grande economia durante a contínua dosagem desses químicos nas estações de tratamento de esgotos.

AGRADECIMENTOS

O autor é grato ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela concessão da bolsa de doutorado no exterior (Processo número 200488/01-5).

Recebido: 01/09/04 Aceito: 03/08/05

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      01 Set 2004
    • Aceito
      03 Ago 2005
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