Open-access A utilização de mapas acústicos como ferramenta de identificação do excesso de ruído em áreas urbanas

The use of acoustic maps as excess noise identification tool in urban areas

RESUMO

A energia sonora gerada nas cidades de todos os portes produz desconforto e, em algumas situações, doenças aos seus habitantes. Dessa forma, é necessário desenvolver ferramentas adequadas para a análise do ruído ambiental que deem suporte ao planejamento urbano. Os mapas acústicos, nesse contexto, podem auxiliar na organização dos espaços e de seus usos, podendo simular a futura paisagem sonora de uma região. O objetivo deste trabalho foi avaliar a contribuição dos mapas acústicos no planejamento urbano visando à melhoria da paisagem sonora das cidades. O local escolhido para o estudo foi a cidade de Campos do Jordão, estado de São Paulo, que pode ser considerada um exemplo de um lugar onde há a conurbação de atividades, gerando o conflito de interesses entre os cidadãos locais e turistas que procuram o descanso e os que procuram o entretenimento. Os mapas acústicos mostraram que a proximidade das áreas de entretenimento e residências eleva o nível de ruído, prejudicando a qualidade de vida naquela região.

Palavras-chave: mapa acústico; planejamento de transportes; poluição sonora

ABSTRACT

The sound energy generated in cities of all sizes produces discomfort and, in some situations, diseases to its inhabitants. Thus, it is necessary to develop appropriate tools for analysis of environmental noise that support urban planning. The acoustic maps can assist the urban planning by simulating the future soundscape of a region. The objective of this study was to evaluate the contribution of acoustic maps in urban planning in order to improve the soundscape of cities. The city of Campos do Jordão, state of São Paulo, Brazil, which was the chosen area for the application of this study, can be considered an example of a place where there is a conurbation of activities, which generates the conflict of interests between local citizens and tourists looking for rest and those that want entertainment. The acoustic maps showed that the proximity to the entertainment areas and residences raises the environmental noise, impairing the quality of life in that region.

Keywords: acoustic map; transportation planning; noise pollution

INTRODUÇÃO

As grandes cidades brasileiras em geral apresentam uma condição urbana centralizada, com pequenos recuos das edificações em relação a ruas e avenidas e também em relação aos prédios vizinhos, tanto laterais quanto de fundo. Essa condição deteriora o ambiente urbano, prejudicando a qualidade de vida da população por conta da formação de ilhas de calor e da falta de ventilação. Outro efeito perceptível da centralização das cidades é o elevado e concentrado tráfego de veículos em ruas e avenidas, o que, entre outras consequências, gera níveis de ruído inadequados à população que habita e trabalha às suas margens (NIEMEYER & SANTOS, 2001). Do ponto de vista da percepção dos cidadãos, esse pode ser considerado um dos principais elementos de degradação ambiental na escala urbana (PEREIRA & SLAMA, 2001).

A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2009) publicou recomendações sobre o excesso de ruído nas cidades alertando para problemas na saúde e no bem-estar dos habitantes, gerando doenças como estresse, distúrbios do sono, irritabilidade e dificuldade na comunicação, por exemplo. Um agravante dessa situação é a demora do aparecimento dos primeiros sintomas das doenças mais graves causadas pelo excesso de ruído. Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas na União Europeia estejam expostas a níveis de ruído acima do indicado pela Organização Mundial da Saúde (IVANOVIC et al., 2014).

Belojevic et al. (2008) relataram aumento da hipertensão arterial masculina em razão do elevado nível de ruído gerado pelo tráfego de veículos, que supera entre 11 e 16 dB(A) - o limite normalizado no período diurno é de 10 a 14 dB(A) no período noturno. O estresse induzido pelo ruído no ser humano pode influenciar o sistema imunológico e causar dificuldades respiratórias (WEBER; HAASE; FRANCK, 2014).

O excesso do ruído nas cidades vem sendo investigado por diversos autores. Brito (2009) apresentou uma relação de estudos realizados no Brasil, país onde o tráfego de veículos era a principal fonte de ruído no meio urbano, levando desconforto à população, problemas de saúde e desvalorização imobiliária. As reclamações pelo excesso de ruído encaminhadas aos órgãos públicos em Taiwan correspondem a quase 70% do total de queixas recebidas, e 90% da população é exposta a um nível de ruído acima do aceitável (TSAI; LIN; CHEN, 2009).

Segundo Ausejo et al. (2010), as fontes de ruído ligadas ao entretenimento são as mais preocupantes, pois estão em plena atividade no horário de descanso da população em geral. Nas cidades com vocação turística, essa situação agrava-se por causa da sazonalidade, uma vez que a geração de ruído sofre incremento na temporada de férias, de forma que a população local se torna mais afetada, por não estar acostumada com a situação (BRITO & BARBOSA, 2014). Na Europa, por exemplo, estimam-se perdas na atividade econômica do turismo de € 13 a 38 milhões, em virtude do incômodo gerado pelo ruído no ano de 2001, além do fato de que as regiões que apresentam níveis de ruído considerados desconfortáveis tendem a ser preteridas pela rede hoteleira, restaurantes, bares e turistas em geral (ESTEVES et al., 2013).

O excesso de ruído também pode afetar o preço das edificações, em função da preferência por locais mais silenciosos. Em média, o custo de uma edificação decresce 2,9% por dB(A) de acréscimo no critério estabelecido na Polônia, 3,0% na Suécia e 1,3% na Coreia do Sul (ŁOWICKI & PIOTROWSKA, 2015). Na cidade de Hamburgo, Alemanha, o índice é de 0,23% por acréscimo de dB(A) (BRANDT & MAENNIG, 2011).

O planejamento urbano é essencial para a redução dos efeitos do ruído na população em geral, sendo responsável pela qualidade de vida do aglomerado urbano. Suas variáveis são complexas, como, por exemplo, o tráfego de veículos, que está relacionado com a poluição sonora e do ar mas, ao mesmo tempo possui efeitos benéficos à sociedade, contribuindo para a mobilidade e não devendo, portanto, simplesmente ser eliminado. O mesmo ocorre com as atividades industriais, comerciais e de entretenimento, que são importantes para a economia. No processo de planejamento urbano, devem-se considerar as ferramentas da engenharia acústica capazes de simular a paisagem sonora com o objetivo de reduzir a propagação do ruído, como os modos de distribuição das edificações nas quadras, a forma das edificações e a taxa de ocupação dos lotes (IVANOVIC et al., 2014). Tais parâmetros também devem atender às necessidades climáticas e de mobilidade urbana.

O estudo de impacto de vizinhança, instituído pelo Estatuto das Cidades, Lei nº 10.275 (BRASIL, 2001), nada mais faz além de reforçar a necessidade do planejamento urbano, de maneira que qualquer implantação de novas infraestruturas ou edificações que promovam alterações paisagísticas e viárias necessita ser previamente examinada. A análise passa pela fase de diagnóstico, com caracterização da intervenção e da vizinhança, e avaliação do impacto, que resulta em medidas compatibilizadoras, mitigatórias e/ou compensatórias. O estudo da poluição sonora urbana é parte importante do estudo de impacto de vizinhança.

Salomons e Pont (2012) estudaram o efeito da densidade populacional e de veículos no ruído ambiente nas cidades de Amsterdã e Roterdã, Holanda, e concluíram que há ligação direta entre esses dois parâmetros e o incômodo pelo excesso de ruído. Notaram também que o posicionamento dos edifícios nas quadras, alinhados, alternados ou aleatoriamente distribuídos, tem influência direta no nível de ruído que incide nas fachadas deles. Silva, Oliveira e Silva (2014) verificaram que a forma dos edifícios pode alterar o nível de ruído de um local em até 6 dB(A). Ou seja, a própria edificação pode ser um instrumento de conforto acústico aos seus usuários.

Conclusões similares obtiveram Ariza-Villaverde, Jjimenez-Hornero e de Ravé (2014), que estudaram o efeito da morfologia urbana na propagação do ruído ambiental. Quando a distribuição dos edifícios é simétrica, tende a gerar mais distribuição da energia sonora, possibilitando uma condição mais uniforme, mas pode atender ou não aos critérios normalizados. A morfologia irregular dificulta a propagação do ruído ambiente, o que pode gerar locais mais ou menos impactados pela energia sonora. Weber, Haase e Franck (2014) verificaram que fatores como altura dos edifícios e taxa de ocupação do terreno influenciam a distribuição do ruído ambiente, já que as reflexões nas fachadas podem redirecionar a energia sonora ou até mesmo amplificá-la.

Uma das ferramentas disponíveis que podem auxiliar no planejamento urbano é o mapa acústico (SUÁREZ & BARROS, 2014). O mapa acústico de uma cidade pode ser utilizado para várias finalidades: identificar as principais fontes de ruído urbano, demonstrar a propagação de ruído no meio ambiente, servir de base para uma política pública de controle de ruído considerando o custo × benefício das ações, ajudar a desenvolver ações de punição a nível regional e nacional para reduzir a emissão de energia sonora, além de garantir a existência de áreas tranquilas próximas aos centros urbanos, monitorar o processo de redução de ruído durante a implantação de políticas públicas, monitorar as alterações no padrão acústico das cidades e servir de base para estudos do efeito do ruído na população em geral (TSAI; LIN; CHEN, 2009). O mapa acústico também pode fornecer informações detalhadas sobre o impacto do ruído na população, sendo uma ferramenta científica para compreender o fenômeno de propagação de ruído no meio ambiente, além de ser capaz de simular condições futuras antes de sua implantação (LEE; CHANG; PARK, 2008).

O mapeamento de ruído vem sendo desenvolvido por cidades europeias em função de suas normas diretivas. A Directiva 49/EC (PARLAMENTO EUROPEU, 2002) obriga as cidades europeias com mais de 250 mil habitantes a desenvolver mapas acústicos para controle da propagação da energia sonora, visando preservar a qualidade ambiental. A falta de informações sobre os níveis de ruído e de conhecimento sobre a localização dos pontos críticos gera dificuldade para o setor público interferir e solucionar os problemas, podendo expor a população por longos períodos a uma condição insalubre. Assim, o mapa acústico pode simular a morfologia urbana, reduzindo os impactos ambientais do ruído e melhorando a qualidade de vida no meio urbano (SUÁREZ & BARROS, 2014).

O objetivo deste trabalho foi avaliar a contribuição dos mapas acústicos no planejamento urbano, visando à melhoria da paisagem sonora das cidades. Como local de análise, foi escolhido o bairro do Capivari, na Estância de Campos do Jordão, São Paulo, que nos fins de semana, feriados e temporada de férias sofre forte influência da energia sonora gerada pelas atividades de entretenimento, o que causa conflito com moradores locais e turistas hospedados nas pousadas e hotéis da região.

MÉTODOS

O local selecionado para análise foi o bairro do Capivari, na Estância Turística de Campos do Jordão, ilustrado na Figura 1. A Estância de Campos do Jordão está situada próxima à divisa dos estados de Minas Gerais e de São Paulo, no alto da Serra da Mantiqueira.

Figura 1:
Vista da área analisada.

No início do século XX, as vilas de Abernéssia e Capivari, hoje bairros de Campos do Jordão, começaram a receber os primeiros sanatórios destinados a tuberculosos. Apenas em 1944 as vilas foram unificadas, originando o município de Campos do Jordão (BENETI & HAMMERL, 2013). O acesso à cidade dava-se por uma estrada sinuosa que atravessa a Serra da Mantiqueira, dificultando a viagem dos turistas. Com a construção de uma nova via nos anos 1980 ligando o município à Rodovia Presidente Dutra, principal estrada entre as cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de São Paulo (SP), houve uma grande e desorganizada expansão imobiliária. Esse fato ocasionou um conflito de expectativas entre parte da população local e turística, que procura tranquilidade, e a outra parcela, que prefere o entretenimento. No bairro do Capivari é possível encontrar residências, hotéis e pousadas ao lado de casas noturnas, bares e locais com apresentações musicais ao ar livre.

Essa conurbação de expectativas aliada ao trânsito engarrafado das temporadas turísticas eleva o nível de incômodo da população, em geral em razão da energia sonora gerada. Dessa forma, o mapa acústico torna-se uma ferramenta útil ao planejamento urbano e às atividades turísticas ali desenvolvidas, podendo identificar os locais onde os critérios normalizados são ultrapassados, preservando a qualidade de vida da população local e o descanso dos turistas.

Para a realização do mapa acústico da região, foram utilizados os dados de medição do nível de ruído apresentados por Brito e Barbosa (2014). Fizeram-se avaliações em 15 locais selecionados, por representar as principais fontes sonoras da região. Em cada um desses locais houve oito medições, com 15 minutos de duração cada, sendo quatro em dias úteis (duas no período matutino e duas no vespertino) e quatro em feriados e fins de semana (duas no período matutino e duas no vespertino), totalizando 120 minutos de avaliação em cada local. O equipamento utilizado foi um medidor de pressão sonora tipo II, com circuito de compensação “A” e resposta rápida, que atende aos requisitos da Norma Brasileira (NBR) 10151 (ABNT, 2000). A curva de compensação “A” visa simular a resposta do ouvido humano exposto ao ruído. Posicionou-se o aparelho em um tripé a 1,20 m do solo e a pelo menos 1,50 m de superfícies rígidas, com o protetor de vento acoplado ao microfone. As medições também seguiram os procedimentos da NBR 10151 (ABNT, 2000). Os pontos de medição são apontados na Figura 2. Eles foram selecionados por ficarem mais próximos aos receptores mais sensíveis, como escolas e residências.

Figura 2:
Vista do modelo utilizado para as análises com a localização dos pontos de medição.

O software usado para a modelagem foi o SoundPLAN 7.3. Com ele, é possível inserir os resultados obtidos nas medições e todos os objetos urbanos como edifícios, ruas, avenidas, praças e fontes de ruído presentes na região, conforme ilustrado na Figura 2. Considerou-se na modelagem que as edificações com apenas um pavimento têm altura de 3,2 m, as com dois pavimentos, 6,4 m, e aquelas com três pavimentos, 9,6 m.

Os níveis de ruído previamente obtidos foram inseridos no software na forma de fontes lineares, ligadas ao tráfego, ou fontes pontuais, ligadas às atividades de entretenimento. O software faz a avaliação da propagação da energia sonora por todo o ambiente, sendo possível identificar as zonas mais impactadas e as mais silenciosas, tanto nos dias úteis como nos fins de semana e feriados. O software também possibilita operações matemáticas entre dois cenários, como, por exemplo, a subtração entre a simulação da paisagem sonora nos feriados e nos dias úteis, o que indica a elevação ou não do nível de ruído, bem como a subtração entre a situação simulada e o critério indicado pela normalização.

RESULTADOS

As Figuras 3 e 4 ilustram a paisagem sonora nos dias úteis e feriados, respectivamente. Assim, é possível visualizar o nível de ruído ambiente tanto nas ruas, praças e avenidas como nas partes internas das quadras e quintais das residências, onde o acesso é restrito.

Figura 3:
Mapa acústico com o nível de ruído ambiente em dias úteis.

Figura 4:
Mapa acústico com o nível de ruído ambiente em feriados.

Pode-se observar a predominância de regiões mais escuras na Figura 4, tanto nas vias de circulação quanto no meio das quadras, o que indica a elevação do nível de ruído em relação aos dias úteis, representados na Figura 3.

A Figura 5 apresenta a subtração do ruído ambiente no cenário simulado nos dias úteis (Figura 3) e no cenário simulado nos feriados (Figura 4), de maneira que se visualiza o acréscimo no nível de ruído ambiente por conta das atividades de entretenimento. Observa-se a zona mais escura, com acréscimo superior a 10 dB(A), como a Rua Macedo Soares, por exemplo, que corta o bairro em que estão localizados restaurantes e centros de compras e também pousadas, hotéis e algumas residências.

Figura 5:
Mapa acústico considerando o acréscimo no nível de ruído em relação aos dias úteis devido ao ruído gerado nos feriados.

A Praça do Capivari, onde ficam restaurantes e ocorrem apresentações musicais, possui a mesma condição, assim como a Rua Camilo de Moraes e a Rua Roberto Jefer, estas utilizadas como rota de retorno para o centro da cidade, semelhantes ao uso da Rua Macedo Soares. Nas travessas da Rua Macedo Soares e da Rua Camilo de Moraes e na Rua Roberto Jefer existem residências e pousadas expostas a esse elevado índice de ruído. A Rua Vitor Godinho não tem restaurantes nem bares, nem compõe a rota de retorno do bairro, mas apresenta elevação no nível de ruído superior a 6 dB(A), em virtude da energia sonora gerada em toda a região, que se propaga entre os edifícios e as ruas. Na parte interna das quadras, ou seja, nos quintais das residências e pousadas, o acréscimo no nível de ruído também é elevado, o que afeta diretamente os cidadãos no seu momento de descanso. Portanto, o mapa acústico indica a elevação do ruído ambiente em toda a região analisada, mostrando que as atividades de entretenimento são capazes de contaminar a paisagem sonora de grande parte do bairro, e não somente onde acontecem.

Segundo Esteves et al. (2013), em certas situações, como no caso da elevação do ruído ambiente, a atividade turística pode se autoprejudicar, já que o incômodo gerado pelos próprios turistas é capaz de afugentar novos turistas. Consideram-se também as conclusões de Brandt e Maennig (2011) e Łowicki e Piotrowska (2015), que indicam a desvalorização imobiliária de edificações próximas às zonas com ruído ambiente acima do critério normalizado, já que a população procura locais mais confortáveis e salubres para morar e descansar. Ou seja, a falta do planejamento urbano adequado prejudica a atividade econômica que dá sustentação à cidade ao permitir a proximidade de atividades com elevado potencial gerador de ruído, como o tráfego de veículos e o entretenimento em geral, das áreas residenciais. Destaca-se ainda o efeito danoso às pessoas sujeitas a níveis de ruído inadequados no horário de descanso.

A NBR 10151 (ABNT, 2000) determina que o nível de ruído ambiente não deve ultrapassar 50 dB(A) em áreas residenciais, escolas e hospitais e 65 dB(A) em áreas voltadas à recreação, no período diurno. A Vila Capivari possui os dois tipos de ocupação, tanto de residências, de cidadãos locais e turistas, pousadas e hotéis, como de bares, restaurantes e apresentações musicais ao ar livre, de maneira que há diferença de 15 dB(A) no critério para regiões próximas entre si. Na região analisada não há presença de hospitais nem postos de saúde, mas sim casas de repouso para idosos, além de pousadas, hotéis e escolas. As Figuras 6 e 7 ilustram o acréscimo no nível de ruído em relação ao critério de 50 dB(A). Ressalta-se que este índice, 50 dB(A), é superior ao sugerido por outras referências internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2009), o que agrava ainda mais a situação; o valor adotado na maioria dos países europeus é de 45 dB(A) (ÖHRSTROM et al., 2006).

Figura 6:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em dias úteis em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais.

Figura 7:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais.

Nos dias úteis (Figura 6), perto das avenidas principais, observa-se que o nível de ruído ambiente é da ordem de 10 dB(A) acima do normalizado, porém no meio do bairro e nas partes internas das quadras, onde há ocupação residencial, o critério sofre acréscimo de 2 a 4 dB(A). Essa situação é ocasionada pela utilização de vias internas no bairro, como a Rua Macedo Soares, para compor um sistema binário com a avenida de acesso para retorno ao centro da cidade, elevando o fluxo de tráfego. O mapa acústico, nesse caso, possibilita identificar o impacto na qualidade de vida dos cidadãos em razão do sistema viário mal planejado.

Já nos feriados (Figura 7), mesmo na parte interna do bairro, o critério é ultrapassado em mais de 10 dB(A), e no meio das quadras em cerca de 8 dB(A), o que mostra que a conurbação de residências, hotéis e pousadas com restaurantes e bares torna o ambiente inadequado ao descanso tanto para os cidadãos locais quanto para os turistas.

O mapa acústico permite a aproximação da imagem para melhorar a qualidade da informação. Nas Figuras 8 e 9, em uma área de ocupação apenas residencial, pode-se ver o afastamento entre as edificações, que possuem grandes áreas verdes no entorno voltadas para o lazer, nas residências de cidadãos locais e também nas de turistas e pousadas. Salienta-se que as residências não têm muros de alvenaria, e sim cercas vegetais, o que dá amplitude ao espaço urbano, mas ao mesmo tempo expõe os ocupantes a elevados índices de ruído. Essa é uma das situações citadas por Ariza-Villaverde, Jiménez-Hornero e de Ravé (2014) em que a morfologia urbana pode favorecer ou não a propagação da energia sonora. Nesse caso, ela favorece o incômodo à população em geral. Nos feriados e fins de semana, o nível de ruído se eleva de 8 a 10 dB(A) acima do critério normalizado. Nota-se ainda que as fachadas das edificações são expostas a níveis de ruído acima de 12 dB(A) em relação ao normalizado.

Figura 8:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em dias úteis em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais.

Figura 9:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais.

A ausência do estudo de propagação do ruído gerado pelos veículos que trafegam por ruas e avenidas prejudica a qualidade do meio urbano, principalmente quando elas atravessam as zonas residenciais (BRANDT & MAENNIG, 2011), mesmo nos dias úteis, fato que deveria ser previsto no planejamento do local. O excesso de ruído, como, por exemplo, na praça localizada na parte inferior das Figuras 8 e 9, não deveria acontecer, já que se trata de um espaço de descanso e de convivência dos cidadãos. Agrava-se ainda o fato de o nível de ruído ambiente ser maior nos feriados e fins de semana, quando o lugar é mais procurado.

As Figuras 10 e 11 ilustram com imagem aproximada a região de entorno da Praça do Capivari (à direita), onde há a maior concentração de bares e restaurantes. É possível observar a contaminação que tais atividades promovem no conforto acústico da zona residencial do bairro (à esquerda). Caso seja considerado o critério de zonas residenciais o de 50 dB(A), constata-se que há a elevação do nível de ruído de cerca de 6 a 8 dB(A) no meio das quadras, ou seja, na área externa das residências e pousadas voltadas para o descanso e lazer, como os quintais e quiosques. Nas fachadas frontais das edificações o acréscimo é superior a 12 dB(A). Levando em conta o critério de áreas voltadas para a recreação (Figura 10), o ruído ambiente seria adequado em praticamente todo o local.

Figura 10:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais.

Figura 11:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 65 dB(A) para áreas de entorno da Praça Capivari.

Segundo Klæboe et al. (2004), níveis de ruído ambiente de cerca de 50 dB(A) podem ser considerados incômodos por 25% da população. Tendo em vista o acréscimo de 8 dB(A) nas áreas externas das edificações e meios de quadra, essa parcela eleva-se a 47% e, caso haja o acréscimo de 12 dB(A), como nas fachadas, o índice chega a 60%. Isso evidencia que, quando não se pensa no parâmetro de ruído no planejamento urbano, a população pode estar exposta a situações desconfortáveis e insalubres, com clara deterioração do meio ambiente.

Fica claro, analisando o mapa acústico, que zonas residenciais com critério de 50 dB(A) não podem estar ao lado de zonas de recreação, com critério de 65 dB(A). Isto é, deveria ser prevista no planejamento urbano uma região intermediária de uso misto para que duas atividades tão antagônicas, como o descanso e o entretenimento, não ficassem tão próximas.

Na Figura 11, na parte superior à direita, vê-se a elevada energia sonora gerada pela Praça do Capivari durante as apresentações musicais. Observa-se também que os edifícios que circundam a praça funcionam como uma barreira à propagação das ondas sonoras para a parte residencial do bairro. Caso não existissem, a paisagem sonora poderia ser mais desconfortável. Weber, Haase e Franck (2014) já haviam previsto tal situação, em que os edifícios podem também ter a função de barreiras que direcionam a energia sonora para áreas menos habitadas - nesse caso, para as áreas já impactadas pelas atividades de entretenimento.

O mapa acústico também pode ser utilizado como ferramenta de simulação para a melhoria da paisagem sonora em uma região e avaliação de impactos ambientais. Para a redução da energia sonora causada pelo tráfego, pode-se inibir a circulação de veículos na área residencial do bairro criando uma rota alternativa de retorno para o centro da cidade. Por exemplo, é possível inverter a direção de tráfego da Rua Macedo Soares, que forma o binário com a avenida principal de acesso. Com isso, os veículos que se dirigem ao centro teriam de usar as avenidas destinadas para essa rota, que circundam a área voltada para o entretenimento e dão acesso direto à Avenida José de Oliveira Damas. O resultado é apresentado na Figura 12. Nela, constata-se a redução da energia sonora ali gerada, principalmente nas áreas centrais das quadras. A redução ocorre não somente na rua onde foi alterada a direção do fluxo de tráfego, mas também nas travessas e ruas paralelas. A imagem aproximada da Figura 13 confirma tal situação com a redução do nível de ruído na praça e áreas residenciais. Nesse caso, foi considerado o fluxo de veículos nos fins de semana e feriados, que é mais intenso.

Figura 12:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais com a inversão de mão das ruas do bairro.

Figura 13:
Mapa do acréscimo do nível de ruído ambiente em feriados em relação ao critério normalizado de 50 dB(A) para áreas residenciais com a inversão de mão das ruas do bairro.

CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou a utilidade e necessidade do mapa acústico no planejamento urbano, fato ainda pouco comum no Brasil. Apontou também a influência da paisagem sonora na qualidade de vida da população local e dos turistas que procuram a cidade para o descanso.

O mapa acústico antecipa algumas situações que podem ser dificilmente constatadas, como o nível de ruído nas áreas particulares das residências, o que nem sempre é capaz de ser acessado para medição, por exemplo. É possível também simular a distribuição das edificações nas quadras para conformar a paisagem sonora como desejada, evitando impactos ambientais danosos ao meio ambiente.

O mapa acústico pode também melhorar a qualidade de vida da população, indicando o recuo necessário entre as vias de tráfego e as edificações e as melhores rotas para reduzir o nível de ruído em zonas residenciais, praças e parques, para que não haja o conflito de expectativas da população. Outras atividades geradoras de ruído também podem ser simuladas, como indústrias e atividades de entretenimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2017
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2015
  • Aceito
    07 Out 2016
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