Acessibilidade / Reportar erro

Viabilidade da aplicação do método respirométrico de Bartha para determinação da biodegradação de poluentes ou resíduos em latossolos

Feasibility of application of Bartha's respirometric method to determine biodegradation of pollutants or wastes in latosoils

Resumos

Para avaliar a possibilidade de biorremediação em áreas contaminadas, é necessário determinar a biodegradação dos poluentes no solo. Para esta determinação, emprega-se comumente no Brasil, o método respirométrico de Bartha, adaptado de uma norma holandesa. Porém, os solos tropicais possuem características bem diferentes dos solos de regiões de clima temperado. Neste trabalho, foi estudada a aplicabilidade de tal método para um latossolo, tipo de solo predominante no Estado de São Paulo. A partir dos resultados obtidos, foi possível verificar que reações abióticas geram gás carbônico em quantidades significativas. Constatou-se, também, a dificuldade de esterilização do solo em autoclave, o que impossibilita a avaliação da remoção dos poluentes por outros mecanismos ou a biodegradação dos mesmos por microrganismos exógenos somente. Portanto, não se recomenda a aplicação do teste respirométrico de Bartha para a determinação da biodegradabilidade de poluentes em latossolos.

Respirômetro de Bartha; respiração do solo; latossolos; reações abióticas; esterilização


One of the major parameters that influence the feasibility of using bioremediation in contaminated sites is the biodegradability of the compounds of concern. The Bartha's respirometric method, adapted from a Dutch norm, is a common method used in Brazil to determine such biodegradability. However, tropical soils present different characteristics as compared to soils from regions of temperate climate. In this research, its applicability was studied for a latosoil, which is the predominant soil type in São Paulo State, Brazil. Based on the results of this study, it can be concluded that abiotic reactions in latosoil generated carbonic gas in significant concentrations. Furthermore, this research verified the difficulty of sterilizing the soil, which would make it difficult to evaluate the removal of contaminants by other mechanisms or the biodegradation by exogenous microorganisms. Therefore, the application of Bartha’s respirometric method is not recommended to determine the biodegradability of pollutants in latosoils.

Bartha’s respirometer; soil respiration; latosoils; abiotic reactions; sterilization


ARTIGO TÉCNICO

Viabilidade da aplicação do método respirométrico de Bartha para determinação da biodegradação de poluentes ou resíduos em latossolos

Feasibility of application of Bartha's respirometric method to determine biodegradation of pollutants or wastes in latosoils

Gabriela Sá Leitão de MelloI; Dione Mari MoritaII; Sidneide ManfrediniIII; Irma Nelly Gutierrez RiveraIV

IEngenheira sanitarista pela Escola de Engenharia Mauá. Mestre em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Docente da Escola de Engenharia Mauá e da Fundação Santo André

IIEngenheira civil pela Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie. Doutora em engenharia hidráulica e sanitária pela Universidade de São Paulo. Docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

IIIEngenheira agrônoma pela Faculdade de Agronomia de Jaboticabal - UNESP. Mestre em energia nuclear na agricultura pelo CENA- ESALQ -USP. Doutora em solos e nutrição mineral de plantas pela ESALQ-USP. Docente do Departamento de Geografia da FFLCH-USP

IVFarmacêutica. Doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo. Docente do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gabriela Sá Leitão de Mello Departamento de Engenharia Civil e Ambiental - Escola de Engenharia Mauá Praça Mauá, 1 - Bairro Mauá 09580-900 São Caetano do Sul - SP - Brasil Tel.: (11) 4437-3889 E-mail: gabrielamello@maua.br

RESUMO

Para avaliar a possibilidade de biorremediação em áreas contaminadas, é necessário determinar a biodegradação dos poluentes no solo. Para esta determinação, emprega-se comumente no Brasil, o método respirométrico de Bartha, adaptado de uma norma holandesa. Porém, os solos tropicais possuem características bem diferentes dos solos de regiões de clima temperado. Neste trabalho, foi estudada a aplicabilidade de tal método para um latossolo, tipo de solo predominante no Estado de São Paulo. A partir dos resultados obtidos, foi possível verificar que reações abióticas geram gás carbônico em quantidades significativas. Constatou-se, também, a dificuldade de esterilização do solo em autoclave, o que impossibilita a avaliação da remoção dos poluentes por outros mecanismos ou a biodegradação dos mesmos por microrganismos exógenos somente. Portanto, não se recomenda a aplicação do teste respirométrico de Bartha para a determinação da biodegradabilidade de poluentes em latossolos.

Palavras-chave: Respirômetro de Bartha, respiração do solo, latossolos, reações abióticas, esterilização.

ABSTRACT

One of the major parameters that influence the feasibility of using bioremediation in contaminated sites is the biodegradability of the compounds of concern. The Bartha's respirometric method, adapted from a Dutch norm, is a common method used in Brazil to determine such biodegradability. However, tropical soils present different characteristics as compared to soils from regions of temperate climate. In this research, its applicability was studied for a latosoil, which is the predominant soil type in São Paulo State, Brazil. Based on the results of this study, it can be concluded that abiotic reactions in latosoil generated carbonic gas in significant concentrations. Furthermore, this research verified the difficulty of sterilizing the soil, which would make it difficult to evaluate the removal of contaminants by other mechanisms or the biodegradation by exogenous microorganisms. Therefore, the application of Bartha’s respirometric method is not recommended to determine the biodegradability of pollutants in latosoils.

Keywords: Bartha’s respirometer, soil respiration, latosoils, abiotic reactions, sterilization.

INTRODUÇÃO

Os processos industriais, que introduzem no mercado novos produtos a cada dia, lançam diversos poluentes na água, no ar e no solo. Esses poluentes alteram as características desses meios, restringindo seus usos e oferecendo riscos ao meio ambiente e à saúde da população.

As preocupações com a qualidade do ar e das águas são mais antigas que as com os solos contaminados, que somente apareceram no final da década de 1970. Assim, a proteção do solo foi a última ação abordada na legislação dos países desenvolvidos. No Brasil, apesar dos problemas com a contaminação do solo terem surgido na década de 1990, ainda não existe legislação específica sobre áreas contaminadas (CETESB, 2001).

Um diagnóstico preliminar do Ministério da Saúde, realizado entre 2001 e 2003, indicou a existência de 15.237 áreas potencialmente contaminadas no país, entretanto, um diagnóstico confirmatório identificou a existência de 689 áreas potenciais e efetivas com populações expostas ou sob risco de exposição a solos contaminados. Atualmente, este número é de 703 (BRASIL, 2006).

De acordo com levantamento realizado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) em 2006, foram identificadas 1.664 áreas contaminadas no Estado de São Paulo. Destas, somente 32 já tiveram sua remediação concluída, 773 estão com o processo em andamento ou possuem proposta para a remediação e 859 aguardam a definição desta proposta (CETESB, 2006). Os processos de remediação que foram ou estão sendo aplicados são a remoção da fase livre, de resíduos ou de solo contaminado; o bombeamento e o tratamento da água subterrânea; a extração de gases; a aplicação de barreira hidráulica ou geotécnica e a extração multifásica. A biorremediação está sendo implantada em apenas 26 áreas contaminadas.

Por biorremediação entende-se o uso de microrganismos, nativos ou não, para a degradação de contaminantes orgânicos (Fernandes e Alcântara, 1998). No Brasil, faltam dados sobre a biodegradação desses compostos em solos tropicais, que possuem características bem diferentes dos solos de regiões de clima temperado. Um dos métodos que pode ser utilizado para esta determinação é o respirométrico de Bartha. O procedimento é padronizado pela norma brasileira NBR 14283 (ABNT,1999) e é comumente aplicado no Brasil para determinar a respiração microbiana e indiretamente, a biodegradação de poluentes e resíduos no solo. O objetivo do presente trabalho não foi avaliar a biodegradação de contaminantes específicos, mas a viabilidade da aplicação deste método em latossolos.

MATERIAL E MÉTODOS

Coleta e caracterização da amostra de solo

A amostra para os ensaios de respirometria foi coletada numa profundidade de aproximadamente 10 a 15 cm da superfície, em uma mancha de Latossolo Vermelho, derivado de alterita de gnaisse, localizado à altura do quilômetro 40 da Rodovia Raposo Tavares, município de Vargem Grande, em São Paulo. A caracterização do solo foi feita através da descrição morfológica no campo e coleta de amostras para realização de análises para fins de classificação. Os métodos analíticos utilizados foram:

• Extração pela resina trocadora de íons, para determinação dos teores de P, K, Ca, e Mg;

• Extração com KCl 1N, para determinação do teor de Al;

• Extração com acetato de amônio 0,5N em ácido acético 0,25 N, para a determinação do teor de S-SO42-;

• Extração DTPA – TEA a pH 7,3, para determinação dos teores de Cu, Fe, Mn, Zn e

• Ataque sulfúrico, para determinação dos teores de Si, Al, Ti, Fe, Mn.

Estes procedimentos são padronizados e encontram-se descritos no Manual de Análise do Instituto Agronômico de Campinas (RAIJ et al, 2001) e no Manual de análises da Embrapa (EMBRAPA, 1999). Antes da realização das análises, as amostras foram previamente secas, destorroadas e peneiradas em malha de 2,0 mm de abertura.

A contagem de organismos heterotróficos indígenas e esporulados foi realizada de acordo com a Norma L5.201 da CETESB (CETESB, 1996).

Amostras dos quatro primeiros horizontes do perfil do solo também foram encaminhadas ao Laboratório de Caracterização Tecnológica do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) para realização das análises por difratometria de raios X, efetuada através do método do pó e, semi-quantitativa por fluorescência de raios X.

No ensaio de difratometria de Raios X (método do pó), a amostra de solo foi quarteada para a obtenção de uma fração de aproximadamente 20 g. Em seguida, foi reduzida granulometricamente para aproximadamente mesh 200 e uma alíquota entre 1 e 3 g foi compactada em uma cavidade de 27 mm de diâmetro por 2,5 mm de profundidade de um suporte metálico. Posteriormente, foi introduzida num difratômetro.

A metodologia do ensaio de fluorescência de Raios X incluiu as etapas de secagem e quarteamento das amostras para a obtenção de uma fração de aproximadamente 50g; redução granulométrica para aproximadamente mesh 400; compactação do pó em prensa de 20 toneladas e introdução da amostra compactada no equipamento de fluorescência de Raios X.

As determinações da densidade aparente, da umidade residual, da capacidade de campo, do pH e da curva de neutralização da amostra de solo foram realizadas de acordo com a Norma NBR 14283 (ABNT,1999).

A análise granulométrica foi feita segundo procedimento padrão da EMBRAPA (1997).

Respirômetro de Bartha

O respirômetro é um sistema fechado, constituído de duas câmaras interligadas (Figura 1), onde ocorrem, na primeira, a biodegradação dos compostos orgânicos por microrganismos nativos ou introduzidos no solo e a produção do gás carbônico, que é transferido para a segunda câmara, onde se dissolve numa solução de hidróxido de potássio. A quantificação do gás carbônico é feita regularmente pela retirada e titulação da solução de hidróxido de potássio, mostrando assim o comportamento da atividade microbiana.


Quantificação do gás carbônico produzido na biodegradação

A medição da produção de CO2 foi realizada através da titulação da solução de hidróxido de potássio (KOH), onde o CO2 estava dissolvido, com solução de ácido clorídrico (HCl).

Para a titulação, foram adicionadas 2 gotas de fenolftaleína e 1 mL de solução de cloreto de bário (BaCl2) 0,1 M em béquer.

A solução de KOH contendo CO2 foi retirada do respirômetro de Bartha com uma seringa de 20 mL. Para isto, a rolha de borracha do filtro de cal soldada foi removida e a válvula para entrada de oxigênio no respirômetro, aberta.

A solução de KOH foi introduzida no béquer contendo a fenolftaleína e a solução de cloreto de bário. Foram realizadas três lavagens do braço lateral do respirômetro com 10 mL de água destilada isenta de CO2. Imediatamente após estas lavagens, foi feita a titulação da solução de KOH com a de HCl (0,1 M). A quantidade de ácido necessária para a viragem da coloração rosa para incolor era anotada e uma nova solução de KOH era reposta imediatamente no respirômetro de Bartha.

Para cada ensaio, foi realizada a prova em branco em um béquer contendo 10 mL de solução de KOH (0,1 M), 2 gotas de fenolftaleína, 1 mL de solução de cloreto de bário (1 M) e 30 mL de água destilada isenta de CO2.

A produção de gás carbônico no respirômetro foi calculada pela seguinte expressão:

onde:

A= volume de solução de HCl 0,1 M gasto para titular a solução do KOH da prova em branco, em mL

B= volume de solução de HCl 0,1 M gasto para titular a solução de KOH do respirômetro com o solo, em mL

50= fator para transformar equivalente em umol de CO2

0,044 = fator para transformar umol de CO2 em mg de CO2

fHCl = fator de solução de HCl 0,1 M

Foi construído um gráfico para representar a quantidade de CO2 produzida em função do tempo de incubação.

Ensaios para averiguar a estanqueidade do respirômetro

Para investigar se poderia haver algum tipo de infiltração de gás carbônico no sistema, um respirômetro foi montado somente com a solução de hidróxido de potássio no braço direito, sem a amostra de solo. As titulações foram efetuadas freqüentemente e em todas elas não foi detectado gás carbônico. Os resultados mostraram que o sistema de vedação no respirômetro era eficiente.

Ensaios de respirometria

No primeiro ensaio, a amostra de solo foi seca ao ar, peneirada numa malha de 2,0 mm de abertura e esterilizada em autoclave por 30 minutos a 121º C. A seguir, foi realizada contagem de bactérias heterotróficas e esporulados. Uma alíquota de 50 g desta amostra de solo estéril foi colocada no respirômetro. A seguir, 18,55 mg de (NH4)2SO4 ; 4,44 mg de K2HPO4; 600 mg de CaCO3 e 15,60 g de água foram adicionados. O conteúdo foi homogeneizado com o auxílio de uma espátula e vedado cuidadosamente, para impedir a entrada de gás carbônico. Monitorou-se a geração de CO2 durante 90 dias.

No segundo ensaio, a amostra de solo permaneceu em contato com o carbonato de cálcio, em cápsula de porcelana, durante sete dias, antes da montagem do respirômetro. A cápsula com a amostra de solo permaneceu em capela com o fluxo de ar ligado, para reduzir a contaminação microbiológica. O procedimento teve como objetivo a estabilização mais rápida do carbonato de cálcio dentro do respirômetro.

O terceiro ensaio seguiu os mesmos procedimentos do 1 e 2, mas sem a adição de carbonato de cálcio.

Como houve geração de gás carbônico nos testes 1, 2 e 3, no momento de desmontar os respirômetros dos dois primeiros testes, no final do monitoramento, foram coletadas amostras do solo para contagem das bactérias heterotróficas.

Com o objetivo de melhorar a eficiência da esterilização e investigar melhor a geração de gás carbônico devida aos fatores abióticos, foram feitas de 2 até 6 esterilizações nas amostras de solo. No intervalo entre uma e outra esterilização, a amostra de solo ficava exposta ao ar de um dia para o outro. Este procedimento teve como finalidade a eclosão dos esporulados que poderiam resistir à esterilização. Após a última esterilização, foram retiradas duas amostras de solo: uma para determinar a umidade e outra para a contagem das bactérias heterotróficas e dos esporulados. O restante era guardado em câmara fria, numa embalagem plástica fechada hermeticamente, até o momento da montagem dos respirômetros. Cabe ressaltar que os respirômetros também foram esterilizados. Os ensaios foram feitos em duplicata. O monitoramento desses respirômetros também mostrou geração de gás carbônico em quantidades semelhantes às dos testes 1 e 2, independente do número de esterilizações. Assim, no momento da desmontagem dos respirômetros, foram coletadas amostras de solo para a contagem das bactérias heterotróficas e dos esporulados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Classificação e caracterização do solo estudado

A Tabela 1 mostra a descrição morfológica realizada no campo para os diversos horizontes de solo identificados.

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos nas análises químicas para fins de classificação das oito amostras de solo.

O latossolo é um tipo de solo desenvolvido a partir de material submetido à intensa intemperização, resultando num empobrecimento em sílica e num importante acúmulo de ferro. O valor de Ki, apresentado na Tabela 2, indica a perda absoluta de sílica, devendo ser, para os latossolos, menor que 2,2, condição verificada em todos os horizontes analisados. O Kr representa o acúmulo relativo de ferro e se for menor ou igual a 0,75, como verificado na maioria dos horizontes analisados, tem-se um solo oxídico, caracterizando um latossolo (EMBRAPA, 1999).

O valor de V (%) define se o solo é eutrófico ou distrófico. Se este valor for menor que 50%, ele é distrófico. Pode-se observar que o solo estudado é altamente distrófico, com exceção da amostra 6, que foi coletada de um canal biológico formado no horizonte B21. Os altos valores de V e de Ca, obtidos para esta amostra, podem indicar provável calagem do solo.

O caráter álico, definido por valores de M maiores que 50%, reflete a saturação das cargas superficiais das argilas, por íons Al3+.

Nos latossolos, a relação silte/argila deve ser menor que 0,6, indicando um solo de alto grau de intemperismo, já que a fração silte é constituída por minerais primários. Na análise granulométrica, foi obtida a relação de 0,36 para o B21.

Além disso, os latossolos devem apresentar pouca diferenciação entre seus horizontes, que pode ser verificada nos resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2.

Portanto, dos resultados obtidos da descrição morfológica realizada no campo e das determinações feitas para fins de caracterização no Laboratório do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e no Laboratório de Pedologia da Faculdade de Geografia, ambos da Universidade de São Paulo, conclui-se que o solo estudado pode ser classificado em Latossolo Vermelho-Escuro, de textura argilosa e álico.

Os resultados obtidos nas análises por difratometria de raios X das quatro amostras de solo indicaram a presença predominante das seguintes fases cristalinas: quartzo (SiO2), Gibsita (Al(OH)3), Hematita (Fe2O3), Anatásio (TiO2), Caulinita (Al2Si2O5(OH)4) e Cristobalita (SiO2).

Os resultados obtidos na análise química semiquantitativa por fluorescência de raios X estão apresentados na Tabela 3.

Na caracterização microbiológica, foi realizada a contagem das bactérias heterotróficas, utilizando o método de contagem em placas antes e após a esterilização do solo. O número de unidades formadoras de colônia por grama de solo foi de 3,3 x 105, valor na mesma ordem de grandeza daqueles encontrados por Batista, Ruivo e Oliveira (2005) – 104 UFC/g de solo em amostras de latossolo amarelo e Melloni et al (2001), 106 e 107 UFC/g de solo em amostras de cambissolo e de solo podzólico vermelho-amarelo, respectivamente. Como esperado, a amostra de solo esterilizado não apresentou crescimento.

A capacidade de campo foi de aproximadamente 59%; a densidade aparente, de 0,80 g/cm3 e a umidade antes da esterilização, 17% e após, 19%.

Diferentemente do solo de clima temperado, o solo tropical apresenta baixo valor de pH (Ranzani, 1969; Sposito, 1989; Oliveira, 1999 e EMBRAPA, 1999). A amostra de solo coletada apresentou pH de 4,5 e, na obtenção das curvas de neutralização (Figura 2), utilizando-se carbonato de cálcio, foi observada sua propriedade tampão, ou seja, resistência à variação do pH, sendo necessárias grandes quantidades de carbonato de cálcio para atingir pH igual a 7,0 (0,6g de carbonato de cálcio em 50g de solo seco). Estes resultados corroboram com os encontrados por Ribeiro et al (1996), Alvarez et al (1996) e Moniz (1972).


Ensaios de respirometria

A Figura 3 mostra a geração acumulada de gás carbônico ao longo dos 90 dias no respirômetro do ensaio 1.


A curva obtida mostra maior geração de gás carbônico nos primeiros 15 dias. Como o solo foi esterilizado e não foram detectadas unidades formadoras de colônia, não era esperada esta geração de gás carbônico.

Apesar de não terem sido detectadas unidades formadoras de colônia de bactérias heterotróficas na amostra de solo no tempo inicial, a coletada após 3 meses de incubação apresentou crescimento em todas as diluições. Após 72 horas de incubação, havia a presença de mais de 1,6 x 105 UFC/g de solo. Portanto, mesmo não adicionando microrganismos e esterilizando o solo, as condições favoráveis existentes no respirômetro possibilitaram o crescimento de microrganismos, que resistiram ao processo de esterilização em autoclave e não foram detectados na contagem do tempo inicial. Entretanto, este crescimento não explicaria a grande quantidade de gás carbônico gerada nos primeiros dias de monitoramento. Suspeitou-se que parte desta quantidade fosse devida à introdução do carbonato de cálcio para a correção do pH. Desta forma, foi realizado um outro ensaio, onde a amostra de solo permaneceu em contato com o carbonato de cálcio, em cápsula de porcelana, durante sete dias antes da montagem do respirômetro, para que ocorresse o equilíbrio de carbonatos. Porém, mesmo adotando este procedimento, houve a geração de gás carbônico em quantidades próximas às do primeiro ensaio, como mostra o gráfico da Figura 4. Assim como no ensaio 1, foram detectadas elevadas densidades de bactérias heterotróficas no final do período de incubação.


Nos dois primeiros ensaios, foi possível verificar que a fonte principal de geração inicial do gás carbônico não era a atividade microbiológica, mas reações químicas ocorridas no solo, pela presença de grandes quantidades de carbonato de cálcio, necessárias para neutralizar o pH. De acordo com Harris (1999), o carbonato de cálcio não é muito solúvel em solução neutra ou básica, porém ele dissolve-se rapidamente em solução ácida, como a dos solos tropicais úmidos, devido à ocorrência de duas reações, onde o produto da primeira é o reagente da segunda.

Quanto menor o valor do pH, maior a taxa de dissolução do carbonato de cálcio (Stumm, 1992).

O bicarbonato (HCO3-), resultante da segunda reação, reage com o H+ presente na fase líquida do solo, formando água e, conseqüentemente, neutralizando-a. Nesta reação, ocorre o desprendimento do gás carbônico.

Outra reação que pode representar a neutralização de um solo ácido com carbonato de cálcio é a apresentada a seguir, onde os íons H+ e Al3+ são trocados pelo cálcio, o alumínio é precipitado como hidróxido e o gás carbônico é desprendido (Ribeiro et al, 1996).

O gráfico da Figura 5 mostra a geração de gás carbônico para os ensaios sem a adição de carbonato de cálcio. Pode-se observar que a quantidade de gás carbônico gerada é aproximadamente a metade daquela obtida nos dois primeiros ensaios.


O gráfico da Figura 6 mostra as quantidades de gás carbônico geradas nos ensaios 1, 2 e 3. Considerando que no ensaio 1, o carbonato de cálcio foi adicionado no momento da montagem do respirômetro e no 2, uma semana antes, a diferença entre as duas curvas indica a quantidade de gás carbônico liberada nos sete dias, período no qual ocorrem as reações de equilíbrio de carbonatos segundo a NBR 14283 (BRASIL, 1999). Na ensaio 3, o carbonato de cálcio não foi adicionado, mas ainda foi verificada a geração de gás carbônico (proveniente da hidrólise do carbonato existente no solo), porém em quantidades muito menores. A diferença entre as curvas dos ensaios 2 e 3 indica que o equilíbrio dos carbonatos no solo continua ocorrendo após os sete dias. A partir dos resultados apresentados, pode-se observar que parte do gás carbônico gerado nos ensaios deve-se às reações de equilíbrio do carbonato de cálcio adicionado à amostra de solo, para acertar o pH.


Numa quarta série de ensaios, foram feitas de 2 até 6 esterilizações por autoclavação de 30 minutos à 121ºC, antes da montagem dos respirômetros. O monitoramento mostrou que, independentemente do número de esterilizações, as quantidades acumuladas de gás carbônico, gerado em todos os respirômetros, eram próximas e semelhantes às dos ensaios 1 e 2, como mostra a Figura 7.


Na contagem das bactérias heterotróficas das amostras de solo no tempo inicial, foram encontradas unidades formadoras de colônia somente na amostra do solo esterilizado seis vezes. O valor obtido foi de 1,0 x 102 UFC/g de solo, após 72 horas de incubação. Nas outras quatro amostras, correspondentes ao solo esterilizado duas, três, quatro e cinco vezes, as densidades de microrganismos heterotróficos foram inferiores a 10 UFC/g de solo (limite de detecção do método). Não se observou crescimento de esporulados nestas amostras após 24 horas, mas após 96 horas, as densidades foram de 1,0 a 6,0 x 102 UFC/g de solo.

Na contagem das bactérias heterotróficas das amostras de solo, coletadas no final do período de monitoramento, foram obtidas de 103 a 105 UFC/g de solo após 72 horas de incubação e não estiveram relacionadas ao número de esterilizações e à produção de gás carbônico. Na contagem dos esporulados das mesmas amostras, foram verificadas unidades formadoras de colônia somente nas amostras que foram esterilizadas duas e três vezes. Os resultados obtidos após 96 horas foram, respectivamente, 1,0 x 102 e 1,0 x 103 UFC/g de solo.

Apesar de não terem sido detectadas unidades formadoras de colônia de bactérias heterotróficas nas amostras de solo no tempo inicial, elas poderiam estar presentes, já que o método da contagem possui uma limitação de detecção de 10 UFC/100g de solo e, de acordo com Tortora, Funke e Case (2000), o meio de cultura utilizado pode não atender às exigências necessárias de todos os microrganismos existentes no solo.

Além das limitações do método da contagem de bactérias heterotróficas, o crescimento, durante o período de incubação, pode ter ocorrido também porque os microrganismos podem ter sido protegidos fisicamente pelos argilominerais (Burns, 1979 apud Moreira, 2002) durante o processo de esterilização; não terem formado colônias no meio de cultura utilizado na contagem do tempo inicial; e terem crescido posteriormente nos respirômetros, devido às condições favoráveis existentes (presença de oxigênio, umidade, nutrientes e pH). Cabe ressaltar, também, que a distribuição dos microrganismos no solo não é homogênea e que o processo de esterilização em autoclave altera as características do solo, fazendo com que os microrganismos necessitem de um tempo para se adaptar às novas condições. Assim, o crescimento pôde ocorrer somente após 48 ou 72 horas.

CONCLUSÕES

A partir dos resultados obtidos no presente estudo, constatou-se que reações abióticas ocorridas no solo, principalmente as de equilíbrio do carbonato de cálcio, presente naturalmente ou adicionado para neutralizar o pH, geram gás carbônico, em quantidades significativas, especialmente em latossolos. Verificou-se ainda, neste trabalho, a dificuldade de esterilização do solo em autoclave, o que impossibilita a avaliação da remoção dos contaminantes por outros mecanismos, tais como volatilização, adsorção, fotólise, ou ainda a biodegradação por microrganismos exógenos somente. Portanto, o teste respirométrico de Bartha, desde que descontada a geração de gás carbônico devido às reações abióticas, indica a remoção dos poluentes de interesse no latossolo e não a sua biodegradação.

Recebido: 18/05/06

Aceito: 21/01/07

  • ALVAREZ, V.H.; MELLO, J.W.V.; DIAS, L. E. Acidez e calagem do solo. In: Fertilidade e manejo do solo. Brasília: ABEAS, 67p. (Módulo 4). 1996.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT – NBR 14283 Resíduos em solo – Determinação da biodegradação pelo método respirométrico, 1999.
  • BATISTA, E. B. S., RUIVO, M. L. P., OLIVEIRA, M. L. População microbiana em latossolo amarelo e terra preta arqueológica na Floresta Nacional de Caxiuanã, Estação Científica Ferreira Pena, Melgaço Pará. Disponível em: <www.cpatu.embrapa.br/ pub_res_exp/populaca_microbiana_em_latossolos_amarelo_ e_terra_preta_arqueologica_na_floresta_nacional_de_caxiuana.doc>. Acesso em: 07 abr. 2005.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigisolo: identificação de populações sob risco de exposição e priorização de áreas com populações expostas a solo contaminado. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/ portal/svs/visualizar_texto.cfm?idtxt=23900>. Acesso em: 30 jul. 2006.
  • COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (CETESB). Bactérias Heterotróficas – Contagem em placas: método de ensaio. Norma L5 201, São Paulo: CETESB, 26p. 1996.
  • ____. Manual de gerenciamento de áreas contaminadas / CETESB, GTZ. 2. ed. São Paulo, 2001.
  • ____. Relação de áreas contaminadas no Estado de São Paulo Disponível em: www.cetesb.sp.gov.br/ solo/areas_contaminadas/relacao_areas.asp Acesso em 05/02/2006.
  • EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos Rio de Janeiro, 412 p. 1999.
  • ____. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solos 2 ed. Rio de Janeiro, 212p. 1997.
  • FERNANDES, F. M., ALCÂNTARA, G. Z. Biorremediação de solos estado da arte Anais da II REUNIÃO NACIONAL DE MICROBIOLOGIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE, 1998. Disponível em www.ufsc.br/ccb/PDF/c2.PDF Acesso em: 07 abr. 2005.
  • HARRIS, D. C. Análise Química Quantitativa. 5a ed. Michelson Laboratory. China Lake, Califórnia. 862 p. 1999..
  • MELLONI, R.; et al. Características biológicas de solos sob mata ciliar e campo cerrado no Sul de Minas Gerais. 2001. Disponível em: <www.editora.ufla.br/ revista/25_1/art01.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2005.
  • MONIZ, A. C. Elementos de pedologia São Paulo: Editora Polígono, EDUSP, 1972.
  • MOREIRA, F. M. S. Microbiologia e bioquímica do solo. Lavras: Editora UFLAS, 625 p. 2002.
  • OLIVEIRA, J. B. Solos do Estado de São Paulo: descrição das classes registradas no mapa pedológico. Campinas: Instituto Agronômico, 1999.
  • RAIJ, B.van. et al. Análise química para avaliação da fertilidade de solos tropicais. Campinas: Instituto Agronômico, 285p. 2001.
  • RANZANI, G. Manual de levantamento de solos. São Paulo: EDUSP, 1969.
  • RIBEIRO, A. C.; MELLO, J. W. V.; NOVAIS, R. F. Propriedades físico-químicas do solo. In: Fertilidade e manejo do solo. Brasília:ABEAS, 54p. (Módulo 3). 1996.
  • SPOSITO, G. The chemistry of soils New York: Oxford University, 1989.
  • STUMM, W. Chemistry of the solid-water interface Processes at the mineral-water and particle-water interface in natural systems. 428p. 1992.
  • TORTORA, G. J. FUNKE, B. R., CASE, C. L. Microbiologia. Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • Endereço para correspondência:

    Gabriela Sá Leitão de Mello
    Departamento de Engenharia Civil e Ambiental - Escola de Engenharia Mauá
    Praça Mauá, 1 - Bairro Mauá
    09580-900 São Caetano do Sul - SP - Brasil
    Tel.: (11) 4437-3889
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      18 Maio 2006
    • Aceito
      21 Jan 2007
    Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: esa@abes-dn.org.br