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Aproveitamento de resíduos de pescado na confecção de composto orgânico para produção de mudas de alface

Use of fish waste in the production of organic compounds for lettuce seedling production

RESUMO

Há muitos estudos voltados à redução do volume de resíduos provenientes da indústria pesqueira. Esses resíduos são uma importante fonte de matéria-prima em sistemas orgânicos de produção ao serem compostados. O objetivo deste trabalho foi avaliar os parâmetros teores totais de nutrientes do composto orgânico confeccionado com resíduos de pescado, comparando-o a outras duas composições, além de utilizá-lo como substrato na produção de mudas de alface (Lactuca sativa). Na avaliação de produção de mudas de alface, utilizou-se o delineamento inteiramente casualizado, com seis tratamentos e quatro repetições. Avaliaram-se: quantidade de folhas (QF), comprimento da raiz (CR), massa seca da parte aérea (MSPA) e massa seca da raiz (MSR). Os parâmetros de matéria orgânica (MO), relação C/N e capacidade de troca de cátions (CTC) foram superiores no composto de resíduo de pescado. Para a produção de MSPA, os tratamentos T3 (composto confeccionado com resíduos de pescado) e T2 (composto confeccionado com resíduos agroindustriais da palmeira carnaúba) apresentaram as maiores médias, sendo T2 o que apresentou a maior média para MSR. Para QF, os melhores resultados (p = 0,02) foram obtidos pelo tratamento T6, cujas mudas de alface apresentaram maior QF e CR. Os resultados sugerem viabilidade na produção de mudas de alface utilizando substrato à base de resíduos de pescado.

Palavras-chave:
resíduos da indústria pesqueira; compostagem; substrato; cultivo de alface

ABSTRACT

There are many studies aimed at reducing the volume of waste from the fishing industry. These residues are an important source of raw material in organic production systems when composted. The objective of this work was to evaluate the parameters of total nutrient contents of the organic compost made with fish residues, comparing it to two other compositions, in addition to using it as substrate in the production of lettuce seedlings (Lactuca sativa). In the evaluation of lettuce seedlings production, a completely randomized design was used, with six treatments and four replications. The following were evaluated: Leaf quantity (QF), root length (CR), Aerial part dry mass (MSPA), and root dry mass (MSR). The parameters of organic matter (OM), C/N ratio and cation exchange capacity (CTC) were higher in the fish residue compound. For the production of MSPA, treatments T3 (compound made with fish residues) and T2 presented the highest averages, being treatment T2 (compound made with agroindustrial residues of the Carnauba palm) presented the highest averages, with T2 presenting the highest mean for MSR. For QF, the best results (p = 0.02) were obtained by T6 treatment, whose lettuce seedlings had a greater number of leaves and root length. The results suggest viability in the production of lettuce seedlings using a substrate based on fish residues.

Keywords:
fishing industry waste; composting; substrate; lettuce cultivation

INTRODUÇÃO

Além da vasta quantidade de terras, o Brasil possui a maior reserva de água doce do planeta, com mais de 8 mil km³, muito superior à da Rússia, segundo colocado, com cerca de 4,5 mil km3. O país ainda tem um litoral com 7,4 mil km de extensão. Contudo, o aproveitamento desses recursos para a produção aquícola ainda está muito aquém do seu potencial (SIDONIO et al., 2012SIDONIO, L.; CAVALCANTI, I.; CAPANEMA, L.; MORCH, R.; MAGALHÃES, G.; LIMA, J.; BURNS, V.; ALVES JÚNIOR, A.J.; MUNGIOLI, R. Panorama da aquicultura no Brasil: desafios e oportunidades. BNDES, 2012. (Setorial 35.)): o Brasil, com 1.264.765 t, ocupa apenas o 19º lugar na produção mundial de pescado (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília: MPA, 2011. 60 p.).

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), pesca é a retirada de organismos aquáticos da natureza sem prévio cultivo. Esse tipo de atividade pode ocorrer em escala industrial ou artesanal, tanto no mar (pesca marítima) quanto no continente (pesca continental). Já a aquicultura é o processo de produção em cativeiro de organismos com habitat predominantemente aquático, tais como peixes, camarões, rãs, algas, entre outras espécies. Pode ser realizado no mar (aquicultura marítima) ou em águas continentais (aquicultura continental). O termo “pescado” é designado para tratar quaisquer animais aquáticos (camarões, peixes, rãs etc.), sejam provenientes da aquicultura, sejam provenientes da pesca (SEBRAE, 2008SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Aquicultura e pesca: tilápias. Brasil: SEBRAE, 2008. (Série Estudos de Mercado). Disponível em: http://201.2.114.147/bds/bds.nsf/77dbf289a380b398325749e0067e2c5/$file/nt00038bee.pdf. Acesso em: dez. 2016.
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).

Inserida na agropecuária, a aquicultura é uma opção para melhorar a qualidade do pescado e aumentar a produção com técnicas mais adequadas (SIDONIO et al., 2012SIDONIO, L.; CAVALCANTI, I.; CAPANEMA, L.; MORCH, R.; MAGALHÃES, G.; LIMA, J.; BURNS, V.; ALVES JÚNIOR, A.J.; MUNGIOLI, R. Panorama da aquicultura no Brasil: desafios e oportunidades. BNDES, 2012. (Setorial 35.)).

Em 2011, a Região Nordeste obteve a maior produção de pescado do país, com 454.216,9 t, correspondendo a 31,72% da produção aquícola continental nacional, sendo o Piauí responsável por 25.112,1 t (6.419,8 t oriundas da pesca extrativa e 18.692,3, da aquicultura marinha e continental), correspondendo a 5,5% da produção regional (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília: MPA, 2011. 60 p.).

Consequentemente, o aumento da produção de resíduos provenientes da aquicultura vem provocando sérios impactos ambientais, principalmente em decorrência de sua taxa de geração ser maior do que a taxa de degradação. Contudo, em razão da implantação de leis ambientais mais severas, que valorizam o gerenciamento ambiental, tem havido uma conscientização gradual dos efeitos nocivos provocados pelo despejo contínuo de resíduos sólidos e líquidos no meio ambiente (FIORI; SCHOENHALS; FOLLADOR, 2008FIORI, M.G.S.; SCHOENHALS, M.; FOLLADOR, F.A.C. Análise da evolução tempo-eficiência de duas composições de resíduos agroindustriais no processo de compostagem aeróbia. Engenharia Ambiental, v. 5, n. 3, p. 178-191, 2008.).

Transformar os materiais descartáveis e poluentes em coprodutos com valor agregado é a base para o desenvolvimento sustentável do mundo moderno. Portanto, a redução do uso inconsciente de matéria-prima para evitar desperdícios e promover a reciclagem dos resíduos são condições essenciais para a garantia de processos mais econômicos e com menor impacto ambiental (LIMA, 2013LIMA, L.K.F. Reaproveitamento de resíduos sólidos na cadeia agroindustrial do pescado. Palmas: Embrapa Pesca e Aquicultura, 2013.).

Existem estudos sobre o reaproveitamento da matéria orgânica (MO) excedente da cadeia produtiva da indústria pesqueira. Desde o fim da década de 1960, muitos pesquisadores vêm propondo soluções para o aproveitamento de vários tipos de resíduos oriundos de indústrias pesqueiras, com destaque para o setor de produção de alimentos e ração para animais (ROMANELLI; SCHMIDT, 2003ROMANELLI, P.F.; SCHMIDT, J. Estudo do aproveitamento das vísceras do jacaré do pantanal (Caiman crocodilus yacare) em farinha de carne. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v. 23, Supl., p. 131-139, 2003. https://doi.org/10.1590/S0101-20612003000400025
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), fertilizantes ou produtos químicos (CAVALCANTE JÚNIOR et al., 2005CAVALCANTE JÚNIOR, V.; ANDRADE, L.N.; BEZERRA, L.N.; GURJÃO, L.M.; FARIAS, W.R.L. Reúso de água em um sistema integrado com peixes, sedimentação, ostras e macroalgas. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 9, Supl., p. 118-122, 2005.), e até mesmo compostagem de pescado (INÁCIO; MILLER, 2009INÁCIO, C.T.; MILLER, P.R.M. Compostagem: ciência e prática para gestão de resíduos orgânicos. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2009. v. 1. 156 p.).

Na agricultura, durante o processo de transição agroecológica, uma das principais dificuldades encontradas pelos produtores rurais é a disponibilidade de insumos que se enquadrem nas especificidades desse tipo de produção, por exemplo, fertilizantes capazes de proporcionar bons rendimentos aos cultivos, possibilitando melhorias nas características químicas, físicas e biológicas do solo (ARAÚJO et al., 2011ARAÚJO, F.B.; SANES, F.S.M.; STRASSBURGUER, A.S.; MEDEIROS, C.A.B. Avaliação de adubos orgânicos elaborados a partir de resíduo de pescado, na cultura do feijão (Phaseulos Vulgaris). Cadernos de Agroecologia, v. 6, n. 2, 2011.). Segundo o autor, a reciclagem de resíduos, oriundos das mais diversas cadeias produtivas, cujos descartes indevidos podem causar impactos negativos ao ambiente — como é o caso dos resíduos provenientes da indústria pesqueira —, apresenta-se como importante ferramenta para minimizar o déficit de fertilizantes orgânicos para sistemas produtivos ecológicos.

De acordo com Leal et al. (2013)LEAL, M.A.A.; GUERRA, J.G.M.; ESPÍNDOLA, J.A.A.; ARAÚJO, E.S. Compostagem de Mistura s de capim-elefante e torta de mamona com diferentes relações C:N. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 17, n. 11, p. 1195-1200, 2013. https://doi.org/10.1590/S1415-43662013001100010
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, a compostagem de resíduos, subprodutos e outros materiais orgânicos é um processo que pode atender plenamente à crescente demanda por fertilizantes orgânicos. Entretanto, o alto custo da aquisição de matéria-prima para a confecção de compostos orgânicos — entre elas, a bagana de carnaúba — vem dificultando a agricultura praticada em pequenos estabelecimentos com características de produção familiar na Região Meio-Norte, principalmente para os produtores envolvidos com a cadeia produtiva de alimentos orgânicos (TEODORO et al., 2015TEODORO, M.S.; SEIXAS, F.J.S.; LACERDA, M.N.; ARAÚJO, L.M.S. Utilização de palhadas de adubos verdes em compostos orgânicos. Teresina: EMBRAPA-CPAMN, 2015. 41 p. (EMBRAPA CPAMN, Documentos 234.)).

Também é crescente a demanda por substratos na produção de mudas de hortaliças, principalmente, para os sistemas orgânicos de produção (LEAL et al., 2009LEAL, M.A.A.; SILVA, S.D.; GUERRA, J.G.M.; PEIXOTO, R.T.G. Adubação orgânica de beterraba com composto obtido a partir da mistura de palhada de gramínea e de leguminosa. Seropédica: Embrapa Agrobiologia, 2009. (Boletim da Embrapa, 43).). De acordo com o autor, os compostos orgânicos podem atender plenamente a essa demanda, especialmente em sistemas que adotem a proibição do uso de fertilizantes sintéticos.

Segundo Lourenço et al. (2009)LOURENÇO, J.N.P.; SOUSA, S.G.A.; LOURENÇO, F.S.; GUIMARÃES, R.R. Preparo de composto orgânico sem uso de esterco animal. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental, 2009. 6 p. (Embrapa Amazônia Ocidental. Comunicado Técnico, 81.), as principais vantagens do uso do composto orgânico são: aumento da capacidade de troca catiônica (CTC), melhoria da agregação do solo, aumento da capacidade de retenção de água, maior estabilidade da temperatura e fornecimento de MO, energia e nutrientes, oferecendo condições ideais para as plantas se desenvolverem.

O objetivo deste trabalho foi avaliar os parâmetros teores totais de nutrientes do composto orgânico confeccionado com resíduos de pescado, comparando-o a outras duas composições, e analisá-lo como substrato na produção de mudas de alface (Lactuca sativa) em casa de vegetação.

METODOLOGIA

Avaliação do processo de compostagem

O experimento foi desenvolvido durante o período de julho a novembro de 2016, na Embrapa Meio-Norte/Unidade de Execução de Pesquisa (UEP) Parnaíba (03º05’ S; 41º46’ W e 46,8 m de altitude). O clima da região é do tipo C1dA‘a’ (THORNTHWAITE; MATHER, 1955THORNTHWAITE, C.W.; MATHER, J.R. The water balance. Centerton: Drexel Institute of Technology, 1955. 104 p. (Drexel Institute of technology. Publication in Climatology, v. 8, n. 1.)), caracterizado como subúmido seco, megatérmico, com pequeno excedente hídrico e concentração de 29,7% da evapotranspiração potencial no trimestre outubro, novembro e dezembro, com umidade média relativa do ar de 77,5%, precipitação média de 1.107 mm e temperatura média de 27,6ºC (BASTOS; ANDRADE JUNIOR; RODRIGUES, 2012BASTOS, E.A.; ANDRADE JUNIOR, A.S.; RODRIGUES, B.H.N. Boletim agrometeorológico de 2011 para o município de Parnaíba, Piauí. Teresina: Embrapa Meio-Norte, 2012. 37 p. (Documentos, 221).).

Os resíduos de peixe utilizados neste trabalho foram disponibilizados pelo Laboratório de Análises de Processamento de Alimentos (LAPA) da Embrapa Meio-Norte/UEP Parnaíba, e procedentes de fazenda de criação de peixes, localizada na região.

A confecção do composto orgânico com resíduos de peixe foi iniciada em julho de 2016, com término em três meses de instalação. As pilhas foram montadas com dimensões de 1 × 1 × 0,6 m (0,6 m3), a céu aberto, sob telado plástico do tipo “sombrite”, em quatro camadas contendo todos os materiais. As matérias-primas utilizadas foram:

  • Resíduos de peixe obtidos do Laboratório de Sistemas de Produção Aquícola da Embrapa Meio-Norte/UEP Parnaíba;

  • Parte aérea de Crotalária juncea (Crotalaria juncea), adubo verde proveniente de área experimental de Agricultura de Baixo Impacto da UEP Parnaíba, cortada e fragmentada no mesmo dia da montagem da pilha;

  • Parte aérea do capim elefante (Pennisetum purpureum), também cortado e fragmentado no mesmo dia da montagem da pilha;

  • Esterco bovino curtido, cujo processo de fermentação se encontrava estabilizado.

A proporção para cada matéria-prima foi: 30% para o esterco bovino; 20% para o resíduo de peixe; 25% para a parte aérea da Crotalária e 25% para o capim elefante. No mesmo período, foi confeccionado o composto com resíduos de “bagana” de carnaúba, resíduo agroindustrial da extração da cera da palmácea Copernicia cerífera, contendo 70% de resíduo vegetal e 30% de esterco bovino curtido.

A irrigação foi realizada em intervalos de dois dias, mantendo-se a umidade em função da exposição das pilhas de compostos em ambiente externo, sujeitas à ação de insolação e ventilação diretas. Os revolvimentos das pilhas foram realizados quinzenalmente no primeiro mês e mensalmente no segundo e no terceiro. As avaliações de temperatura foram realizadas utilizando-se termômetro de bulbo de mercúrio, inserido em três pontos e três profundidades da pilha (base, meio e superfície), em intervalos de 15 dias no primeiro mês e mensalmente no segundo e terceiro meses, por ocasião dos revolvimentos, totalizando quatro repetições por pilha de composto.

A análise química foi realizada conforme a Tabela 1, utilizando-se amostragens em três pontos e três profundidades das pilhas (base, meio e superfície), para obtenção de amostra homogênea para cada composto orgânico. A análise química é um importante procedimento que irá balizar o uso do insumo, seja pelo produtor agrícola de pequeno, médio ou grande porte, desde a agricultura familiar até as grandes corporações, definindo se há a necessidade do emprego de nutrientes específicos, tanto para o solo quanto para as lavouras, além da presença de substâncias que servem para o combate de pragas.

Tabela 1
Análise química dos compostos orgânicos. Parnaíba, Piauí, 2016.

Avaliação de substrato comercial e compostos orgânicos na produção de mudas de alface

O ensaio de produção de mudas de alface utilizando como substrato os compostos orgânicos produzidos foi instalado em delineamento inteiramente casualizado (DIC), com quatro repetições. A caracterização dos tratamentos está apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Composição dos tratamentos. Parnaíba, Piauí, 2016.

A semeadura foi realizada em bandejas de isopor (poliestireno expandido), com 128 cavidades. Para cada tratamento, foram utilizadas 32 cavidades, com volume estimado de 23,60 mL/cavidade. Para preenchimento das bandejas, foram utilizados como substrato os compostos orgânicos produzidos localmente, com resíduos de peixe e bagana de carnaúba peneirados, além de substrato comercial adquirido em loja de material agropecuário como testemunha. Após a semeadura, as bandejas foram levadas para a casa de vegetação. As irrigações foram realizadas diariamente durante todo o período em que as bandejas permaneceram nesse local.

A semeadura da alface ocorreu em 26 de outubro de 2016, e as avaliações ocorreram 30 dias após a semeadura. Nas avaliações, foram utilizadas 12 plantas por parcela. Foram avaliados: quantidade de folhas (QF), comprimento da raiz (CR), massa seca da parte aérea (MSPA) e massa seca da raiz (MSR). Na determinação do CR, foi utilizada régua graduada. A MSPA e a MSR foram determinadas após secagem em estufa a 65ºC até peso constante, quando foram pesadas em balança digital.

Para cada variável analisada, foram conduzidas análises de variância (ANOVA) em função dos tratamentos utilizados. Na presença de efeito significativo dos tratamentos, as médias foram comparadas entre si pelo teste de Tukey a 5% de significância.

Para a análise exploratória multivariada, foram selecionadas as variáveis que não apresentaram colinearidade; na sequência, houve a padronização (média nula e variância unitária) e, posteriormente, essas variáveis foram submetidas às análises de agrupamento por método hierárquico e componentes principais. A análise de agrupamento por método hierárquico é um técnica multivariada exploratória cuja finalidade é reunir as unidades amostrais em grupos, de tal forma que exista homogeneidade dentro do grupo e heterogeneidade entre eles. A estrutura de grupos contida nos dados é vista em um gráfico denominado dendrograma, construído com a matriz de semelhança entre as amostras (SNEATH; SOKAL, 1973SNEATH, P.H.A.; SOKAL, R.R. Numerical taxonomy. San Francisco: Freeman and Co., 1973. 573 p.).

A matriz de semelhança foi construída com a distância euclidiana, e a ligação dos grupos foi feita com o método de Ward. O teste T2 de Hotelling's foi realizado para avaliar se há diferença significativa entre os tratamentos observados no dendrograma.

A análise de componentes principais é também uma técnica multivariada exploratória que condensa a informação contida em um conjunto de variáveis originais em um conjunto de menor dimensão composto de novas variáveis latentes, preservando quantidade relevante da informação original.

As novas variáveis são os autovetores (componentes principais) gerados por combinações lineares das variáveis originais construídos com os autovalores da matriz de covariância (HAIR et al., 2005HAIR, J.F.; BLACK, W.C.; BABIN, B.J.; ANDERSON, R.E.; TATHAM, R.L. Análise multivariada de dados. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. 688 p.). Foram considerados os componentes cujos autovalores foram superiores à unidade, conforme o critério estabelecido por Kaiser (1958)KAISER, H.F. The varimax criterion for analytic rotation in factor analysis. Psychometrika, Nova York, v. 23, n. 3, p. 187-200, 1958. https://doi.org/10.1007/BF02289233
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. Esses autovalores foram determinados por meio da confecção de um gráfico das raízes latentes em relação ao número de fatores em sua ordem de extração, e a forma da curva resultante foi utilizada para avaliar o ponte de corte.

Os coeficientes das funções lineares, que definem as cargas dos componentes, foram utilizados na interpretação de seu significado, usando o sinal e o tamanho relativo das cargas como uma indicação do peso a ser atribuído para cada variável, sendo selecionadas somente as variáveis com cargas > 0,70 em valor absoluto.

Todos os procedimentos realizados foram conduzidos no software R (R CORE TEAM, 2016R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. Viena: R Foundation for Statistical Computing, 2016. Disponível em: https://www.R-project.org/. Acesso em: 19 maio 2017.
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).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação do processo de compostagem

Os resultados obtidos para a temperatura dos compostos confeccionados com bagana de carnaúba e com resíduos de peixe são apresentados na Figura 1. Observa-se padrão de temperatura inicial entre 55 e 65ºC após a montagem das leiras, e médias finais próximas a 36ºC com a maturação desses materiais após 90 dias de confeccionados. A compostagem é um processo biológico e de ecologia complexa, que envolve grupos variados de microrganismos em sucessão, com predominância da ação de populações de microrganismos termófilos que se desenvolvem bem em temperaturas em torno de 60ºC (INÁCIO; MILLER, 2009INÁCIO, C.T.; MILLER, P.R.M. Compostagem: ciência e prática para gestão de resíduos orgânicos. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2009. v. 1. 156 p.), podendo chegar aos 75ºC (ROSA, 2009ROSA, M.J.S. Aproveitamento integral dos resíduos da filetagem de tilápia e avaliação do impacto econômico. 69f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Jaboticabal, 2009.).

Figura 1
Médias de variação de temperatura na pilha de composto orgânico. Parnaíba, Piauí, 2016.

Para Lourenço et al. (2009)LOURENÇO, J.N.P.; SOUSA, S.G.A.; LOURENÇO, F.S.; GUIMARÃES, R.R. Preparo de composto orgânico sem uso de esterco animal. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental, 2009. 6 p. (Embrapa Amazônia Ocidental. Comunicado Técnico, 81.), manter a temperatura entre 45 e 55ºC em sua fase termofílica promove melhor eficiência na degradação e na eliminação de microrganismos patogênicos que podem estar presentes no material.

Oliveira (2010)OLIVEIRA, J.N. Compostagem e vermicompostagem de bagaço de cana-de-açúcar da produção de cachaça de alambique, Salinas-MG. 72f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, 2010., testando composto à base de bagaço de cana-de-açúcar mais esterco bovino, obteve temperatura próxima de 60ºC nos primeiros nove dias. A partir desse aquecimento inicial, o autor constatou resfriamento gradual do composto até atingir a temperatura ambiente, corroborando os resultados obtidos neste estudo.

Os parâmetros de MO, pH, cinzas, umidade, relação carbono/nitrogênio (C/N) e CTC dos compostos, inclusive do substrato comercial, podem ser observados na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados das análises de amostras de compostos confeccionados com resíduos de pescado e bagana de carnaúba e substrato comercial. Parnaíba, Piauí, 2016.

O resultado para MO na amostra obtida pelo composto confeccionado com resíduo de pescado (34,28%) foi superior à amostra obtida pelo composto de resíduo de bagana de carnaúba (23,10%), indicando bom potencial como matéria-prima na confecção de compostos orgânicos.

Os resultados para pH apresentaram, apesar da pequena variação entre os materiais, valores próximos à neutralidade (8,1 para o composto de pescado e 6 para o de bagana de carnaúba). Parâmetros relacionados à acidez dos solos, ao pH em CaCl2 e à saturação por bases apresentam estreita correlação entre si. Os resultados obtidos evidenciam que os dois compostos, provavelmente, apresentaram altos índices para saturação por bases, que é um excelente indicador de fertilidade do material analisado. Leal et al. (2013)LEAL, M.A.A.; GUERRA, J.G.M.; ESPÍNDOLA, J.A.A.; ARAÚJO, E.S. Compostagem de Mistura s de capim-elefante e torta de mamona com diferentes relações C:N. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 17, n. 11, p. 1195-1200, 2013. https://doi.org/10.1590/S1415-43662013001100010
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obtiveram resultados aproximados de pH, variando de 6,5 a 7,6, ao testarem compostos de capim elefante mais torta de mamona. Tejada et al. (2001)TEJADA, M.; DOBAO, M.M.; BENITEZ, C.; GONZALEZ, J.L. Study of composting of cotton residues. Bioresource Technology, Essex, v. 79, n. 2, p. 199-202, 2001. https://doi.org/10.1016/S0960-8524(01)00059-1
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associam o pH mais elevado a um meio ligeiramente alcalino, com temperaturas mais elevadas e disponibilidade de nutrientes, sobretudo de nitrogênio (N), um estímulo à atividade microbiana.

A relação C/N apresentou valores com pouca variação entre os materiais analisados, porém se situando próximo ao resultado desejável (10:1), com exceção do substrato comercial, que apresentou relação C/N de 18:1, indicando que esse substrato atingiu a fase de semicura ou está bioestabilizado. De acordo com Kiehl (1985)KIEHL, E.J. Fertilizantes Orgânicos. Piracicaba: Agronômica Ceres, 1985. 492 p., a relação C/N é o parâmetro tradicionalmente considerado para se determinar o grau de maturidade do composto, bem como definir sua qualidade agronômica durante o processo de compostagem, e essa relação tende a decrescer até tornar-se constante, em torno de 12:1 a 10:1.

O resultado obtido para a CTC do composto de pescado foi muito superior ao alcançado pela do composto de bagana de carnaúba (450 e 180 mmol/kg, respectivamente), representando variação de 250%. A CTC é de grande importância no que diz respeito à fertilidade, uma vez que indica a capacidade total de retenção de cátions, os quais, geralmente, irão se tornar disponíveis às plantas (CHAVES et al., 2004CHAVES, L.H.G.; TITO, G.A.; CHAVES, I.B.; LUNA, J.G.; SILVA, P.C.M. Propriedades químicas do solo aluvial da Ilha de Assunção – Cabrobó (Pernambuco). Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 28, n. 3, p. 431-437, 2004. https://doi.org/10.1590/S0100-06832004000300004
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).

Com a publicação da IN 23 (BRASIL, 2005BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 23, de 31 de agosto de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, Seção 1, p. 12, 2005.), na qual são apresentadas as classes e os padrões de qualidade específicos para os fertilizantes orgânicos, que estão diretamente vinculados às origens das matérias-primas utilizadas em sua produção, o composto orgânico deve apresentar as seguintes garantias para ser comercializado: MO total (mínimo de 40%), pH (mínimo de 6), relação C/N (máximo de 18:1) e umidade (máximo de 50%).

O resultado obtido neste trabalho representa, quase que em sua totalidade, os parâmetros desejáveis ao término do processo de compostagem; Porém, os indicadores para MO sugerem a necessidade de ajustes na composição dos compostos orgânicos. O aumento das proporções da biomassa vegetal utilizada (Crotalária juncea e capim elefante) poderia aumentar de forma linear os teores de MO, N total e substâncias orgânicas, conferindo um resultado melhor para esse parâmetro, além de proporcionar relação C/N mais estreita.

Os parâmetros de macro e micronutrientes, obtidos no composto orgânico confeccionado com resíduos de pescado (Tabelas 4 e 5), revelaram resultados promissores, em sua maioria, superiores aos encontrados no composto de bagana de carnaúba.

Tabela 4
Resultados das análises de amostras de compostos confeccionados com resíduos de pescado e bagana de carnaúba. Parnaíba, Piauí, 2016.
Tabela 5
Resultados das análises de amostras de compostos confeccionados com resíduos de pescado e bagana de carnaúba. Parnaíba, Piauí, 2016.

Na Tabela 4, observa-se que todos os resultados para macronutrientes foram superiores no composto de resíduos de pescado, quando comparado ao composto de resíduo de carnaúba, registrando-se valores superiores para o N (27%), o potássio — K (480%) e o fósforo — P (surpreendentes 1.328%).

O N é o elemento essencial requerido em maior quantidade pelos vegetais, sendo constituinte de muitos compostos da planta, como proteínas e ácidos nucléicos; o K executa importante papel na regulação do potencial osmótico de células de plantas e é requerido para a ativação de muitas enzimas da respiração e da fotossíntese; e o P é um componente integral de importantes compostos da planta, incluindo açúcares-fosfato, fosfolipídios de membranas, nucleotídeos usados como fonte de energia (ATP) e nos ácidos nucleicos (TAIZ; ZEIGER, 2004TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia Vegetal. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 719 p.).

Quanto ao percentual para cálcio — Ca (Tabela 4), verifica-se que o composto orgânico com resíduos de pescado se apresenta como uma excelente fonte desse nutriente, sendo superior em 380% em relação ao composto de carnaúba. Esse nutriente é muito importante, contribuindo para a melhoria e a correção dos solos, e servindo na estrutura da planta, como integrante da parede celular, sendo também indispensável para a germinação do grão de pólen e o crescimento do tubo polínico (SOUSA et al., 2016SOUSA, W.L.; TEÓFILO, E.M.D.; FREITAS, J.B.S.; OLIVEIRA, A.L.T.; SOUSA, P.Z.; SALES, RO. Aplicação do composto orgânico produzido a partir de resíduos de pescados e vegetais no cultivo do feijão caupi (Vigna unguiculata (L) walp.). Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal, v. 10, n. 2, p. 252-270, 2016.).

Para o magnésio — Mg (Tabela 4), verifica-se valor superior de 275% em relação ao composto de bagana de carnaúba. O Mg tem papel específico na ativação de enzimas da respiração, da fotossíntese e da síntese de ácidos nucleicos, além de fazer parte da estrutura da molécula da clorofila (TAIZ; ZEIGER, 2004TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia Vegetal. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 719 p.).

Os resultados para Ca e Mg evidenciam relação Ca/Mg superior a “3”, parâmetro considerado bastante satisfatório para a maioria das lavouras, se o objetivo for atingir alta qualidade e boa resistência a doenças.

Conforme a Tabela 5, em que são apresentados os teores de micronutrientes, com exceção do sódio (Na), todos se apresentaram superiores no composto de resíduos de pescado, destacando-se o valor obtido para o cobre (Cu), com 200% em relação ao composto com resíduos de bagana de carnaúba.

Esses teores observados foram superiores aos obtidos por Oliveira et al. (2012)OLIVEIRA, A.L.T.; SALES, R.O.; FREITAS, J.B.S.; LOPES, J.E. Alternativa sustentável para descarte de resíduos de pescado em Fortaleza. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal, v. 6, n. 2, p. 1-16, 2012. https://doi.org/10.5935/1981-2965.20120003
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, ao avaliarem amostras de composto orgânico com resíduos de pescado, obtendo-se teores de 16,4 ppm para o Cu; 79,4 ppm para o zinco (Zn) e 94,3 ppm para o manganês (Mn).

O Cu é fundamental na formação da clorofila, assim como o Mn, e o Zn integra sistemas enzimáticos essenciais para a síntese de proteína.

Todos esses micronutrientes são importantes para o desenvolvimento das plantas. Portanto, esses resultados vislumbram o potencial de aproveitamento dos resíduos de pescado na confecção de compostos, atendendo, principalmente, ao segmento da agricultura orgânica.

Avaliação de substrato comercial e compostos orgânicos na produção de mudas de alface

Análises univariadas: comparação entre médias de tratamentos

Com relação ao uso dos compostos orgânicos como substrato na produção de mudas de alface conduzida em casa de vegetação, observa-se que apenas para a variável CR não foram observadas diferenças significativas (p > 0,05) entre os substratos avaliados (Figura 2).

Figura 2
Média ± erro padrão da média do comprimento da raiz (cm) em função dos substratos utilizados para a produção de mudas de alface. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade*.

A fertilidade do substrato, que envolve componentes como nutrientes, água, aeração, microrganismos, textura e temperatura, e esses que, em um estádio ótimo, conferem a fertilidade desejável, são um dos fatores que podem interferir nos parâmetros de desenvolvimento das mudas de hortícolas. Entretanto, esses resultados também podem estar relacionados ao recipiente (bandeja de isopor) utilizado na formação das mudas. Um dos aspectos mais importantes levado em consideração na formação de mudas de alta qualidade é o volume por célula das bandejas, cujas raízes podem aumentar de tamanho quando produzidas em células de maior volume, favorecendo sua qualidade em função da melhor absorção de água e nutrientes fornecidos pelo substrato (LIMA et al., 2017LIMA, T.J.L.; CECCHERINI, G.J.; SALA, F.C.; PEIXOTO, C. Mudas de Lactuca sativa L. produzidas em diferentes formatos e volumes de bandejas. Revista Científica UNAR, Araras, v. 15, n. 2, p. 117-125, 2017.).

Em relação às médias de QF, o tratamento T6 (50% composto T3 + 50% palha de arroz) diferiu significativamente (p = 0,02) do tratamento T5 (50% composto T2 + 50% palha de arroz), com média 33% superior a esse. Os demais tratamentos não diferiram entre si (Figura 3).

Figura 3
Média ± erro padrão da média da quantidade de folhas em função dos substratos utilizados para a produção de mudas de alface. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade*.

Para Leal et al. (2009)LEAL, M.A.A.; SILVA, S.D.; GUERRA, J.G.M.; PEIXOTO, R.T.G. Adubação orgânica de beterraba com composto obtido a partir da mistura de palhada de gramínea e de leguminosa. Seropédica: Embrapa Agrobiologia, 2009. (Boletim da Embrapa, 43)., características como altura da parte aérea, número de folhas, produção de matéria fresca e seca são indicadoras do vigor de mudas em formação e estão associadas à oferta de nutrientes e outros sais em condições ideais. Os resultados obtidos demonstram que, para a variável QF, o tratamento T6 se sobressaiu aos demais.

Para a variável MSPA, os tratamentos T2 (100% composto bagana de carnaúba) e T3 (100% composto resíduo de peixe) apresentaram os maiores valores médios, diferindo dos tratamentos T4 (50% T1 + 50% palha de arroz) e T5 (50% composto T2 + 50% palha de arroz), com os menores valores entre os substratos avaliados (Figura 4). Observa-se que o tratamento T6, apesar de possuir somente 50% do composto resíduo de peixe, obteve a mesma média do tratamento T1, e eles não diferiram dos demais substratos.

Figura 4
Média ± erro padrão da média da massa seca da parte aérea (g) em função dos substratos utilizados para a produção de mudas de alface. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade*.

Esses resultados sugerem que os tratamentos T2 e T3 apresentaram maturidade, ou seja, a decomposição microbiológica se completou e a MO foi transformada em húmus, e teores de nutrientes em nível ideal para o desenvolvimento das mudas de alface.

De acordo com Leal et al. (2009)LEAL, M.A.A.; SILVA, S.D.; GUERRA, J.G.M.; PEIXOTO, R.T.G. Adubação orgânica de beterraba com composto obtido a partir da mistura de palhada de gramínea e de leguminosa. Seropédica: Embrapa Agrobiologia, 2009. (Boletim da Embrapa, 43)., entre os fatores que podem influenciar negativamente no desenvolvimento das mudas em estádio de plântulas estão os teores de nutrientes disponibilizados e as baixas estabilidade e maturidade dos compostos orgânicos utilizados como substrato, que geralmente podem estar associados à baixa capacidade do material em reter água.

Para a variável MSR, observaram-se diferenças apenas entre o tratamento T2 e os tratamentos T4 e T5, sendo o tratamento T2 aquele que produziu os maiores valores (Figura 5). Os demais tratamentos avaliados não apresentaram diferenças significativas para a MSR. Vários são os fatores que podem ter influenciado o desenvolvimento do sistema radicular das mudas de alface e, consequentemente, a produção de massa seca. Aeração, microrganismos, textura e temperatura são condicionadores do desenvolvimento de raízes, além do próprio volume de substrato utilizado na formação das mudas, que, ao serem insuficientes, podem ter dificultado melhor absorção de água e nutrientes pelo substrato.

Figura 5
Média ± erro padrão da média da massa seca da raiz (g) em função dos substratos utilizados para a produção de mudas de alface. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade*.

Análise multivariada

Nessa análise, as combinações de tratamentos (sempre dois a dois) foram comparadas em função das quatro variáveis (MSPA, MSR, QF e CR) ao mesmo tempo.

Realizada a análise exploratória multivariada de agrupamento pelo método hierárquico, o gráfico dendrograma, construído a partir das amostras das quatro variáveis em estudo, indicou visualmente a inexistência de padrão de aglomeração dos substratos alternativos que pudesse sugerir a existência de grupos (Figura 6).

Figura 6
Dendrograma mostrando a hierarquia de grupos (tratamentos) resultante da análise de agrupamento por método hierárquico.

Cabe ressaltar que a análise multivariada é uma técnica exploratória dos dados. Portanto, em razão dessa característica, uma análise da variância multivariada (MANOVA) será sempre útil para realizar um estudo confirmatório.

Na Tabela 6, são apresentados os resultados do teste T2 de Hotelling's, realizado para avaliar se há diferença significativa entre os tratamentos observados no dendrograma. Dentro desse contexto, a partir desse teste (95% de confiança), observou-se que existe diferença entre os tratamentos. O tratamento T1 diferiu dos tratamentos T4, T5 e T6; o tratamento T2, de T5 e T6; já os tratamentos T3, T4 e T5 diferiram somente de T6 (Tabela 6), quando avaliadas, concomitantemente, as variáveis MSPA, MSR, QF e CR.

Tabela 6
Teste T2 de Hotelling's (95% de confiança).

Na Figura 7, observa-se o gráfico Biplot com os dois primeiros componentes principais (componente principal 1 — CP1 e componente principal 2 — CP2), enquanto a variância a eles atribuída se encontra na Tabela 7.

Figura 7
Gráfico Biplot contendo as variáveis biométricas e os tratamentos avaliados.
Tabela 7
Correlações entre as variáveis em estudo e os dois primeiros componentes principais.

Os dois componentes juntos explicaram 89% da variação total dos dados originais. O CP1 representa 66,7%, e o CP2, 22,5% da variação total. O processo contido em CP1 é o mais importante para o estudo, pois é derivado do maior autovalor e possui maior percentual de explicação, e todas as variáveis em estudo ficaram retidas nesse componente. De acordo com os sinais das cargas, todas as variáveis biométricas estão associadas diretamente entre si, ou seja, à medida que uma aumenta, a outra também aumenta, e à medida que uma diminui, a outra também diminui.

Houve dispersão dos tratamentos ao longo do plano bidimensional. Contudo, observam-se maiores aglomerações dos tratamentos T1, T2 e T3 nos quadrantes superiores do plano, e dos tratamentos T4, T5 e T6 nos quadrantes inferiores.

Ainda observando o Biplot, ressalta-se que uma característica das mudas de alface do tratamento T6 é apresentar maior QF e CR, corroborando os resultados obtidos nas avaliações univariadas (Figuras 2 e 3).

CONCLUSÕES

O composto elaborado com resíduos de pescado, palhada de Crotalária juncea (Crotalaria juncea), capim elefante (Pennisetum purpureum), além do esterco bovino curtido, apresentou parâmetros de MO, relação C/N, CTC, além de macro e micronutrientes, superiores quando comparados aos demais compostos avaliados.

Os resultados obtidos em casa de vegetação sugerem viabilidade na produção de mudas de alface utilizando o composto de resíduos de pescado, podendo atender à recomendação do Ministério da Agricultura sobre o uso de substratos permitidos em sistemas orgânicos de produção.

  • Financiamento: nenhum.
  • Reg. ABES: 20180172

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2018
  • Aceito
    18 Abr 2020
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