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Maus-tratos contra idosos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul: um estudo documental

Elder abuse in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil: A documentary study

Resumo

Este estudo objetivou verificar a prevalência e os tipos de maus-tratos sofridos por idosos, registrados na Delegacia de Proteção ao Idoso do município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Além disso, buscou descrever o perfil da vítima e do agressor e identificar os motivos relacionados à ocorrência de maus-tratos nesse grupo etário. Realizou-se um estudo documental e retrospectivo com base nos boletins de ocorrência da Delegacia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre registrados nos meses de abril e maio de 2011. Dos 224 boletins de ocorrência avaliados, 175 denunciavam situações de maus-tratos. Os maus-tratos psicológicos foram os mais frequentes, seguidos pelo abuso financeiro ou material. A vítima, na maioria dos casos, foi do sexo feminino e de baixa escolaridade. O agressor, geralmente, era do sexo masculino e familiar da vítima. Os resultados demonstram uma incidência significativa de maus-tratos contra idosos no município de Porto Alegre.

Palavras-chave:
Idoso; Maus-tratos ao idoso; Violência

Abstract

This study aimed to identify the prevalence of elder abuse in the city of Porto Alegre, RS, Brazil, causes of abuse, and the profile of the victim and the aggressor. A retrospective documentary study was carried out based on police reports filed in April and May 2011 to the Department of Senior Services of Porto Alegre. Of the 224 police reports evaluated, 175 were of elder abuse or mistreatment. Psychological abuse was the most frequently identified type of abuse, followed by material/financial abuse. Most of the victims were senior females with low level of education, and the majority of aggressors were male family members. The results show high rates of elder abuse in the city of Porto Alegre.

Keywords:
Aged; Elder abuse; Violence

De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), 15% da população da cidade de Porto Alegre (RS) é idosa, ou seja, indivíduos com 60 anos ou mais. Esse cres-cimento do número de pessoas idosas na população pode ser identificado através do aumento da espe-rança de vida ao nascer no Brasil que, durante a década de 1950 era de 50 anos, passando para 73 em 2000 (Alves, 2014Alves, J. E. D. (2014). Transição demográfica, transição da estrutura etária e envelhecimento. Revista Portal de Divulgação, 40(4), 8-15.; Stefano, Santana, & Onaga, 2008Stefano, F., Santana, L., & Onaga, M. (2008). O retrato dos novos consumidores brasileiros. Revista Exame, 42(7), 22-30.). Estima-se que em 2030, o número de idosos chegará a 41,6 milhões de pessoas, representando 18,7% da população brasileira (Alves, 2014Alves, J. E. D. (2014). Transição demográfica, transição da estrutura etária e envelhecimento. Revista Portal de Divulgação, 40(4), 8-15.). Dentro do contexto do envelhecimento, sabe-se que esse é um processo caracterizado por uma série de modificações físicas, cognitivas, funcionais e sociais que podem levar ao aumento de morbidades e, consequentemente, favorecer ou não o nível de fragilidade dos idosos (Argimon & Stein, 2005Argimon, I. I. L., & Stein, L. M. (2005). Habilidades cognitivas em indivíduos muito idosos: um estudo longitudinal. Cadernos de Saúde Pública21(1), 64-72.; Leonardo et al., 2014Leonardo, C. K., Talmelli, L. F. S., Diniz, M. A., Fhon, J. R. S., Fabricio-Wehbe, S. C. C., & Rodrigues, R. A. P. (2014). Avaliação do estado cognitivo e fragilidade em idosos mais velhos, residentes no domicílio. Ciência, Cuidado e Saúde, 13(1),120-127.). No caso daqueles que se encontram menos protegidos, isto é, sem uma rede de apoio segura, pode ser observado o aumento do risco para a ocorrência de maus-tratos (Friedman, Avila, Tanouye, & Joseph, 2011Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422.; Machado & Queiroz, 2006Machado, L., & Queiroz, Z. V. (2006). Negligência e maus-tratos. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & L. M. Gorzoni (Eds.), Tratado de geriatria e geron-tologia (pp.1152-1159). Rio de Janeiro: Koogan.).

Nos diferentes veículos de comunicação, são frequentes as notícias de idosos que sofreram algum tipo de maus-tratos, podendo ser físico, psicológico e até mesmo financeiro, tanto por familiares quanto por cuidadores e/ou instituições de longa perma-nência. Em função desse aumento, algumas polí-ticas públicas foram tomadas no sentido de prevenir e orientar tanto idosos quanto familiares. Um desses exemplos seria o Estatuto do Idoso, o qual possibili-tou considerar como crime os atos de violência direcionados a essa população (Brasil, 2003Brasil. Presidência da República. (2003). Lei n° 10.741, de 1° de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, n° 192, out. 2003, Seção 1, p.1.). Além disso, serviços de denúncia por meio telefônico também registram atos de abuso (Pasinato, Cama-rano, & Machado, 2006Pasinato, M. T., Camarano, A. A., & Machado, L. (2006). Idosos vítimas de maus-tratos domésticos: estudo exploratório das informações dos serviços de denún-cia. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (Texto para discussão nº 1200).).

De acordo com a World Health Organization (2002)World Health Organization. (2002). World report on violence and health. Geneve: Author., os maus-tratos são caraterizados como um ato único ou repetido que causa sofrimento, seja físico ou emocional, dentro de um contexto em que haja confiança. Para Minayo (2003Minayo, M. C. S. (2003). Violência contra idosos: rele-vância para um velho problema. Cadernos de Saúde Pública 19(3), 783-791.), os maus--tratos contra idosos podem ser classificados como negligência, maus-tratos físicos, maus-tratos psico-lógicos, abuso financeiro ou material, abuso sexual, abandono e autoabandono.

Segundo estudos, o número real de ocor-rência de maus-tratos contra idosos é subdiagnos-ticado. Isso ocorre devido à falta de consciência dos profissionais da saúde, bem como pela relutância do idoso em admitir ou reportar sinais de maus--tratos (Bradeley, 1996; Cammer Paris, 1996Cammer Paris, B. E. (1996). Violence against elderly people. The Mount Sinai Journal of Medicine63(2), 97-100.; Dow & Joosten, 2012Dow, B., & Joosten, M. (2012). Understanding elder abuse: A social rights perspective. International Psychogeriatrics24(6), 853-855.; Swagerty, Takahashi, & Evans, 1999Swagerty, J. R., Takahashi, P. Y., & Evans, J. M. (1999). Elder mistreatment. American Family Physician59(10), 2804-2808.). O sentimento de culpa e vergonha da vítima, o medo de retaliação ou represália por parte do agressor e o receio de ser internado em uma insti-tuição geriátrica também contribuem para um me-nor número de queixas (Cammer Paris, 1996Cammer Paris, B. E. (1996). Violence against elderly people. The Mount Sinai Journal of Medicine63(2), 97-100.).

Em termos de prevalência, ainda não há con-senso referente às estimativas de maus-tratos contra idosos no Brasil. Entre as possíveis razões para isso destacam-se as diferenças nas definições de maus--tratos, os métodos de pesquisa utilizados e a repre-sentatividade das amostras coletadas.

Espíndola e Blay (2007Espíndola, C. R., & Blay, S. L. (2007). Prevalência de maus--tratos na terceira idade: revisão sistemática. Revista de Saúde Pública 41(2), 301-306.), a partir de uma re-visão sistemática da literatura internacional, ava-liaram 11 estudos e encontraram uma grande variabilidade na prevalência de maus-tratos contra idosos (entre 1,6 a 8,0% referente ao abuso geral; 1,2 a 16,5% ao abuso físico; 1,1 a 26,8% ao abuso verbal; 0,0 a 24,6% à negligência; 1,4 a 8,5% ao abuso financeiro/econômico; e 29,6 a 47,0% ao psicológico). Cooper, Selwood e Livingston (2008Cooper, C., Selwood, A., & Livingston, G. (2008). The prevalence of elder abuse and neglect: A systematic review. Age and Ageing37(2), 151-160.), também a partir de uma revisão sistemática, verifi-caram uma variabilidade de 3,2 a 27,5% de pre-valência desse tipo de situação, sendo que 6,0% dos idosos relataram algum tipo de abuso no último mês, 5,0% dos cuidadores afirmaram realizar abuso físico em paciente com demência em um período de um ano e, aproximadamente, 16,0% dos fun-cionários de instituições de cuidados para idosos admitiram realizar abuso psicológico. De acordo com a World Health Organization (2002)World Health Organization. (2002). World report on violence and health. Geneve: Author., a preva-lência dos diferentes tipos de maus-tratos em maiores de 60 anos, considerando-se as suas dife-rentes formas, pode variar entre 4,0 a 6,0%.

Uma pesquisa realizada em Pernambuco encontrou uma prevalência de 20,9% em 315 casos analisados, sendo os maus-tratos psicológicos os mais frequentes (Melo, Cunha, & Falbo Neto, 2006Melo, V. L., Cunha, J. O. C., & Falbo Neto, G. H. (2006). Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materna Infantil6(1), 43-48.). Outro estudo brasileiro verificou que 20,8% dos idosos entrevistados afirmaram já ter sofrido algum tipo de maus-tratos no ambiente familiar (Duque, Leal, Marques, Eskinazi, & Duque, 2012Duque, A. M., Leal, M. C. C., Marques, A. P. O., Eeskinazi, F. M. V., & Duque, A. M. (2012). Violence against the elderly in the home environment: Prevalence and associated factors (Recife, State of Pernambuco). Ciência & Saúde Coletiva 17(8), 2199-2208.). Em estudo internacional foram avaliados 450 portugueses maiores de 60 anos e encontrou uma prevalência que variou de 28,8 a 31,4% de violência (Fraga, Costa, Dias, & Barros, 2012Fraga, S., Costa, D., Dias, S., & Barros, H. (2012). Does interview setting influence disclosure of violence? A study in elderly. Age and Ageing , 41(1), 70-75.). Outro estudo interna-cional, realizado com 9.852 idosos indianos, mos-trou que 11,0% deles sofreram pelo menos um tipo de abuso (físico 5,3%, verbal 10,2%, 5,4% econô-mico, desrespeito 6,0% e negligência 5,2%) (Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.).

Em relação aos tipos de maus-tratos sofridos, Pasinato et al. (2006Pasinato, M. T., Camarano, A. A., & Machado, L. (2006). Idosos vítimas de maus-tratos domésticos: estudo exploratório das informações dos serviços de denún-cia. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (Texto para discussão nº 1200).) verificaram uma maior incidência de negligência (abandono) e abuso físico. Outro estudo identificou a negligência, o abuso financeiro, e o abuso emocional (agressão verbal) e físico como mais frequentes (Souza, Freitas, & Queiroz, 2007Souza, J. A. V., Freitas, M. C., & Queiroz, T. A. (2007). Violência contra idosos: análise documental. Revista Brasileira de Enfermagem 60(3), 268-272.). Pinto, Barham e Albuquerque (2013Pinto, F. N. F. R., Barham, E. J., & Albuquerque, P. P. (2013). Idosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções. Estudos e Pes-quisas em Psicologia, 13(3), 1159-1181.) analisaram 712 prontuários de um serviço de disque-denúncia de uma cidade no interior de São Paulo e verificaram que a maioria dos casos envolvia negligência ou abandono (85,0%). Nesse estudo, não foi encontrado nenhum registro de violência sexual.

Os maus-tratos contra idosos podem causar diversas consequências. O abuso físico pode oca-sionar contusões e quedas. O financeiro pode levar à perda da autonomia e o psicológico pode resultar em transtornos psiquiátricos e estresse emocional (Mouton, Rodabough, Rovi, Brzyski, & Katerndahl, 2010Mouton, C. P., Rodabough, R. J., Rovi, S. L. D., Brzyski, R. G., & Katerndahl, D. A. (2010). Psychosocial effects of physical and verbal abuse in postmenopausal women. Annals of Family Medicine, 8(3), 206-213.). Lasch, Williams, O'Brien, Pillemer e Charlson (1998), realizaram um estudo longitudinal com 2.812 idosos da comunidade e follow-up de nove anos e verificaram uma forte associação entre a incidência de maus-tratos e auto-negligência e o aumento da mortalidade das vítimas.

Especificamente em relação ao agressor, estudos nacionais e internacionais apontam que, geralmente, é um familiar do idoso (Friedman et al., 2011Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422.; Grossi & Souza, 2003Grossi, P. K., & Souza, M. R. R. (2003). Os idosos e a violência invisibilizada na família. Revista Virtual Textos & Contextos, 2(2), 1-14.; Pinto et al., 2013Pinto, F. N. F. R., Barham, E. J., & Albuquerque, P. P. (2013). Idosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções. Estudos e Pes-quisas em Psicologia, 13(3), 1159-1181.; Quinn & Tomita, 1997Quinn, M. J., & Tomita, S. K. (1997). Elder abuse and neglect: Cause, diagnosis and interventions strategies New York: Springer.; Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.). Segundo Friedman et al. (2011)Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422., 85,0% dos agres-sores são parceiros íntimos ou familiares. O agressor é, tipicamente, um adulto de meia-idade, geral-mente um filho, financeiramente dependente da vítima e com problemas mentais e/ou dependente de álcool e drogas (Grossi & Souza, 2003Grossi, P. K., & Souza, M. R. R. (2003). Os idosos e a violência invisibilizada na família. Revista Virtual Textos & Contextos, 2(2), 1-14.; Quinn & Tomita, 1997Quinn, M. J., & Tomita, S. K. (1997). Elder abuse and neglect: Cause, diagnosis and interventions strategies New York: Springer.; Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.). As mulheres são mais agredidas do que os homens (Friedman et al., 2011Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422.; Melo et al., 2006Melo, V. L., Cunha, J. O. C., & Falbo Neto, G. H. (2006). Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materna Infantil6(1), 43-48.).

Dados de um estudo descritivo, que analisou 3.593 notificações de violência contra idosos brasi-leiros, revelaram que 52,3% das notificações eram referentes ao sexo feminino. A violência física foi significativamente mais frequente no masculino, no grupo entre 60 e 69 anos, praticada fora do domi-cílio por agressores que não eram filhos, com sus-peita de ingestão de bebida alcoólica. A violência psicológica foi mais frequente entre as idosas, pra-ticada pelos filhos, no domicílio, com suspeita de uso de bebida alcoólica. A negligência predominou também entre as mulheres, no grupo a partir de 70 anos, no domicílio, perpetuada pelos filhos. A violência sexual foi mais comum no sexo feminino, por agressores que não eram filhos, mas que consu-miram bebida alcoólica (Mascarenhas et al., 2012Mascarenhas, M. D. M., Andrade, S. S. C. A., Neves, A. C. M., Pedrosa, A. A. G., Silva, M. M. A., & Malta, D. C. (2012). Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Ciência & Saúde Coletiva , 17(9), 2331-2341.).

Um estudo realizou revisão bibliográfica dos últimos cinco anos com pesquisas nacionais sobre essa temática, indexadas na base Scientific Electronic Library Online (SciELO). A partir disso, concluiu que é crescente a prevalência de maus-tratos contra idosos e que eles ocorrem mais frequentemente no ambiente doméstico, sendo, na maioria das vezes, subnotificados. Além disso, os autores apontaram que a produção científica sobre essa temática ainda é bastante escassa (Castro, Guilam, Sousa, & Mar-condes, 2013Castro, A. P., Guilam, M. C. R., Sousa, E. S. S., & Mar-condes, W. B. (2013). Violência na velhice: abordagens em periódicos nacionais indexados. Ciência & Saúde Coletiva18(5), 1283-1292.).

Dessa maneira, o presente estudo teve por objetivo verificar a prevalência e os tipos de maus--tratos sofridos por idosos do município de Porto Alegre (RS), registrados na Delegacia de Proteção ao Idoso. Além disso, pretendeu descrever o perfil da vítima e do agressor e identificar os motivos rela-tados relacionados à ocorrência de maus-tratos nesse grupo etário.

Método

Instrumentos

Realizou-se um estudo documental, retros-pectivo, a partir da análise dos dados dos boletins de ocorrência da Delegacia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre registrados nos meses de abril e maio de 2011. A escolha desse período se deu por ser se tratar dos dois meses imediatamente ante-riores ao início da coleta de dados desta pesquisa e por estes serem, na época, os casos mais recentes de denúncias. A coleta de dados ocorreu no período de junho a dezembro de 2011. O encerramento dessa etapa ocorreu em razão da grande incidência do aparecimento das informações, ou seja, o nú-mero total de boletins analisados foi determinado por meio do critério de saturação dos dados (Flick, 2004Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa (2ª ed.). Porto Alegre: Bookman.). A partir desse levantamento, foram identi-ficados a ocorrência e os tipos de maus-tratos sofri-dos pelos idosos, assim como o perfil da vítima e do agressor, perfazendo uma análise total de 224 boletins de ocorrência.

A definição dos tipos de maus-tratos foi realizada de acordo com a classificação de Dow e Joosten (2012Dow, B., & Joosten, M. (2012). Understanding elder abuse: A social rights perspective. International Psychogeriatrics24(6), 853-855.) e Machado e Queiroz (2006Machado, L., & Queiroz, Z. V. (2006). Negligência e maus-tratos. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & L. M. Gorzoni (Eds.), Tratado de geriatria e geron-tologia (pp.1152-1159). Rio de Janeiro: Koogan.), que incluem as situações de maus-tratos físicos, psico-lógicos, abuso financeiro ou material, abuso sexual e negligência. Para caracterização do perfil da vítima foram analisadas as variáveis sexo, idade, estado civil, escolaridade e cor autorrelatada, enquanto o perfil do agressor foi identificado através das va-riáveis sexo, idade e grau de parentesco com a víti-ma. Além disso, realizou-se uma análise qualitativa dos motivos que levaram à ocorrência dos maus--tratos.

Procedimentos

O presente projeto de pesquisa foi subme-tido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) sob o número 10/0521. Obteve-se ainda a autorização da chefia de polícia do Estado do Rio Grande do Sul para realização da pesquisa na Delegacia do Idoso de Porto Alegre (RS). A coleta de dados foi realizada na própria delegacia e as informações foram armazenadas em um banco de dados elaborado no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para ambiente Windows, versão 17.0.

As categorias de maus-tratos foram criadas a partir das definições de Dow e Joosten (2012Dow, B., & Joosten, M. (2012). Understanding elder abuse: A social rights perspective. International Psychogeriatrics24(6), 853-855.) e Machado e Queiroz (2006Machado, L., & Queiroz, Z. V. (2006). Negligência e maus-tratos. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & L. M. Gorzoni (Eds.), Tratado de geriatria e geron-tologia (pp.1152-1159). Rio de Janeiro: Koogan.), que incluem as si-tuações de maus-tratos físicos, psicológicos, abuso financeiro ou material, abuso sexual e negligência. Adotou-se o critério semântico para a identificação de categorias, baseadas no agrupamento de ele-mentos de significados mais próximos que com-punham os dados dos boletins de ocorrência. Depois disso, foi realizada a contagem da frequência final dos elementos nas categorias. Estes foram catego-rizados segundo a análise de dois juízes inde-pendentes, com grau de concordância de 100%.

As categorias para os motivos que levaram à ocorrência dos maus-tratos foram elaboradas de acordo com a análise de conteúdo de Bardin (2012Bardin, L. (2012). Análise de conteúdo (3ª ed.). Lisboa: Edições 70.) e foram construídas de acordo com a frequência com que os temas surgiam nos boletins de ocor-rência. A classificação dos elementos das categorias ocorria a partir da identificação do que tinham em comum, permitindo seu agrupamento. Em seguida, foi realizada a contagem da frequência final dos elementos nas categorias. Estes foram categoriza-dos segundo a análise de dois juízes independentes, com grau de concordância de 100%.

Os dados foram investigados através de frequências absolutas e relativas da ocorrência das categorias dos tipos e motivos para os maus-tratos. Utilizou-se, ainda, análise descritiva por meio de média e desvio-padrão para as variáveis sexo, idade, escolaridade, estado civil e cor da pele para caracte-rização da vítima de maus-tratos, e as variáveis sexo, idade, parentesco e o local onde praticaram a si-tuação de maus-tratos para compor o perfil dos agressores.

Resultados

Dentre os 224 boletins de ocorrência ava-liados, verificou-se que 175 (78,1%) denunciavam situações de maus-tratos e 49 (21,8%) situações de perda de documentos, desaparecimento de pes-soas, entre outros. A Figura 1 apresenta os tipos de maus-tratos identificados, sendo o mais frequente o psicológico (47,4%), seguido pelo abuso finan-ceiro ou material (17,7%), físico (14,3%), múltiplo (14,3%) e negligência (6,3%). Dentre os maus--tratos múltiplos, que incluem a ocorrência de mais de um tipo, os mais frequentes foram as com-binações psicológico e físico (28,0%), psicológico e financeiro (24,0%), psicológico, financeiro e físico (16,0%), psicológico, financeiro e negligência (12,0%), seguido pelo financeiro e físico (8,0%), financeiro e negligência (8,0%) e, por último, maus-tratos físi-cos e abuso sexual (4,0%).

Figura 1
Frequência e classificação dos maus-tratos.

O perfil do idoso vítima de maus-tratos está caracterizado na Tabela 1. Observa-se que a vítima, na maioria das vezes, é mulher (78,9%), com média de idade de 70 anos, sem companheiro, ou seja, viúva, solteira ou separada (54,2%), com baixa escolaridade e da cor branca (78,3%).

Tabela 1
Perfil do idoso exposto a maus-tratos. Porto Alegre (RS), 2011

Na Tabela 2, são apresentadas as caracte-rísticas do agressor. No presente estudo, observou--se que, na maioria das vezes, o agressor era um adulto do sexo masculino (68,6%), com idade média de 46 anos, familiar da vítima (62,8%), com pre-dominância dos filhos (66,4%), seguido por com-panheiro (22,7%) e outros familiares (10,9%). Em relação ao local de ocorrência de maus-tratos, ve-rificou-se que 84,6% ocorreram na residência do idoso, 9,6% em estabelecimentos comerciais, 2,9% em clínicas/hospitais e 2,9% em via pública (rua).

Tabela 2
Perfil do agressor. Porto Alegre (RS), 2011

Na Tabela 3, são apresentados os motivos relatados os quais levaram à ocorrência dos maus--tratos. A análise qualitativa dos dados produziu as seguintes categorias de motivos: 1) interesse finan-ceiro do agressor no idoso (26,6%); 2) o idoso apresenta-se vulnerável (21,7%), ou seja, com al-guma doença ou limitação física; 3) o agressor é usuário de drogas ou álcool (17,2%); 4) problemas com os vizinhos (11,8%); cobrança de dívidas (11,3%); 5) discussão com familiares (7,9%); e 6) outros (3,5%).

Tabela 3
Motivos relacionados aos maus-tratos. Porto Alegre (RS), 2011

Discussão

Maus-tratos contra idosos é um fenômeno antigo, mas recentemente constituiu-se em um te-ma de interesse científico (Araújo & Lobo Filho, 2009Araújo, L. F., & Lobo Filho, J. G. (2009). Análise psicossocial da violência contra idosos. Psicologia: Reflexão e Crí-tica22(1), 153-160.). A partir dessa questão, este estudo objetivou identificar e descrever situações de maus-tratos a idosos, o perfil da vítima e do agressor e os motivos relacionados à ocorrência de maus-tratos nesse grupo etário.

Os resultados do presente estudo mostraram que, dentre os boletins de ocorrência analisados, a maioria das denúncias eram de situações de maus--tratos, sendo o tipo mais frequente o psicológico, cometido pelos familiares dentro do domicílio do idoso. Esses resultados são semelhantes aos en-contrados em outros trabalhos (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2000; Friedman et al., 2011Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422.; Melo et al., 2006Melo, V. L., Cunha, J. O. C., & Falbo Neto, G. H. (2006). Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materna Infantil6(1), 43-48.; Quinn & Tomita, 1997Quinn, M. J., & Tomita, S. K. (1997). Elder abuse and neglect: Cause, diagnosis and interventions strategies New York: Springer.), sendo considerados fortes preditores de transtornos psi-cológicos, como depressão e ansiedade, de auto--negligência e de mortalidade (Dong et al., 2011Dong, X. Q., Simon, M. A., Beck, T. T., Farran, C., McCann, J. J., Mendes de Leon, C. F., Evans, D. A. (2011). Elder abuse and mortality: The role of psychological and social wellbeing. Gerontology, 57(6), 549-558. ; Lachs et al., 1998Lachs, M., Williams, C. S., O'Brien, S., Pillemer, K. A., & Charlson, M. E. (1998). The mortality of elder mistreatment. Journal of the American Medical Association, 280(5), 428-432.; Melo, 2002Mello, J. M. H. (2002). Violência como problema de saúde pública. Ciência e Cultura, 54(1), 52-53.; Mosqueda & Dong, 2011Mosqueda, L., & Dong, X. (2011). Elder abuse and self-neglect: "I don't care anything about going to the doctor, to be honest...". JAMA, 306(5), 532-540.). O risco de mortalidade em idosos que sofrem maus-tratos está associado a níveis mais elevados de sintomas depressivos e níveis mais baixos de rede e engajamento sociais (Dong et al., 2011Dong, X. Q., Simon, M. A., Beck, T. T., Farran, C., McCann, J. J., Mendes de Leon, C. F., Evans, D. A. (2011). Elder abuse and mortality: The role of psychological and social wellbeing. Gerontology, 57(6), 549-558. ). Desta forma, pode-se inferir que os maus-tratos sofridos na velhice parecem contribuir para o desenvolvi-mento de vulnerabilidades emocionais, sociais, físicas e cognitivas.

O abuso psicológico foi o tipo de maus-tratos mais frequente na amostra estudada, provavel-mente, por ser decorrente de uma ameaça do agres-sor de abandono e do uso de autoritarismo para manter a submissão do idoso (Araújo & Lobo Filho, 2009Araújo, L. F., & Lobo Filho, J. G. (2009). Análise psicossocial da violência contra idosos. Psicologia: Reflexão e Crí-tica22(1), 153-160.). Essa atitude implica em discriminação e desqualificação do idoso, que acaba se sentindo ameaçado e desvalorizado. Uma hipótese de expli-cação para a maior ocorrência de maus-tratos psico-lógicos seria a de que esse tipo envolve a discussão de problemas familiares e de negociações finan-ceiras que são feitas verbalmente.

O abuso financeiro ou material apareceu como o segundo tipo mais prevalente. Este pode estar relacionado à dependência do familiar à renda do idoso (Grossi & Souza, 2003Grossi, P. K., & Souza, M. R. R. (2003). Os idosos e a violência invisibilizada na família. Revista Virtual Textos & Contextos, 2(2), 1-14.) ou da incapacidade do idoso de gerenciar sua própria vida financeira. Sanches, Lebrão e Duarte (2008Sanches, A. P. R. A., Lebrão, M. L., & Duarte, Y. A. O. (2008). Violência contra idosos: uma questão nova? Saúde17(3), 90-100.) apontam que esse tipo de maus-tratos não está relacionado à classe social da vítima, pois ocorre tanto nas mais privile-giadas, quanto nas com menos posses.

De maneira geral, os maus-tratos foram pra-ticados principalmente por filhos, do sexo mascu-lino, de meia-idade e que apresentaram interesse financeiro na vítima. Esse dado corrobora os acha-dos de outros estudos (Faleiros, 2007Faleiros, V. P. (2007). Violência contra a pessoa idosa ocorrências, vítimas e agressores. Brasília: Universa.; Nogueira, Freitas, & Almeida, 2011Nogueira, C. F., Freitas, M. C., & Almeida, P. C. (2011). Violência contra idosos no município de Fortaleza, CE: uma análise documental. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia14(3), 543-554.; Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.) os quais apontam que a maioria dos agressores, em torno de 50 a 60%, são familiares, especial-mente os filhos das vítimas. Além disso, observou--se que o uso de drogas ou álcool pelo agressor está entre os principais motivos que levam à agres-são, constituindo-se, portanto, em um fator de risco (Machado & Queiroz, 2006Machado, L., & Queiroz, Z. V. (2006). Negligência e maus-tratos. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & L. M. Gorzoni (Eds.), Tratado de geriatria e geron-tologia (pp.1152-1159). Rio de Janeiro: Koogan.; Pinto et al., 2013Pinto, F. N. F. R., Barham, E. J., & Albuquerque, P. P. (2013). Idosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções. Estudos e Pes-quisas em Psicologia, 13(3), 1159-1181.).

No presente estudo, a maior frequência de maus-tratos ocorreu no ambiente familiar, como constatado em outras pesquisas (Duque et al., 2012Duque, A. M., Leal, M. C. C., Marques, A. P. O., Eeskinazi, F. M. V., & Duque, A. M. (2012). Violence against the elderly in the home environment: Prevalence and associated factors (Recife, State of Pernambuco). Ciência & Saúde Coletiva 17(8), 2199-2208.; Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.; Oliveira, Trigueiro, Fernan-des, & Silva, 2013Oliveira, A. A. V., Trigueiro, D. R. S., Fernandes, M. G. M., & Silva, A. O. (2013). Maus-tratos a idosos: revisão integrativa da literatura. Revista Brasileira de Enfer-magem, 66(1), 128-133. ; Souza et al., 2010Souza, D. J., Whita, H. J., Soares, L. M., Nicolosi, G. T., Sintra, F. A., & D'Elboux, M. J. (2010). Maus-tratos contra idosos: atualização dos estudos brasileiros. Revista Brasileira de Gerontologia, 13(2), 321-328.). O fato de a pessoa idosa ser predominantemente maltratada por um familiar, dentro da sua própria residência, tem implicações importantes. A família é a fonte primária de interação, cuidado e aprendizagem ao longo do desenvolvimento e isso não muda na velhice. Na medida em que a idade avança e há um afastamento do trabalho, o indivíduo tende a res-tringir suas interações sociais e a aumentar o conta-to com os familiares (Porto & Koller, 2006Porto, I., & Koller, S. H. (2006). Violência na família contra pessoas idosas. Interações12(22), 105-142.). Essa relação pode se intensificar quando o idoso tem sua autonomia prejudicada por doenças e incapaci-tações e os familiares adquirem a função de cuida-dores.

Faleiros (2007Faleiros, V. P. (2007). Violência contra a pessoa idosa ocorrências, vítimas e agressores. Brasília: Universa.) afirma que a perpetração de maus-tratos por membros da família vulnerabiliza o idoso e este se torna receoso de fazer as denún-cias. Em decorrência dessa situação, as vítimas ten-dem a minimizar a gravidade da agressão e a se mostrar leais aos seus agressores. Assim, os idosos vítimas de maus-tratos, frequentemente, negam--se a adotar medidas legais contra membros da fa-mília ou a discutir sobre esse assunto com terceiros (Cammer Paris, 1996Cammer Paris, B. E. (1996). Violence against elderly people. The Mount Sinai Journal of Medicine63(2), 97-100.; Harrell et al., 2002Harrell, R., Toronjo, C. H., Mclaughlin, J., Pavlik, V. N., Hyman, D. J., & Dyer, C. B. (2002). How geriatricians identify elder abuse and neglect. The American Journal of the Medical Science323(1), 34-38.). Minayo (2003Minayo, M. C. S. (2003). Violência contra idosos: rele-vância para um velho problema. Cadernos de Saúde Pública 19(3), 783-791.) afirma que os maus-tratos contra os maiores de 60 anos são abrangentes e disseminados em nosso país, evidenciando-se em abusos físicos, psico-lógicos, sexuais e financeiros e em negligências que não chegam aos serviços de saúde.

O contexto vivido por idosos que sofrem maus-tratos aponta uma situação de invisibilidade, ou seja, não há o reconhecimento social, político e pessoal do idoso enquanto cidadão. O idoso mal-tratado ainda é associado às representações de doença, fragilidade e dependência. Com isso, a sua individualidade acaba sendo desrespeitada e o mesmo passa a ser visto como um indivíduo sem capacidade de decisão (Sanches et al., 2008Sanches, A. P. R. A., Lebrão, M. L., & Duarte, Y. A. O. (2008). Violência contra idosos: uma questão nova? Saúde17(3), 90-100.). A vivência de situações de maus-tratos podem trazer diversas consequências, como isolamento social e surgimento de sintomas depressivos, os quais po-dem ir se agravando.

No que diz respeito ao perfil da vítima, o estudo encontrou que, na maioria das vezes, trata-se do sexo feminino, com idade avançada, sem com-panheiro (viúva, solteira ou separada) e de baixa escolaridade, resultado semelhante ao encontrado em outros trabalhos (Acierno et al., 2010Acierno, R., Hernandez, M. A., Amastadter, A. B., Resnick, H. S., Steve, K., Muzzi, W., & Kilpatrick, D. G. (2010). Prevalence and correlates of emotional, physical, sexual, and financial abuse and potential neglect in the United States: The National Elder Mistreatment StudyAmerican Journal of Public Health100(2), 292-297.; Duque et al., 2012Duque, A. M., Leal, M. C. C., Marques, A. P. O., Eeskinazi, F. M. V., & Duque, A. M. (2012). Violence against the elderly in the home environment: Prevalence and associated factors (Recife, State of Pernambuco). Ciência & Saúde Coletiva 17(8), 2199-2208.; Friedman et al., 2011Friedman, L. S., Avila, S., Tanouye, K., & Joseph, K. (2011). Case-control study of severe physical abuse of older adults. Journal of the American Geriatrics Society5(3), 417-422.; Melo et al., 2006Melo, V. L., Cunha, J. O. C., & Falbo Neto, G. H. (2006). Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materna Infantil6(1), 43-48.; Nogueira et al., 2011Nogueira, C. F., Freitas, M. C., & Almeida, P. C. (2011). Violência contra idosos no município de Fortaleza, CE: uma análise documental. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia14(3), 543-554.; Quinn & Tomita, 1997Quinn, M. J., & Tomita, S. K. (1997). Elder abuse and neglect: Cause, diagnosis and interventions strategies New York: Springer.; Oliveira et al., 2013Oliveira, A. A. V., Trigueiro, D. R. S., Fernandes, M. G. M., & Silva, A. O. (2013). Maus-tratos a idosos: revisão integrativa da literatura. Revista Brasileira de Enfer-magem, 66(1), 128-133. ; Skirbekk & James, 2014Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8.; Thomson et al., 2011Thomson, M. J., Lietzau, L. K., Doty, M. M., Cieslik, L., Williams, R., & Meurer, L. N. (2011). An analysis of elder abuse rates in Milwaukee County. Wisconsin Medical Journal110(6), 271-276.). A baixa escolaridade aumenta a necessidade de assistência para a administração financeira (Machado & Queiroz, 2006Machado, L., & Queiroz, Z. V. (2006). Negligência e maus-tratos. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & L. M. Gorzoni (Eds.), Tratado de geriatria e geron-tologia (pp.1152-1159). Rio de Janeiro: Koogan.) e diminui o acesso do idoso às redes de cuidado disponíveis, tornando-o mais dependente do familiar. Para Skirbekk e James (2014)Skirbekk, V., & James, K. S. (2014). Abuse against elderly in India: The role of education. BMC Public Health, 14(336), 1-8., os idosos que têm pelo menos oito anos ou mais de escolaridade apre-sentam uma probabilidade significativamente menor de sofrer maus-tratos, pois possuem um nível crítico mínimo que os capacita a reduzir ou evitar abusos. Além disso, os mesmos autores afirmam que os idosos que estão sozinhos, ou seja, sem o apoio de um parceiro são os mais vulneráveis a abusos. A baixa escolaridade e a ausência de um companheiro constituem-se, portanto, em fatores de risco para a ocorrência de maus-tratos em idosos. Assim, o acesso à educação formal no Brasil por pessoas idosas poderia levar a diminuição da incidência de maus-tratos, atuando como um fator protetor e contribuindo para o aumento da inde-pedência e da autonomia.

Os dados deste estudo foram coletados em boletins de ocorrência da Delegacia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre, ou seja, abrange exclusi-vamente casos que foram denunciados. É impor-tante ressaltar que as vítimas, muitas vezes, acabam não denunciando os agressores por medo de serem abandonadas pelos familiares e por serem depen-dentes (econômica e/ou fisicamente) destes. Sendo assim, é possível que os maus-tratos contra idosos sejam ainda mais prevalentes e, portanto, subno-tificados na cidade de Porto Alegre.

Como o número de pessoas maiores de 60 anos na população brasileira está crescendo de maneira exponencial, especialmente aquelas com 80 anos ou mais, a questão dos maus-tratos em idosos também tende a aumentar. Estudos com essa temática são fundamentais, pois quanto mais se conhece sobre esse tipo de ocorrência e suas causas, maior será o número e a qualidade das estratégias de prevenção e de intervenção criadas.

O maior desafio que se apresenta na atuali-dade é como ajudar a vítima de maus-tratos a de-nunciar sem que seja abandonada. A realidade exige que equipes multidisciplinares sejam capacitadas para a identificação de maus-tratos em idosos e para realização de intervenções junto às famílias. Além disso, políticas públicas que incentivem o acesso do idoso à educação e a grupos de convi-vência são fundamentais. Um maior nível de educa-ção resulta em maior acesso a informações, bens e serviços e a instrumentalização do idoso para a resolução de problemas. Já a convivência com outros idosos favorece a criação ou o aumento de uma rede de apoio, auxiliando nos momentos difíceis.

O presente estudo teve como limitação o fato de ter sido realizado com dados de boletins de ocorrência de apenas um município, o que pode não refletir a realidade da população geral. Também foi encontrado um pequeno número de artigos atuais, publicados nos últimos cinco anos, que tra-balhavam com o tema investigado. Por isso, sugere--se a realização de novos estudos com uma abran-gência maior, os quais busquem informações junto a idosos da comunidade e não somente em boletins de ocorrência, a fim de se obter maior conhecimen-to sobre o tema e de elaborar estratégias de pre-venção e intervenção mais eficazes.

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  • Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2013
  • Revisado
    25 Jun 2014
  • Aceito
    18 Set 2014
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