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Percepção de professores de Língua Portuguesa sobre criatividade em produções textuais discentes

Portuguese language teachers' perception of creativity in students' written productions

Resumos

Este estudo investigou a percepção de professores de Língua Portuguesa sobre fatores relacionados à criatividade em produções textuais discentes. Foram entrevistados 12 docentes do segundo ciclo do ensino fundamental (seis de escolas públicas e seis de escolas particulares). Os resultados revelaram ser a elaboração de textos pouco trabalhada pelos professores, tendo sido dada como justificativa a falta de tempo gerada pelo número elevado de alunos e carga horária extensa. Um percentual expressivo de docentes considerou pouco criativas as produções textuais discentes, embora a quase totalidade tenha se avaliado como profissionais inventivos e apontado diversas estratégias para facilitar a escrita de textos criativos em sala de aula. Indicaram, como fatores limitadores à expressão da criatividade nas produções textuais, elementos relacionados aos estudantes, professores e escola. Os resultados trazem implicações para a formação de professores de Língua Portuguesa no que diz respeito à criatividade na redação de textos em sala de aula.

Criatividade; Docentes; Ensino fundamental; Escrita criativa; Produção textual


This study investigated Portuguese language teachers' perceptions of factors associated with creativity in students' written production. Twelve elementary school Portuguese language teachers (six from public schools and six from private schools) were interviewed. The results revealed that written production has not been widely used in school, especially due to teachers' lack of time owing to the high number of students and number of hours of work. A considerable number of teachers considered their students' written production as not very creative although most of them considered themselves as highly creative professionals who make frequent use of several strategies to facilitate creative written production in the classroom. They indicated elements related to the students, teachers, and school as limiting factors to the expression of creativity in written production. The results show impacts on Portuguese language teachers' education and training in terms of creativity in written productions in the classroom.

Creativity; Faculty; Elementary school; Creative writing; Written production


A necessidade de se investir no desenvolvimento das habilidades criativas do aluno tem sido reconhecida de forma crescente nessas últimas décadas. Uma das justificativas para tal é a relevância de se preparar os estudantes para o mundo incerto e complexo do trabalho na sociedade do conhecimento globalizado, que requer pessoas aptas a utilizar sua capacidade criativa. Além de ser apontada como uma das habilidades indispensáveis no século XXI (Hartley & Plucker, 2014Hartley, K. A., & Plucker, J. A. (2014). Teacher use of creativity-enhancing activities in Chinese and American elementary classroom. Creativity Research Journal 26(4), 389-399. http://dx.doi.org/10.1080/10400419.2014.961772
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; Kaufman & Sternberg, 2010Kaufman, J. C., & Sternberg, R. J. (2010). Preface. In J. C. Kaufman & R. J. Sternberg (Eds.), The Cambridge handbook of creativity (pp.xiii-xv).. New York: Cambridge University Press ; Treffinger, Schoonover, & Selby, 2013Treffinger, D. J., Schoonover, P. F., & Selby, E. C. (2013). Educating for creativity & innovationWaco, TX: Prufrock Press.), os benefícios da criatividade para o bem estar emocional e sua associação com motivação e desempenho escolar têm sido também ressaltados (Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2009).Criatividade: múltiplas perspectivasBrasília: Editora UnB.; Fleith & Alencar, 2010Fleith, D. S., & Alencar, E. M. L. S. (2010). A inter-relação entre criatividade e motivação. In E. Boruchovitch, A. Bzuneck, & S. E. R. Guimarães (Eds.), Motivação para aprender (pp.209-230).. Petrópolis: Vozes ; Rubenstein, McCoach, & Siegle, 2013Rubenstein, L. D., McCoach, D. B., & Siegle, D. (2013). Teaching for creativity scales: An instrument to examine teachers' perceptions of factors that allow for the teaching of creativity. Creativity Research Journal 25(3), 324-334. http://dx.doi.org/10.1080/10400419.2013.813807
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; Wechsler & Souza, 2011Wechsler, S. M., & Souza, V. L. T. (2011). Apresentação. In S. M. Wechsler& V. L. T. Souza (Eds.), Criatividade e aprendizagem (pp.7-9). São Paulo: Loyola ). Essas são algumas das razões que levaram diversos países a introduzir políticas educacionais voltadas para o desenvolvimento do potencial criativo de estudantes (Cheung & Leung, 2013Cheung, R. H. P., & Leung, C. H. (2013). Preschool teachers' beliefs of creative pedagogy: Important for fostering creativity. Creativity Research Journal25(4), 397-407. http://dx.doi.org/10.1080/10400419.2013.843334
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; Hartley & Plucker, 2014Hartley, K. A., & Plucker, J. A. (2014). Teacher use of creativity-enhancing activities in Chinese and American elementary classroom. Creativity Research Journal 26(4), 389-399. http://dx.doi.org/10.1080/10400419.2014.961772
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; Smith-Bingham, 2007Smith-Bingham, R. (2007). Public policy, innovation and the need for creativity. In N. Jackson, M. Oliver, M. Shaw, & J. Wisdom (Eds.), Developing creativity in higher education (pp.10-18).. London: Routledge ). De forma similar, no Brasil, o desenvolvimento desse potencial como um dos objetivos educacionais encontra-se incluído em diretrizes governamentais (Brasil, 2004Brasil. Ministério da Educação. (2004). Ensino fundamental de 9 anos: orientações gerais Brasília: MEC.; 2007Brasil. Ministério da Educação. (2007). Séries/anos finais do ensino fundamental. Brasília: MEC ). Entretanto, o sucesso dessas diretrizes está em serem transformadas em práticas efetivas na sala de aula.

Observa-se que, embora a criatividade seja, muitas vezes, considerada importante pelos professores e que exista uma vasta literatura a respeito de características de ambientes educacionais e procedimentos didáticos que estimulam a expressão criativa (Alencar, 2007Alencar, E. M. L. S. (2007). O papel da escola na estimulação do talento criativo. In D. S. Fleith & E. M. L. S. Alencar (Eds.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp.151-162). Porto Alegre: ArtMed.; 2009Alencar, E. M. L. S. (2009). Como desenvolver o potencial criador (11ª ed.)Petrópolis: Vozes.; Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2009).Criatividade: múltiplas perspectivasBrasília: Editora UnB.;Beghetto, 2010Beghetto, R. A. (2010). Creativity in the classroom. In J. C. Kaufman & R. J. Sternberg (Eds.), The Cambridge handbook of creativity (pp.447-466). New York: Cambridge University Press.; Cropley, 2005Cropley, A. J. (2005). Creativity in education and learningLondon: Routledge.; Fleith, 2007Fleith, D. S. (2007). A promoção da criatividade no contexto escolar. In A. M. R. Virgolim (Ed.), Talento criativo:expressão em múltiplos contextos (pp.144-157).. Brasília: Editora UnB ;2011Fleith, D. S. (2011). Desenvolvimento da criatividade na educação fundamental: teoria, pesquisa e prática. In S. M. Wechsler & V. L. T. Souza (Eds.), Criatividade e aprendizagem: caminhos e descobertas em perspectiva internacional (pp.33-51). São Paulo: Loyola.; Fleith & Alencar, 2006Fleith, D. S., & Alencar, E. M. L. S. (2006). Percepção de alunos do ensino fundamental quanto ao clima de sala de aula para criatividade. Psicologia em Estudo11(3), 513-521.; Kaufman, Beghetto, & Pourjalali, 2011Kaufman, J. C., Beghetto, R. A., & Pourjalali, S. (2011). Criatividade na sala de aula: uma perspectiva internacional. In S. M. Wechsler& V. L. T. Souza (Eds.), Criatividade e aprendizagem (pp.53-72). São Paulo: Loyola ; Martínez, 2003Martínez, A. M. (2003). Criatividade, personalidade e educação. São Paulo: Papirus.;Nakano & Wechsler, 2007Nakano, T. C., & Wechsler, S. M. (2007). Identificação e avaliação do talento criativo. In D. S. Fleith & E. M. L S. Alencar (Eds.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp.87-98).. Porto Alegre: ArtMed ; Treffinger et al., 2013Treffinger, D. J., Schoonover, P. F., & Selby, E. C. (2013). Educating for creativity & innovationWaco, TX: Prufrock Press.; Wechsler, 2002Wechsler, S. M. (2002). Criatividade:descobrindo e encorajando. Campinas: Livro Pleno.), tem sido constatado que o desenvolvimento da mesma não constitui prioridade nos diversos níveis de ensino, não recebendo as habilidades criativas a atenção devida. De modo geral, o ensino se apresenta de maneira formal e tradicional, baseado no modelo de motivação extrínseca e de avaliação por notas. A maioria dos professores desconhece os efeitos positivos de uma prática docente mais criativa para a motivação e participação do aluno em sala de aula e carece de informações suficientes relativas a procedimentos incentivadores da criatividade discente (Alencar, Fleith, Boruchovitch, & Borges, 2015; Oliveira & Alencar, 2012Oliveira, E. B. P., & Alencar, E. M. L. S. (2012). Importância da criatividade na escola e no trabalho docente segundo coordenadores pedagógicos. Estudos de Psicologia (Campinas), 29(4), 541-552. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2012000400009
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).

Pesquisas a respeito de fatores cerceadores à promoção de condições adequadas ao desenvolvimento da criatividade discente (Alencar & Fleith, 2008Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2008). Barreiras à promoção da criatividade no ensino fundamental. Psicologia:Teoria e Pesquisa24(1), 59-66.; 2010Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2010). Criatividade na educação superior: fatores inibidores. Avaliação15(2)201-206.) indicaram como entraves mais apontados pelos professores os relacionados ao aluno, como dificuldades de aprendizagem e desinteresse pelo conteúdo ministrado. Observou-se que apesar de muitos professores apresentarem formação pedagógica aquém do desejável, com reduzido conhecimento a respeito de criatividade, não consideraram este aspecto como um limitador à promoção de condições adequadas ao cultivo da expressão criativa em sala de aula.

No que diz respeito à redação de textos pelo estudante, que poderia ser uma oportunidade ímpar para se trabalhar a produção criativa, o mais frequente é ser utilizada em escolas brasileiras para castigar alunos e turmas irrequietas ou para preencher um tempo ocioso (Costa, 2006Costa, L. M. (2006). Escrever com criatividade (4a ed.). São Paulo: Contexto.). A escola, acostumada a trabalhar com a dicotomia certo/errado, exibe modelos a serem seguidos, deixando de oferecer ao aluno a possibilidade de construir seus próprios métodos criativos. O resultado dessa ideologia dominante são produções textuais muitas vezes corretas, mas isentas de personalidade e de criatividade, vazias de sentido e recheadas de frases feitas (Britto, 2006Britto, L. P. L. (2006). Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares). In J. W. Geraldi & J. Wanderley (Eds.), O texto na sala de aula ( 4a ed., pp.117-127). São Paulo: Ática.; Costa, 2006Costa, L. M. (2006). Escrever com criatividade (4a ed.). São Paulo: Contexto.; Franchi, 2008Franchi, C. (2008). Criatividade e gramática. In S. Possenti (Ed.), Mas o que é mesmo "gramática"? (pp.34-99). São Paulo: Parábola Editorial.).

Nota-se que numerosos estudos foram realizados no país a respeito da extensão em que professores de distintas disciplinas do ensino básico, como Geografia e História, e de cursos da educação superior, como Letras e Pedagogia, utilizavam procedimentos pedagógicos promotores da criatividade, identificando-se ainda fatores facilitadores e inibidores a uma prática pedagógica promotora da expressão criativa (Alencar & Fleith, 2008Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2008). Barreiras à promoção da criatividade no ensino fundamental. Psicologia:Teoria e Pesquisa24(1), 59-66.; Carvalho & Alencar, 2004Carvalho, O., & Alencar, E. M. L. S. (2004). Elementos favorecedores e inibidores da criatividade na prática docente, segundo professores de Geografia. Psico35(2), 213-221.; Mariani & Alencar, 2005Mariani, M. F. M., & Alencar, E. M. L. S. (2005). Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades. Psicologia Escolar e Educacional, 9(1), 27-35.; Oliveira & Alencar, 2007Oliveira, Z. M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2007). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras. Psicologia Escolar e Educacional 11(2), 223-237.; Souza & Alencar, 2006Souza, M. E. M. G., & Alencar, E. M. L. S. (2006). O curso de Pedagogia e condições para o desenvolvimento da criatividade. Psicologia Escolar e Educacional 10(1), 21-30.). Entretanto, uma análise da literatura indica que a criatividade na produção de textos de alunos e elementos que facilitam ou dificultam o professor de língua portuguesa a utilizar estratégias para o fomento da mesma são temas ainda muito pouco explorados, apesar da relevância. Três estudos (Azevedo, 2007Azevedo, C. S. (2007). Escrita criativa em sala de aula do EJA: efeitos sobre a produção textual de alunos(Dissertação de mestrado não-publicada). Universidade Federal de Pelotas.; Bragotto,1994Bragotto, D. (1994). Programa experimental para o desenvolvimento da poética em adolescentes (Dissertação de mestrado não-publicada). Pontifícia Universidade Católica de Campinas.; Silveira Neto & Andrade, 2009Silveira Neto, J. C., & Andrade, M. C. N. (2009). Processos de reescrita e de criatividade na produção de texto em sala de aulaTrabalho apresentado no III Fórum Identidade e Auteridades. Educação, diversidade e questões de gênero. Universidade Federal de Sergipe.) incluíram intervenções utilizando-se a criatividade na escrita ou reescrita de textos, sem analisar, porém, os fatores que facilitam ou dificultam o professor a incentivar a criatividade nas produções textuais de seus alunos. Diante dessa realidade, e considerando o papel do professor no processo de estimulação da criatividade discente, desenvolveu-se o presente estudo, cujos objetivos são: (a) verificar a frequência e a forma como os professores trabalhavam a produção de textos em sala de aula; (b) averiguar como avaliavam as produções textuais dos alunos no que diz respeito à criatividade; (c) identificar se a criatividade foi um tema focalizado na formação do professor no curso de Letras; (d) investigar a percepção que os professores de Língua Portuguesa tinham de sua própria criatividade na tarefa de ensinar a redigir; (e) examinar os procedimentos pedagógicos utilizados para propiciar o desenvolvimento da criatividade na produção textual; e (f) detectar fatores que dificultavam uma maior expressão da criatividade nas produções textuais.

Método

Participantes

Foi utilizada uma amostra de conveniência composta de 12 professores de Língua Portuguesa do segundo ciclo do Ensino Fundamental, sendo seis da rede pública e seis da rede particular de ensino do Distrito Federal. Quatro eram do gênero masculino e oito do feminino, com idades entre 28 e 58 anos (Média - M = 37; Desvio-Padrão - DP = 8,7). No tocante à formação acadêmica, todos eram graduados em Letras, sendo que três haviam concluído apenas a graduação, dois tinham especialização incompleta, seis possuíam especialização completa e um, mestrado completo. A carga horária de trabalho semanal variou de 13 a 44 horas (M = 36,6;DP = 8,3) e o tempo de experiência como docente, de 3 a 21 anos (M = 11,5; DP = 4,7).

Instrumento

Utilizou-se a entrevista semiestruturada, cujo roteiro incluía duas partes. A primeira era composta por questões de identificação e a segunda por perguntas abertas sobre o fenômeno investigado. Nesta última foram incluídos aspectos referentes ao trabalho dos professores no que dizia respeito às produções textuais discentes, por exemplo, a frequência com que estas eram solicitadas em sala de aula. Também foi sondada a percepção que os docentes tinham da criatividade na produção textual dos alunos e na própria tarefa de ensinar a redigir, se a criatividade foi tema focalizado durante a formação dos participantes no curso de graduação, quais os procedimentos pedagógicos que utilizavam para a promoção da criatividade nas produções escritas e quais os fatores que dificultavam uma maior expressão da mesma nas produções textuais.

Procedimentos

Em uma primeira etapa foi feito contato com várias escolas a fim de pedir permissão para entrevistar professores, ocasião em que também foram apresentados os objetivos da pesquisa. Na segunda etapa do trabalho foi conduzido um estudo piloto com dois docentes, com o intuito de verificar a clareza do roteiro de entrevista, bem como prováveis falhas no instrumento e, a partir daí, fazer as adaptações necessárias para o alcance dos objetivos propostos pela investigação. Entretanto, como não houve dificuldade de entendimento das perguntas por parte dos dois professores, suas entrevistas foram incorporadas às demais.

A coleta de dados foi realizada nas escolas em que os docentes lecionavam, em dias e horários previamente agendados, tendo sido as entrevistas gravadas em áudio e posteriormente transcritas literalmente em seu conteúdo. A participação no estudo foi voluntária, tendo sido assegurado aos docentes o caráter confidencial das respostas fornecidas e informado que os dados seriam analisados coletivamente, cumprindo assim as exigências éticas legais. Todos os professores preencheram o Termo de Consentimento Livre e Voluntário.

Utilizou-se a análise de conteúdo seguindo-se as recomendações de Mostyn (1985Mostyn, B. (1985). The content analysis of qualitative research data: A dynamics approach. In M. Brenner, J. Brown, & D. Canter (Eds.),The research interview: Uses and approaches (pp.115-145). London: Academic Press. ), Bardin (2004Bardin, L. (2004). Análise de conteúdoLisboa: Edições 70.) e Bauer (2008Bauer, M. W. (2008). Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (pp.189-217).. Petrópolis: Vozes ). As respostas obtidas foram categorizadas por meio de procedimentos de classificação das unidades de significação. Foi feita, então, a contagem de suas frequências e calculadas as respectivas porcentagens.

Resultados

Uma análise das respostas referentes à frequência de produções de texto indicou que não havia uma ocasião específica para a solicitação destas produções em sala de aula, tendo os docentes apontado que realizavam um trabalho de preparação para a escrita, com explanação sobre determinados temas e debates a respeito de algum acontecimento ou fato da vida cotidiana. Além disso, os professores sublinharam que reconheciam a importância desse exercício para o aprimoramento da escrita, embora apenas cinco disseram solicitar aos alunos produções semanais. Entre os demais, um informou que exigia uma produção textual a cada bimestre, dois requeriam de dois a três textos por bimestre, dois solicitavam uma produção escrita ao mês e dois exigiam produções escritas de 15 em 15 dias.

Constatou-se, pois, que a produção escrita não era uma prática que fazia parte do dia a dia dos estudantes. A maioria dos docentes apontou a falta de tempo, gerada pelo número elevado de alunos e carga horária extensa, como o maior obstáculo para uma prática mais efetiva nesse sentido, situação ilustrada pelas seguintes respostas:

O fator, assim, de serem muitos alunos, muitos textos pra gente corrigir, atrapalha (Professor "A").

Infelizmente o professor de Português... ele tem que dar aula de gramática, de redação, de produção de texto, de interpretação de texto, então fica muito complicado pra gente, sozinho, fazer tudo. Fora o tempo que a gente tem que ter para corrigir as redações (Professor "E").

Ao serem indagados sobre a criatividade nas produções escritas dos estudantes, dois professores alegaram ser difícil encontrar textos criativos entre os produzidos por seus alunos. Um dos docentes, que lecionava em escola pública, apontou a falta de embasamento dos discentes como um fator prejudicial a uma produção textual com essa característica; para ele, as dificuldades básicas com relação à escrita impossibilitavam a criação de textos mais elaborados. Para outro professor, que lecionava em escola particular, o problema estava no conhecimento raso dos educandos; segundo ele, os jovens eram bombardeados por muitas informações, mas não se aprofundavam nelas, gerando textos com pouca textualidade:

A gente tá com alunos que são nativos digitais... Eu percebo que eles têm inúmeras ideias, mas eles têm uma dificuldade absurda de desenvolver as ideias. Então eles têm, eles pincelam, eles fazem exatamente a reprodução do mundo deles... Eu percebo essa dificuldade da profundidade no assunto(Professor "I").

Seis professores afirmaram que apenas algumas produções escritas podiam ser consideradas criativas. Para esses, um texto era considerado inventivo quando estava bem fundamentado, demonstrando conhecimento sobre o assunto, ou quando apresentava teor humorístico ou desafiador. Também o esforço pessoal do aluno, no sentido de produzir algo mais elaborado, de inovar e de surpreender, foi citado como indicador de uma produção criativa. Por outro lado, o medo de ser avaliado e a falta de pré-requisito foram apontados como alguns dos fatores que impediam uma produção textual mais fecunda. Seguem exemplos de respostas obtidas:

Quando eles conhecem a respeito do assunto, e eles têm a ciência do que vão escrever, eles conseguem ser criativos... Senão as redações ficam sem criatividade, acho que por conta também deles não conhecerem sobre o assunto (Professor "H").

Além deles não terem o pré-requisito, eles têm assim o medo de serem julgados

(Professor "D").

Quatro professores consideraram que os textos elaborados em sala eram criativos, sublinhando como indicadores de criatividade o domínio do assunto e o grau de informação apresentado nas produções dos alunos. O acesso a informações através das mídias foi assinalado como fator positivo para o incremento da criatividade e do poder de argumentação, já o excesso de regras e correções como o que mais prejudicava a inventividade de uma produção escrita, por tolher a liberdade do aluno. A poesia foi o tipo de texto mais lembrado como aquele em que a criatividade era mais percebida, por ser o gênero no qual os estudantes se sentiam mais livres para se expressar. A resposta de um desses professores é transcrita a seguir:

Elas são criativas. Acho que o grande problema da docência em Língua Portuguesa é, nessa fase, você começar a corrigir tanta coisa nos textos e fazer com que a criança tenha medo de escrever, porque o resultado nunca é favorável a ela... . Então, eu procuro trabalhar muito com poemas... porque a poesia gera uma certa liberdade e a criatividade aparece mais(Professor "B").

Todos os docentes, sem exceção, afirmaram não ter tido disciplina relacionada à criatividade em seu curso de graduação, sendo esse atributo algo adquirido em outros cursos, outras áreas ou com a prática, como ilustrado na resposta a seguir:

Não, eu não tive nenhuma disciplina relacionada com criatividade. Eu procurei dentro da minha formação fazer disciplinas de outros cursos. Eu fiz disciplinas de artes plásticas. Isso contribuiu bastante (Professor "A").

Apenas três professores alegaram não terem sentido falta de uma disciplina que tratasse do tema, ou por sempre terem se considerado pessoas criativas, ou porque a própria experiência foi lhes mostrando caminhos. Os demais professores (n = 9) alegaram que seria importante ter aulas de criatividade na graduação, principalmente no tocante ao alinhamento entre teoria e prática. Também foi ressaltado que uma disciplina desse tipo no curso de Letras poderia auxiliar o educador a reconhecer e respeitar os alunos mais criativos:

Não, eu não tive. Eu senti falta, porque você começa a trabalhar outras questões, enxergar os alunos na sua diferenciação, respeitar o aluno que é diferente, o aluno que pensa diferente (Professor "G").

Ao avaliarem a própria criatividade no ensino da redação, dos 12 professores entrevistados, 11 se viam como profissionais criativos. Para a maioria destes, a criatividade na docência estava relacionada com o próprio esforço e iniciativa, ou seja, suas aulas eram criativas porque se empenhavam para que isso acontecesse, buscando novidades para os alunos, se atualizando, pesquisando, reinventando formas de ensinar e utilizando todos os recursos disponíveis, a fim de que suas aulas não se tornassem cansativas, como ilustrado na fala transcrita a seguir:

Eu me acho criativa sim... . Não quero nada pronto, eu faço, reinvento, então só por aí eu já acho que sou criativa (Professor "E").

Para alguns dos entrevistados, a criatividade no ensino de redação estava relacionada às características pessoais do próprio docente, como a flexibilidade e a adaptabilidade. Também a capacidade de improvisar foi apontada como uma qualidade:

Eu me considero um professor criativo porque, modéstia à parte, eu consigo trabalhar com o momento, eu consigo improvisar com o que tem, com o momento, com a situação e fazer daquilo uma aula (Professor "A").

O gosto pela arte e as próprias habilidades artísticas do professor foram outras características pessoais, citadas por alguns entrevistados, ao avaliar a sua criatividade no ensino de redação:

Eu gosto muito de arte... . Junta a arte com a língua portuguesa, então eu realmente acho que saem coisas criativas (Professor "E").

Eu tenho muitas habilidades manuais... . Então eu faço eles fazerem muita atividade manual além da redação... . Não tem que ficar preso ao livro (Professor "G").

Apenas um dos professores não demonstrou segurança quanto a sua própria criatividade, embora tivesse ressaltado que se esforçava para utilizá-la. Seu principal receio era perder o controle da turma, o que sugere que a ideia de criatividade deste professor estava relacionada ao excesso de liberdade e à anarquia:

Acho que poderia ser mais criativa. Eu acho que eu fico com medo de perder o controle da disciplina da sala... . Essa questão de eu ser criativa, eu vou querer que eles sejam também, e alguns vão... . Vou ter medo de que alguns extrapolem, que saiam fora do meu controle(Professor "J").

Foram examinadas estratégias utilizadas pelos professores para facilitar o surgimento de textos criativos em sala de aula, inferidas a partir das experiências relatadas pelos entrevistados. Estes apontaram algumas práticas que tinham levado a bons resultados nas produções escritas, como: aumento e diversificação de leituras, utilização de recursos variados para dinamizar as aulas, envolvimento com a arte, maior liberdade para o aluno, menor apego às normas e regras rígidas para a escrita, busca de maior aproximação com a realidade dos educandos aliando teoria à prática, maior incitamento à revisão e reescrita dos textos e divisão da responsabilidade da leitura e da escrita com outras disciplinas, conforme alguns depoimentos transcritos a seguir:

Aumentar o número de leituras é muito importante... . Explorar aquelas tirinhas de cotidiano, ampliar mesmo o exercício da leitura, trabalhar também com textos humorísticos (Professor "A").

Eu acho que tem que envolver música, poesia, pintura, tudo dentro da redação, como incentivo (Professor "F").

Não fugir da realidade... . Muitas vezes os professores vêm de padrões arcaicos e não tentam se renovar, e isso vai distanciando cada vez mais os professores dos alunos deles. Porque a realidade deles é outra, a gente precisa ser próxima da realidade dos nossos alunos... . O mundo é muito rápido, o mundo tá corrido, então, qual é o problema de pedir uma produção escrita de um aluno e a gente produzir isso num blog? (Professor "I").

Além dos procedimentos pedagógicos já utilizados com sucesso, também foram sugeridas algumas ações, mais diretamente ligadas à escola, que poderiam contribuir para o desenvolvimento da criatividade nas produções escritas, como liberdade para que os docentes pudessem desenvolver seu trabalho e, novamente, a divisão da responsabilidade da leitura e da escrita com outras disciplinas, que não somente a Língua Portuguesa:

Quando a escola dá liberdade, o professor cresce... . Se você trabalhar com alegria, com liberdade, você desenvolve (Professor "F").

Eu acho que poderia trabalhar com os outros professores também. A gente deveria ter em mente assim: ler e escrever é compromisso de todos os campos, de todas as matérias. É compromisso de todos. E a gente vê que esse é um compromisso que é jogado pro professor de Português, sendo que poderia ter produções em História, poderia ter produções em Geografia(Professor "K").

Foi também indagado aos entrevistados se eles percebiam o uso, por parte dos demais professores, dos procedimentos considerados por eles como essenciais para o desenvolvimento da criatividade nas produções textuais dos alunos, bem como de práticas adotadas pela escola para este fim. Cinco docentes afirmaram que nem os professores nem a escola têm colocado em ação os procedimentos pedagógicos necessários e os motivos mais alegados para isso foram: ausência de interdisciplinaridade, falta de atualização por parte dos professores, falta de preparo para lidar com alunos criativos e falta de estrutura física e apoio institucional. Um dos docentes apontou como falha da rede pública a ausência de separação entre as aulas de Língua Portuguesa e Redação, sobrecarregando os professores, que optavam por privilegiar o conteúdo dos livros por ser mais prático e gerar menos trabalho. Seguem depoimentos obtidos:

Eu acho que não. Eu acho que a escola deixa muito na mão dos professores. E há professores, infelizmente, dentro da Secretaria de Educação, que não procuram se reciclar, infelizmente (Professor "E").

No geral, eu acho que as escolas não incentivam a criatividade, elas esperam que o aluno tenha uma resposta padrão. E quando ele foge dessa resposta padrão, não tá bom. E os professores não estão preparados pra lidar com as respostas que não são padrão (Professor "G").

Os demais entrevistados (n = 7) afirmaram que tanto a escola quanto os professores realizavam um trabalho positivo no sentido de incentivar a criatividade na escrita, sinalizando os seguintes fatores como os que mais contribuíam para o incremento da mesma: liberdade para trabalhar, proximidade com o universo dos alunos aliando teoria à prática, utilização de mídias complementares, apresentação e aplicação de variedade textual para os alunos e inserção de toda a escola em projetos comuns. Seguem falam ilustrativas:

Aqui em particular, nós colocamos em prática, sim. Os professores, eles sempre trabalham dessa forma... . Utilização dessas mídias complementares, utilização de músicas, de filmes, da internet, e isso acaba por facilitar o aluno na questão de como produzir o texto, de onde tirar as ideias do texto (Professor "L").

Sim, a escola aqui... ela trabalha com muitos projetos, que visa (sic) a questão dos temas transversais e esses projetos trabalham de uma forma mais lúdica, com algumas temáticas, e isso desperta no aluno e incentiva a criatividade dele (Professor "B").

No que diz respeito aos fatores que dificultam uma maior expressão da criatividade nas produções textuais, os participantes tanto se referiram aos alunos quanto aos professores e escola. Quanto aos primeiros, os aspectos mais mencionados foram: falta de leitura, ocasionada pelo desvio de atenção por novas mídias e medo do julgamento alheio. Também a falta de pré-requisito, a ausência da prática de escrita fora do contexto escolar, a carência de incentivo em casa, o desinteresse do aluno e a visão da escrita como um ato punitivo foram apontados como elementos pessoais impeditivos de uma expressão criativa na escrita, conforme declararam alguns entrevistados:

Eles falam bastante, expressam muito oralmente, mas na hora de passar para o papel, eles têm uma dificuldade enorme, muitos por medo... . Eles se preocupam muito em ser avaliados. Então eles evitam escrever... . Além deles não terem o pré-requisito, eles têm assim o medo de serem julgados(Professor "D").

Eu percebo é falta de incentivo de casa... . É falta de desenvolvimento da responsabilidade até mesmo com o fator entregar trabalho, entregar a atividade (Professor "K").

O problema da produção textual no contexto escolar é que muitos alunos acreditam que a redação é um ato punitivo. Chegou atrasado, tem que fazer uma redação. A redação sempre foi vista como algo punitivo para o aluno(Professor "L").

Com relação aos professores, os elementos assinalados como impeditivos de uma ação mais eficaz foram: falta de tempo gerada pelo elevado número de alunos em sala, cobrança de resultados baseada em nota, exigência rigorosa de uma norma padrão e falta de sensibilidade para o reconhecimento do aluno criativo, que acaba se anulando para atender às exigências do professor. Isso pode ser observado nas seguintes respostas:

O fator, assim, de serem muitos alunos, muitos textos pra gente corrigir atrapalha nossa própria capacidade de poder dar resposta, de corrigir mesmo os textos... . Então isso atrapalha, porque a gente poderia cobrar mais(Professor "A").

Muitas vezes esses textos criativos eles não são bem vistos. Tem alguns professores, "ah, ele não tá escrevendo nada com nada"... "fugiu muito da proposta", ou "não era isso que eu queria"... e o aluno acaba pensando mais no que ele acha que vai conseguir com nota do que se expressando livremente(Professor "G").

No que tange à escola, a falta de material, a estrutura inadequada e condições precárias de trabalho, bem como a ausência de incentivo na área de produção de textos foram as falhas mais citadas, mas apenas por professores da rede pública:

Na escola pública, nós somos muito limitados, nós não temos muito material pra trabalhar, nós não temos muito tempo pra poder tá trabalhando esse material com o aluno (Professor "C").

Discussão

Um dos objetivos deste estudo foi investigar a frequência com que eram utilizadas produções de texto em sala de aula por parte de professores de Língua Portuguesa. Foi constatado que, embora os docentes reconhecessem o crédito desse exercício para o progresso na escrita, a produção textual era pouco praticada por ser, segundo eles, uma tarefa que exigia muito de seu tempo devido ao elevado número de alunos em sala e, consequentemente, de textos para corrigir. Tal resultado está em sintonia com pesquisas anteriores sobre barreiras à promoção da criatividade no ensino, em que o elevado número de alunos foi um dos entraves mais apontados (Alencar & Fleith, 2008Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2008). Barreiras à promoção da criatividade no ensino fundamental. Psicologia:Teoria e Pesquisa24(1), 59-66.; 2010Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2010). Criatividade na educação superior: fatores inibidores. Avaliação15(2)201-206.; Alencar et al., 2015Alencar, E. M. L. S., Fleith, D. S., Boruchovitch, E., & Borges, C. N. (2015). Criatividade no ensino fundamental: fatores inibidores e facilitadores segundo gestores educacionais.Psicologia: Teoria e Pesquisa31(1), 105-114; Carvalho & Alencar, 2004Carvalho, O., & Alencar, E. M. L. S. (2004). Elementos favorecedores e inibidores da criatividade na prática docente, segundo professores de Geografia. Psico35(2), 213-221.).

Dos professores entrevistados, apenas um número reduzido desenvolvia um trabalho mais ativo de produção textual pelos alunos. Assim, ainda que houvesse duas aulas de redação por semana, uma delas era dedicada à interpretação de textos e apenas uma à escrita propriamente dita. Isso vai de encontro ao que apregoam vários autores, entre eles, Sawyer (2012Sawyer, R. K. (2012). Explaining creativity (2nd ed.). New York: Oxford University Press.), o qual, ao focalizar a criatividade no domínio da escrita, sinaliza que somente se pode adquirir competência na mesma por meio de muito exercício.

No que tange à percepção dos professores sobre a criatividade nas produções textuais, chamou-nos a atenção o fato de vários docentes terem relacionado criatividade à liberdade e à arte, assim como ocorre no senso comum. A associação entre criatividade e artes, acreditando-se que a primeira se manifesta apenas em produções relacionadas à segunda, é uma das ideias errôneas largamente discutidas na literatura de criatividade (Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2009).Criatividade: múltiplas perspectivasBrasília: Editora UnB.; Treffinger et al., 2013Treffinger, D. J., Schoonover, P. F., & Selby, E. C. (2013). Educating for creativity & innovationWaco, TX: Prufrock Press.).

Professores alegaram também ser a poesia o gênero em que se podia perceber com mais frequência a capacidade criativa dos alunos, devido ao caráter de liberdade que acompanha o gênero e por ser este o espaço em que os alunos poderiam falar de questões mais subjetivas. Se considerarmos que a poesia é cheia de regras (há que se atentar para a rima, a métrica, a separação das estrofes, a musicalidade etc.), as declarações não se justificam. Franchi (2008Franchi, C. (2008). Criatividade e gramática. In S. Possenti (Ed.), Mas o que é mesmo "gramática"? (pp.34-99). São Paulo: Parábola Editorial.) observa que tem sido comum entre os professores uma atitude negativa quanto à possibilidade de exploração criativa da gramática. Um dos motivos, segundo o autor, é que enquanto a criatividade é produto de uma conduta original, assistemática e dinâmica, a gramática, de forma contrária, representa "assujeitamento" dessa liberdade a determinados padrões teóricos e formais. Desse modo, de acordo com o autor, é comum muitos professores ainda acreditarem que a criatividade só pode vir à tona quando o aluno se expressa livremente, o que faz com que pensem que apenas a poesia, a arte, a música, a expressão corporal, o desenho livre sejam apropriados à expressão da mesma.

De forma consistente com pesquisas prévias (Oliveira & Alencar, 2007Oliveira, Z. M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2007). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras. Psicologia Escolar e Educacional 11(2), 223-237.), evidenciou-se a concordância dos entrevistados a respeito da importância de uma disciplina relacionada à criatividade na licenciatura, tendo vários deles ressaltado que a graduação deixava muito a desejar no que dizia respeito à prática, o que significa uma lacuna em sua formação. Essa constatação reforça o que apregoam alguns autores (Beghetto, 2010Beghetto, R. A. (2010). Creativity in the classroom. In J. C. Kaufman & R. J. Sternberg (Eds.), The Cambridge handbook of creativity (pp.447-466). New York: Cambridge University Press.; Martínez, 2003Martínez, A. M. (2003). Criatividade, personalidade e educação. São Paulo: Papirus.;Oliveira & Alencar, 2007Oliveira, Z. M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2007). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras. Psicologia Escolar e Educacional 11(2), 223-237.; Souza & Alencar, 2006Souza, M. E. M. G., & Alencar, E. M. L. S. (2006). O curso de Pedagogia e condições para o desenvolvimento da criatividade. Psicologia Escolar e Educacional 10(1), 21-30.) a respeito da necessidade de existir, não somente uma disciplina de criatividade, mas um sistema de ensino-aprendizagem criativo, onde os futuros professores possam vivenciar o que posteriormente farão na prática, pois, apesar de admitir o valor da criatividade para uma boa aula, muitos sentem dificuldade em incluí-la optando por seguir estratégias previamente estabelecidas no livro didático quando possível.

No tocante às práticas pedagógicas utilizadas para um maior afloramento da criatividade nas produções textuais dos alunos, os entrevistados apontaram vários procedimentos, entre eles a utilização de recursos variados para dinamizar as aulas, maior liberdade para o aluno se expressar, aproximação com a realidade dos educandos, menor apego às normas e regras rígidas, procedimentos estes típicos do professor interessado no desenvolvimento do potencial criativo de seus alunos (Alencar, 2007Alencar, E. M. L. S. (2007). O papel da escola na estimulação do talento criativo. In D. S. Fleith & E. M. L. S. Alencar (Eds.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp.151-162). Porto Alegre: ArtMed.; Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2009).Criatividade: múltiplas perspectivasBrasília: Editora UnB.; Cropley, 2005Cropley, A. J. (2005). Creativity in education and learningLondon: Routledge.; Fleith, 2007Fleith, D. S. (2007). A promoção da criatividade no contexto escolar. In A. M. R. Virgolim (Ed.), Talento criativo:expressão em múltiplos contextos (pp.144-157).. Brasília: Editora UnB ; Wechsler, 2002Wechsler, S. M. (2002). Criatividade:descobrindo e encorajando. Campinas: Livro Pleno.). Por outro lado, para um número expressivo de docentes não há, por parte dos professores de modo geral e da escola, empenho em utilizar procedimentos pedagógicos que estimulem a produção criativa discente, o que já havia sido anteriormente apontado em pesquisas com amostras de professores de outras disciplinas (Carvalho & Alencar, 2004Carvalho, O., & Alencar, E. M. L. S. (2004). Elementos favorecedores e inibidores da criatividade na prática docente, segundo professores de Geografia. Psico35(2), 213-221.; Mariani & Alencar, 2005Mariani, M. F. M., & Alencar, E. M. L. S. (2005). Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades. Psicologia Escolar e Educacional, 9(1), 27-35.) do Ensino Fundamental e da educação superior (Amaral & Martínez, 2009Amaral, A. L. N., & Martínez, A. M. (2009). Aprendizagem criativa no ensino superior: a significação da dimensão subjetiva. In A. M. Martínez & M. C. V. R. Tacca (Eds.), A complexidade da aprendizagem: destaque ao ensino superior(pp.149-192). Campinas: Alínea.; Oliveira & Alencar, 2007Oliveira, Z. M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2007). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras. Psicologia Escolar e Educacional 11(2), 223-237.; Souza & Alencar, 2006Souza, M. E. M. G., & Alencar, E. M. L. S. (2006). O curso de Pedagogia e condições para o desenvolvimento da criatividade. Psicologia Escolar e Educacional 10(1), 21-30.).

No que diz respeito aos fatores que dificultavam a expressão da criatividade nas produções de texto dos alunos, de forma similar ao observado em estudos anteriores com amostras de professores da educação superior (Alencar & Fleith, 2010Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2010). Criatividade na educação superior: fatores inibidores. Avaliação15(2)201-206.; Lima & Alencar, 2014Lima, V. B. F., & Alencar, E. M. L. S. (2014). Criatividade em programas de pós-graduação em educação: práticas pedagógicas e fatores inibidores. Psico-USF19(1), 61-72.; Oliveira & Alencar, 2007Oliveira, Z. M. F., & Alencar, E. M. L. S. (2007). Criatividade na formação e atuação do professor do curso de Letras. Psicologia Escolar e Educacional 11(2), 223-237.), elementos relacionados ao aluno (como a falta de leitura e de pré-requisito e carência de incentivo em casa), ao professor (como falta de tempo devido ao elevado número de alunos em sala) e à escola (como estrutura inadequada e condições precárias de trabalho) foram apontados. Entretanto, em contraste com as pesquisas anteriormente citadas, em que o maior número de entraves à expressão da criatividade dizia respeito ao aluno, no presente estudo os elementos restritores se distribuíram igualmente entre alunos, professores e escola.

Embora a amostra desta pesquisa tenha sido pequena e os seus resultados não possam ser generalizados, ela trouxe contribuições para ampliar o conhecimento a respeito da criatividade no ensino, em especial, na produção de textos, tópico este pouco explorado pela literatura disponível. Os dados obtidos apontam que os participantes relacionaram várias estratégias pedagógicas utilizadas por eles para favorecer a expressão da criatividade discente na sua produção textual. Entretanto, sublinharam também a necessidade dos professores reverem as suas práticas no sentido de fomentar a expressão criativa nessa atividade, paralelamente a um incentivo maior por parte da escola e condições mais adequadas de trabalho. Em função da diversidade de elementos sinalizados como cerceadores a uma produção textual criativa, muito necessita ser feito para que a criatividade possa estar mais presente nas aulas direcionadas a isso. Faz-se necessário, por exemplo, maior estímulo ao professor e oportunidades para o docente refletir, dialogar e discutir sobre suas práticas pedagógicas.

Várias questões para futuras pesquisas sobre o tópico aqui investigado são sugeridas pelos resultados obtidos neste estudo. Entre elas: qual a percepção dos alunos em relação à criatividade em sua produção de textos nas aulas de Português e Redação? Em que medida consideram que os professores valorizam a expressão criativa nos textos produzidos pelos discentes? Como o coordenador pedagógico pode favorecer o trabalho do professor de Língua Portuguesa e Redação, para que este tenha uma atividade significativa e criativa nas aulas de produção textual?

Agradecimentos

À Profª Denise de Souza Fleith, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, pelas sugestões para aprimoramento do manuscrito original

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2015
  • Revisado
    15 Maio 2015
  • Aceito
    01 Jul 2015
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