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Fisioterapia na saúde da mulher: reeducação coloproctológica

A fisioterapia na saúde da mulher é uma das áreas da fisioterapia que mais cresceram nos últimos anos no Brasil e no mundo; esse avanço se deve à associação da evidência científica com a prática clínica e ética profissional. A sua atuação na área da coloproctologia vem aumentando e isto deve-se à eficácia que as abordagens fisioterapêuticas vêm demonstrando ao longo do tempo, associada a uma melhor compreensão dos mecanismos fisiológicos da continência e defecação.

Outrossim, ressalta-se que isto também decorre de um diagnóstico clínico por parte dos médicos e um diagnóstico cinético funcional bem elaborado e preciso pelos fisioterapeutas. Nesse sentido, pode-se dizer que devido ao progresso das técnicas de exploração da fisiologia intestinal e anorretal, associadas aos registros das pressões anorretais, estudo da complacência retal, defecografia e eletromiografia dos músculos do assoalho pélvico (MAPs), tornou-se possível um diagnóstico médico mais preciso e um tratamento fisioterapêutico mais efetivo.11 Rao SSC, Bharucha AE, Chiarioni G, Felt-Bersma R, Knowles C, Malcolm A, et al. Functional anorectal disorders. Gastroenterology. 2016;S0016-5085(16)00175-X. DOI

A reeducação coloproctológica compreende um grupo de procedimentos que são utilizados para auxiliar na reaquisição do controle da função neuromuscular do complexo lombo-pélvico perineal e musculatura esfincteriana, integrando-os às atividades funcionais da vida diária. Não podemos deixar de mencionar que essa reeducação deve contemplar o tratamento no ponto vista biopsicossocial e estar embasada na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).22 George SE, Borello-France DF. Perspective on physical therapist management of functional constipation. Phys Ther. 2017;97(4):478-93. DOI

O assoalho pélvico é formado por um complexo muscular que está acomodado dentro dos ossos pélvicos e tem três funções principais: defecação, micção e função sexual. Grande parte das disfunções consistem em incontinência anal e defecação dissinérgica, que podem ocorrer de forma isolada ou associadas a problemas estruturais como prolapso retal, intussuscepção da mucosa retal, síndrome da úlcera retal solitária, retocele, enterocele, os quais são promotores de defecação obstruída. Podem ocorrer também distúrbios como a síndrome do períneo descendente e as algias anorretais, uma vez que todos concorrem para o comprometimento evacuatório e promovem significativo impacto na quali-dade de vida. Para uma melhor compreensão dos objetivos e dos efeitos dos recursos terapêuticos usados na reeducação do complexo intestinal e anorretal, deve-mos além de ter conhecimentos de anatomia, fisiologia anorretal e dos MAPs, deter um profundo conhecimento das propriedades biofísicas e biológicas acerca dos recursos utilizados nas abordagens terapêuticas.33 Guillaume A, Salem AE, Garcia P, Chander Roland B. Patho-physiology and therapeutic options for fecal incontinence. J Clin Gastroenterol. 2017;51(4):324-30. DOI,44 Rao SSC, Patcharatrakul T. Diagnosis and treatment of dyssynergic defecation. J Neurogastroenterol Motil. 2016; 22(3): 423-35. DOI

Entre os procedimentos utilizados nos tratamentos das disfunções anorretais, é importante mencionar a terapia comportamental, descrita como um grupo de intervenções específicas e com baixo custo, cujo objetivo é modificar a relação entre os sinais e sintomas que o paciente apresenta e o seu meio ambiente. Isto pode ser obtido por meio de mudança no comportamento e/ou no meio ambiente no qual o indivíduo se encontra. Enfatizando que o biofeedback é considerado uma terapia comportamental e apresenta níveis de evidência em incontinência anal (Nível II, Grau B) e na defecação dissinérgica (Nível I, Grau A).55 Rao SSC, Benninga MA, Bharucha AE, Chiarioni G, Di Lorenzo C, Whitehead WE. ANMS-ESNM position paper and consensus guidelines on biofeedback therapy for anorectal disorders. Neurogastroenterol Motil. 2015;27(5):594-609. DOI As técnicas comportamentais visam auxiliar o paciente a aprender meios para controlar sua bexiga, intestino, MAPs e esfíncteres, sendo consideradas seguras e não não apresentando efeitos colaterais.

Segundo a Sociedade Internacional de Continência,66 Frawley H, Shelly B, Morin M, Bernard S, Bø K, Digesu GA, et al. An International Continence Society (ICS) report on the terminology for pelvic floor muscle assessment. Neurourol Urodyn. 2021;40(5):1217-60. DOI uma avaliação do assoalho pélvico deve incluir raciocínio clínico necessário para a tomada de decisão diagnóstica, mas limitar-se apenas à competência do avaliador. O protocolo de avaliação deve ser conduzido levando em conta tratar-se de um exame sensível em uma parte íntima do corpo e, por questões éticas e legais, deve-se obter consentimento informado apropriado. Além disso, deve-se mencionar a importância da utilização de nomenclatura padronizada, escalas e questionários de qualidade de vida validados, no intuito de avaliar o impacto e a severidade da disfunção na vida do indivíduo e para analisar a melhora com a conduta terapêutica adotada.66 Frawley H, Shelly B, Morin M, Bernard S, Bø K, Digesu GA, et al. An International Continence Society (ICS) report on the terminology for pelvic floor muscle assessment. Neurourol Urodyn. 2021;40(5):1217-60. DOI

A literatura relata que a incontinência anal é uma condição mais comum em mulheres e que deve-se principalmente à lesão obstétrica com lesão do esfíncter anal ou nervo pudendo. Contudo outros fatores de risco comuns incluem a síndrome do intestino irritável e doenças neurológicas como diabetes. É necessário, portanto, mais informações acerca da incontinência anal e das demais disfunções anorretais e seus tratamentos, ressaltando que é imprescindível uma avaliação precisa, detalhada e embasada na melhor evidência científica disponível.77 Sharma A, Yuan L, Marshall RJ, Merrie AEH, Bissett IP. Systematic review of the prevalence of faecal incontinence. Br J Surg. 2016;103(12):1589-97. DOI,88 Santoro GA, Wieczorek AP, Sultan AH. Pelvic Floor Disorders: Multidisciplinary Textbook. 2 ed. Cham, Switzerland: Springer; 2021. 926 p.

Diante do acima exposto, fica evidente ser esta uma área da saúde da mulher que apresenta problemas multifatoriais e complexos que necessitam de uma abordagem minuciosa e multiprofissional.

References

  • 1
    Rao SSC, Bharucha AE, Chiarioni G, Felt-Bersma R, Knowles C, Malcolm A, et al. Functional anorectal disorders. Gastroenterology. 2016;S0016-5085(16)00175-X. DOI
  • 2
    George SE, Borello-France DF. Perspective on physical therapist management of functional constipation. Phys Ther. 2017;97(4):478-93. DOI
  • 3
    Guillaume A, Salem AE, Garcia P, Chander Roland B. Patho-physiology and therapeutic options for fecal incontinence. J Clin Gastroenterol. 2017;51(4):324-30. DOI
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    Rao SSC, Patcharatrakul T. Diagnosis and treatment of dyssynergic defecation. J Neurogastroenterol Motil. 2016; 22(3): 423-35. DOI
  • 5
    Rao SSC, Benninga MA, Bharucha AE, Chiarioni G, Di Lorenzo C, Whitehead WE. ANMS-ESNM position paper and consensus guidelines on biofeedback therapy for anorectal disorders. Neurogastroenterol Motil. 2015;27(5):594-609. DOI
  • 6
    Frawley H, Shelly B, Morin M, Bernard S, Bø K, Digesu GA, et al. An International Continence Society (ICS) report on the terminology for pelvic floor muscle assessment. Neurourol Urodyn. 2021;40(5):1217-60. DOI
  • 7
    Sharma A, Yuan L, Marshall RJ, Merrie AEH, Bissett IP. Systematic review of the prevalence of faecal incontinence. Br J Surg. 2016;103(12):1589-97. DOI
  • 8
    Santoro GA, Wieczorek AP, Sultan AH. Pelvic Floor Disorders: Multidisciplinary Textbook. 2 ed. Cham, Switzerland: Springer; 2021. 926 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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