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Sintomas musculoesqueléticos em motoristas de ônibus: prevalência e fatores associados

Musculoskeletal symptoms in drivers of bus: prevalence and associated factors

Resumos

INTRODUÇÃO: Os profissionais do transporte coletivo realizam atividades laborais que envolvem grande número de fatores de risco para acometimentos musculoesqueléticos, e o conhecimento desses riscos é fundamental para que esses trabalhadores possam gozar de boa qualidade de vida. OBJETIVOS: Verificar a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em motoristas de ônibus urbano e investigar fatores associados. MATERIAIS E MÉTODOS: Realizou-se um estudo transversal com 55 motoristas de uma empresa de uma cidade do estado de São Paulo, com a utilização de questionário muldimensional composto de variáveis demográficas, ocupacionais e hábitos de vida, assim como o Índice de Capacidade para o Trabalho e o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares. RESULTADOS: Realizaram-se análises descritiva, bivariada e multivariada por regressão logística binária. Verificou-se que 65,7% dos trabalhadores relataram algum tipo de sintoma osteomuscular nos últimos 12 meses, localizados, principalmente, na região lombar (17,0%), ombros e joelhos (13,3%). Observou-se associação entre os sintomas e o baixo nível de escolaridade, a alta demanda psicológica, o sedentarismo e o baixo nível de capacidade para o trabalho. CONCLUSÕES: A prevalência de sintomas osteomusculares nos motoristas é alta, necessitando de ações de promoção à saúde.

Saúde do trabalhador; Dor musculoesquelética; Fatores de risco; Trabalho


INTRODUCTION: Mass transit workers labour activities involving large number of risk factors for musculoskeletal and performing different, knowledge of them is essential in order to have a good quality of life of these workers. Objectives: To check the prevalence of musculoskeletal symptoms in urban bus drivers and investigate factors associated with. MATERIALS AND METHODS: A cross-sectional study, with 55 drivers of a company of a city in the State of São Paulo, with the use of multidimensional questionnaire composed of demographic variables, occupational and lifestyle habits, as well as the index of ability to work, the Job Content Questionnaire and the Nordic Musculoskeletal Symptoms Questionnaire. RESULTS: Descriptive analysis was performed, multivariate and bivariate by binary logistic regression. It was found that 65.7 workers reported some form of musculoskeletal symptoms in the last twelve months, located above the lumbar region (17.0), and shoulders and knees (13.3). There was association between symptoms and the low level of education, the high demand, the sedentary and the low level of ability to work. CONCLUSION: The prevalence of musculoskeletal symptoms in drivers is high, requiring health promotion actions.

Occupational health; Musculoskeletal pain; Risk factors; Work


ARTIGOS ORIGINAIS

Sintomas musculoesqueléticos em motoristas de ônibus: prevalência e fatores associados1 1 Instituição de fomento: PIBIC/CNPq

Musculoskeletal symptoms in drivers of bus: prevalence and associated factors

Alberto De VittaI; Marta Helena Souza De ContiII; Débora de Melo TrizeIII; Natasha Mendonça QuintinoIV; Roger PalmaV; Sandra Fiorelli de Almeida Penteado SimeãoVI

IDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor do curso de Fisioterapia e do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP -Brasil, e-mail: albvitta@yahoo.com.br

IIDoutora em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Botucatu), professora do curso de Fisioterapia e do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP -Brasil, e-mail: madeconti@yahoo.com.br

IIIAcadêmica do curso de Fisioterapia da Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP -Brasil, e-mail: deboratrize@yahoo.com.br

IVAcadêmica do curso de Fisioterapia da Universidade Paulista (Unip), Bauru, SP -Brasil, e-mail: natashamq@hotmail.com

VMestre em Odontologia pela Universidade do Sagrado Coração (USC), professor do curso de Fisioterapia da Universidade Paulista (Unip), Bauru, SP -Brasil, e-mail: rogerfisiounip@yahoo.com.br

VIDoutora em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), professora do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP -Brasil, e-mail: ssimeao@usc.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os profissionais do transporte coletivo realizam atividades laborais que envolvem grande número de fatores de risco para acometimentos musculoesqueléticos, e o conhecimento desses riscos é fundamental para que esses trabalhadores possam gozar de boa qualidade de vida.

OBJETIVOS: Verificar a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em motoristas de ônibus urbano e investigar fatores associados.

MATERIAIS E MÉTODOS: Realizou-se um estudo transversal com 55 motoristas de uma empresa de uma cidade do estado de São Paulo, com a utilização de questionário muldimensional composto de variáveis demográficas, ocupacionais e hábitos de vida, assim como o Índice de Capacidade para o Trabalho e o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares.

RESULTADOS: Realizaram-se análises descritiva, bivariada e multivariada por regressão logística binária. Verificou-se que 65,7% dos trabalhadores relataram algum tipo de sintoma osteomuscular nos últimos 12 meses, localizados, principalmente, na região lombar (17,0%), ombros e joelhos (13,3%). Observou-se associação entre os sintomas e o baixo nível de escolaridade, a alta demanda psicológica, o sedentarismo e o baixo nível de capacidade para o trabalho.

CONCLUSÕES: A prevalência de sintomas osteomusculares nos motoristas é alta, necessitando de ações de promoção à saúde.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Dor musculoesquelética. Fatores de risco. Trabalho.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Mass transit workers labour activities involving large number of risk factors for musculoskeletal and performing different, knowledge of them is essential in order to have a good quality of life of these workers.

Objectives: To check the prevalence of musculoskeletal symptoms in urban bus drivers and investigate factors associated with.

MATERIALS AND METHODS: A cross-sectional study, with 55 drivers of a company of a city in the State of São Paulo, with the use of multidimensional questionnaire composed of demographic variables, occupational and lifestyle habits, as well as the index of ability to work, the Job Content Questionnaire and the Nordic Musculoskeletal Symptoms Questionnaire.

RESULTS: Descriptive analysis was performed, multivariate and bivariate by binary logistic regression. It was found that 65.7 workers reported some form of musculoskeletal symptoms in the last twelve months, located above the lumbar region (17.0), and shoulders and knees (13.3). There was association between symptoms and the low level of education, the high demand, the sedentary and the low level of ability to work.

CONCLUSION: The prevalence of musculoskeletal symptoms in drivers is high, requiring health promotion actions.

Keywords: Occupational health. Musculoskeletal pain. Risk factors. Work.

Introdução

As condições de saúde e de trabalho de motoristas de transporte coletivo urbano podem ser consideradas fator importante de dimensionamento da qualidade de vida dos centros urbanos, visto que diferentes fatores ambientais e de interação social contribuem para o aumento do estresse, dentre eles o trânsito. Segundo a Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos, o caos do trânsito nas cidades de médio e grande porte – e já chegando às de menor porte – é um fator de grande influência no estresse das pessoas residentes, principalmente, em áreas urbanas (1, 2).

O trabalho do motorista de transporte coletivo urbano está diretamente relacionado ao ambiente no qual ele é realizado. Diferentemente das pessoas que desempenham suas atividades profissionais em ambientes fechados como salas ou lojas, algumas vezes climatizadas e relativamente confortáveis, esse profissional desempenha suas atividades em um ambiente público, o trânsito. Não possui, portanto, um local restrito e bem definido para realizar suas tarefas; ao contrário, trabalha fora dos portões da empresa, estando sujeito a intempéries como o clima, as condições de tráfego e do trajeto das vias (2). Trata-se, desse modo, de um profissional sujeito a diversos tipos de pressão e que possui um altíssimo nível de estresse. Hoffmann (3) afirma que as pressões sofridas por esses indivíduos têm origens externas e internas. Por pressões externas destacam-se as exigências do trânsito (ambiente), o respeito ao sistema convencional de normas (código) e os limites de seu trabalho, como, por exemplo, nível do tráfego, semáforos, congestionamentos, acidentes, além de condições adversas, como o clima e o estado de conservação da pista. Por pressões internas destacam-se as condições ergonômicas do veículo: posição do motor, precariedade mecânica, ruídos e vibrações.

Outros fatores são os biomecânicos, relativos à postura sentada. Esse tipo de postura gera alterações nas estruturas musculoesqueléticas da coluna lombar (aumento da pressão interna no núcleo do disco intervertebral, estiramento dos ligamentos, pequenas articulações e nervos), reduz a circulação de retorno dos membros inferiores, provoca tensão nos músculos isquiotibiais e glúteos (causando retroversão da pelve), horizontalização do ângulo sacral, retificação da lordose lombar, aumento das cargas compressivas no disco intervertebral e promove desconfortos na região do pescoço e membros superiores (4, 5).

Os fatores de risco decorrentes das condições de trabalho interferem no estado psicofisiológico, traduzindo-se em irritabilidade, insônia, distúrbios da atenção e em sintomas musculoesqueléticos. Esses últimos destacam-se em diversos estudos transversais que descrevem a prevalência e fatores associados à sintomatologia musculoesquelética em diferentes ocupações (6). No entanto, há poucas investigações nacionais com relatos de percepção de sintomas em motoristas. Saporiti et al. (7) notaram que a prevalência de relatos de sintomas musculoesqueléticos foi de 61,7%, e o tempo de trabalho na empresa apresentou associação estatística significante com os relatos de dores musculoesqueléticas, mostrando-se como o maior preditor de risco. Carneiro et al. (8) constataram que 70% dos motoristas e 76,9% dos cobradores de ônibus relataram os sintomas e não foi observada associação estatisticamente significativa entre eles com a jornada de trabalho, nível de atividade física e o estado nutricional. Em Londrina (Paraná), 61% dos motoristas queixaram-se de sintomas, sendo que o aumento da idade, sobrepeso e baixo desempenho nos testes de resistência abdominal se associaram a eles (9). A prevalência de dor nas costas no último ano entre os profissionais do transporte coletivo da cidade de Pelotas (10) foi de 57,9%, e esteve associada ao aumento da idade, do tempo de trabalho na profissão, carga horária (superior a 6 horas/ dia), realização de outra atividade profissional e a não realização de atividade física.

De acordo com Sjögren-Rönkä et al. (11), há necessidade de estudos que explorem a associação direta e indireta entre sobrecarga no trabalho e as variáveis pessoais, físicas, psicológicas, sociais e do meio ambiente em diferentes ocupações. Investigações nesses domínios podem ser utilizadas como apoio para os profissionais do serviço de saúde ocupacional de empresas em suas avaliações e estudos sobre o trabalho e os fatores que os afetam, além de oferecer subsídios para medidas de reabilitação e proposição de programas preventivos que contribuirão para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e aumento de suas chances de uma velhice satisfatória.

Para contribuir na investigação da prevalência de sintomas musculoesqueléticos e dos efeitos das variáveis demográficas relativas às condições de trabalho e saúde geral, delineou-se o presente estudo com o objetivo de verificar a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em motoristas de ônibus urbano e investigar fatores associados.

Materiais e métodos

Este estudo transversal foi realizado com motoristas de ônibus urbano de uma empresa privada de um município do estado de São Paulo. A população de motoristas da empresa de ônibus estudada era de cem indivíduos. Desse total, foram sujeitos do presente estudo 55 trabalhadores, que preenchiam os critérios de inclusão: trabalhar há mais de um ano na função e executar a atividade em turno fixo, no período diurno. Considerando esses critérios, dez funcionários foram excluídos por exercerem a atividade há menos de um ano e 35 por trabalharem apenas no período noturno.

Os pesquisadores efetuaram a coleta de dados no setor de transporte da empresa no período entre fevereiro e abril de 2007. Foram explicados, individualmente, os objetivos da pesquisa e a não obrigatoriedade da participação, ainda, que o sigilo dos dados seria garantido. Em seguida, foram apresentados os questionários e solicitado seu autopreenchimento imediato.

Utilizou-se um questionário muldimensional, que teve como base o suporte teórico de outras investigações (12, 13), composto dos seguintes itens: 1) Aspectos sociodemográficos: idade, estado civil, grau de instrução; 2) Condições de trabalho: tempo que trabalha na empresa, carga horária de trabalho, falta ao trabalho, satisfação com aspectos do trabalho; 3) Saúde geral: problemas de saúde, nível de atividade física e tabagismo. Também foram avaliadas as capacidades para o trabalho e o estresse ocupacional (demanda psicológica, controle do trabalho e suporte social). Todas essas variáveis foram consideradas como independentes.

A avaliação da capacidade para o trabalho foi realizada por meio do questionário autoaplicável denominado Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), adaptado para a população brasileira, que é composto por 60 questões sobre aspectos pessoais, demanda física e mental no trabalho e o estado de saúde do trabalhador (14, 15).

Para obtenção das informações referentes ao estresse ocupacional, empregou-se o questionário Job Content Questionnaire. Esse instrumento, adaptado para o português e testado na população brasileira, é composto de 17 questões divididas em três categorias: demanda psicológica, controle do trabalho e suporte social (16).

Os sintomas musculoesqueléticos considerados neste estudo como desfecho foram medidos por meio do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSP), versão brasileira traduzida e validada por Pinheiro et al. (17) do Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ). O questionário é composto das seguintes questões: Nos últimos 12 meses, você teve problemas (como dor, formigamento/dormência) nas regiões específicas do corpo (pescoço, ombro, cotovelo, punho e mão, coluna dorsal, cervical, lombar, quadris, coxas e nádegas, joelhos e tornozelos e pés)? Nos últimos 12 meses, você foi impedido(a) de realizar atividades normais (trabalho, atividades domésticas e de lazer) por causa desse problema nas regiões citadas anteriormente? Nos últimos 12 meses, você consultou algum profissional da área da saúde (médico, fisioterapeuta) por causa dessa condição? Nos últimos sete dias, você teve algum problema (como dor, formigamento/ dormência) nas regiões corporais?

Os dados obtidos foram inseridos em um banco de dados e submetidos ao programa estatístico SPSS (versão 10.0). A análise foi realizada mediante uma abordagem descritiva e outra analítica. Na abordagem descritiva foi feita a distribuição de frequências absoluta e relativa para variáveis categóricas, assim como a média e desvio padrão para as variáveis contínuas. Na analítica realizou-se uma análise bivariada utilizando-se o teste de Pearson. Em seguida, realizou-se a técnica multivariada de regressão logística binária, utilizando análise hierarquizada. Mediante estratégia estabelecida de associações entre as dimensões estudadas (sociodemográficas, condições de trabalho e de saúde), foram elaborados três modelos explicativos de regressão logística binária, introduzindo as variáveis em forma de blocos, na ordem descrita, permanecendo no modelo subsequente apenas as variáveis que tiveram significância estatística (p < 0,05) no modelo anterior. O método de introdução das variáveis nos modelos adotados foi o Backward Stepwise. Considerou-se um nível de significância p < 0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%, com cálculo dos odds ratios ajustados (18, 19, 20).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração, sob o Protocolo n. 065.

Resultados

Participaram deste estudo 55 motoristas. Em relação à idade, 63,6% estavam na faixa etária de 30 a 45 anos; quanto à escolaridade, 61,8% possuíam o Ensino Fundamental completo e, sobre o estado civil, 70,9% eram casados.

Analisando-se o tempo de atividade nas funções, observou-se que 58,2% estavam na empresa há menos de dez anos e 69,1% exerciam suas atividades por mais de seis horas diárias. Verificou-se que 74,5% dos sujeitos não haviam faltado ao emprego nos últimos 12 meses por sintomatologia dolorosa relacionada ao trabalho e 70,9% estavam satisfeitos com a atividade.

Sobre a saúde geral, 43,6% não praticavam atividades físicas regularmente, 67,3% eram não fumantes e 52,7% afirmaram não possuir qualquer patologia ou distúrbio. Quanto à capacidade para o trabalho, 36,3% apresentaram índice baixo.

A prevalência de sintomatologia musculoesquelética encontrada foi de 65,7%. As principais localizações dos sintomas (Tabela 1) foram a região lombar (17,0%), ombros e joelhos (13,3%).

O estudo da associação entre os fatores sociodemográficos e a variável dependente mostrou que a idade (p = 0,60) e o estado civil (p = 0,66) não apresentaram associações significativas no grupo estudado, diferentemente da escolaridade (p = 0,02).

Quanto à associação entre os fatores relacionados ao trabalho e relato de sintomatologia musculoesquelética, as variáveis tempo na função (p = 0,16), número de horas no trabalho (p = 0,87), número de faltas ao trabalho (p = 0,67), satisfação com as atividades (p = 0,39) e controle sobre o trabalho (p = 0,22) não se mostraram estatisticamente significativas, enquanto que o suporte social (p = 0,008) e a demanda psicológica (p = 0,008) apresentaram significância estatística.

As associações entre os aspectos de saúde geral e os sintomas musculoesqueléticos, problemas de saúde (p = 0,32) e tabagismo (p = 0,49), não foram significativas no grupo estudado, enquanto que o nível de atividade física (p = 0,0008) e a capacidade para o trabalho (p = 0,01) demonstraram significância estatística.

Os resultados da análise de regressão logística (Tabela 2) mostraram que os motoristas sedentários tiveram seis vezes mais chances de apresentar dor, e aqueles que possuíam apenas o ensino primário sete vezes mais. Da mesma forma, os indivíduos com baixa capacidade para o trabalho e com alta demanda psicológica tiveram cerca de uma a duas vezes mais chances de apresentar sintomas musculoesqueléticos.

Discussão

A análise dos resultados obtidos possibilitou identificar os sintomas musculoesqueléticos apresentados pelos trabalhadores de uma empresa de ônibus urbano de um município do estado de São Paulo, em 2007. Esses resultados demonstraram que a prevalência de sintomatologia musculoesquelética é alta, pois 65,7% dos motoristas referiram sintomas nos últimos 12 meses, valores próximos aos descritos na literatura (8). Tal achado apoia-se na utilização de um instrumento validado e referido por diversos estudos, principalmente em saúde do trabalhador, com destaque para categorias de motoristas, enfermeiros, dentistas e industriários (21, 22, 23). Com relação às regiões anatômicas em que predominam os sintomas, constatou-se maior prevalência de queixas na região da coluna lombar (17,0%), ombros e joelhos (13,3%). Comparativamente, as pesquisas de Magnusson et al. (24) mostraram que a região lombar foi a mais acometida, e o estudo realizado em Hong Kong (25) confirma as maiores queixas nas regiões da coluna lombar, ombros e joelhos no Brasil. Queiróga e Michels (9) e Guterres et al. (10) verificaram que a coluna lombar foi a região com maior prevalência, assim como Carneiro et al. (8) apontaram que as maiores queixas foram em relação às regiões do ombro, joelhos, pés e lombar. Saporiti et al. (7) notaram que 61,7% dos motoristas referiram dor e dormência no último ano em alguma região do corpo, sendo que a coluna lombar foi a região com maior prevalência (37%).

Em motoristas, as dores nos ombros provavelmente se devem à extenuante realização de movimentos para troca de marcha e à manutenção dos braços estendidos até o volante por horas seguidas, exigindo constante trabalho estático e dinâmico da musculatura da cintura escapular e membros superiores. As regiões "tornozelos/pés" e "joelho" estão envolvidas com a posição sentada e manutenção dos pés nos pedais, inclusive na frequente troca de marchas (8).

As dores nas regiões lombar, cervical e dos membros superiores estão relacionadas tanto a questões psicológicas (estresse e ansiedade) quanto físicas. Além disso, a permanência na mesma postura por tempo prolongado pode provocar dor na região lombar, pois essa região está sujeita a compressões devido a movimentos bruscos, vibrações e outros fatores de sobrecarga. Além disso, as várias rotações da cabeça e tronco também repercutem em dor na região da coluna vertebral (8, 26).

Neste estudo notou-se que os trabalhadores com baixa escolaridade apresentaram seis vezes mais chances de referirem sintomas musculoesqueléticos, concordando com investigações que analisaram outras categorias profissionais, como em trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário público do interior do Rio Grande do Sul (27), em que os indivíduos com baixa escolaridade mostraram significativos percentuais para dor na coluna torácica (p = 0,015) e lombar (p = 0,042). Em bancários de Pelotas não houve associação significativa (28).

O baixo nível de escolaridade gera um grupo específico de trabalhadores, que começam a trabalhar muito cedo, refletindo em profissões menos especializadas (motorista de ônibus, mecânico, operador, etc.), expostas aos diversos fatores de riscos ergonômicos (repetição, força, vibração, entre outras). Essas condições são um fato a ser considerado pela influência significativa no surgimento de sintomas osteomusculares ligados ao envelhecimento funcional precoce.

Neste estudo, pôde-se observar que a alta demanda psicológica se associou de forma independente com os sintomas musculoesqueléticos. Em auxiliares e técnicas de enfermagem, em Salvador, Bahia, a análise multivariada revelou que os sintomas se associaram com a demanda psicológica [1,43; (1,12-1,82)]. A prevalência de sintomas nos professores da rede municipal de Ensino Infantil e Fundamental de Salvador foi 1,36 vezes maior naqueles com alta demanda psicológica (29). Em trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário do Rio Grande do Sul (30), foi observado que aqueles com alta demanda apresentaram chances mais elevadas de ocorrência de sintomas nos ombros (OR = 1,97; IC 95% = 1,07-3,64), na coluna torácica (OR = 1,83; IC 95% = 1,02-3,35) e nos tornozelos (OR = 2,05; IC 95% = 1,05-4,02).

Algumas teorias sugerem como se dá a influência das demandas psicológicas sobre o sistema musculoesquelético. É possível que os fatores psicossociais afetem diretamente a carga física, como a pressão de tempo aumenta a ocorrência da aceleração dos movimentos e posturas inadequadas. As demandas psicológicas podem também produzir tensão aumentada nos músculos e exacerbar a solicitação biomecânica das tarefas. Ainda, podem influenciar a sensibilidade à dor, podendo afetar a atenção aos sintomas e aumentar o relato de sintomas e/ou percepção de suas causas (29). No caso específico dos motoristas, outros fatores contribuem, como, por exemplo, o fato de conduzir o veículo em ruas com condições desfavoráveis, exigindo atenção constante e com horários estipulados, ausência de intervalos entre as viagens e falta de controle no processo de trabalho.

Os motoristas sedentários têm sete vezes mais chances de queixarem-se de sintomas musculoesqueléticos. Em um estudo com motoristas de São Paulo, Costa et al. (31) notaram que quando o indivíduo não pratica atividade física, ele tem 28% a mais de chances de apresentar dores. Em um estudo com professores da rede municipal de Natal, Rio Grande do Norte (32), foi observado que os sedentários têm 34% a mais de chances de referirem dores músculoesqueléticas. Fonseca e Fernandes (29) notaram associação entre os que não praticam atividade física e sintomas [1,31; (0,99-1,73)], enquanto que Carneiro et al. (8) e Imaekhai (33) não verificaram associação significativa.

Está bem evidenciado que um estilo de vida ativo promove saúde e previne várias doenças crônicas não transmissíveis e, no caso de sintomas musculosesqueléticos, uma revisão recente (34) mostrou evidências de efeitos favoráveis em dores nas regiões lombar e pescoço. A atividade física causa adaptações circulatórias e metabólicas, resultando em alterações benéficas na musculatura esquelética e tecidos conectivos, contribuindo para a diminuição do risco de surgimento de incapacidades e injúrias osteomusculares (35).

Os motoristas com baixa capacidade para o trabalho relataram quase duas vezes mais sintomas musculoesqueléticos. Em trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário público do Rio Grande do Sul (36), constatou-se associação positiva entre intensidade da dor musculoesquelética e redução da capacidade para o trabalho [4,60; (2,14-9,89)]. Em um estudo com trabalhadores que exerciam atividades sedentárias não foi observada associação entre os sintomas e capacidade para o trabalho (37).

A capacidade para o trabalho, considerada como resultante de um processo dinâmico entre recursos do indivíduo em relação ao seu trabalho, sofre modificações em função de vários fatores, e o papel da saúde física sobre a capacidade para o trabalho está consistentemente demonstrado, sendo a capacidade cardiorrespiratória, o funcionamento músculoesquelético e a presença de sintomas e de doenças os aspectos que exercem maior impacto (38, 39).

As demais variáveis não apresentaram resultados estatisticamente significativos, no entanto, a literatura as enquadra como fatores de risco para a presença de sintomas musculoesqueléticos (34).

As limitações também devem ser consideradas. As medidas foram baseadas em autorrelatos e coletadas em um breve período de tempo. Em alguns casos pode ter ocorrido, principalmente sobre os sintomas, a dificuldade de os sujeitos se lembrarem sobre a presença ou ausência deles após 12 meses, no entanto, o Questionário de Dor Musculoesquelética Nórdico concorda com uma avaliação clínica (39). O estudo analisou somente uma pequena amostra desses profissionais e, portanto, não apresenta as características da grande população de motoristas. Dessa forma, recomenda-se a realização de outros estudos que investiguem esses fatores e também pesquisas longitudinais e/ou prospectivas, que são críticas para determinar o papel dos fatores envolvidos no desenvolvimento dos sintomas musculoesqueléticos.

Conclusões

Pode-se concluir que a prevalência de sintomas musculoesqueléticos mostrou-se acentuada nos motoristas e que houve uma associação significativa com a alta demanda psicológica, sedentarismo, baixa capacidade ao trabalho e baixa escolaridade. Portanto, é necessário um conjunto de intervenções interdisciplinares que levem em consideração as necessidades de conforto físico e psíquico dos motoristas.

Recebido: 16/05/2012

Received: 05/16/2012

Aprovado: 26/09/2013

Approved: 09/26/2013

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    Instituição de fomento: PIBIC/CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Maio 2012
    • Aceito
      26 Set 2013
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