Acessibilidade / Reportar erro

Impacto das instruções verbais na contração do assoalho pélvico no puerpério imediato

Resumo

Introdução:

A gestação predispõe o surgimento de disfunções do assoalho pélvico (DAP), sendo o pós-parto momento oportuno para avaliar essa musculatura.

Objetivo:

Investigar o efeito das instruções e feedback verbais na capacidade de contração dos músculos do assoalho pélvico (MAP) em puérperas.

Métodos:

Estudo quase-experimental com 109 mulheres no pós-parto vaginal imediato em uma maternidade de referência em Fortaleza-CE. Realizou-se inspeção visual dos MAP pela escala visual de contração (0 = nenhuma contração visível; 1 = contração visível fraca; 2 = contração visível com elevação perineal), além de observação da utilização de musculatura e movimentos acessórios. As avaliações foram em momentos consecutivos: 1 - contração dos MAP ao comando verbal; 2 - contração após instruções sobre estrutura, função e correta contração; e 3 - contração após feedback sobre a utilização de musculatura acessória e reforço da correta contração. Para comparação dos desfechos entre os momentos foi utilizado o teste Q de Cochran e significância de 5%.

Resultados:

No primeiro momento, 15,6% das puérperas não apresentaram contração visível dos MAP (grau 0). Dessas, 70,5% modificaram o grau de contração após instruções e feedback. Ao final, 45,9% das mulheres contraíram corretamente os MAP com elevação perineal (grau 2) (p < 000,1). A utilização de músculos acessórios (adutores, abdominais e glúteos) diminuiu após instruções e feedback (p < 000,1). Trauma perineal, parto a fórceps, informações prévias e medo de sentir dor não se associaram ao grau de contração.

Conclusão:

Instruções e feedback verbais são ferramentas úteis para contração correta dos MAP no pós-parto imediato.

Palavras-chave:
Instruções; Assoalho pélvico; Fisiote-rapia; Período pós-parto; Saúde da mulher

Abstract

Introduction:

Pregnancy predisposes the emergence of pelvic floor dysfunctions (PFD), postpartum being the opportune moment to assess these muscles.

Objective:

To investigate the effect of instructions and verbal feedback on the contraction capacity of pelvic floor muscles (PFM) in postpartum women.

Methods:

Quasi-experimental study with 109 women in the immediate vaginal postpartum at a reference maternity hospital in Fortaleza, Ceará state, Brazil. PFM were visually inspected using the visual contraction scale (0 = no visible contraction; 1 = weak visible contraction; 2 = visible contraction with perineal elevation), in addition to observing the use of accessory muscles and movements. Assessments occurred in consecutive moments: 1 - PFM contraction at a verbal command; 2 - contraction after instructions on structure, function and correct contraction; and 3 - contraction after feedback on the use of accessory muscles and reinforcement of correct contraction. Cochran’s Q test and a 5% significance level were used to compare the outcomes between different moments.

Results:

At the first assessment, 15.6% of the postpartum women did not exhibit visible PFM contraction (grade 0). Of these, 70.5% changed their contraction grade after instructions and feedback. At the end, 45.9% of women correctly contracted their PFM with perineal elevation (grade 2) (p < 000.1). The use of accessory muscles (abductors, abdominals and gluteal) declined after instructions and feedback (p < 000.1). Perineal trauma, forceps delivery, previous information and fear of feeling pain were not associated with contraction grade.

Conclusion:

Instructions and verbal feedback are useful tools for correct PMF contraction in the immediate postpartum.

Keywords:
Instructions; Pelvic floor; Physiotherapy; Postpartum period; Women’s health

Introdução

Durante a gestação, alterações hormonais e biomecâ-nicas, como ganho de massa corporal e aumento uterino, intensificam a pressão sobre os músculos do assoalho pélvico (MAP). Especialmente em primigestas, há aumento da mobilidade uretral, modificações no tônus e atividade muscular, aumentando o risco de disfunções do assoalho pélvico (DAP), como a incontinência urinária (IU) e o prolapso de órgãos pélvicos.11 O’Boyle AL, O'Boyle JD, Ricks RE, Patience TH, Calhoun B, Davis G. The natural history of pelvic organ support during pregnancy. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2003;14(1):46-9. DOI,22 Moccellin AS, Rett MT, Driusso P. Existe alteração na função dos músculos do assoalho pélvico e abdominais de primigestas no segundo e terceiro trimestre gestacional? Fisioter Pesqui. 2016;23(2):136-41. DOI

Como já descrito na literatura, aproximadamente 30% das mulheres têm dificuldade de perceber e ativar essa musculatura quando lhes é solicitado a primeira vez durante um exame físico dos MAP.33 Bø K, Sherburn M. Evaluation off female pelvic floor muscle function and strength. Phys Ther. 2005;85(3):269-82. DOI,44 Subak LL, Brown JS, Kraus SR, Brubaker L, Lin F, Richter HE, et al.The “costs” of urinary incontinence for women. Obstet Gynecol. 2006;107(4):908-16. DOI Considerando que durante o período gestacional há modificações de força e função dos MAP, e que no puerpério a região perineal encontra-se em estado congestivo e edematoso, essa dificuldade pode ser ainda maior. O treinamento dos músculos do assoalho pélvico (TMAP) é recomendado como primeira linha de tratamento, mas também como estratégia preventiva para IU, sendo assim importante avaliar essa musculatura corretamente.55 Thom DH, Rortveit G. Prevalence of postpartum urinary incontinence: a systematic review. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(12):1511-22. DOI

A avaliação e subsequente orientação do TMAP logo após o parto podem possibilitar uma recuperação mais rápida e eficaz na prevenção e tratamento de DAP.66 Woodlev SJ, Boyle R, Cody JD, Morkved S, Hay-Smith EJC. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2017;12(12): CD007471. DOI A correta contração dos MAP é definida como uma aproximação entre vagina e ânus, com deslocamento cranial do centro tendíneo do períneo, sem uso de musculatura acessória. Devido à dor perineal pós-parto e/ou sangramento vaginal, pode ser desconfortável a realização de palpação vaginal e manometria no pós-parto imediato.77 Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI Além desses métodos, a inspeção visual é uma das formas de realizar essa avaliação; dessa forma, a região perineal pode ser observada, sendo possível visualizar a presença ou não da contração dos MAP, assim como a utilização de músculos e movimentos acessórios.88 Bø K, Frawley HC, Haylen BT, Abramov Y, Almeida FG, Berghmans B, et. al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for the conservative and nonpharmacological management of female pelvic floor dysfunction. Neurourol Urodyn. 2017;36(2):221-44. DOI

Embora existam estudos na literatura, como o de Assis et al.,99 Assis TH, Sá ACAM, Amaral WN, Batista EM, Formiga CKMR, Conde DM. Efeito de um programa de exercícios para o fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico de multíparas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(1):10-5. DOI mostrando que instruções verbais sobre anatomia, funções dos MAP e correta contração dos MAP trazem benefícios relacionados à função desses músculos e aos sintomas urinários, este estudo foi realizado com multíparas, e não foi no contexto do pós-parto imediato. Há uma lacuna na literatura sobre os efeitos de técnicas para ensinar essas mulheres a contração correta dos MAP no puerpério imediato. O presente estudo, portanto, enfatiza a importância de instruções verbais. Como o TMAP é recomendado no pós-parto e as instruções verbais são estratégias clássicas para orientar a correta contração dos MAP,77 Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI é necessário conhecer as dificuldades envolvidas na realização do movimento, além de avaliar como esse grupo de mulheres realiza essas contrações a partir das orientações repassadas. Por conseguinte, o objetivo deste estudo é investigar o efeito das instruções e feedback verbais na capacidade de contração dos MAP em mulheres no pós-parto imediato.

Métodos

Estudo quase-experimental com delineamento pré e pós-teste, realizado com 109 mulheres no pós-parto vaginal de uma maternidade de referência em Fortaleza, CE, entre julho e setembro de 2018, mediante aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CAAEE número: 88395018.4.0000.5050).

Foram incluídas puérperas de parto vaginal a partir de 34 semanas, entre 12 e 72 horas pós-parto, e excluídas mulheres que estavam utilizando sonda vesical de demora, que apresentavam déficit cognitivo e que estavam internadas em Unidade de Terapia Intensiva. A seleção das participantes ocorreu de forma não probabilística, consecutiva e por conveniência, e a coleta de dados ocorreu somente após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a escala visual de contração do assoalho pélvico e uma ficha de consulta aos prontuários.

A escala visual de contração do assoalho pélvico classifica, por meio da inspeção visual, o movimento de contração perineal em três graus: 0 = nenhuma contração observada visualmente; 1 = contração fraca; e 2 = visualização da contração com elevação do períneo com movimento no sentido cranial. Essa escala foi desenvolvida por pesquisadores na Bélgica em um estudo envolvendo 958 puérperas e apresenta alta confiabilidade interavaliador (k = 0,832).77 Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI

A utilização dos músculos e movimentos acessórios também foi realizada por meio de inspeção visual. Essa utilização foi caracterizada como a contração ou movimento visível ao examinador dos músculos adutores, glúteos, abdominais ou realização de apneia, manobra de valsalva (como a expiração com a glote fechada) ou movimento pélvico (ante e retroversão).

Na consulta aos prontuários, as seguintes variáveis foram coletadas: idade, escolaridade, idade gestacional, paridade, uso de fórceps, realização de episiotomia, ocorrência e grau de laceração. Adicionalmente, a participante foi questionada sobre a presença e medo da dor perineal e se já havia obtido informações prévias sobre MAP e TMAP.

A inspeção visual da contração dos MAP foi realizada na sala de exames da ginecologia, preservando a privacidade da mulher. A puérpera era posicionada na maca em decúbito dorsal, com quadris e joelhos fletidos e pés em nível do tronco. A coleta dos dados seguiu três passos consecutivos (Figura 1):

Figura 1
Fluxograma da coleta de dados.

Momento 1: Solicitação da contração dos MAP através do comando verbal padronizado de “apertar a vagina como se estivesse tentando prender o xixi”. Esse comando verbal foi utilizado objetivando facilitar a compreensão da contração dos MAP, por meio de uma linguagem acessível. A contração foi classificada pela escala visual de contração e registrada a utilização ou não de musculatura e movimentos acessórios de forma isolada ou simultânea (músculos adutores, abdominais e glúteos, apneia, manobra de valsalva e movimentos pélvicos).

Momento 2: Em seguida, as puérperas foram instruídas sobre os MAP, localização anatômica e suas funções através da demonstração de uma figura da região genital. Durante a explicação foi utilizada uma linguagem simples, acessível e exemplos que se aproximavam de situações do cotidiano das mulheres (“vontade de fazer xixi” e “bexiga caída”, por exemplo). A partir disso, a participante foi orientada que o movimento de contração dos MAP deveria ser realizado de forma a “contrair a musculatura da vagina, puxando para dentro e para cima”. Em seguida, as puérperas foram solicitadas a realizar novamente a contração, efetuando três contrações rápidas consecutivas, e foram reavaliadas utilizando a escala visual. Para a classificação do grau de contração, considerou-se a última contração, levando em conta o efeito da aprendizagem do movimento.

Momento 3: Foi fornecido feedback individualizado sobre a utilização de músculos e movimentos acessórios. Em seguida, solicitou-se novamente mais uma contração e realizou-se sua classificação.

Os três momentos de avaliação foram realizados no mesmo encontro, um em seguida do outro. Neste estudo, considerou-se como correta contração dos MAP o grau 2, visualizando a aproximação entre vagina e ânus, com deslocamento cranial do centro tendíneo do períneo, sem uso de musculatura acessória.

O feedback verbal consistiu em instruções específicas e individualizadas de acordo com a qualidade da contra - ção verificada na inspeção visual. Se adutores foram utilizados durante a contração dos MAP, por exemplo, instruía-se que não era preciso tentar aproximar as pernas; se ela realizasse apneia, era informado que poderia continuar respirando normalmente. Ao final da avaliação, todas as mulheres foram questionadas sobre a presença de dor e o medo de sentir dor ao contrair os MAP.1010 Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand’homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94. DOI

As variáveis dependentes foram a escala visual de contração do assoalho pélvico e a utilização de músculos e movimentos acessórios. As variáveis independentes foram as instruções para correta contração dos MAP e o feedback sobre a utilização de musculatura e movimentos acessórios. As covariáveis foram a dor e medo de sentir dor perineal, laceração, episiotomia, parto a fórceps e informação prévia sobre os MAP.

A coleta de dados foi realizada por uma única examinadora, fisioterapeuta com experiência na área e no serviço, havendo teste piloto antes do início da pesquisa. O teste piloto foi realizado com dez mulheres por duas pesquisadoras, a examinadora e uma supervisora com ampla experiência na área de fisioterapia na saúde da mulher. As pesquisadoras avaliaram simultaneamente as participantes do teste piloto até a concordância quanto ao grau de contração e utilização de movimentos acessórios. Essas participantes não foram incluídas na amostra da pesquisa.

Quanto à análise estatística, os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 (USA). A análise descritiva foi apresentada por medidas de tendência central e dispersão, sendo utilizadas médias e desvios-padrão para as variáveis quantitativas e frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. Para analisar os fatores associados (variáveis categóricas) aos graus de contração (no momento 1), foram utilizados o teste qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher.

Por fim, para analisar se houve diferença entre as proporções dos graus de contração entre os três momentos, bem como quanto aos músculos e movimentos acessórios, utilizadou-se o teste Q de Cochran. Esse teste permite observar se existe diferença na distribuição de variáveis dicotômicas entre os três momentos distintos, bem como permite a comparação de pares, identificando a diferença significativa específica entre os momentos. Para a análise da diferença de distribuição dos graus de contração nos momentos, o teste de Cochran considera apenas duas categorias; para esta análise, portanto, os graus de contração 0 e 1 foram compilados em uma única categoria versus o grau 2. O nível de significância de 5% (p < 0,05) foi adotado para todos os testes.

Resultados

Das 109 mulheres incluídas, a maioria (n = 48) estava na faixa etária de 18 a 25 anos, com média de 24,3 anos (mínimo de 14 e máximo de 42 anos). As demais características estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas e sociodemográficas das participantes (n = 109)

A avaliação do grau de contração dos MAP no primeiro momento demonstrou que 17 (15,6%) puérperas não apresentaram contração visível (grau 0), 56,9% apresentaram grau 1 e 27,5% grau 2. Entre as que apresentaram grau 0, 70,5% (n =12) modificaram o grau de contração no segundo momento, e apenas três mulheres permaneceram sem conseguir contrair os MAP no momento 3. Ao final da avaliação, 45,9% (n = 50) das mulheres realizaram a contração com aproximação entre vagina e ânus, com deslocamento cranial do centro tendíneo do períneo, alcançando a correta contração dos MAP (grau 2) (p < 0,001).

Os músculos adutores, abdominais e glúteos foram os mais recrutados durantes as contrações dos MAP, porém observou-se que as instruções e principalmente o feedback verbal no momento 2 resultaram na diminuição da utilização de todos os músculos e movimentos acessórios avaliados (p < 0,001) (Tabela 2). No momento 1, apenas três (2,7%) mulheres obtiveram grau 2 e não utilizaram nenhum músculo ou movimento acessório, sendo que no segundo e terceiro momentos esses números foram de quatro (3,6%) e 29 (26,6%) mulheres, respectivamente (dados não apresentados em tabelas).

Tabela 2
Comparação do uso de musculatura e movimentos acessórios e dos graus de contração ao decorrer da avaliação (n = 109)

Não houve associação entre episiotomia, uso de fórceps, informações prévias sobre os MAP e medo de sentir dor ao realizar a contração com o grau de contração pela escala aplicada no momento 1 (Tabela 3). Vale ressaltar que durante e após as avaliações não ocorreu nenhum evento adverso.

Tabela 3
Avaliação da associação entre fatores que poderiam interferir na qualidade da contração no momento 1

Discussão

Observa-se que a maioria das mulheres no pós-parto imediato apresenta dificuldade em contrair corretamente os MAP quando solicitadas sem orientação adequada. Contudo, a partir de instruções padronizadas e feedback individualizado, houve mudança do grau de contração dos MAP (momento 1 versus momento 2) e diminuição do uso de musculatura e movimentos acessórios (momento 2 versus momento 3) mediante a inspeção visual ao longo dos três momentos.

Esse resultado reflete a importância do fisioterapeuta reconhecer as deficiências nas funções musculares e ajustar o comando verbal, visto que no momento 2 as instruções verbais quanto à anatomia, função e correta contração dos MAP favoreceu a capacidade de contração destes, enquanto no momento 3 o feedback focou os músculos e movimentos acessórios, favorecendo a coordenação e especificidade da contração dos MAP.

O TMAP é uma das principais abordagens na prevenção e tratamento de DAP no período gestacional e após o parto, contribuindo para a recuperação da função dos MAP, alterada por mudanças fisiológicas e biomecânicas inerentes à gestação e parto.1111 Boyle R, Hay-Smith EJC, Cody JD, Morkved S. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2012;10:CD007471. DOI,1212 Morkved S, Bø K. Effect of pelvic floor muscle training during pregnancy and after childbirth on prevention and treatment of urinary incontinence: a systematic review. Br J Sports Med. 2014;48(4):299-310. DOI Saboia et al.1313 Saboia DM, Bezerra KC, Vasconcelos Neto JA, Bezerra LRPS, Oriá MOB, Vasconcelos CTM. A eficácia das intervenções pós-parto para prevenir a incontinência urinária: uma revisão sistemática. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 3):1544-52. DOI verificaram que todos os estudos que avaliaram utilizavam o TMAP como principal estratégia de prevenção de incontinência urinária (IU) no pós-parto e que, comparado aos cuidados de rotina, o TMPA é efetivo para a prevenção de IU tanto no pós-parto imediato quanto no tardio.

Nesse contexto, considerando que o TMAP é essencial na prevenção e tratamento de DAP, é de extrema importância que as mulheres aprendam a realizar uma correta contração perineal para que seja possível o adequado TMAP após o parto. Observou-se no presente estudo que 72,5% das mulheres (n = 79) não conseguiram realizar a contração correta dos MAP no primeiro momento. Esse dado corrobora o estudo pioneiro de Bø et al.,1414 Bø K, Larsen S, Oseid S, Kvarstein B, Hagen R, Jørgensen J. Knowledge about and ability to correct pelvic floor muscle exercises in women with urinary stress incontinence. Neurourol Urodyn. 1988;7(3):261-2. DOI no qual até 30% das mulheres não conseguem realizar uma correta contração na primeira tentativa. Além da dificuldade de percepção corporal e medo de sentir dor perineal, o presente estudo foi realizado em um hospital público e a maioria das participantes não obteve assistência fisioterapêutica no pré-natal, sendo o momento da avaliação o primeiro contato com a temática dos MAP para 75% das mulheres. Observou-se, entretanto, que mesmo com este único contato as mulheres foram capazes de compreender as instruções e alcançar melhores resultados quanto à contração dos MAP, ou seja, foram capazes de aprender ou melhorar a contração. O fato de 70,5% das mulheres que não apresentaram contração dos MAP terem modificado o grau de contração após instruções e feedback ratifica os achados de Hay-Smith et al.1515 Hay-Smith J, Mørkved S, Fairbrother KA, Herbison GP. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(4):CD007471. DOI sobre a importância e eficácia das instruções verbais no TMAP. Dessa forma, certificou-se o quanto as orientações fisioterapêuticas no puerpério imediato são relevantes e podem ser potenciais modificadoras da capacidade de contração e coordenação dos MAP mesmo no pós-parto imediato.

Os adutores foram a musculatura acessória mais utilizada, seguida de abdominais e glúteos, o que se assemelha aos resultados do estudo realizado na Bélgica por Neels et al.,77 Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI onde os músculos acessórios mais utilizados pelas puérperas foram os abdominais, seguidos do movimento de apneia e glúteos. Em um estudo realizado por Sapsford et al.,1616 Sapsford RR, Hodges PW, Richardson CA, Cooper DH, Markwell SJ, Jull GA. Co-activation of the abdominal and pelvic floor muscles during voluntary exercises. Neurourol Urodyn. 2001;20(1):31-42. DOI entretanto, evidenciou-se que a atividade da musculatura abdo-minal ocorre como resultado da ativação máxima dos MAP. Dessa maneira, considera-se que diante das solicitações de contração dos MAP, as puérperas realizaram a cocontração abdominal na tentativa de obter melhor execução na movimentação perineal. Nesse estudo, apenas contrações rápidas do MAP foram realizadas, não havendo orientação para sustentação das contrações, o que poderia potencializar a utilização de musculatura acessória ou gerar fadiga muscular.

No estudo de Kruger et al.,1717 Kruger J, Budgett D, Goodman J, Bø K. Can you train the pelvic floor muscles by contracting other related muscles? Neurourol Urodyn. 2019;38(2):677-83. DOI verificou-se que a contração de músculos abdominais e rotadores de quadril não foi capaz de ativar os MAP o suficiente para fornecer o efeito de treinamento, visto que as pressões geradas nos MAP eram maiores durante a contração direcionada aos MAP, as quais devem continuar sendo recomendadas, seguindo o princípio da especificidade para o fortalecimento muscular. Na presente pesquisa, o feedback verbal objetivou a contração isolada dos MAP, resultando ao final em 45,8% das mulheres com correta contração (grau 2). Esses dados corroboram a pesquisa de Vermandel et al.,1818 Vermandel A, Wachter S, Beyltjens T, D'Hondt D, Jacquemyn Y, Wyndaele JJ. Pelvic floor awareness and the positive effect of verbal instructions in 958 women early postdelivery. Int Urogynecol J. 2015;26(2):223-8. DOI realizada com 958 puérperas, onde também confirmou-se a instrução verbal como ferramenta eficaz para orientar a contração dos MAP.

Estudos recentes demonstram que a dor na região perineal pós-parto é frequente entre 70 e 90% das mulheres.1919 East CE, Sherburn M, Nagle C, Said J, Forster D. Perineal pain following childbirth: prevalence, effects on postnatal recovery and analgesia usage. Midwifery. 2012;28(1):93-7. DOI,2020 Cooklin AR, Amir LH, Jarman J, Cullinane M, Donath SM. Maternal physical health symptoms in the first 8 weeks postpartum among primiparous Australian women. Birth. 2015;42(3):254-60. DOI Possivelmente, a baixa prevalência de dor perineal (18,3%, n = 20) encontrada no presente estudo está relacionada com os baixos índices de lacerações graves (5,4%) e episiotomia (6,4%) da amostra, bem como em um estudo realizado em São Paulo por Francisco et al.,2121 Francisco AA, Oliveira SMJV, Santos JO, Silva FMB. Avaliação e tratamento da dor perineal no pós-parto vaginal. Acta Paul Enferm. 2011;24(1):94-100. DOI no qual verificou-se 18,5% de queixa dessa dor.

Ao contrário do que esperava-se, o parto a fórceps e a episiotomia não tiveram relação com o grau de contração, bem como os achados de Vermandel et al.1818 Vermandel A, Wachter S, Beyltjens T, D'Hondt D, Jacquemyn Y, Wyndaele JJ. Pelvic floor awareness and the positive effect of verbal instructions in 958 women early postdelivery. Int Urogynecol J. 2015;26(2):223-8. DOI Informações prévias sobre os MAP e escolaridade também não foram associadas. Esses resultados desmistificam o receio de orientar o TMAP para mulheres que sofreram trauma perineal e de que a baixa escolaridade seria uma limitação para a compreensão da correta contração dos MAP. Ainda assim, deve-se considerar que apenas estratégias educacionais pontuais podem não ser suficientes para promover o fortalecimento dos MAP e, por isso, novas estratégias de TMAP após o parto devem ser estimuladas.2222 Andrade RL, Bø K, Antonio FI, Driusso P, Mateus-Vasconcelos ECL, Ramos S, et. al. An education program about pelvic floor muscles improved women's knowledge but not pelvic floor muscle function, urinary incontinence or sexual function: a randomised trial. J physiother. 2018;64(2):91-6. DOI

Embora a palpação vaginal e a manometria sejam métodos amplamente utilizados e validados para avaliação da função e força dos MAP por fisioterapeutas,88 Bø K, Frawley HC, Haylen BT, Abramov Y, Almeida FG, Berghmans B, et. al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for the conservative and nonpharmacological management of female pelvic floor dysfunction. Neurourol Urodyn. 2017;36(2):221-44. DOI no presente estudo a avaliação pela inspeção visual dos MAP pode ser considerada uma limitação. No entanto este estudo é pioneiro para a população brasileira no pós-parto vaginal imediato, visto que neste período há limitação para o uso de métodos intravaginais devido ao edema vulvar e perineal, dor e desconforto, loquiação, suturas e aumento do risco de infecções. Por outro lado, o período pós-parto é oportuno para instruir as mulheres sobre os benefícios do TMAP no tratamento e prevenção das disfunções.

Os resultados devem ser interpretados com cautela devido às limitações inerentes ao desenho quase-experimental, como ausência de grupo controle, de aleatorização e ausência de cegamento dos avaliadores. No entanto, como as avaliações foram realizadas em momentos consecutivos, acredita-se que o efeito observado se deva às instruções e feedbacks realizados. Outra limitação é a subjetividade da avaliação; entretanto, utilizou-se uma escala com alta confiabilidade interavaliador (k = 0,832),77 Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI que pode ser realizada em diferentes ambientes, por diferentes profissionais, além de ser uma forma de avaliação simples e de baixo custo. Destacam-se a originalidade e contribuição desse estudo, que permite a ampliação das possibilidades de abordagem no puerpério imediato e facilita a prática clínica dos fisioterapeutas nas maternidades. Ademais, ressaltam-se alguns fatores que contribuíram para a uniformidade da coleta e melhor validade interna, como: padronização do comando verbal para contração dos MAP, treinamento do examinador, teste piloto da coleta de dados e realização das avaliações nos primeiros três dias pós-parto. Por fim, mesmo o estudo sendo realizado com mulheres com baixas condições socioeconômicas, sendo 1/3 das participantes de baixa escolaridade e apenas 30% tendo informação prévia sobre os MAP, foi possível observar o efeito de instruções verbais na melhora da capacidade de uma correta contração desses músculos em mulheres no pós-parto imediato.

Conclusão

Observa-se que a maioria das mulheres no pós-parto imediato apresenta dificuldade na capacidade de contração correta e coordenação dos MAP. As instruções e feedback verbais foram úteis para promover a correta contração dos MAP e a diminuição da utilização de músculos e movimentos acessórios. Ademais, a inspeção visual utilizada é um método simples, não invasivo e de baixo custo, podendo ser realizado por fisioterapeutas nas maternidades no pós-parto imediato, contribuindo para a melhora da qualidade da assistência. Para avaliar a manutenção da capacidade de contração ao longo do tempo, recomenda-se que estudos longitudinais e ensaios clínicos aleatorizados sejam realizados.

References

  • 1
    O’Boyle AL, O'Boyle JD, Ricks RE, Patience TH, Calhoun B, Davis G. The natural history of pelvic organ support during pregnancy. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2003;14(1):46-9. DOI
  • 2
    Moccellin AS, Rett MT, Driusso P. Existe alteração na função dos músculos do assoalho pélvico e abdominais de primigestas no segundo e terceiro trimestre gestacional? Fisioter Pesqui. 2016;23(2):136-41. DOI
  • 3
    Bø K, Sherburn M. Evaluation off female pelvic floor muscle function and strength. Phys Ther. 2005;85(3):269-82. DOI
  • 4
    Subak LL, Brown JS, Kraus SR, Brubaker L, Lin F, Richter HE, et al.The “costs” of urinary incontinence for women. Obstet Gynecol. 2006;107(4):908-16. DOI
  • 5
    Thom DH, Rortveit G. Prevalence of postpartum urinary incontinence: a systematic review. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(12):1511-22. DOI
  • 6
    Woodlev SJ, Boyle R, Cody JD, Morkved S, Hay-Smith EJC. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2017;12(12): CD007471. DOI
  • 7
    Neels H, Wachter SD, Wyndaele JJ, Aggelpoel TV, Vermandel A. Common errors made in attempt to contract the pelvic floor muscles in women early after delivery: A prospective observational study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018;220:113-7. DOI
  • 8
    Bø K, Frawley HC, Haylen BT, Abramov Y, Almeida FG, Berghmans B, et. al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for the conservative and nonpharmacological management of female pelvic floor dysfunction. Neurourol Urodyn. 2017;36(2):221-44. DOI
  • 9
    Assis TH, Sá ACAM, Amaral WN, Batista EM, Formiga CKMR, Conde DM. Efeito de um programa de exercícios para o fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico de multíparas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(1):10-5. DOI
  • 10
    Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand’homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94. DOI
  • 11
    Boyle R, Hay-Smith EJC, Cody JD, Morkved S. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2012;10:CD007471. DOI
  • 12
    Morkved S, Bø K. Effect of pelvic floor muscle training during pregnancy and after childbirth on prevention and treatment of urinary incontinence: a systematic review. Br J Sports Med. 2014;48(4):299-310. DOI
  • 13
    Saboia DM, Bezerra KC, Vasconcelos Neto JA, Bezerra LRPS, Oriá MOB, Vasconcelos CTM. A eficácia das intervenções pós-parto para prevenir a incontinência urinária: uma revisão sistemática. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 3):1544-52. DOI
  • 14
    Bø K, Larsen S, Oseid S, Kvarstein B, Hagen R, Jørgensen J. Knowledge about and ability to correct pelvic floor muscle exercises in women with urinary stress incontinence. Neurourol Urodyn. 1988;7(3):261-2. DOI
  • 15
    Hay-Smith J, Mørkved S, Fairbrother KA, Herbison GP. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(4):CD007471. DOI
  • 16
    Sapsford RR, Hodges PW, Richardson CA, Cooper DH, Markwell SJ, Jull GA. Co-activation of the abdominal and pelvic floor muscles during voluntary exercises. Neurourol Urodyn. 2001;20(1):31-42. DOI
  • 17
    Kruger J, Budgett D, Goodman J, Bø K. Can you train the pelvic floor muscles by contracting other related muscles? Neurourol Urodyn. 2019;38(2):677-83. DOI
  • 18
    Vermandel A, Wachter S, Beyltjens T, D'Hondt D, Jacquemyn Y, Wyndaele JJ. Pelvic floor awareness and the positive effect of verbal instructions in 958 women early postdelivery. Int Urogynecol J. 2015;26(2):223-8. DOI
  • 19
    East CE, Sherburn M, Nagle C, Said J, Forster D. Perineal pain following childbirth: prevalence, effects on postnatal recovery and analgesia usage. Midwifery. 2012;28(1):93-7. DOI
  • 20
    Cooklin AR, Amir LH, Jarman J, Cullinane M, Donath SM. Maternal physical health symptoms in the first 8 weeks postpartum among primiparous Australian women. Birth. 2015;42(3):254-60. DOI
  • 21
    Francisco AA, Oliveira SMJV, Santos JO, Silva FMB. Avaliação e tratamento da dor perineal no pós-parto vaginal. Acta Paul Enferm. 2011;24(1):94-100. DOI
  • 22
    Andrade RL, Bø K, Antonio FI, Driusso P, Mateus-Vasconcelos ECL, Ramos S, et. al. An education program about pelvic floor muscles improved women's knowledge but not pelvic floor muscle function, urinary incontinence or sexual function: a randomised trial. J physiother. 2018;64(2):91-6. DOI

Editado por

Editora associada: Maria Augusta Heim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Revisado
    09 Fev 2022
  • Aceito
    21 Fev 2022
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado-Velho -, Curitiba - PR - CEP 80215-901, Telefone: (41) 3271-1608 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: revista.fisioterapia@pucpr.br