Correlação entre preocupação em cair e aptidão muscular funcional em idosos comunitários

Resumo

Introdução:

Com o intuito de estabelecer uma correlação entre a preocupação em cair e um parâmetro funcional mais abrangente, a aptidão muscular funcional, variável que engloba componentes funcionais como equilíbrio, força, potência muscular, flexibilidade e coordenação motora de forma integrada, surge como uma alternativa. A aptidão muscular funcional é mensurada por meio do teste de sentar e levantar do chão (TSL), um teste simples, seguro, rápido e ecológico.

Objetivo:

A pesquisa teve como objetivo verificar a correlação entre a preocupação em cair e a aptidão muscular funcional de idosos.

Métodos:

Trata-se de um estudo com delineamento observacional do tipo transversal correlacional. A amostra foi composta por 53 idosos de ambos os sexos (86,8% mulheres; 65,6 ± 4,7 anos; índice de massa corporal 28,5 ± 3,8 kg/m²), avaliados quanto à preocupação em cair (através da Escala Internacional de Eficácia de Quedas Brasil - FES-I-Brasil) e à aptidão muscular funcional (através do TSL). A análise de correlação foi realizada pelo teste de Spearman. Para todas as análises foi estabelecido um nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados:

A preocupação em cair apresentou correlação negativa com aptidão muscular funcional (rho =-0,229; p = 0,015).

Conclusão:

Idosos com menores índices de aptidão muscular funcional apresentam maior nível de preocupação em cair.

Palavras-chave:
Preocupação em cair; Idoso; Aptidão muscular funcional; Aptidão física

Abstract

Introduction:

To establish a correlation between concern about falling and a more comprehensive functional parameter, functional muscle fitness, a variable that encompasses functional components such as balance, muscle strength, power, flexibility and motor coordination in an integrated way. Functional muscle fitness is measured using the sitting-rising (from the floor) test (SRT), a simple, safe, fast and ecological test.

Objective:

The aim of our study was to determine the correlation between concern about falling and functional muscle fitness in the elderly.

Methods:

A cross-sectional observational study was conducted. The sample consisted of 53 elderly people of both sexes (86.8% women; 65.6 ± 4.7 years old; body mass index 28.5 ± 3.8 kg/m²), who were assessed for concern about falling (through Falls Efficacy Scale International, FES-I-Brazil) and functional muscle fitness (through SRT). Correlation analysis was performed using the Spearman test. For all analyses, a significance level of 5% (p < 0.05) was established.

Results:

Concern about falling showed a negative correlation with functional muscle fitness (rho =-0.229; p = 0.015).

Conclusion:

Elderly people with lower levels of functional muscle fitness have a higher level of concern about falling.

Keywords:
Concern about falling; Elderly; Functional muscle fitness; Physical fitness

Introdução

Segundo a projeção das Nações Unidas, estima-se que em 2050 cerca de 30% da população será composta de idosos.¹ Diante do aumento da população idosa, a literatura tem apontado para a importância de se estudar cada vez mais todo o processo de senescência e suas alterações.² Durante o processo de envelhecimento são observadas perdas naturais, como a diminuição dos níveis de força, potência, flexibilidade e equilíbrio, que acabam comprometendo a execução de atividades básicas e instrumentais da vida diária,²-⁴ impactando, assim, a capacidade funcional dos idosos.⁵

Tais perdas físicas e funcionais são responsáveis também pelo aumento do risco de queda nessa população. As quedas acometem cerca de um terço dos idosos acima de 60 anos e de 40 a 50% dos idosos entre 80 e 85 anos, sendo a terceira maior causa de morte acidental no Brasil.⁶,⁷ A senescência também traz consigo alguns prejuízos psicológicos como a preocupação em cair,⁸ caracterizada pelo sentimento de insegurança durante a realização das atividades cotidianas.⁹

Schepens et al.¹⁰ conduziram uma meta-análise apontando que a preocupação em cair surge como um fator protetivo contra quedas, aumentando a atenção na realização de atividades cotidianas; isso, contudo, acaba desenvolvendo uma restrição excessiva de movimentos, diminuindo os níveis de atividade física, o que pode agravar a perda da funcionalidade dos idosos.⁹,¹⁰

A literatura já tem demonstrado uma correlação existente entre o nível de preocupação em cair e alguns componentes funcionais de forma isolada, como equilíbrio,¹¹,¹² força¹³-¹⁵ e potência muscular.¹⁶ Entretanto, buscando estabelecer uma correlação entre a preocupação em cair e um parâmetro funcional mais abrangente, a aptidão muscular funcional, variável que engloba componentes funcionais de forma integrada, como equilíbrio, força, potência muscular, flexibilidade e coordenação motora,¹⁷-¹⁹ surge como uma alternativa. Essa variável pode ser facilmente mensurada por meio do teste de sentar e levantar do chão (TSL),¹⁷ um teste simples, seguro, rápido e ecológico.

Considerando que estudos prévios já demonstraram haver correlação entre a preocupação em cair e outros componentes funcionais isolados em idosos,¹¹-¹⁶ é provável que também possa existir uma correlação negativa com a aptidão muscular funcional. Nesse sentido, seria possível identificar previamente possíveis prejuízos de ordem psicológica associados à preocupação em cair por meio de um único teste capaz de predizer o status funcional do idoso. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi correlacionar os níveis de preocupação em cair com a aptidão muscular funcional de idosos comunitários.¹⁷

Métodos

Caracterização do estudo e da amostra

Trata-se de um estudo com delineamento obser-vacional do tipo transversal correlacional. A coleta dos dados aconteceu entre fevereiro e março de 2020. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), sob o registro CAEE: 14788819.7.0000.5208, e todos os participantes assina-ram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A amostra, extraída de um estudo longitudinal,¹⁸ foi composta por idosos que vivem independente na comunidade, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 60 anos, que não estivessem em algum programa regular de exercícios físicos por pelo menos seis meses. A participação aconteceu de forma voluntária e o convite foi feito por meio de divulgação verbal e impressa através de folders fixados nas dependências da UFRPE.

Procedimentos

Avaliação da preocupação em cair: Escala Interna-cional de Eficácia de Quedas (FES-I-Brasil)

A preocupação em cair foi avaliada através da FES-I-Brasil, que representa o grau de preocupação a respeito da possibilidade de cair ao realizar atividades da vida diária (básica e instrumental), de socialização e de controle postural.¹⁹ A escala contém 16 questões com pontuações que variam de 1 a 4 pontos por questão, sendo que 1 ponto equivale à pontuação mínima (nem um pouco preocupado) e 4 equivale à pontuação máxima (extremamente preocupado).

Avaliação da aptidão muscular funcional: TSL

A mensuração da aptidão muscular funcional foi realizada por meio do TSL.¹⁷,²⁰ O teste consiste em quantificar os apoios que o indivíduo utiliza para sentar e levantar do chão, que podem ser mãos e/ou joelhos ou ainda as mãos sobre os joelhos e pernas. São atribuídas notas independentes para cada um dos dois atos, sentar e levantar. A nota máxima é 5 para cada um dos dois. Perde-se meio ponto para qualquer desequilíbrio perceptível. O melhor resultado de duas tentativas para cada um dos dois atos é escolhido como representativo do indivíduo.²⁰ Os participantes realizaram três sessões de familiarização antes da aplicação do teste, com um coeficiente de correlação intraclasse de 0,87.

A aptidão muscular funcional pode ser classificada em favorável e não favorável.²¹ Em homens e mulheres com idade entre 56 e 60 anos, o escore abaixo de 8 pontos aponta uma condição não favorável da aptidão muscular funcional, enquanto que para homens e mulheres, respectivamente, o escore mínimo para uma condição favorável é de: 8 e 7 para a faixa etária de 61 a 65 anos; 7,5 e 7 entre 66 e 70 anos; e 6 e 3,5 para idosos de 71 a 75 anos. Já para as mulheres entre 76 e 80 anos, o escore mínimo favorável é 4, e entre 81 a 85 anos é 3.

Análise de dados

Os dados foram processados e analisados pelos programas Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, IL, USA), versão 20, e GraphPad InStat (GraphPad Software, San Diego, CA, USA), versão 3. Os dados foram inseridos no pacote estatístico SPPS e, após consolidação e validação dos mesmos, realizou-se a estatística descritiva. Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade dos dados. A corre-lação de postos de Spearman foi utilizada para analisar a relação entre preocupação em cair e os indicadores da capacidade funcional. Para todas as análises foi estabelecido um nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados

A amostra foi composta por 53 idosos. Os dados sociodemográficos e os resultados das avaliações funcionais que caracterizam a amostra estão apresen-tadas nas Tabelas 1 to 2.

Tabela 1
Características sociodemográficas e funcio-nais dos idosos incluídos no estudo (n = 53)

Características	Valores
Sexo (%mulheres)	46 (86,80)
Idade (anos)	65,66 ± 4,77
Peso corporal (quilos/kg)	69,86 ± 11,00
Altura (metros/m)	1,56 ± 0,07
Índice de massa corporal (kg/m2)	28,5 ± 3,80
Hipertensos (%)	32 (60,40)
Diabéticos (%)	10 (18,90)
Portadores de doença osteoarticular (%)	10 (18,90)
Preocupação em cair (escore)	27,23 ± 9,46
Aptidão muscular funcional (escore)	4,96 ± 2,08

Nota: Valores apresentados em média ± desvio-padrão ou frequência absoluta (frequência relativa).

Tabela 2
Relação das classificações da aptidão muscular funcional dos idosos incluídos no estudo, estratificadas por sexo e idade (n = 53)

Sexo	Classificação (%)
Mulheres
56 a 60 anos (n = 6)	Não favorável (100)
61 a 65 anos (n = 19)	Não favorável (65)
66 a 60 anos (n = 15)	Não favorável (67)
71 a 75 anos (n = 4)	Favorável (75)
76 a 80 anos (n = 1)	Favorável (100)
81 a 85 anos (n = 1)	Favorável (100)
Homens
61 a 65 anos (n = 5)	Não favorável (60)
66 a 70 anos (n = 1)	Favorável (100)
71 a 75 anos (n = 1)	Não favorável (100)

Na Figura 1 está representado o resultado da análise de correlação entre a preocupação em cair e a aptidão muscular funcional. Observou-se correlação negativa e estatisticamente significativa (rho =-0,229; p = 0,015).

Figura 1
Correlação entre preocupação em cair e aptidão muscular funcional em idosos (n = 53).

Discussão

Confirmando a hipótese inicial, o presente estudo revelou uma correlação negativa entre a aptidão muscular funcional (TSL) e a preocupação em cair (FES-I-Brasil), indicando que comprometimentos funcionais estão relacionados com o aumento dos níveis de preocupação em cair. Embora a relação entre a preocupação em cair e aspectos funcionais já tenha sido apontada na literatura, os achados prévios demonstraram essa relação apenas com componentes funcionais de forma isolada, por meio de um conjunto de testes.

Pereira et al.,¹¹ ao compararem dois instrumentos de avaliação do equilíbrio e suas relações com o risco de cair de idosos, verificaram que a Berg Balance Scale e a plataforma de equilíbrio Balance Stability System apresentaram correlação entre si e concluíram que quanto pior os índices de equilíbrio, maior o risco de um episódio de queda entre idosos. Com achados semelhantes, Hoang et al.¹⁴ também ratificaram a relação entre a preocupação em cair e o equilíbrio entre idosos comunitários. Ambos os estudos apontam para a importância da estabilidade e controle postural na realização das atividades diárias.¹¹,¹⁴

No que se refere à força muscular, a literatura tem ressaltado a relação inversa entre os níveis de força e a preocupação em cair entre idosos. Alfieri et al.¹² correlacionaram a força de membros inferiores, mensurada através de um dinamômetro, com a FES-I e observaram um resultado de rho =-0,44, p = 0,02. Sales et al.¹⁵ também avaliaram associação entre a preocupação em cair e a força, através da força de preensão manual e força na extensão de joelho, e em ambos os métodos associações significantes com a preocupação em cair foram encontradas.

Tratando-se da potência muscular e preocupação em cair, no único estudo encontrado que trouxe essa relação, Trombeti et al.¹⁶ avaliaram a potência através de uma leg press pneumática, na qual foram realizadas cinco repetições o mais rápido possível com uma carga de 40% a 70% de 1RM, e observaram que quanto menores os indicadores de potência muscular, maior era a preocupação em cair, principalmente em relação à execução de atividades básicas e instrumentais da vida diária. Tal relação pode ser atribuída ao declínio da massa e força muscular e, consequentemente, diminuição da potência muscular, algo comum durante o processo natural do envelhecimento, em especial pelas perdas de fibras musculares do tipo II, que são responsáveis pela contração rápida, comprometendo o desempenho funcional dos idosos.²²,²³

Apesar desses achados, é notória a necessidade de se estabelecer tais correlações com parâmetros funcionais mais abrangentes, visto que todas acontecem com componentes funcionais isolados. Como alternativa, a utilização de baterias de testes funcionais que avaliem mais de um aspecto funcional surge como possibilidade. Um exemplo é a Short Physical Performance Battery (SPPB),²⁴ bateria composta por testes de equilíbrio, de desempenho da marcha e de força. Mesmo sendo uma avaliação mais global, ainda assim as avaliações dos parâmetros acontecem de forma independente. Ao gerar um escore final é natural e possível que uma ou duas das três variáveis avaliadas possam superestimar ou subestimar os resultados encontrados. Além disso, baterias de testes funcionais podem exigir maiores recursos para a aplicação, bem como demandam um maior tempo para a realização.

Diferente dos escores globais de funcionalidade fornecidos por baterias de testes funcionais, o TSL é capaz de mensurar a aptidão muscular funcional,¹⁷ variável que engloba diferentes parâmetros funcionais de forma simultânea e integrada, incluindo o equilíbrio, a força e a potência muscular, a flexibilidade e a coordenação motora. O TSL é uma ferramenta simples, ecológica e de rápida execução (aproximadamente 20 segundos), que não necessita de nenhum recurso material e pode ser aplicada em diferentes contextos, seja nos consultórios, academias ou até nos próprios domicílios.¹⁹ Desta forma, o TSL pode ser uma ferramenta útil para triagem, classificação funcional e estratificação de risco para uma grande amostra de indivíduos.²³

O TSL tem se mostrado fidedigno e sensível às variações de cada uma das variáveis da aptidão muscular funcional.¹⁹,²⁵ Tendo em vista que as avaliações do equilíbrio,¹¹,¹² força¹³-¹⁵ e potência muscular¹⁶ estão relacionadas diretamente com a preocupação em cair de idosos, o TSL avalia todos esses componentes de forma integrada. Um outro dado importante é que o TSL, de acordo com Brito et al.,²⁶ é um preditor significativo de mortalidade de todas as causas em indivíduos de 51 a 80 anos, e que cada incremento de um ponto no escore do TSL está associado a uma redução de 21% na mortalidade por todas as causas.

Um estudo conduzido por Araújo et al.,²¹ com 6.141 indivíduos, revelou valores de referência no escore do TSL para todas as idades, a partir de duas classificações: 1) aptidão muscular funcional favorável e 2) não favorável. Tais achados corroboram as análises das características da amostra do presente estudo (Tabela 2) e ratificam os resultados de que quanto menor a aptidão muscular funcional, maior é a preocupação em cair entre os idosos.

O presente estudo apresentou como pontos fortes a utilização de um instrumento validado, confiável e sensível para a população idosa, capaz de estimar de maneira rápida, segura, prática e sem custos parâmetros funcionais de forma integrada. Além disso, trata-se também de um instrumento capaz de oferecer um panorama acerca de outro aspecto importante no contexto do idoso, que é o nível de preocupação em cair, útil especialmente em tempo de pandemia, no qual os idosos, classificados como grupo de risco, precisam evitar exposições. Por outro lado, o tamanho da amostra, oriunda de um dimensionamento amostral não-probabilístico, foi considerado uma limitação, o que pode limitar a extrapolação dos resultados para a população idosa em geral.

Conclusão

A aptidão muscular funcional apresentou uma correlação negativa com os níveis de preocupação em cair (rho =-0,229; p = 0,015), apontando que quanto menor o escore obtido por meio do TSL, maior o nível de preocupação em cair dos idosos avaliados pela FES-I-Brasil. Sendo assim, ressalta-se que tais achados oferecem implicações práticas importantes, tanto no contexto da avaliação quanto no da prescrição de programas de reabilitação e treinamento de idosos. Destaca-se que a utilização do TSL vai além da mensuração da aptidão muscular funcional, oferecendo também dados referentes à predição de morte e de indicadores referentes à preocupação em cair desses idosos, como também a possibilidade de realizar o TSL de forma remota, por meio de aparelhos celulares ou computadores, durante a pandemia de COVID-19.

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Editado por

Editora associada: Mariana Asmar Alencar Collares

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  01 Jun 2021
• Revisado
  09 Fev 2022
• Aceito
  21 Fev 2022