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Fase crônica da COVID-19: desafios do fisioterapeuta diante das manifestações neurológicas

A COVID-19 teve seu início na cidade Wuhan, na China, em dezembro de 2019, sendo causada pelo novo coronavírus, o SARS-COV-2. Rapidamente, a epidemia de COVID-19 na China se tornou uma pandemia, com encargos significativos para os cuidados de saúde e para a economia mundial [11 Epidemiology Working Group for NCIP Epidemic Response, Chinese Center for Disease Control and Prevention. Zhonghua Liu Xing Bing Xue Za Zhi. 2020;41(2):145-51.]. A COVID-19 se manifesta principalmente como doença respiratória e é ocasionalmente acompanhada de manifestações gastrointestinais e musculoesqueléticas [22 Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.]. De acordo com estudos clínicos da Ásia, os sintomas mais prevalentes consistem em febre, tosse, dispneia, produção de escarro, mialgia, artralgia, dor de cabeça, diarreia, rinorreia e dor de garganta [33 Young BE, Ong SWX, Kalimuddin S, Low JG, Tan SY, Loh J, et al. Epidemiologic features and clinical course of patients infected with SARS-CoV-2 in Singapore. JAMA. 2020;323(15):1488-94., 44 Wan S, Xiang Y, Fang W, Zheng Y, Li B, Hu Y, et al. Clinical features and treatment of COVID-19 patients in Northeast Chongqing. J Med Virol. 2020;10.1002/jmv.25783.
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].

Um estudo retrospectivo na China envolvendo mais de 200 participantes revelou que um subconjunto de pacientes com COVID-19 apresentou sintomas neurológicos [55 Mao L, Jin H, Wang M, Hu Y, Chen S, He Q, et al. Neurologic manifestations of hospitalized patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan, China. JAMA Neurol. 2020;e201127.]; estes incluíram consciência prejudicada, doença cerebrovascular aguda e sintomas musculoesqueléticos, sugerindo o envolvimento dos sistemas nervosos central (SNC) e periférico (SNP). Os sintomas observados eram mais comuns em pacientes que sofriam da doença em sua forma grave. Outro estudo do mesmo grupo relatou que a infecção por COVID-19 foi seguida por doença cerebrovascular em 13 pacientes, incluindo acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, trombose do seio venoso cerebral e hemorragia cerebral [66 Li Y, Wang M, Zhou Y, Chang J, Xian Y, Mao L, et al. Acute cerebrovascular disease following COVID-19: a single center, retrospective, observational study. SSRN Journal. 2020. doi: 10.2139/ssrn.3550025
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]. Na Europa, a expansão da infecção da COVID-19 destacou uma apresentação atípica da doença: pacientes com disfunções olfativas (hiposmia) e gustativas (hipoageusia), caracterizando precisamente o envolvimento do SNP.

Embora as manifestações neurológicas da COVID-19 ainda estejam começando a ser estudadas adequadamente, é altamente provável que alguns desses pacientes, particularmente aqueles que sofrem da forma grave da doença, tenham envolvimento do SNC e manifestações neurológicas, como citado anteriormente. Documentação precisa e direcionada dos sintomas neurológicos, clínica detalhada, investigações neurológicas e eletrofisiológicas dos pacientes, tentativas de isolar o SARS-CoV-2 do líquido cefalorraquidiano e autópsias das vítimas de COVID-19 podem esclarecer o papel desempenhado por esse vírus nas disfunções neurológicas. Isso traz desafios para a reabilitação desses pacientes pós-COVID.

Sendo colocado como manifestação neurológica mais evidente da COVID-19, e devido aos seus fatores de risco clássicos, o AVC se constituiu em um aumento no número de pacientes procurando serviços de fisioterapia, já que novos eventos de AVC não deixaram de acontecer e continuam sendo a maior causa de incapacidade funcional. Trata-se de pessoas que têm como consequência comprometimento em seu tônus e força muscular, coordenação, marcha, e na realização de atividades de vida diária (AVDs). Considerando que até então os indicativos sinalizam déficits neurológicos gerados por um AVC, mas não unicamente por ele, em casos mais graves de COVID a reabilitação precisa de maior dedicação, frequência e de uma fisioterapia especializada e individualizada.

Após a alta hospitalar, esses pacientes são direcionados a um serviço fisioterapêutico ambulatorial. Em tempos de isolamento social, como medida de prevenção à COVID-19, existe uma real e significativa dificuldade para acessar esse serviço. Paralelamente, o paciente em questão se configura como grupo de risco, tendo de poupar-se sistematicamente de contatos com terceiros. O seu retorno à funcionalidade põe-se em evidência. Comprometimentos como AVC e polineuropatias após tempo prolongado em unidade de terapia intensiva são condições ímpares para um suporte da fisioterapia neurofuncional.

Diante da necessidade de isolamento social, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e cuidados necessários por parte do profissional, como o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual), duas possibilidades terapêuticas são a teleconsulta e o telemonitoramento, autorizados pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) [77 Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Resolução no 516, de 20 de março de 2020 - Teleconsulta, Telemonitoramento e Teleconsultoria [cited 2020 May 22]. Available from: https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825
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]. Essas abordagens ajudam a atender a necessidade imposta pela pandemia, assim como viabilizam o início precoce da fisioterapia para esses indivíduos. Em paralelo, pode-se ter casos clínicos de graves déficits neurológicos, sendo indispensável a atuação presencial do fisioterapeuta, a qual deve ser realizada em ambiente domiciliar com o profissional tomando todas as medidas cabíveis de proteção individual e do paciente.

Desde a fase inicial de distanciamento social, a fisioterapia neurofuncional teve um outro desafio bastante relevante: suprir as necessidades dos pacientes que estavam em acompanhamento fisioterapêutico antes desse quadro de pandemia se revelar. Condições de saúde neurodegenerativas, progressivas ou mesmo repentinas, como as que causam traumas ao sistema nervoso, ressaltam a necessidade de continuidade fisioterapêutica para que a funcionalidade seja alcançada. Ao interromper o tratamento, as perdas e/ou retrocessos na evolução do paciente se evidenciam, a capacidade de marcha pode ser perdida, a espasticidade exacerbada, a fraqueza muscular piorada e as atividades funcionais limitadas, refletindo negativamente no cotidiano e qualidade de vida do paciente.

Enfim, conclui-se que um novo espectro de acompanhamento clínico especializado desses pacientes é despertado para os profissionais da fisioterapia neurofuncional. A necessidade eminente de promover o retorno à plena funcionalidade de pacientes curados da COVID-19, bem como a continuidade, evolução e controle dos pacientes já em reabilitação, impõe-se como demanda crescente. Cabe aos fisioterapeutas se atualizarem e ficarem prontos para agir!

References

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    Epidemiology Working Group for NCIP Epidemic Response, Chinese Center for Disease Control and Prevention. Zhonghua Liu Xing Bing Xue Za Zhi. 2020;41(2):145-51.
  • 2
    Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497-506.
  • 3
    Young BE, Ong SWX, Kalimuddin S, Low JG, Tan SY, Loh J, et al. Epidemiologic features and clinical course of patients infected with SARS-CoV-2 in Singapore. JAMA. 2020;323(15):1488-94.
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    Wan S, Xiang Y, Fang W, Zheng Y, Li B, Hu Y, et al. Clinical features and treatment of COVID-19 patients in Northeast Chongqing. J Med Virol. 2020;10.1002/jmv.25783.
    » https://doi.org/10.1002/jmv.25783
  • 5
    Mao L, Jin H, Wang M, Hu Y, Chen S, He Q, et al. Neurologic manifestations of hospitalized patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan, China. JAMA Neurol. 2020;e201127.
  • 6
    Li Y, Wang M, Zhou Y, Chang J, Xian Y, Mao L, et al. Acute cerebrovascular disease following COVID-19: a single center, retrospective, observational study. SSRN Journal. 2020. doi: 10.2139/ssrn.3550025
    » https://doi.org/10.2139/ssrn.3550025
  • 7
    Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Resolução no 516, de 20 de março de 2020 - Teleconsulta, Telemonitoramento e Teleconsultoria [cited 2020 May 22]. Available from: https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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