Open-access Conhecimento de fisioterapeutas sobre o transtorno do desenvolvimento da coordenação em Fortaleza, Brasil

RESUMO

O estudo buscou analisar se estudantes de graduação e profissionais de fisioterapia possuem o conhecimento necessário para intervir junto a crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) e se são capazes identificar seus termos, conceitos e características motoras e psicossociais. A amostra do estudo foi dividida em dois grupos: profissionais (n=45) e estudantes de fisioterapia (n=16), que responderam a um questionário baseado em estudos anteriores sobre o tema, apresentado por meio de um formulário on-line. A coleta de dados ocorreu por aproximadamente 12 semanas e os dados foram analisados descritivamente, apresentando frequências absolutas e relativas das respostas. Todos os 61 participantes indicaram falta de conhecimento sobre o TDC. Embora o termo tenha sido considerado mais familiar entre os estudantes (56,2%) em comparação aos profissionais (48,8%), todos os participantes, em geral, demonstraram conhecimento limitado sobre aspectos relacionados à definição, prevalência e identificação do TDC, além de que expressaram a necessidade de formação adicional sobre o assunto. Foi possível observar que devido ao desconhecimento sobre o TDC, estratégias de divulgação de informações sobre o tema são essenciais para incorporá-lo em considerações diagnósticas comuns para a população pediátrica, particularmente em contextos regionais.

Descritores
Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação; Conhecimento; Distúrbios Motores; Fisioterapia

ABSTRACT

The study sought to analyze whether undergraduate students and physical therapy professionals have the necessary knowledge to intervene with children with developmental coordination disorder (DCD) and whether they can identify their terms, concepts and motor and psychosocial characteristics. The sample was divided into two groups: professionals (n=45) and physical therapy students (n=16), who responded to a questionnaire based on previous studies on the topic, presented via an online form. Data collection occurred over 12 weeks, and the data were descriptively analyzed, presenting absolute and relative response frequencies. All 61 participants indicated a lack of knowledge about DCD. Although the term was considered more familiar among students (56.2%) compared to professionals (48.8%), all participants, overall, demonstrated limited knowledge about aspects related to the definition, prevalence, and identification of DCD. Participants highlighted the need for additional training on the subject. It was evident that due to the lack of knowledge about DCD, strategies to disseminate information about the topic are essential. This is crucial for incorporating DCD into common diagnostic possibilities for the pediatric population, particularly in regional contexts.

Keywords
Developmental Coordination Disorder; Knowledge; Motor Disorders; Physiotherapy

RESUMEN

Este estudio tuvo por objetivo analizar si los estudiantes de grado y los profesionales de la Fisioterapia tienen los conocimientos necesarios para intervenir con niños con trastorno del desarrollo de la coordinación (TDC) y si son capaces de identificar sus términos, conceptos y características motoras y psicosociales. La muestra del estudio se dividió en dos grupos: profesionales (n=45) y estudiantes de Fisioterapia (n=16); ambos grupos respondieron a un cuestionario basado en estudios previos sobre el tema en forma de formulario en línea. La recolección de datos se llevó a cabo durante aproximadamente 12 semanas, y los datos se analizaron de manera descriptiva, y presentaron frecuencias de respuestas absolutas y relativas. Los 61 participantes tenían poco conocimiento sobre el TDC. Aunque el término se consideró más familiar entre los estudiantes (56,2%) en comparación con los profesionales (48,8%), todos los participantes, en general, demostraron un conocimiento limitado sobre aspectos relacionados con la definición, prevalencia e identificación del TDC, además de expresar la necesidad de capacitación adicional sobre el tema. Se pudo observar que debido a la falta de conocimiento sobre el TDC, las estrategias de difusión de información sobre el tema son esenciales para su incorporación a las consideraciones diagnósticas comunes para la población pediátrica, particularmente en contextos regionales.

Palabras clave
Trastorno de Coordinación del Desarrollo; Conocimiento; Trastornos Motores; Fisioterapia

INTRODUÇÃO

Tarefas que exigem habilidades motoras são fundamentais no cotidiano e podem representar desafios para indivíduos com transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC). Esse transtorno é caracterizado por dificuldades na execução de tarefas básicas do dia a dia, como segurar utensílios ou abotoar uma camisa, e não pode ser atribuído a condições neurológicas ou intelectuais, embora possa coexistir com outros transtornos, como o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista (TEA), dislexia, entre outros1,2. Esses obstáculos surgem no início do desenvolvimento da criança, afetam seu desempenho em ambiente domiciliar e escolar, dificultando a interação da criança com o ambiente em que está inserida e com a tarefa que lhe é proposta, o que consequentemente afeta o refinamento do seu desempenho motor3.

Critérios para o diagnóstico do TDC já estão estabelecidos na literatura, porém sua identificação continua a ser um desafio. Este fato pode ser atribuído à sua complexidade, pois cada criança apresenta variações nos sinais que apontam para o TDC. No entanto, a falta de conhecimento desses indicadores pode ser considerada um fator importante na limitação da sua identificação4, o que o torna um transtorno frequentemente não reconhecido e, consequentemente, não diagnosticado5,6.

Diretrizes da European Academy of Childhood-onset Disability (EACD) apontam a importância do fornecimento de informações adequadas para pais e professores para que conheçam o TDC e seu impacto1. Estudos também sugerem que os profissionais de saúde reconheçam as características do TDC7, pois podem intervir através da aplicação de testes motores ou observações de condições de saúde, bem como os familiares, professores e cuidadores, para reportarem o impacto das dificuldades motoras no cotidiano das crianças6,8.

Alguns estudos foram conduzidos para investigar o conhecimento da população acerca do TDC em diferentes locais. Um estudo entrevistou pais, professores, médicos de família e pediatras (residentes de países como Canadá, Estados Unidos e Inglaterra) sobre sua familiaridade com o TDC e evidenciou que apenas 20% da amostra tinha conhecimento do transtorno, sendo a maioria profissionais de saúde. Ainda assim, dentre estes, cerca de 11-59% demonstraram perceber as implicações que o TDC traz nos âmbitos físico e socioemocional, enquanto menos de 30% têm consciência de consequências secundárias6.

Um grupo de psiquiatras ingleses especializados em crianças e adolescentes com TDAH também foi questionado sobre o TDC. Poucos conheciam o termo “transtorno do desenvolvimento da coordenação” e consideraram ruim o seu conhecimento sobre as dificuldades de coordenação motora de seus pacientes9. É importante salientar que a familiarização dos profissionais que atuam diretamente com esse público pode influenciar sua conduta e intervenção10.

Fisioterapeutas são um exemplo de profissionais considerados aptos e capacitados para intervir no desempenho motor de crianças com TDC. Intervenções motoras propostas por esses profissionais podem beneficiar aspectos afetados diretamente pelo transtorno11. No entanto, é necessário que os profissionais demonstrem conhecimento satisfatório sobre os aspectos afetados pelo TDC, que abrangem domínios motores, cognitivos e psicossociais12.

No Brasil, estudos13,14 mostraram que crianças com idade entre sete e dez anos, residentes da região Nordeste do país, especificamente no estado do Ceará, manifestam dificuldades motoras, enquanto crianças ainda mais jovens apresentam risco de atraso no desenvolvimento. Ainda assim, estudos demonstram a falta de conhecimento sobre o TDC, principalmente entre os profissionais de saúde, o que reflete na dificuldade encontrada em diagnosticar e consequentemente intervir adequadamente nesse público6,8.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi analisar, em um contexto regional, o conhecimento de estudantes e profissionais de fisioterapia sobre o TDC, bem como identificar se os participantes são familiarizados com os termos, conceitos e características motoras e psicossociais de crianças com esse transtorno; comparar o conhecimento dos profissionais com o dos estudantes e avaliar a formação (graduação) dos participantes em relação aos aspectos relacionados aos transtornos do desenvolvimento.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, transversal, com abordagem quantitativa. A amostra foi composta por fisioterapeutas atuantes no cuidado de crianças em diversos cenários (Grupo Profissionais) e estudantes do último período de fisioterapia (Grupo Estudantes) de todos os gêneros e idades que trabalhavam ou estudavam em Fortaleza, Ceará, Brasil. Foram excluídos os participantes que não forneceram dados completos para o estudo. O recrutamento foi realizado por meio de contato pessoal, telefônico e/ou por redes sociais. A amostra foi reunida por conveniência e para atingir um tamanho de amostra específico, também empregou-se a técnica de amostragem em bola de neve, incentivando os participantes a convidar colegas de suas redes de referência.

Para o cálculo amostral, foi realizado um levantamento da quantidade de profissionais de fisioterapia registrados na cidade de Fortaleza, Ceará, através de contato por e-mail com o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO-6). Em resposta ao contato, o CREFITO-6 apontou, em novembro de 2022, que existem 8.400 profissionais de fisioterapia em Fortaleza e região metropolitana. Assim, o cálculo amostral foi realizado com os parâmetros: população de 8.400, nível de confiança de 90% e erro amostral de 10%, e o resultado obtido foi 44.

Um questionário (21 questões) foi desenvolvido com base em estudos anteriores que também avaliaram o conhecimento dos participantes sobre o TDC, porém em diferentes países6,8. O questionário buscou levantar dados sociodemográficos e questionar acerca da familiaridade dos participantes sobre transtornos do desenvolvimento em geral e especificamente sobre aspectos relacionados ao TDC. Este foi disponibilizado on-line por meio da ferramenta Google Forms.

O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) referente à utilização dos dados coletados neste estudo foi apresentado antes do questionário, de acordo com os princípios éticos e legais das pesquisas em seres humanos, segundo a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. Foram fornecidas informações sobre a pesquisa e solicitada concordância com o TCLE, juntamente com a garantia de que os participantes poderiam entrar em contato com os pesquisadores em caso de dúvidas durante o processo de preenchimento do questionário, ou em caso de desistências em qualquer fase da pesquisa. As respostas somente foram consideradas para esta pesquisa caso o preenchimento fosse finalizado com êxito.

Realizou-se uma análise quantitativa descritiva, apresentando a frequência absoluta (n) e a frequência relativa (%) das respostas fornecidas pelos participantes para cada item do questionário. Além disso, as respostas foram comparadas de acordo com os grupos participantes (Profissionais e Estudantes).

A análise de conteúdo15 foi utilizada para avaliar a questão 21 do questionário: “Quais os principais fatores que influenciaram suas respostas nas questões acima? (Como profissional da saúde, você concorda ou discorda das seguintes afirmações relacionadas ao TDC?)”. Essa análise foi realizada em três etapas: pré-análise, envolvendo a organização das respostas dos participantes, anotações e impressões iniciais; exploração do material, em que foram identificadas unidades de registros; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, em que as unidades de registro foram agrupadas em categorias de análise.

RESULTADOS

Um total de 61 participantes (Tabela 1) aceitaram participar desta pesquisa. De modo geral, os participantes tinham idade média de 28,4 anos, sendo a maioria do sexo feminino (78,7%, n=48), fisioterapeutas (73,8%, n=45), graduados em instituição de ensino privada (93,4%, n=57), que atuavam no cuidado de crianças em ambiente de serviço público (66,6%, n=30), com a média de experiência de 3 anos.

Tabela 1.
Característica da amostra

Quanto à familiaridade com os termos associados aos transtornos do desenvolvimento, o TDC foi considerado familiar por 50,8% entre todos os participantes. Em comparação, os termos TEA e TDAH foram considerados 100% e 95% familiar, respectivamente. O termo considerado menos familiar foi a síndrome da criança desajeitada (18%). Os dados de familiaridade para cada transtorno são apresentados na Figura 1. Ressalta-se que 8,8% dos participantes do Grupo Profissionais e 18,7% do Grupo Estudantes nunca tinham ouvido falar sobre TDC.

Dentre os grupos, o TDC foi considerado mais familiar entre os estudantes, que o consideraram 56,2% familiar (6,2% “bastante familiar” e 50% “algo familiar”), enquanto, entre fisioterapeutas, 48,8% o consideraram assim (15,5% “bastante familiar” e 33,3% “algo familiar”).

Figura 1.
Familiarização de profissionais e estudantes de fisioterapia com transtornos do desenvolvimento

Aspectos isolados de familiaridade com o TDC também foram avaliados entre os grupos (Tabela 2). No geral, apenas 19,6% da amostra leu algum livro e 32,8% leu algum artigo científico sobre TDC. Os profissionais leram mais livros (22,2%), enquanto os estudantes exploraram mais artigos científicos (31,1%). Apesar disso, 98,4% da amostra total declarou que se sentiria beneficiada com uma formação complementar sobre o assunto, embora 85% tenham afirmado ter cursado pelo menos uma disciplina que abordasse aspectos do comportamento motor, durante a graduação. Dentre as disciplinas que abordaram esses aspectos durante a graduação dos participantes, a disciplina “Fisioterapia Pediátrica” (25%) foi a mais citada. Os profissionais também afirmaram que entre os pacientes atendidos nos últimos dois anos, cerca de 1 a 2 crianças (14,6%) foram diagnosticadas com TDC, porém sugeriram que cerca de 3 a 5 crianças (21,4%) poderiam ter recebido (mas não receberam) tal diagnóstico.

Tabela 2.
Familiarização de profissionais e estudantes de fisioterapia com o transtorno do desenvolvimento da coordenação

Especificamente em relação ao TDC, as características consideradas mais comuns de forma geral, dentre as respostas de todos os participantes, foram “Atraso nas habilidades motoras grossas e finas” (70%), “Dificuldades de aprendizagem motora” (63,9%) e “Dificuldades para escrever e desenhar” (60%); enquanto parte da amostra considerou que “níveis mais altos que a média para suicídio” (21,6%) não seria uma característica comum do TDC. Ainda, 30% consideraram incertos seus conhecimentos sobre a relação entre sobrepeso e obesidade nessa população.

Figura 2.
Conhecimento de profissionais e estudantes de fisioterapia acerca do transtorno do desenvolvimento da coordenação

Por grupos, fisioterapeutas consideraram “Atraso nas habilidades motoras grossas e finas” como a característica mais comum, enquanto os estudantes de fisioterapia consideraram “Dificuldades de aprendizagem motora” (75,0%) e “Dificuldades para escrever e desenhar” (75,0%) como as mais comuns. Por outro lado, “níveis mais altos que a média para suicídio” foram tidos como incomuns em crianças com TDC, segundo estudantes (40,0%), e fato incerto, segundo profissionais (26,6%).

Uma parcela substancial dos participantes concordou com a necessidade de mais pesquisas (98,3%), treinamento adicional sobre TDC (100%) e acredita que o diagnóstico precoce traz benefícios significativos para crianças com essa condição (100%). Contudo, a maioria surpreendeu-se com a prevalência do TDC (74,5%), desconhecia que o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição (DSM-5) contém informações sobre os critérios diagnósticos do TDC (55,1%) e discordou sobre a relativa facilidade de identificar esse transtorno (38,9%).

Os resultados da análise das respostas à questão 21 revelaram quatro categorias: (1) Atualização profissional – Buscar conhecer mais sobre o TDC (50,8%); (2) Prática clínica e experiências com outros transtornos – Melhorar o atendimento da criança com TDC (21,3%); (3) Pesquisa – Ampliar os estudos sobre o TDC (11,5%); e (4) Formação acadêmica – Disseminar o conhecimento sobre o TDC na graduação (8,2%). Ainda, cerca de 8,2% dos participantes não identificaram fatores que influenciaram as respostas no questionário.

Na questão 21, a maioria dos participantes apontou que os fatores relacionados à falta de conhecimento profissional influenciaram as respostas ao questionário, como por exemplo: “Não tinha conhecimento sobre o TDC, seria interessante EU me informar mais.” (Participante 5); “O termo é pouco utilizado por profissionais da área da saúde, principalmente por falta de conhecimento no assunto. O que causa subdiagnósticos.” (Participante 23). As unidades de registro agrupadas na segunda categoria (Prática clínica e experiência com outros transtornos) apontaram que os fatores que influenciaram as respostas dos participantes estavam relacionados às experiências que eles tinham no atendimento destas e de outras crianças, como por exemplo: “Minha experiência profissional em neurodesenvolvimento infantil.” (Participante 38); e “Histórico com transtornos semelhantes.” (Participante 26). Já as unidades de registro agrupadas na terceira categoria (Pesquisa) mostraram que os fatores que influenciaram as respostas dos participantes estavam relacionados ao aumento de estudos e pesquisa sobre o TDC, como por exemplo: “Mais pesquisas serão necessárias.” (Participante 31); e “Temática atual, relevante e pouco estudada. Necessita de mais estudos e, provavelmente, sendo mais diagnosticada, a prevalência seria maior.” (Participante 8). A última categoria identificada agrupou unidades de registros relacionadas à formação acadêmica, como por exemplo: “Pouco conhecimento sobre o tema e necessidade de treinamentos e melhores abordagens na graduação.” (Participante 18); e “Falta mais conhecimento sobre o TDC, no nível acadêmico, são apenas informações superficiais sobre assuntos que precisavam ser mais abordados para melhor tratamento.” (Participante 17).

Tabela 3.
Nível de concordância de profissionais e estudantes de fisioterapia acerca de afirmações sobre o transtorno do desenvolvimento da coordenação

DISCUSSÃO

Até onde se sabe, este foi o único estudo que teve como objetivo analisar o conhecimento de fisioterapeutas e estudantes de fisioterapia sobre o TDC no estado do Ceará, Brasil. Foi possível identificar a falta de familiaridade dos profissionais e estudantes com o termo, uma vez que apenas aproximadamente metade da amostra considerou esse transtorno familiar. O conhecimento de fisioterapeutas sobre o TDC dificilmente é estudado de forma específica, sendo por vezes considerado em estudos que avaliam o conhecimento de diversos profissionais, como médicos, terapeutas ocupacionais ou professores. Esses estudos6,8,16 também revelam a falta de conhecimento desses profissionais sobre o TDC, e mesmo aqueles que incluíam profissionais que tratavam especificamente crianças com esse transtorno constataram que o conhecimento dos fisioterapeutas ainda era avaliado como intermediário17.

O presente estudo demonstrou que os estudantes de fisioterapia apresentaram maior familiaridade com o termo “transtorno do desenvolvimento da coordenação” em comparação aos profissionais, que demonstraram mais familiaridade com o termo “dispraxia” (60%) quando comparado ao TDC (48,8%). Isso poderia ser explicado pelo fato de que os termos TDC e dispraxia são semelhantes e facilmente confundidos, uma vez que seus aspectos são similares e ambos estão incluídos na categoria “transtorno específico do desenvolvimento da função motora” da Classificação Internacional de Doenças – CID-1018,19. O estudo de Hunt e colaboradores8 também obteve este resultado; entretanto, os autores enfatizaram a necessidade de diferenciar esses termos com precisão, pois, apesar das semelhanças, o termo dispraxia não abrange toda a complexidade das características apresentadas pelo TDC. Outros termos, como TEA e TDAH, foram considerados “bastante familiar”, assim como no estudo de Wilson e colaboradores6, que também investigou o conhecimento de profissionais de saúde sobre transtornos do desenvolvimento.

Embora apresente implicações de movimento não relacionadas a condições neurológicas2, alguns profissionais podem encontrar dificuldades na identificação do TDC por acreditar que ele se assemelhe a outras condições de saúde, contribuindo para diagnósticos imprecisos. Outros estudos8 também sugerem, por meio de uma abordagem mais qualitativa, que a avaliação por uma equipe multidisciplinar pode ser mais propícia para apontar o diagnóstico de TDC. Ainda, participantes salientam que fatores como experiência em prática clínica no atendimento ao neurodesenvolvimento e demais transtornos semelhantes ao TDC influenciam o seu reconhecimento (21,3%).

Outra justificativa para a falta de familiaridade com o TDC é o desconhecimento sobre fontes de informação sobre o tema. Grande parte da amostra deste estudo nunca leu nenhum livro ou artigo científico que abordasse o TDC e, possivelmente por isso, consideram incerto se o DSM-5 contém informações necessárias sobre o TDC. A lacuna de informações sobre o DSM-5 também foi notada no estudo de Hunt e colaboradores8.

Também foram questionados os conhecimentos dos participantes acerca das características comuns do TDC. Todas as alternativas estavam relacionadas ao transtorno, porém as consideradas mais comuns pelos participantes foram aquelas relacionadas ao atraso e dificuldades nas habilidades motoras em geral, à semelhança de outros estudos6,8. Esse fato pode ser justificado pelo próprio nome do transtorno, já que a forma como ele é apresentado indica a possibilidade de tais indivíduos apresentarem implicações no desenvolvimento da coordenação motora. Contudo, apesar de características relacionadas ao desempenho motor serem realmente mais relacionadas ao TDC2, esse transtorno também traz consequências em contextos nutricionais e psicossociais20,21.

Todos os participantes relataram que se beneficiariam com formação adicional sobre TDC, já que grande parte não está familiarizada com o termo ou suas consequências, prevalência e critérios diagnósticos. Metade dos participantes (50,8%) reconheceu que o déficit em identificar o TDC e seus aspectos decorre da própria atualização profissional e da busca de conhecimento sobre o tema. Estudos22 demonstraram que a formação adicional sobre TDC pode responder a questionamentos comuns de fisioterapeutas que trabalham com crianças e se torna eficaz em oferecer mais confiança na aplicação de métodos de avaliação e intervenção baseados em evidências, aprimorando o manejo de crianças com TDC.

O desconhecimento do termo entre os fisioterapeutas é preocupante, visto que a falta de familiaridade pode levar a diagnóstico tardio. A carência de identificação precoce de crianças com TDC contribui para o estigma de intervenções focadas apenas em remediar complicações já estabelecidas, o que por sua vez podem não prevenir o surgimento de complicações a longo prazo17. É possível que essas complicações possam ser evitadas, porém é necessário que os profissionais sejam capacitados para explorar estratégias de identificação e intervenções que vão além da criança, abrangendo também as necessidades das famílias e dos professores. Essa abordagem visa transformar ambientes cotidianos, como casas e escolas, em ambientes de estimulação e aprendizagem de habilidades fundamentais23,24.

Considerando o contexto regional desta pesquisa, o déficit de conhecimento sobre o TDC torna-se ainda mais preocupante. Correia e colaboradores13 revelaram que aproximadamente 24% de sua amostra, composta por 3.566 crianças cearenses, apresentavam sinais de atraso no desenvolvimento, com maior prevalência em crianças de três a seis anos. Mesmo crianças mais velhas, de sete a dez anos, da mesma região, também apresentaram dificuldades motoras em atividades comuns14. A identificação das primeiras dificuldades motoras comuns no TDC pode ocorrer nessas idades2; porém, fisioterapeutas desta região não estão idealmente familiarizados com o termo ou seus aspectos, o que dificulta sua identificação e, consequentemente, pode contribuir ainda mais para déficits de desenvolvimento nessa população.

O conhecimento sobre os transtornos que afetam o desenvolvimento humano torna-se um fator determinante para identificação do TDC, o que poderia levar ao aumento de sua prevalência, uma vez que seria mais facilmente identificado. Porém, a falta de abordagens sobre o assunto durante a formação acadêmica dos estudantes e profissionais pode aumentar a lacuna de conhecimento sobre o TDC e outros transtornos. Para isso, é necessário integrar o TDC de maneira mais robusta em disciplinas relacionadas ao comportamento motor durante a formação acadêmica de fisioterapeutas. Embora uma grande parcela dos participantes deste estudo tenha cursado disciplinas que abordavam aspectos do comportamento motor, a dificuldade em identificar características importantes do TDC indica a necessidade de um foco mais específico e detalhado nessa área do conhecimento. Melhorar o acesso e a familiaridade com recursos essenciais, como o DSM-5 e outras literaturas especializadas sobre o TDC, além de formações adicionais dedicadas ao TDC ao longo da formação profissional, são essenciais e devem abranger desde conceitos básicos até estratégias avançadas de diagnóstico e intervenção, preparando-os de maneira mais completa para lidar com essa condição na prática clínica. Consequentemente, estratégias poderiam ser implementadas em tempo hábil para atender às demandas pessoais, familiares e sociais, evitando assim consequências secundárias.

Este estudo destaca a lacuna de conhecimento entre profissionais e estudantes de uma área importante para a qualidade de vida de crianças com TDC. Ao revelar essa lacuna, estes dados impulsionam a necessidade de condutas de formação e disseminação de informações sobre o TDC tanto dentro das universidades quanto na prática clínica. Essa conscientização é essencial para melhorar o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.

Para implementar, de forma eficaz, estratégias de disseminação de informações sobre o TDC entre fisioterapeutas em todo o país, é crucial conduzir um levantamento abrangente sobre o nível de conhecimento existente sobre essa condição. Este levantamento ajudará a identificar lacunas de conhecimento e áreas de necessidade específicas entre os profissionais, permitindo o desenvolvimento de iniciativas educacionais direcionadas e recursos adequados. Além disso, um entendimento detalhado do estado atual do conhecimento dos fisioterapeutas sobre o TDC é fundamental para adaptar estratégias de educação continuada e promover práticas baseadas em evidências na abordagem dessa condição complexa e frequentemente subdiagnosticada.

Ao promover meios de familiarização com essa população, também devem ser explorados métodos de identificação desses indivíduos, bem como possibilidades de validação do diagnóstico. Ao fazer isso, será possível incorporar o TDC nas considerações diagnósticas comuns para a população pediátrica. Vale destacar que, além da identificação precoce, é importante pautar a necessidade de promover diversos aspectos da funcionalidade dessa população. Isso inclui estimular aspectos relacionados ao movimento, incentivar práticas de participação social, encorajando o envolvimento das crianças nos ambientes cotidianos para que seja possível diminuir impactos primários e secundários estabelecidos pelo TDC25.

CONCLUSÃO

Profissionais e estudantes de fisioterapia não são idealmente familiarizados com o transtorno do desenvolvimento da coordenação. Seu conhecimento associa o TDC principalmente a dificuldades de desempenho motor, porém pouco o associam a questões nutricionais ou psicossociais. As fontes de informação sobre o TDC não são comumente acessadas por esses profissionais e estudantes, e sua formação acadêmica carece de uma cobertura abrangente do assunto. Isso indica uma falta geral de informação sobre o transtorno e dificuldade na identificação de crianças com essa condição na prática clínica.

À luz destas conclusões, é essencial explorar métodos de disseminação de informação sobre o TDC, tanto durante como após o período de formação acadêmica, focando especificamente nos seus aspectos de definição e critérios de identificação. No entanto, embora isto represente o passo inicial na busca em melhorar a qualidade de vida das crianças, é importante enfatizar que as intervenções devem abranger várias dimensões para além daquelas que envolvem o movimento. Essas intervenções devem abordar aspectos ambientais, familiares e de participação social para prevenir consequências tanto a curto como a longo prazo.

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  • Estudo realizado na Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza (CE), Brasil.
  • Fonte de financiamento:
    nada a declarar
  • Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC) [Protocolo nº 5.737.624 (CAAE: 59086422.6.0000.5054)].

Editado por

  • Editor responsável:
    Sônia LP Pacheco de Toledo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2024
  • Aceito
    01 Out 2024
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