RESUMO
As desordens musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho podem estar associadas a diversos fatores de risco. O objetivo deste estudo foi analisar a associação dos fatores de risco ocupacionais e os fatores individuais com dor/desconforto musculoesquelético em trabalhadores de uma empresa de bebidas que realizam atividades dinâmicas com carga e atividades estáticas de escritório, a qual oferece um programa de ergonomia e ginástica laboral. Foram analisados associação da idade, tempo na função, não adesão à ginástica laboral, Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), percepção de fadiga pela Escala de Necessidade de Descanso (ENEDE) e saúde física e mental, estado geral de saúde através do questionário SF-36 e dor pelo mapa de dor Nórdico. Utilizou-se o teste exato de Fisher e regressão logística em um estudo observacional transversal através de odds ratios (OR), IC 95%, p<0.05. Dos 100 trabalhadores avaliados, 57% relataram dor, sendo a região lombar a mais prevalente (47%). Foi encontrada associação com a dor nas costas sendo 10,45 vezes relacionado à capacidade para o trabalho, 7,40 vezes para idade, 10,25 vezes para os aspectos físicos, 6,13 para a capacidade funcional, 5,17 para o estado geral de saúde, 4,96 para os aspectos sociais e 3,01 vezes para saúde mental para os subdomínios do SF-36. A necessidade de descanso esteve 3,40 vezes associada à presença da dor, ao tempo na função 4,12 vezes, ao absenteísmo 7,35 vezes e à não adesão à ginástica laboral 2,95 vezes. Os achados desta amostra sugerem que fatores individuais como cuidado com a saúde física, além do apoio psicossocial, ginástica laboral e pausas, podem ser relevantes como abordagem preventiva para controle das queixas de dor em trabalhadores.
Descritores
Saúde do Trabalhador; Dor Musculoesquelética; Fatores de Risco
ABSTRACT
Work-related musculoskeletal disorders may be associated with several risk factors. This study objective was to analyze the association of occupational risk factors and individual factors with musculoskeletal pain/discomfort in workers who performed dynamic loading activities as well as static postural functions in a beverage company that offers ergonomics and workplace exercises program to all employees. Associations of age, time on the job, nonadherence to labor gymnastics, Work Ability Index (WAI), perception of fatigue by the Need For Recovery scale (NFR), physical and mental health, general health status by the Short Form-36 (SF-36) questionnaire, and pain by the Nordic pain map were analyzed using Fisher’s exact test and logistic regression in a cross-sectional observational study with odds ratios (OR), 95%CI, p < 0.05. Of the 100 workers evaluated, 57% reported pain, with the low back pain being the most prevalent (47%). An association was found with back pain, being 10.45 times related to workability, 7.4 times for age, 10.25 times for physical aspects; 6.13 times for functioning; 5.17 for general health status; 4.96 for social functioning, and 3.01 for emotional well-being for the SF-36 domains. The need for rest was 3.40 times associated with the presence of pain, time in the job was 4.12 times associated, while absenteeism was 7.35 and nonadherence to workplace exercises was 2.95 times associated. This sample findings suggest that individual factors such as physical health care and psychosocial support, in addition to workplace exercises and breaks, could be relevant as a preventive approach to alleviate pain.
Keywords
Worker’s Health; Musculoskeletal Pain; Risk Factors
RESUMEN
Los trastornos musculoesqueléticos relacionados con el trabajo pueden asociarse con varios factores de riesgo. Este estudio tuvo el objetivo de analizar la asociación de factores de riesgo ocupacionales y factores individuales con dolor/malestar musculoesquelético en trabajadores de una empresa de bebidas que realizan actividades dinámicas con carga y actividades estáticas de oficina, que ofrece un programa de ergonomía y gimnástica laboral. Se analizaron la asociación de la edad, el tiempo de trabajo en la función, no adherir a la gimnástica laboral, el Índice de Capacidad para el Trabajo (ICT), la percepción de fatiga mediante la Escala de Necesidad de Descanso (ENEDE) y la salud física y mental, el estado general de salud mediante el cuestionario SF-36 y el dolor mediante el mapa Nórdico de dolor. Se utilizó la prueba exacta de Fisher y la regresión logística en un estudio observacional transversal a través de odds ratios (OR), el 95% IC, p<0.05. De los 100 trabajadores evaluados, el 57% relató dolor, siendo la región lumbar la más prevalente (el 47%). Se encontró una asociación con el dolor en la espalda, relacionándose 10.45 veces con la capacidad para el trabajo, 7.40 veces con la edad, 10.25 veces con los aspectos físicos, 6.13 veces con la capacidad funcional, 5.17 veces con el estado general de salud, 4.96 veces con los aspectos sociales y 3.01 veces con la salud mental para los subdominios del SF-36. La necesidad de descanso se asoció 3.40 veces con la presencia del dolor, 4.12 veces con el tiempo de trabajo en la función, 7.35 veces con el absentismo y 2.95 veces con no adherir a la gimnástica laboral. Los hallazgos de esta muestra sugieren que factores individuales como el cuidado con la salud física, además del apoyo psicosocial, la gimnástica laboral y los descansos, pueden ser relevantes como un enfoque preventivo para el control de las quejas de dolor en trabajadores.
Palabras clave
Salud del Trabajador; Dolor Musculoesquelético; Factores de Riesgo
INTRODUÇÃO
Distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho podem afetar o pescoço, os membros superiores e a coluna lombar1 , 2. O desenvolvimento de sintomas musculoesqueléticos pode estar ligado a vários fatores de risco, incluindo fatores individuais/pessoais, organizacionais, cognitivos ou psicossociais, e/ou físicos ou biomecânicos3. Todos esses fatores podem estar associados a componentes multifatoriais de distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho. Além disso, eles precisam ser avaliados para planejar programas de prevenção e monitoramento de sucessivos distúrbios musculoesqueléticos no ambiente de trabalho, como estratégia de promoção da saúde1 - 3.
Lesões musculoesqueléticas podem ocorrer devido à sobrecarga física excessiva ou quando a capacidade física do trabalhador é reduzida por fatores individuais ou ocupacionais4. Ainda que avanços tecnológicos e o desenvolvimento de novas ferramentas de trabalho tenham ocorrido, distúrbios musculoesqueléticos ainda são prevalentes em ambientes de trabalho no mundo todo, causando altas taxas de absenteísmo e incapacidade3.
Dores e/ou desconfortos no trabalho devem ser investigados, visto que uma melhor compreensão de fatores causais pode promover melhorias no ambiente laboral, resultando na diminuição de taxas de absenteísmo e melhorias no processo de trabalho e na qualidade de vida dos trabalhadores1. Assim, avaliar riscos ergonômicos é essencial para proporcionar condições de trabalho favoráveis e melhorar a produtividade, tornando o ambiente de trabalho um local seguro e saudável4. Programas de qualidade de vida no trabalho baseados em evidências visam promover ambientes saudáveis, proporcionando atividades diversas, incluindo a ginástica laboral, como ações preventivas para a saúde do trabalhador. Essas atividades, realizadas em grupo durante o expediente, de forma voluntária, visam prevenir e reduzir dores musculoesqueléticas5.
Este estudo é relevante para a saúde dos trabalhadores, verificando a associação entre queixas de dor musculoesquelética e fatores de risco individuais, físicos/biomecânicos, psicossociais, cognitivos e organizacionais.
Devida a escassez de investigações sobre trabalhadores de empresas de bebidas na literatura, este estudo teve como objetivo descrever a prevalência de dor e desconforto musculoesquelético e analisar sua relação com fatores de risco individuais, físicos/biomecânicos, psicossociais, cognitivos e organizacionais em uma empresa de bebidas que oferece ginástica laboral como parte de seu programa de qualidade de vida.
METODOLOGIA
Desenho do estudo, amostra e procedimento
Trata-se de um estudo observacional e transversal de uma amostra por conveniência de trabalhadores em uma empresa de bebidas. Todos os colaboradores foram convidados a participar da pesquisa, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020. Inicialmente, a empresa contava com 1.429 funcionários, distribuídos em setores como linha de produção (produção, envasamento), estoque, distribuição, manutenção predial (mecânicos e eletricistas), vendas, central de atendimento (agentes de telemarketing), administrativo (recursos humanos, jurídico e segurança do trabalho) e ambulatorial médico (fisioterapeuta, médicos, técnicos de enfermagem do trabalho, fonoaudiólogo e educadores físicos), além de trabalhos de segurança, limpeza e manutenção em altura. Durante a coleta de dados, houve uma redução gradual no número de funcionários, caindo para pouco mais de 1.000 funcionários ativos. Um total de 100 funcionários concordaram em participar do estudo, no qual qualquer funcionário poderia ser incluído se não estivesse em licença médica durante o período de coleta; este foi o único critério de exclusão.
Os colaboradores desta empresa desempenhavam funções diversas. Um grupo de trabalhadores realizava içamento, transporte e manuseio de cargas (entregadores, auxiliares, carregadores, entre outros), com trabalho predominantemente dinâmico e manual, caracterizado por posturas intercambiáveis com consequente alternância de contração e relaxamento dos músculos durante o ciclo de trabalho; estando, assim, expostos a fatores de risco físicos/biomecânicos. Outro grupo desempenhava funções predominantemente estáticas, com contração muscular isométrica em posturas estáticas ou sustentadas (auxiliares administrativos, agente de telemarketing, supervisores, entre outros). Além das condições de trabalho com demandas físicas, como manutenção da postura, também apresentam tarefas psicossociais, cognitivas e organizacionais, estando expostos a esses fatores de risco.
Dos 100 trabalhadores que aceitaram participar do estudo, 51% exerciam funções com predominância estática, não envolvendo içamento, transporte e movimentação de cargas (24 agentes de telemarketing, oito auxiliares administrativos, cinco técnicos de segurança do trabalho, quatro analistas, três líderes de equipe, dois técnicos de enfermagem do trabalho, um fonoaudiólogo, um médico do trabalho, um operador de empilhadeira, um técnico de qualidade, e um supervisor). Contudo, 49% da amostra desempenhava funções predominantemente físicas/biomecânicas dinâmicas, envolvendo içamento, transporte e movimentação de cargas (12 operadores de linha de produção, 10 auxiliares de entrega, nove entregadores, nove auxiliares de carregamento, dois mecânicos, dois técnicos de refrigeração, um eletricista, um auxiliar de limpeza, um auxiliar de eventos, um pedreiro e um auxiliar de armazém).
O consentimento por escrito da empresa e de todos os participantes foi coletado. Voluntários responderam aos questionários em seu local de trabalho durante o expediente, em uma única ocasião, em uma sala reservada no ambulatório da empresa.
Medições de resultados
Todos os participantes foram orientados a responder um questionário sociodemográfico com perguntas sobre idade, gênero, estilo de vida e fatores ocupacionais. Foram utilizados os seguintes questionários: The Short Form Health Survey 36 (SF-36)6; Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ – Questionário Nórdico de Sintomas Musculoesqueléticos)7; Diagrama de Corlett8; Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT)9; Escala de Necessidade de Descanso (ENEDE)10e Quick Exposure Check (QEC)11.
O SF-36 é um dos questionários mais utilizados em medidas genéricas de qualidade de vida, pois é muito específico para a melhora do indivíduo. O questionário foi elaborado com subdomínios subjetivos dentro de dados objetivos, que podem ser administrados de forma específica, global e reprodutível. Quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida do indivíduo12.
O QNSM foi desenvolvido para padronizar a mensuração de relatos de sintomas musculoesqueléticos e facilitar a comparação dos resultados entre estudos7. O Diagrama de Corlett foi desenvolvido para mapear a presença de dor ou desconforto percebido pelos trabalhadores8, ajudando a localizar áreas dolorosas. Os autores desenvolveram um diagrama subdividindo o corpo humano em vários segmentos. O trabalhador avalia sua dor/desconforto em cada região e classifica a intensidade em uma escala de 1 (sem desconforto) a 5 (desconforto intolerável).
A ENEDE é uma escala do Questionnaire on the Experience and Evaluation of Work (Questionário sobre a Experiência e Avaliação do Trabalho) que tem sido utilizado para avaliar a fadiga induzida pelo trabalho e a qualidade do tempo de recuperação13. Ela avalia os efeitos de curto prazo da fadiga induzida pelo trabalho, como falta de atenção, irritabilidade, retraimento social, desempenho reduzido e qualidade do tempo de recuperação após o trabalho. Essa escala é pontuada de 0 a 33, sendo que uma pontuação mais alta indica maior fadiga10.
O ICT é um instrumento que avalia a capacidade laboral a partir da percepção do trabalhador, com 10 questões distribuídas em sete dimensões. Os resultados fornecem uma medida que varia de 7 a 49 pontos9.
O QEC é um instrumento para avaliar fatores de risco ocupacionais. Abrange um total de 16 perguntas, distribuídas em duas colunas. A primeira coluna contém a avaliação do observador, e a segunda contém as respostas do trabalhador. A pontuação total combinada das respostas do observador e do trabalhador varia de 46 a 269 pontos e pode ser classificado em quatro categorias de exposição ao risco: baixo, moderado, alto e muito alto11.
Análise estatística
Inicialmente, para caracterizar a amostra, foi realizada uma análise descritiva dos dados. O teste exato de Fisher foi utilizado para avaliar a associação entre variáveis qualitativas14. Essas associações foram quantificadas utilizando modelos de regressão logística15, e foram estimadas as razões de possibilidades brutas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o software estatístico SAS.
RESULTADOS
Dados sociodemográficos
Houve predominância de homens em nossa amostra (69%), com média de idade de 33,76 anos (± 8,51 anos). O índice de massa corporal (IMC) estava dentro da normalidade em 60% da amostra, sendo que a maioria é destra (95%). O tempo de atuação na função variou de oito meses a 23 anos. Entre os participantes, 63% não tinham histórico de absenteísmo, 59% não praticavam atividade física e 55% participavam de ginásticas laborais.
No QNSM, 57% da amostra relatou dor/desconforto musculoesquelético. Houve alta prevalência de dor/desconforto na lombar (43%), relatada principalmente como queixa nos últimos 12 meses, com maior impedimento na realização de atividades, maior necessidade de procurar ajuda de profissionais de saúde e mais queixas de dor/desconforto nos últimos sete dias. O Diagrama de Corlett também mostrou maiores relatos de dor/desconforto na lombar, principalmente de intensidade moderada (12%). Nenhuma dor intolerável foi relatada por nenhum participante.
As pontuações médias obtidas no questionário SF-36 (Tabela 1) foram maiores para os componentes Capacidade funcional (88,00) e Capacidade social (81,26), enquanto Energia/fadiga (67,20) e Bem-estar emocional (69,56) apresentaram os resultados médios mais baixos.
Valores obtidos para cada componente do questionário SF-36 – Ribeirão Preto (SP), Brasil, 2020
A Tabela 2 mostra resultados obtidos para os questionários ICT, ENEDE e QEC. O resultado médio do questionário ICT foi 36,92, indicando baixa capacidade de trabalho. O resultado médio obtido para o questionário ENEDE foi 12,29, classificado como fadiga moderada após o trabalho. O QEC apresentou valor médio de 126,82, o que aponta risco ocupacional moderado de exposição a fatores biomecânicos, organizacionais e psicossociais.
O teste exato de Fisher e a regressão logística foram realizados para verificar a associação entre a variável dependente autorreferida “dor” com os itens do questionário sociodemográfico, os subdomínios do SF-36 (Figura 1) e os resultados dos questionários ICT, ENEDE e QEC (Tabela 3). Para a análise da ENEDE, foi necessário transformar as três categorias (baixo, moderado e alto) em duas categorias (baixo e moderado-alto), devido ao baixo número de pontuações (3) na subdivisão “alto”.
Gráfico de intervalo (média e intervalo de confiança de 95%) dos domínios do questionário SF-36, relacionados à dor – Ribeirão Preto (SP), Brasil
DISCUSSÃO
Vários fatores foram associados à presença de dor/desconforto musculoesquelético, como idade superior a 40 anos, tempo em função superior a cinco anos, absenteísmo por doença musculoesquelética, não adesão à ginástica laboral, todos os domínios do SF-36 (exceto Energia/fadiga e Bem-estar emocional), incapacidade para trabalho e necessidade de descanso.
Identificamos a lombar como a área mais afetada pela dor, com base nos dois mapas corporais do Questionário Nórdico de Musculoesquelético e do Diagrama de Corlett. Fatoye et al.16 afirmaram que muitos fatores, como idade, gênero e esforço no trabalho, podem contribuir para a prevalência e incidência de lombalgia. Esses achados corroboraram nosso estudo em relação aos fatores individuais.
A interação dinâmica entre fatores sociais, biológicos e sociais (e não uma única causa específica) predispõe à lesão da coluna lombar. Assim, dada a sua complexidade, é necessária uma abordagem multidisciplinar para o tratamento17.
Além disso, não encontramos diferenças significativas na dor entre trabalhadores que exerciam funções de levantamento de peso e aqueles que não o faziam, o que pode indicar que ambas as situações podem ser prejudiciais no surgimento da lombalgia18.
Embora ainda não tenhamos uma forte associação causal entre manter uma postura sentada e lombalgia, possivelmente devido às suas causas multifatoriais, verificou-se que permanecer na mesma postura por longos períodos, realizar menos movimentos e um comportamento mais sedentário no trabalho pode predispor à lombalgia crônica19 , 20.
Poucos estudos analisaram a prevalência do desconforto musculoesquelético relacionado ao trabalho em fábricas de bebidas. Abaraogu et al.21 encontraram alta prevalência de queixas no ombro, pescoço e parte superior das costas, associadas à idade, mas não ao gênero, em amostra semelhante de trabalhadores de envasamento de bebidas. A alta prevalência de dor no ombro encontrada neste estudo pode ser explicada pela repetição de tarefas e pelo fato de os trabalhadores dessa empresa realizarem tarefas com membros superiores acima do nível do ombro21.
Ainda em relação às características individuais, verificou-se que idade e tempo em atividade estavam associados a queixas de dor. Com o aumento da idade e do tempo em atividade, o indivíduo teve maior probabilidade de apresentar dor/desconforto musculoesquelético. A partir dos 30 anos, trabalhadores tinham 2,13 vezes mais chances de sentir dor/desconforto e, a partir dos 40 anos, as chances aumentaram para 7,40.
Segundo Abaraogu et al.21, a prevalência de dor musculoesquelética é maior com o avanço da idade para ambos os sexos. Ainda há necessidade de mais estudos prospectivos de coorte longitudinais para justificar essa relação, que possivelmente pode ser explicada por distúrbios degenerativos das articulações e músculos com a idade.
Verificou-se também que o absenteísmo por doença musculoesquelética foi um fator associado às queixas de dor. Indivíduos que relataram absenteísmo tiveram 7,35 vezes mais chances de sentir dor do que os que não relataram. Trabalhadores que relataram dor e fatores psicossociais relacionados ao trabalho tiveram um risco 15 a 20 vezes maior de rescisão e/ou aposentadoria por invalidez2.
Esses dados demonstram a importância de verificar e corrigir fatores ergonômicos que podem predispor distúrbios musculoesqueléticos no trabalho, uma vez que, além dos danos à saúde e à qualidade de vida relacionados à dor, o absenteísmo causa sérios prejuízos socioeconômicos17.
Outro fator individual associado a dor foi não participar nas sessões voluntárias de ginástica laboral. Verificou-se que trabalhadores que não participaram dessas aulas oferecidas pela empresa apresentaram 2,95 vezes mais queixas de dor musculoesquelética em comparação aos que participaram. Um estudo de Giagio et al.5 mostrou que trabalhadores que praticavam exercícios supervisionados no trabalho tiveram diminuição na intensidade e frequência da dor referida. Ginásticas laborais podem beneficiar tanto o funcionário quanto a empresa. Em relação aos funcionários, existem benefícios fisiológicos, como melhora na postura, força e resistência muscular, coordenação motora, concentração, bem-estar e qualidade de vida; e redução da tensão muscular. Para a empresa, há redução de custos com saúde e taxas de absenteísmo, melhoria de hábitos saudáveis e redução de acidentes de trabalho. Esses programas consistem em exercícios específicos realizados durante o expediente, atuando como preventivos e terapêuticos de diferentes maneiras. Podem ser preparatórios, ativando músculos no início do dia; compensatórios, alongando músculos usados no trabalho durante intervalos; ou realizados no final do dia para relaxamento mental e físico22. Apesar da falta de evidências sobre sua eficácia, resultados promissores foram relatados23.
Em relação ao SF-36, verificou-se que os domínios Capacidade Funcional, Limitações por aspectos físicos, Dor, Saúde geral, Aspectos sociais e Limitações por aspectos emocionais apresentaram associação com queixas de dor musculoesquelética relatadas por trabalhadores de uma empresa fabricante de bebidas24.
Dores musculoesqueléticas tem impacto negativo na maioria dos fatores de qualidade de vida entre os participantes deste estudo, o que também é confirmado por outros estudos25 , 26.
Em um estudo realizado entre pescadores com alta prevalência de distúrbios musculoesqueléticos, uma menor qualidade de vida também foi mensurada por meio do SF-36. Foram encontradas pontuações mais baixas, principalmente nos domínios Limitações por aspectos emocionais e Capacidade social24. Esses resultados corroboram nossos achados, que também indicaram associação entre a presença de dor e os domínios Saúde Geral, Capacidade social e Limitações por aspectos emocionais. Assim, além de uma abordagem preventiva da dor e desconforto musculoesquelético, questões relacionadas à saúde mental e ao suporte social também são úteis na melhoria da qualidade de vida geral dos trabalhadores.
Para estudar a capacidade de trabalho e necessidade de recuperação entre os dias de trabalho, utilizamos os questionários ICT9 e ENEDE10. Em ambos, encontramos associação entre dor e fatores de risco no trabalho. Nosso estudo demonstrou que trabalhadores que relataram dor apresentaram taxas reduzidas de capacidade de trabalho, bem como necessidade de recuperação moderada a alta. Portanto, quanto menor a pontuação do ICT, maiores as queixas álgicas e menor a capacidade para o trabalho. O estudo de Souza et al.9 também relatou resultados semelhantes em uma amostra de funcionários de hospitais terciários.
Assim, a realização de exames periódicos de rotina e intervenção precoce em fatores ambientais e organizacionais no trabalho pode ser importante para prevenir ou reduzir a dor musculoesquelética dos trabalhadores e melhorar a qualidade de vida26.
Além da capacidade de trabalho, características pessoais, fatores psicossociais e qualidade de vida estão associados à presença de dor neste estudo. Evidências indicam a presença de dor como um importante indicador de piora da qualidade de vida geral12. Um estudo mostrou associação significativa entre dor e os domínios físico e social27.
Nossos resultados estão alinhados com o estudo de Skovlund et al28; segundo eles, a alta demanda física também foi associada à menor capacidade para o trabalho em trabalhadores de 18 a 59 anos com dor musculoesquelética. A redução de demandas físicas no trabalho ou o aumento da capacidade física (por meio de rotinas de exercícios físicos no local de trabalho) devem ser considerados para a prevenção ou tratamento de dores musculoesqueléticas28.
Distúrbios musculoesqueléticos podem prejudicar a capacidade de lidar e manter a saúde e a independência, levando a um declínio físico e social acentuado29.
Em relação aos aspectos ergonômicos, foi aplicado o questionário QEC, que apresentou valor médio de 126,82, indicando risco ocupacional moderado para os voluntários. Esse resultado não foi significativamente associado à variável dependente “dor”; no entanto, vale ressaltar que os dados apontam para a importante questão da ergonomia no trabalho. O questionário considera a ergonomia tanto na perspectiva do examinador quanto do trabalhador. Adotar boas práticas ergonômicas é uma forma de prevenir doenças ocupacionais. Além disso, boas práticas ergonômicas são essenciais para o sucesso da empresa, pois impactam diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores29.
Esta pesquisa reforça a importância da prevenção da dor/desconforto relacionado aos fatores de risco no trabalho, seja para os trabalhadores que realizam atividades dinâmicas ou estáticas.
Limitações do estudo
Este estudo exploratório correlacional não se concentrou na análise ergonômica por subgrupos de ocupações, o que poderia gerar achados adicionais. Mais estudos investigando amostras maiores dessa população são necessários para corroborar nossos resultados.
CONCLUSÕES
Os resultados demonstram que a lombar foi a área mais acometida pela dor nesses trabalhadores, tanto para funções que exigiam içamento, transporte e manuseio de cargas, quanto para aquelas que não envolviam tais atividades.
Descobrimos que fatores individuais, como idade superior a 40 anos, tempo de trabalho superior a cinco anos e dor lombar, tanto para funções que exigiam elevação, transporte e movimentação de cargas, quanto para aquelas que não envolviam tais atividades.
Baseado nas pontuações baixas apresentadas nos domínios Limitações por aspectos emocionais e Capacidade social e sua associação com a dor, concluímos que fatores psicossociais também contribuíram para o aparecimento da dor musculoesquelética nesses trabalhadores. Além disso, fatores físicos também foram verificados pelas baixas pontuações nos domínios de aspectos físicos, capacidade de trabalho, necessidade moderada-alta de recuperação pós-trabalho e sua associação com dor.
Sugere-se que o tratamento da dor musculoesquelética pode reduzir tais fatores de risco no trabalho, impactando positivamente a saúde física, mental e social, além de gerar melhor qualidade de vida e melhor capacidade para o trabalho na população estudada.
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Fonte de financiamento: nada a declarar
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Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local sob o CAAE no.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
23 Out 2023 -
Aceito
04 Dez 2023


