Open-access Efeitos do treino de dupla tarefa na marcha e equilíbrio de indivíduos pós-acidente vascular encefálico: uma revisão sistemática com metanálise

RESUMO

Este artigo objetiva investigar os efeitos do treino de dupla tarefa na marcha e equilíbrio de pacientes pós-acidente vascular encefálico (AVE), por meio de uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos de adequada qualidade metodológica. Foram feitas buscas nas bases de dados eletrônicas PubMed, LILACS, SciELO e PEDro, até setembro de 2024, por dois avaliadores independentes. Incluiu-se ensaios clínicos aleatorizados que realizaram o treino baseado em dupla tarefa em indivíduos pós-AVE, com nota média na escala PEDro igual ou superior a seis. As medidas de desfecho de interesse foram aquelas relacionadas à marcha e/ou equilíbrio, podendo ser avaliadas através de testes ou questionários. A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada através da escala PEDro. Oito estudos foram incluídos. De maneira geral, o treino de dupla tarefa se mostrou eficaz para melhora da velocidade da marcha em 0,11m/s (IC95% 0,02 a 0,21; I2=11%; p=0,02), cadência em 7,30 passos/minuto (IC95% 2,46 a 12,14; I2=0%; p=0,003), e equilíbrio (SMD 0,45; IC95% 0,08 a 0,81; I2=36%; p=0,02). Não foram encontrados resultados significativos para comprimento da passada (MD 1,72; IC95% –9,15 a 12,59; I2=22%; p=0,76), e mobilidade (IC95% –5,64 a 1,88; I2=0%; p=0,33). Esta revisão sistemática evidenciou, por meio de uma metanálise, que o treino de dupla tarefa é capaz de melhorar de forma significativa a velocidade de marcha, cadência e equilíbrio em pacientes pós-AVE. Porém, é recomendado que novos ensaios clínicos de qualidade metodológica superior sejam realizados, em especial investigando os efeitos para mobilidade e equilíbrio.

Descritores
Acidente Vascular Encefálico; Dupla Tarefa; Marcha; Equilíbrio; Revisão Sistemática; Metanálise

ABSTRACT

This article aims to investigate the effects of dual-task training in the gait and balance of post-stroke individuals via a systematic review with meta-analysis of clinical trials with adequate methodological quality. Searches in the electronic databases PubMed, Lilacs, SciELO, PEDro, up to September 2024, by two independent researchers. We included randomized clinical trials, with dual-task training in post-stroke individuals, with an average PEDro scale score of six or higher. The outcome measures of interest were any related to gait and/or balance, which could be assessed using tests or questionnaires. Study methodological quality was assessed using the PEDro scale. Eight studies were included. Overall, dual-task training showed to be effective in improving gait speed by 0.11 m/s (95%CI 0.02–0.21; I2=11%; p=0.02), cadence by 7.30 steps/minute (95%CI 2.46–12.14; I2=0%; p=0.003), and balance (SMD 0.45; 95%CI 0.08–0.81; I2=36%; p=0.02). No significant results were found for stride length (SD 1.72; 95%CI −9.15–12.59; I2=22%; p=0.76) and mobility (95%CI −5.64–1.88; I2=0%; p=0.33). This systematic review showed, via meta-analysis, that dual-task training can significantly improve gait speed, cadence, and balance in post-stroke individuals. However, we recommend new clinical trials, with higher methodological quality, especially studying the effects on mobility and balance.

Keywords
Stroke; Dual Task; Gait; Balance; Systematic Review; Meta-analysis

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo evaluar los efectos del entrenamiento de doble tarea sobre la marcha y el equilibrio en pacientes después de un accidente cerebrovascular (ACV), a partir de una revisión sistemática con metaanálisis de ensayos clínicos de calidad metodológica adecuada. Las búsquedas fueron realizadas por dos evaluadores independientes en las bases de datos electrónicas PubMed, LILACS, SciELO y PEDro hasta septiembre de 2024. Se incluyeron ensayos clínicos aleatorizados que realizaron entrenamiento basado en doble tarea en individuos posaccidente cerebrovascular, con una puntuación promedio en la escala PEDro igual o superior a 6. Las medidas de resultado de interés fueron las relacionadas con la marcha y/o el equilibrio, que pueden evaluarse mediante pruebas o cuestionarios. La calidad metodológica de los estudios se evaluó mediante la escala PEDro. Se incluyeron ocho estudios. En general, el entrenamiento de doble tarea fue efectivo para mejorar la velocidad de la marcha en 0,11 m/s (IC 95%: 0,02 a 0,21; I2=11%; p=0,02), la cadencia en 7,30 pasos/minuto (IC 95%: 2,46 a 12,14; I2=0%; p=0,003) y el equilibrio (SMD 0,45; IC 95%: 0,08 a 0,81; I2=36%; p=0,02). No se encontraron resultados significativos para la longitud del paso (MD 1,72; IC 95%: -9,15 a 12,59; I2=22%; p=0,76) y la movilidad (IC 95%: -5,64 a 1,88; I2=0%; p=0,33). A partir de un metaanálisis, esta revisión sistemática reveló que el entrenamiento de doble tarea es capaz de mejorar significativamente la velocidad de la marcha, la cadencia y el equilibrio en pacientes posaccidente cerebrovascular. Sin embargo, se recomienda que se realicen nuevos ensayos clínicos de calidad metodológica superior, especialmente en torno a los efectos sobre la movilidad y el equilibrio.

Palabras clave
Accidente Cerebrovascular; Doble Tarea; Marcha; Equilibrio; Revisión Sistemática

INTRODUÇÃO

O acidente vascular encefálico (AVE) é definido como uma lesão no sistema nervoso central, causada por alterações de fluxo sanguíneo que geram lesões agudas no encéfalo1. Essa condição atinge cerca de 33 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a terceira principal causa de mortalidade em países de alta renda e a sétima em países de média e baixa renda1. Além disso, tem-se observado um aumento de 25% na incidência de casos em adultos de 20 a 64 anos (1990 a 2013)2. Porém, apesar da alta mortalidade e da grande ocorrência, há também aumento das taxas de sobrevivência em todo o mundo2. O aumento dessas taxas pode estar principalmente relacionado a avanços em tecnologia e cuidados em saúde, levando ao aumento da procura por serviços de reabilitação, que após o AVE tornam-se componentes cruciais para retomada das atividades de vida diárias (AVD) dos pacientes3. Somente nos Estados Unidos, 20% dos pacientes que sobrevivem ao AVE são dependentes de cuidados institucionais por um período maior que três meses. Dos sobreviventes, 75% recebem alta do hospital e metade destes receberão assistência constante em diversas AVD3.

As complicações pós-AVE podem ser diversas e gerar incapacidades, como redução de força muscular e alterações de sensibilidade em diferentes locais do corpo, a depender do tipo e local da lesão1. Também podem ocorrer distúrbios faciais, como alterações na fala e deglutição, ou em membros inferiores, como alterações no equilíbrio e marcha4. Na marcha, indivíduos não acometidos pelo AVE utilizam de grupamentos musculares de forma organizada para dar suporte ao corpo, controlar o equilíbrio e progredir na caminhada5. Assim, a fraqueza muscular pós-AVE é um importante contribuinte para a redução da acuidade da marcha, pois provoca adaptações motoras, como utilizar o hemicorpo sadio como suporte corporal e para controle do equilíbrio, impulsionados possivelmente pela fraqueza muscular, podendo provocar assimetria postural5. Alterações na marcha são achados importantes em pacientes pós-AVE, visto que interferem na realização das AVD e aumentam o risco de quedas. Por volta de 80% dos indivíduos atingidos pelo AVE demonstram complicações na marcha após três meses, e a maior parte das quedas ocorre por desequilíbrios durante o caminhar5.

Com objetivo de tratar as consequências do AVE e prevenir complicações secundárias, existem diversas intervenções possíveis durante a reabilitação desta população, como exercícios de alongamentos, fortalecimentos e treino de marcha6. Também pode-se utilizar o treino de dupla tarefa, que consiste em realizar simultaneamente tarefas cognitivo-motoras, como por exemplo, enquanto o indivíduo caminha, deve segurar uma bandeja, realizar cálculos matemáticos com subtrações em série, falar algo específico etc.7 - 9 Em comparação com indivíduos saudáveis, os pacientes pós-AVE apresentam redução do desempenho em tarefas cognitivas, de mobilidade ou mesmo em ambas as tarefas, além de uma correlação observada entre o déficit de mobilidade em atividades de dupla tarefa e quedas pós-AVE7. Assim, a prática de atividades de dupla tarefa pode contribuir para a reabilitação desses pacientes, com possível melhora do controle motor e equilíbrio, aumentado a segurança na locomoção, visto que caminhadas e AVD, geralmente, demandam multitarefas8.

Estudos sobre as bases neurais mostraram um aumento da atividade cerebral durante a tarefa dupla, especialmente no córtex pré-frontal. Isso se dá através da aceleração da transdução neural central, ativando o córtex superior do cérebro, otimizando a atribuição de recursos atencionais, e facilitando a remodelação neurológica, que simula um ambiente real de reabilitação nos domínios motor e cognitivo9. Enquanto o treino motor promove a plasticidade sináptica e a proliferação celular, o treino cognitivo direciona estes neurônios recém-nascidos para ligações a redes neuronais pré-existentes, o que pode aumentar a velocidade de processamento de informação. Assim, com o treino de dupla tarefa é possível reforçar as ligações funcionais da rede entre as regiões cognitivas e motoras, ativando o córtex cerebral e facilitando a remodelação das redes funcionais do cérebro9.

Recentemente, foram publicadas quatro revisões sistemáticas com o propósito de averiguar os efeitos do treino de dupla tarefa na marcha e equilíbrio em pacientes pós-AVE10 - 13. Entretanto, as buscas nas bases de dados de todos esses trabalhos prévios foram, no mínimo, a três anos atrás. Por ser um tema de grande importância nos estudos atualmente na fisioterapia, neste intervalo relativamente pequeno já foram publicados novos ensaios clínicos relacionados ao tema, o que pode alterar os resultados de uma metanálise. Além disso, uma das revisões prévias não incluiu uma metanálise10, e todas as revisões incluíram ensaios clínicos de baixa qualidade metodológica, o que pode ter comprometido seus resultados, reduzindo o nível de evidência10 - 13.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos do treino de dupla tarefa na marcha e equilíbrio de indivíduos pós-AVE, por meio de uma revisão sistemática com metanálise apenas de ensaios clínicos aleatorizados de adequada qualidade metodológica.

METODOLOGIA

Design

Trata-se de uma revisão sistemática, com metanálise e inclusão apenas de ensaios clínicos aleatorizados com adequada qualidade metodológica, previamente registrada no Prospero (CRD42023481090).

Seleção dos estudos

As buscas foram realizadas nas bases de dados eletrônicas Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), através do site PubMed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Physiotherapy Evidence Database (PEDro), até setembro de 2024. Os descritores utilizados para as buscas foram específicos para palavras relacionadas a AVE, treino de dupla tarefa e ensaios clínicos aleatorizados, bem como seus respectivos termos em inglês. Não houve restrição nas buscas em relação ao idioma e ao ano de publicação. Todo o processo de busca e seleção dos artigos foi realizado por dois avaliadores independentes e, para resolver possíveis discordâncias encontradas, um terceiro avaliador foi solicitado. Por fim, também foi realizada uma busca manual nas listas de referências de todos os artigos incluídos, como forma de identificar outros possíveis estudos relevantes.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos ensaios clínicos aleatorizados que tenham realizado treino baseado em dupla tarefa em indivíduos pós-AVE, de qualquer idade, sexo e tempo após lesão. Estudos que apresentaram dados incompletos, estudos que incluíram pacientes pós-AVE e outra condição, estudos piloto e estudos de viabilidade sem resultados prévios foram excluídos. As medidas de desfecho de interesse foram aquelas relacionadas à marcha e/ou equilíbrio, podendo ser avaliadas através de testes ou questionários. Além disso, só foram incluídos ensaios clínicos que alcançaram nota média na escala PEDro igual ou superior a seis. Embora uma nota seis seja considerada moderada, ressaltamos que na fisioterapia, especificamente no treino de dupla tarefa, é impossível cegar o terapeuta e os participantes, condicionando todos os ensaios clínicos a uma nota máxima de oito.

Extração de dados

Extraiu-se dos estudos selecionados os seguintes dados: características da amostra (tamanho, idade, tempo pós-AVE), objetivo do estudo, protocolo de treinamento (tarefas realizadas durante o treino, comparação realizada, duração, frequência, intensidade do treinamento), medidas de desfecho utilizadas para avaliação da marcha e equilíbrio e os resultados encontrados.

Qualidade metodológica

A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada através da escala PEDro, que auxilia a identificar as características de risco de viés, a validade interna e se as informações estatísticas apresentadas no estudo são suficientes para torná-lo interpretável. A escala possui 11 itens, no entanto, o primeiro item relacionado à validade externa não é pontuado. Sua nota final varia de 0 a 10, sendo que quanto maior a nota, melhor a qualidade metodológica do estudo14. Os escores fornecidos para cada estudo, pela base PEDro, foram utilizados no estudo. Para trabalhos não pontuados na base PEDro, a avaliação da qualidade metodológica foi realizada por dois pesquisadores, de forma independente.

Análise de dados

Todas as informações sobre os estudos foram extraídas por dois avaliadores e verificadas por um terceiro. Para a metanálise, utilizou-se o programa Comprehensive Meta-Analysis, Versão 3.0. Foram utilizadas medidas de pós-intervenção (média e desvio padrão), devido à disponibilidade de somente esses valores na maioria dos estudos, utilizando preferencialmente o fixed effects model. No caso de heterogeneidade estatisticamente significativa (I2>40%), o tamanho de efeito foi analisado utilizando o random effects model. Os dados agrupados para todos os resultados foram relatados como diferença média (MD) para velocidade de marcha, comprimento da passada, cadência e mobilidade, uma vez que todos os estudos reportaram resultados com as mesmas unidades para essas medidas, e diferença média padronizada (SMD) para equilíbrio, visto que os estudos avaliaram essa variável através de diferentes questionários, juntamente com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Um SMD de 0,10 foi considerado pequeno, de 0,30 foi considerado médio, e de 0,50 foi considerado grande. O valor crítico para rejeitar H0 foi fixado a um nível de significância de 5% (teste bicaudal).

RESULTADOS

As buscas nas bases de dados resultaram em 759 artigos. Destes, 717 foram excluídos após a leitura dos títulos, 23 após a leitura dos resumos e 3 após a leitura do texto completo, seguindo os critérios de exclusão anteriormente estabelecidos, restando 16 estudos. A busca manual resultou em outros 7 estudos que também foram incluídos. Desta forma, 23 estudos obedeceram aos critérios de inclusão determinados previamente. As principais razões para a exclusão dos estudos foram: ensaios não aleatorizados, foco do estudo não ser dupla tarefa, estudos que comparam duas modalidades de dupla tarefa e estudos duplicados. No entanto, após a avaliação da qualidade metodológica de cada um, através da escala PEDro, 15 estudos não alcançaram o escore mínimo de seis. Assim, um total de 8 artigos foram incluídos e descritos na presente revisão8 , 9 , 15 - 20. A Figura 1 representa o fluxograma de seleção dos estudos, com cada etapa realizada. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos estudos.

Figura 1.
Fluxograma de inclusão dos estudos (n=8)

Tabela 1.
Características dos estudos incluídos (n=8)

Os estudos apresentaram de 25 a 84 participantes, com idade média de 18 a 83 anos, e qualidade metodológica média de 7 (Tabela 2). Sete artigos foram realizados com pacientes crônicos (>6 meses de lesão), e apenas um estudo foi realizado com pacientes agudos (<6 meses). No que diz respeito às intervenções, todos os estudos tiveram alguma forma de treino de dupla tarefa, sendo que três estudos realizaram treino de dupla tarefa no grupo experimental e fisioterapia convencional no grupo controle8 , 9 , 20; um artigo utilizou treino de dupla tarefa em realidade virtual no grupo experimental e fisioterapia convencional em ambos os grupos17; três artigos utilizaram treino de dupla tarefa em esteira no grupo experimental, e apenas caminhada na esteira no grupo controle16 , 18 , 19; e um artigo utilizou treino de dupla tarefa no grupo experimental e nenhum tratamento no grupo controle15. Em relação às medidas de desfecho, três estudos avaliaram o equilíbrio através da escala de equilíbrio de Berg9 e a escala Activities-specific balance confidence (ABC)8 , 20; quatro estudos avaliaram aspectos da marcha (velocidade, comprimento da passada e cadência) utilizando sistemas de análise de movimento, como OptoGait16 e GAITRite system15 , 17 , 18; dois estudos avaliaram a mobilidade através do teste Timed Up and Go (TUG)9 , 20; e outros quatro avaliaram a velocidade da marcha dos indivíduos pelo teste de velocidade de marcha de 10 metros9 , 18 , 20 e pelo Two-minute walk test19.

Tabela 2.
Detalhamento dos estudos na escala PEDro (n=8)

Quanto à metanálise, seis estudos foram incluídos investigando os efeitos do treino de dupla tarefa na velocidade de marcha, e encontraram uma melhora significativa de 0,11m/s (IC95% 0,02 a 0,21; I2=11%; p=0,02; random effects model) (Figura 2) a favor do grupo experimental. Quatro estudos foram incluídos investigando os efeitos do treino de dupla tarefa no comprimento da passada, não apresentando efeitos significativos (MD 1,72; IC95% –9,15 a 12,59; I2=22%; p=0,76); random effects model) (Figura 3), enquanto os mesmos estudos relataram uma melhora significativa na cadência de 7,30 passos/minuto (IC95% 2,46 a 12,14; I2=0%; p=0,003; fixed effects model) (Figura 4) a favor do grupo experimental. Por fim, dois estudos foram incluídos investigando os efeitos do treino de dupla tarefa na mobilidade, avaliada pelo TUG, não encontrando diferença significativa entre grupos (MD –1,88; IC95% –5,64 a 1,88; I2=0%; p=0,33; random effects model) (Figura 5), ao passo que os mesmos estudos constataram uma melhora significativa no equilíbrio (SMD 0,45; IC95% 0,08 a 0,81; I2=36%; p=0,02; fixed effects model) (Figura 6) a favor do grupo experimental.

Figura 2.
Forest plot sobre o efeito do treino de dupla tarefa na velocidade de marcha
Figura 3.
Forest plot sobre o efeito do treino de dupla tarefa no comprimento da passada
Figura 4.
Forest plot sobre o efeito do treino de dupla tarefa na cadência
Figura 5.
Forest plot sobre o efeito do treino de dupla tarefa na mobilidade
Figura 6.
Forest plot sobre o efeito do treino de dupla tarefa no equilíbrio

DISCUSSÃO

Esta revisão teve como objetivo investigar os efeitos do treino de dupla tarefa na marcha e equilíbrio de indivíduos pós-AVE, por meio de uma revisão sistemática de ensaios clínicos de adequada qualidade metodológica. Os resultados das metanálises demonstraram que o treino de dupla tarefa foi eficaz na melhora da velocidade de marcha, cadência e equilíbrio. Porém, não se observou melhoras significativas em relação à mobilidade e comprimento da passada.

A presente metanálise evidenciou que o treino de dupla tarefa melhorou a velocidade de marcha em pacientes acometidos por AVE em 0,11m/s. Esses resultados podem ser considerados relevantes, uma vez que dados prévios mostraram que melhoras acima de 0,10m/s podem ser consideradas clinicamente significativas nessa população21. Confrontando com resultados prévios da literatura, Zhang et al.12, em uma revisão sistemática, não encontraram efeito significativo desta intervenção na velocidade de marcha de indivíduos pós-AVE. Essa diferença de resultados pode ser, possivelmente, explicada pela inclusão de estudos com qualidade metodológica muito baixa. Por outro lado, outras duas revisões sistemáticas prévias também constataram resultados significativos para o treino de dupla tarefa na velocidade de marcha dessa população, em comparação com o grupo controle11 , 13. Dessa forma, pelos resultados apresentados no presente estudo e de outros dados prévios que corroboraram tais achados, o treino de dupla tarefa parece ser uma opção importante para reabilitação da marcha de pacientes pós-AVE. Em relação aos efeitos do treino de dupla tarefa na cadência, também foi encontrada melhora de 7,30 passos/minuto. Todas as três revisões sistemáticas prévias também reportaram melhora significativa na cadência pelo treino de dupla tarefa em indivíduos pós-AVE, variando de 5 a 9 passos/minuto12. Uma possível hipótese para o treino de dupla tarefa ter o potencial de melhorar tais parâmetros da marcha pode estar relacionada a um aumento da neuroplasticidade e remodelação cerebral, promovendo um fortalecimento do controle do sistema nervoso sobre o movimento11. Além disso, no treino de dupla tarefa também é possível otimizar a alocação estratégica de recursos cognitivos, alocar razoavelmente a atenção para as tarefas primárias e secundárias e aumentar a coordenação das ações11. Assim, especula-se que o treino poderia ter um efeito de remodelação de áreas funcionais motoras do cérebro para promover a reabilitação da função motora em indivíduos pós-AVC.

O treino de dupla tarefa também melhorou de forma significativa o equilíbrio de indivíduos pós-AVE, com um SMD considerado médio. Duas revisões sistemáticas prévias encontraram efeitos significativos para essa variável, corroborando os presentes achados12 , 13, enquanto uma outra revisão prévia não relatou significância entre os grupos11. Dessa forma, baseados em dados prévios e do presente estudo, observa-se que o treino de dupla tarefa tem potencial de melhorar o equilíbrio nessa população. O mecanismo pelo qual a dupla tarefa afeta o equilíbrio está relacionado com a neuroplasticidade, alterações na neurotransmissão e nos padrões de atividade cerebral após o AVE. Dados publicados previamente em animais concluíram que a adição de cargas cognitivas ao treino motor pode resultar na estimulação efetiva de áreas corticais comuns nos córtex frontal dorso medial e pré-frontal, particularmente as áreas pré-motoras e áreas motoras suplementares, que estão envolvidas na regulação do equilíbrio e das funções cognitivas22. Além disso, o treino de dupla tarefa induz neuroplasticidade através da ativação perceptiva de regiões cerebrais envolvidas em funções executivas centrais, como o córtex pré-frontal dorsolateral. Isso promove mecanismos endógenos de reparação neural, aumenta o número de sinapses neuronais no córtex cerebral e facilita a transmissão axonal e dendrítica, melhorando assim o controle neurológico do corpo e a função de equilíbrio do indivíduo23 , 24.

Como principal limitação do presente estudo, podemos citar o número de estudos reduzido para as variáveis de mobilidade e equilíbrio (dois em cada). No entanto, uma vez que esta revisão objetivou incluir somente estudos de moderada à alta qualidade metodológica, mais estudos são necessários a fim de investigar o efeito do treino de dupla tarefa em ambas as variáveis. Além disso, não foi possível calcular a MD para a variável de equilíbrio, e sim a SMD. Infelizmente, o SMD não gera resultados palpáveis que indicam objetivamente qual a magnitude de melhora nessa variável. Entretanto, foi a única análise possível, considerando que os estudos utilizaram medidas de desfecho distintas para sua avaliação.

CONCLUSÃO

Esta revisão sistemática evidenciou, por meio de uma metanálise de ensaios clínicos de adequada qualidade metodológica, que o treino de dupla tarefa é capaz de melhorar de forma significativa a velocidade de marcha, cadência e equilíbrio em pacientes pós-AVE. Porém, é recomendado que novos ensaios clínicos de qualidade metodológica superior sejam publicados, principalmente investigando os efeitos na mobilidade e equilíbrio.

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  • Fonte de financiamento:
    nada a declarar
  • Registro Prospero nº CRD42023481090
  • Estudo realizado no Centro Universitário FUNCESI – Itabira (MG), Brasil.

Editado por

  • Editor responsável:
    Sônia LP Pacheco de Toledo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2024
  • Aceito
    28 Maio 2025
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