Open-access Limitações funcionais de adultos com lesão traumática de plexo braquial no primeiro atendimento ambulatorial: um estudo transversal

RESUMO

Estudos que avaliem desfechos funcionais da lesão traumática de plexo braquial (LTPB) são necessários para um tratamento eficiente. Entretanto, são escassos, assim como estudos epidemiológicos, principalmente na região Nordeste do país. Assim, este estudo transversal objetivou identificar as principais limitações físicas e funcionais e os domínios da qualidade de vida de pacientes maiores de 18 anos com diagnóstico de LTPB, durante a primeira consulta em um ambulatório especializado. Informações sociodemográficas e clínicas foram registradas e os desfechos avaliados foram: força muscular, amplitude de movimento (ADM) e dor; funcionalidade e qualidade de vida avaliadas pelos questionários Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) e World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref), respectivamente. Houve predomínio de homens (92%) com idade de 34±10,5 anos com lesão total de plexo (56%) e etiologia por acidente de moto (68%). A maioria da amostra era proveniente do interior do estado de Pernambuco (52%), apresentava dor neuropática (87%) e restrições de ADM. O escore DASH variou de 30,8 a 93,3 pontos, e o domínio físico foi o mais afetado no WHOQOL-bref. Este estudo aponta o perfil jovem em idade produtiva de pacientes com LTPB e o predomínio de déficits físicos e funcionais significativos na primeira consulta especializada.

Descritores
Neuropatias do Plexo Braquial; Epidemiologia; Acidentes de Trânsito; Qualidade de Vida

ABSTRACT

The effective treatment of traumatic brachial plexus injury (BPI) requires studies evaluating its functional outcomes. Nevertheless, these studies are scarce, especially in the Northeastern Brazil. Thus, this cross-sectional study aimed to identify the main physical and functional limitations and the quality of life of patients over 18 years of age diagnosed with traumatic BPI, during their first specialized consultation. Sociodemographic and clinical information were recorded, and the outcomes evaluated were: muscle strength, range of motion (ROM) and pain; functionality and quality of life assessed by the Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) and World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-BREF) questionnaires, respectively. There was a predominance of men (92%) aged 34±10.5 years with total plexus injury (56%) and motorcycle accident etiology (68%). Most of the sample lived far from the capital (52%), had neuropathic pain (87%) and ROM restrictions. The DASH score ranged from 30.8 to 93.3 points and the physical domain was the most affected in the WHOQOL-BREF. This study points out the young, working age profile of patients with traumatic BPI and the predominance of physical and functional deficits, even before the first specialized consultation.

Keywords
Brachial Plexus Neuropathies; Epidemiology; Traffic Accidents; Quality of Life

RESUMEN

Se necesitan estudios que evalúen los resultados funcionales de la lesión traumática del plexo braquial (LTPB) para un tratamiento eficiente. Sin embargo, son escasos, así como los estudios epidemiológicos, principalmente en la región Nordeste del país. Así, este estudio transversal tuvo el objetivo de identificar las principales limitaciones físicas y funcionales y los dominios de la calidad de vida de pacientes con más de 18 años diagnosticados con LTPB, durante la primera consulta en una clínica ambulatoria especializada. Se registraron informaciones sociodemográficas y clínicas y los resultados evaluados fueron: fuerza muscular, rango de movimiento (ROM) y dolor; funcionalidad y calidad de vida evaluadas a través de los cuestionarios Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) y World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref), respectivamente. Hubo predominio de hombres (el 92%) con edad de 34±10,5 años con lesión total del plexo (el 56%) y etiología por accidente de moto (el 68%). La mayoría de la muestra provino del interior del estado de Pernambuco (el 52%), presentaba dolor neuropático (el 87%) y restricciones de ROM. La puntuación DASH osciló entre 30,8 y 93,3 puntos, y el dominio físico fue el más afectado en el WHOQOL-bref. Este estudio destaca el perfil joven en edad productiva de pacientes con LTPB y el predominio de déficits físicos y funcionales significativos en la primera consulta especializada.

Palabras clave
Neuropatías del Plexo Braquial; Epidemiología; Accidentes de Tráfico; Calidad de Vida

INTRODUÇÃO

Lesões traumáticas de plexo braquial (LTPB) são lesões nervosas graves e limitantes que acometem o membro superior, cujas repercussões também afetam aspectos funcionais, emocionais e sociais do indivíduo1 - 3. Homens jovens, saudáveis e economicamente ativos são os mais acometidos por esse tipo de lesão, decorrente, principalmente, de acidentes de trânsito envolvendo motocicletas4 - 6.

O quadro clínico é variável, podendo ter um comprometimento total ou parcial do membro, cuja gravidade e o prognóstico estão associados a fatores individualizados, como localização, mecanismo e tipo de lesão7 , 8. A redução na qualidade de vida e a incapacidade para o trabalho decorrentes da LTPB implicam sério impacto socioeconômico para o paciente e a sociedade, visto que a recuperação pode demandar cirurgias e anos de reabilitação até alcançar resultados funcionais satisfatórios, muitas vezes aquém do esperado9 , 10.

Nesse contexto, nos últimos anos, aspectos funcionais, emocionais e qualidade de vida têm sido incorporados como fatores importantes na avaliação de pacientes que sofreram LTPB1 , 3 , 11 , 12. A maior parte dos estudos utiliza esses parâmetros apenas para avaliar a recuperação do paciente após a intervenção cirúrgica; contudo, esses prejuízos já interferem na vida dos indivíduos desde o momento da lesão e devem se tornar parte da avaliação de rotina10.

Adicionalmente, longos atrasos no tratamento cirúrgico ou conservador podem comprometer a recuperação desses pacientes. Estudos apontam piores escores de funcionalidade e qualidade de vida em pacientes que iniciaram o tratamento ou a intervenção cirúrgica tardiamente, com mais de seis meses1 , 3 , 10. Esse é um dado bastante preocupante, considerando a realidade brasileira em que há longos intervalos de tempo entre o trauma e a primeira consulta, assim como entre a primeira consulta e a cirurgia5 , 6 , 13 , 14.

Considerando o atraso no diagnóstico e no atendimento especializado no serviço público de saúde e a relevância de um manejo inicial eficiente para melhor prognóstico, o objetivo deste estudo foi descrever as principais limitações físicas e funcionais e os domínios da qualidade de vida de indivíduos que sofreram LTPB, comparando os resultados de acordo com o nível da lesão no momento de sua primeira consulta especializada. Além disso, será o primeiro a apresentar informações sociodemográficas e clínicas desse tipo de lesão no Nordeste do Brasil.

METODOLOGIA

Desenho e local

Trata-se de um estudo transversal realizado no Ambulatório de Neurocirurgia de Nervos Periféricos do Hospital da Restauração em Recife, Pernambuco, no período de novembro de 2018 a novembro de 2019. Esse hospital é referência no estado para casos de acidentes de trânsito e atendimento emergencial de politraumatismos e neurocirurgia.

População e critério de amostra

Foram incluídos indivíduos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, que iniciaram atendimento especializado no referido ambulatório e receberam o diagnóstico clínico de LTPB (CID-10 S14.3 Traumatismo do plexo braquial) no período do estudo. A amostra foi por conveniência. Pacientes já submetidos à intervenção cirúrgica foram excluídos.

Coleta de dados e aspectos éticos

A coleta de dados e as avaliações foram realizadas no ambulatório, cada paciente foi avaliado em um único momento e não houve seguimento da amostra. Todas as avaliações foram realizadas por dois pesquisadores previamente treinados.

Foi utilizado um formulário padronizado para registrar as informações sociodemográficas e os aspectos referentes à lesão. Os desfechos primários, a funcionalidade e a qualidade de vida foram analisados pelos questionários Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH)15 e World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref)16. A intensidade da dor foi mensurada pela Escala Numérica de Dor (END)17 e a presença de dor neuropática foi identificada pelo Douleur neuropathique 4 questions (DN4)18.

A avaliação física incluiu (1) amplitude de movimento (ADM) passiva e (2) grau de força muscular do membro superior acometido, cujos resultados eram comparados com o membro não acometido. A ADM passiva foi avaliada com um goniômetro e classificada como limitada ou normal a partir dos valores de referência de goniometria19. Para os movimentos de flexão e abdução de ombro, consideramos como movimento limitado uma ADM abaixo de 90º. Para a avaliação da força muscular, foi utilizado o manual de força muscular do Medical Research Council (MRC)20. O paciente permaneceu sentado com os pés apoiados durante a avaliação de ombro e cotovelo e manteve o antebraço apoiado sobre uma mesa, deixando a mão livre para avaliação dos movimentos do punho. O movimento de flexão de ombro foi avaliado na postura de decúbito dorsal para minimizar compensações. Foi considerado como limitação de força muscular grau de força menor que três pela escala MRC3.

Os pacientes que não apresentaram grau de compreensão suficiente para entendimento dos questionários realizaram apenas a avaliação física, mas não foram excluídos da pesquisa. A amostra foi dividida em dois grupos de acordo com o nível da lesão – parcial e total.

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram tabulados no software Microsoft Excel 2013 e analisados no SPSS versão 20.0. A estatística descritiva foi apresentada em frequência absoluta e relativa, média e desvio-padrão. Para a comparação entre os grupos lesão total e parcial, foi utilizado o teste t de Student para a análise dos dados paramétricos e o de Mann-Whitney para os não paramétricos. A correlação de Spearman foi utilizada para comparar as variáveis contínuas. Foi considerado significativo um valor de p≤0,05.

RESULTADOS

Durante o período de 12 meses, aproximadamente 88 pacientes adultos com LTPB foram atendidos no ambulatório; desses, 30 eram potencialmente elegíveis e foram abordados para triagem. A amostra final foi composta por 25 pacientes (duas mulheres), com idade média de 34±10,5 anos (variando entre 19 e 55 anos). O membro dominante foi o mais acometido (66,7%), e catorze (56%) pacientes tiveram lesão total do plexo braquial. Com exceção de um paciente, todos trabalhavam antes do trauma (95,8%), sendo a maioria o principal provedor da família (62,5%), e apenas dois (8,3%) continuaram trabalhando após a lesão. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra do estudo.

Tabela 1.
Caracterização da amostra de 25 pacientes com lesão traumática de plexo braquial. Hospital da Restauração, Pernambuco, Brasil; 2018 – 2019

A principal etiologia do trauma foi o acidente de moto (68%), seguido de lesão por arma de fogo (12%) e queda (12%), e acidente automobilístico (8%). Entretanto, na comparação entre os grupos, o acidente de moto foi a causa de quase todas as lesões totais de plexo (92,9%), com exceção de um paciente. O tempo entre a ocorrência da lesão e o atendimento pelo médico especialista variou de sete a 393 dias (com média de 79,7±83,3 dias). Quinze pacientes (60%) não estavam realizando fisioterapia. Dos 11 pacientes com lesão parcial, seis (54,5%) apresentaram maior acometimento do tronco superior, dois (18,2%) dos troncos médio e inferior, um paciente (9,1%) troncos superior e médio, um (9,1%) tronco inferior isoladamente e o outro lesão infraclavicular (9,1%).

A Tabela 2 apresenta os resultados da avaliação física dos pacientes de acordo com o nível de lesão total e parcial. Mais de 60% (8/13) dos pacientes com lesão total apresentaram limitação de ADM passiva no movimento de rotação externa do ombro e 46,2% (6/13) nos movimentos de abdução de ombro e flexão de cotovelo.

Já em relação aos pacientes com lesão parcial, mais da metade (54,5%) apresentaram limitação da ADM passiva nos movimentos de rotação externa do ombro e flexão de punho. Os músculos flexores de cotovelo e rotadores externos do ombro estavam fracos em 9/11 e 8/11 indivíduos, respectivamente, seguidos pelos músculos flexores do ombro que também estavam fracos em mais de 60% dessa população (Tabela 2).

Tabela 2.
Limitações de amplitude de movimento e força muscular de 24/25 pacientes com lesão traumática de plexo braquial de acordo com o nível da lesão. Hospital da Restauração, Pernambuco, Brasil; 2018 – 2019

Com relação à avaliação de dor, a intensidade variou de 0 a 10 em ambos os grupos, com média de 4,8±4,1 e 5,2±2,9 para os pacientes com lesão parcial e total, respectivamente. No total, 20 pacientes (87,0%) apresentavam dor neuropática, 8/10 pacientes com lesão parcial e 12/13 com lesão total.

O escore de funcionalidade variou de 30,8 a 93,3, com média de 63,2±15,7 pontos. A Figura 1 apresenta a comparação dos resultados do DASH de acordo com o nível da lesão, demonstrando que os grupos foram similares entre si.

Figura 1.
Comparação do escore DASH de 22/25 pacientes com lesão traumática de plexo braquial. Hospital da Restauração, Pernambuco, Brasil; 2018 – 2019

Três pacientes não puderam responder o questionário; *Teste t.

Com relação à avaliação da qualidade de vida, o domínio físico (DF) foi o mais afetado, com média de 10,0±2,1. Não houve diferença em nenhum dos domínios do WHOQOL-bref na comparação entre os grupos lesão parcial e total (Figura 2).

Figura 2.
Comparação das pontuações do WHOQOL-bref de 22/25 pacientes com lesão traumática de plexo braquial. Hospital da Restauração, Pernambuco, Brasil; 2018 – 2019

Três pacientes não puderam responder o questionário; * Teste t; † Mann Whitney.

Não houve correlação entre os resultados da avaliação física e os desfechos funcionais (DASH e WHOQOL-bref), assim como o tempo entre a lesão e a primeira consulta e se o membro afetado era o membro dominante.

DISCUSSÃO

Esse levantamento permitiu identificar características socioeconômicas, demográficas, principais limitações físicas e déficits funcionais dos pacientes com diagnóstico de LTPB, atendidos consecutivamente no período de um ano, em um ambulatório de referência em lesões de nervo periférico de um serviço público de saúde de Pernambuco.

Aspectos socioeconômicos e demográficos

A amostra foi composta majoritariamente por homens (92%), em consonância com a literatura mundial4 e brasileira2 , 5 , 6 , 14. A idade média dos pacientes confirma o perfil jovem da população acometida; entretanto, quando analisamos a frequência por faixa etária, houve um predomínio de adultos maiores que 30 anos, divergindo dos achados epidemiológicos de estudos realizados em Minas Gerais5, no Distrito Federal13, em São Paulo6 e no Rio de Janeiro21.

Quanto ao nível de escolaridade, a maioria dos pacientes apresentava Ensino Médio completo. Por outro lado, um número considerável de adultos concluiu apenas o Ensino Fundamental 1 ou eram analfabetos (16%), corroborando com o perfil de acometidos por acidentes de moto em Pernambuco22. Oliveira e colaboradores5 encontraram 48,9% de sua amostra com perfil semelhante ao nosso e apontam uma relação desse resultado com o predomínio de profissões envolvendo atividades braçais, como serviços gerais e agricultura. Dados sobre a escolaridade dos pacientes com LTPB são escassos na literatura, ainda que sejam importantes para se fornecer informações como prognóstico e opções de tratamento de maneira adequada e compatível com o nível educacional dos indivíduos acometidos, assim como para traçar estratégias de prevenção.

Mais da metade dos pacientes eram provenientes do interior do estado, fato também observado em um contexto ambulatorial de referência em Minas Gerais5. Isso pode estar relacionado à própria natureza do hospital – referência em trauma no estado –, mas também denota uma falha na descentralização do serviço público de saúde e a carência de serviços especializados em cidades de menor porte5. Em outro estudo, realizado em Goiás2, a maior parte dos pacientes era proveniente da capital, porém a amostra foi composta apenas por pacientes que realizaram cirurgia.

Aproximadamente 95% da amostra trabalhava antes de sofrer a lesão, principalmente com ocupações braçais assemelhando-se ao encontrado em outros estudos2 , 5 , 12; e 60% tinham renda familiar de um salário mínimo ou menos, compatível com as atividades identificadas e com o perfil dos acidentados de moto do estado22. A maioria era o provedor de sua residência e quase todos passaram a não trabalhar depois do trauma, demonstrando um prejuízo socioeconômico para o paciente e suas famílias, dado relevante ao considerar a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho daquelas cujas ocupações demandam esforço físico2.

O acidente de moto foi responsável por 68% dos traumas, percentil bastante semelhante ao encontrado na literatura mundial4 e em estudos nacionais2 , 5 , 21. Índices mais altos, 73% e 79%, foram encontrados em estudos realizados em São Paulo6 , 14 que, segundo o Relatório Motocicletas e Ciclomotores de 201923, é o estado brasileiro que lidera o ranking de acidentes com motos e o de indenizações pagas. O Nordeste é a região com mais vítimas indenizadas pelo Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (DPVAT), e Pernambuco é o sétimo estado brasileiro com maior número de pagamentos por invalidez e o nono considerando despesas médicas.

A problemática dos acidentes de moto fica ainda mais evidente quando observamos que essa foi a causa de mais de 90% dos casos de lesão total (13/14), a mais grave do plexo, nesta pesquisa. Em 2018, 70% dos acidentes com motos resultaram em algum tipo de invalidez aos condutores, em que 78% foram homens e a faixa etária mais acometida foi de 18 a 34 anos23.

O tempo entre a ocorrência do trauma e o atendimento médico especializado variou bastante, a maioria (76%) chegou ao ambulatório com até 90 dias decorridos desde o acidente e não foi encontrada relação significativa do tempo com a funcionalidade e a qualidade de vida nesse primeiro atendimento. Apesar disso, nesse período, muitos pacientes já mostravam limitações importantes de ADM e 60% não estavam fazendo fisioterapia, que é essencial no processo de reabilitação, independentemente se a escolha foi pelo tratamento conservador ou cirúrgico24. Isso reforça que quanto mais cedo o paciente for encaminhado para o serviço especializado, mais rápido será esclarecido e direcionado a um tratamento adequado, o que pode minimizar as limitações.

Mais da metade da amostra sofreu lesão total ou completa do plexo, esse percentil variou de 33% a 64,6% na literatura2 , 4 , 6 , 13. Entre as lesões parciais, houve predomínio de acometimento no tronco superior, em consonância com a literatura4 , 6 , 14.

Limitações físicas

Os aspectos físicos avaliados, ADM passiva e força muscular, revelaram déficits importantes não apenas como consequência da lesão, mas do desuso e falta de reabilitação do membro afetado, em ambos os grupos. A maioria dos indivíduos já apresentava alguma limitação na ADM passiva de rotação externa de ombro, e aproximadamente metade da amostra nos movimentos de abdução de ombro e flexão de punho, o que indica que apenas o período entre a lesão e a primeira consulta especializada já foi suficiente para provocar encurtamentos musculares e limitações articulares.

A inatividade do membro e a falta de mobilização passiva são fatores agravantes que estão relacionados com a ausência de orientação fisioterapêutica adequada e o uso prolongado de órtese do tipo sling. As órteses são recomendadas para melhorar o posicionamento do membro e aliviar a dor, principalmente em casos de subluxação do ombro, fornecendo maior segurança e conforto ao paciente25 , 26. No entanto, deve ser dada preferência a modelos que forneçam suporte à articulação glenoumeral sem restringir os demais movimentos articulares de cotovelo e punho, quando possível, e o paciente deve ser orientado quanto ao tempo de permanência com o membro imobilizado.

Com relação à força muscular dos pacientes com lesão parcial, a maioria não era capaz de flexionar o cotovelo, nem flexionar e rodar externamente o ombro contra gravidade, movimentos essenciais para realização da maioria das atividades diárias com o membro superior. Apesar disso, não houve correlação significativa entre os aspectos físicos avaliados e os resultados funcionais em ambos os grupos.

Outro fator limitante do movimento a ser considerado é a presença de dor. Alguns pacientes não movimentavam o membro para evitar sentir dor, o que gera um ciclo vicioso de repouso, atrofia muscular, contraturas e, consequentemente, mais dor. De maneira geral, a dor relatada pelos pacientes foi de intensidade moderada, fato também observado na avaliação inicial de outro estudo2, e não influenciou os escores do DASH e do WHOQOL-bref, assim como a presença de dor neuropática. No entanto, a longo prazo, a intensidade da dor pode ser um importante preditor de incapacidade para esses pacientes27. Estudos10 , 27 demonstraram que pacientes com LTPB têm mais dor e incapacidade que pacientes com outras lesões nervosas periféricas. Além disso, a dor também foi um preditor significativo de incapacidade para o trabalho e a saúde física10.

Indivíduos com LTPB podem sentir dor neuropática incapacitante8 que tende a ser crônica, com modulação cognitiva mais forte que a nociceptiva, e está associada a prejuízo na qualidade de vida, mas ainda pouco avaliada nessa população28. A dor neuropática esteve presente em mais de 80% da amostra, segundo o questionário DN4, e em 71% de outro estudo brasileiro13. Essa alta prevalência demonstra que não apenas a intensidade, mas as características da dor também devem ser investigadas8, e, nesse contexto, a dor neuropática necessita ser enfatizada tanto na clínica quanto em pesquisas futuras10 , 28.

Funcionalidade e qualidade de vida

De maneira geral, a população do estudo apresentou baixa funcionalidade do membro superior. Os maiores escores do DASH que indicam pior incapacidade do membro superior foram encontrados nos pacientes com lesão total; no entanto, esses resultados não foram estatisticamente significativos. Mesmo a longo prazo, após a cirurgia, a localização da lesão parece não interferir nos resultados funcionais do paciente3. Também não houve diferenças em relação à dominância do membro e ao tempo de lesão. No entanto, estudos apontam que o escore DASH foi pior em pacientes que demoraram mais de seis meses para realizar cirurgia1 , 3.

Diferentemente dos achados da literatura, este estudo se propôs a avaliar os domínios da qualidade de vida dos indivíduos já na primeira consulta especializada e demonstrou que, nesse momento, não houve diferenças de acordo com o nível, tempo de lesão e se o membro acometido era o dominante.

Os piores escores segundo o WHOQOL-bref foram nos domínios físico e psicológico. Em um estudo com pacientes submetidos à intervenção cirúrgica, o domínio psicológico foi o mais afetado e estatisticamente mais baixo que na população normal, juntamente com os domínios físico e meio ambiente; fatores como idade, lesão no membro dominante, escore DASH, conexão emocional com a família e a renda familiar influenciaram na qualidade de vida29. Outro estudo, que também utilizou essa ferramenta de avaliação, demonstrou que 55% da amostra apresentou muitas vezes algum grau de mau humor, ansiedade e depressão30.

Esses resultados reforçam que com o passar do tempo, a qualidade de vida dos indivíduos que sofreram LTPB tende a continuar prejudicada mesmo após tratamento cirúrgico, e aspectos psicológicos e emocionais precisam ser levados em consideração desde cedo juntamente com os físicos, visto que são os mais afetados. Fatores relacionados já apontados na literatura podem ser valiosos para identificar os pacientes propensos a escores baixos de qualidade de vida e explorar essas demandas de acordo com a avaliação inicial, encaminhando adequadamente para tratamento com psicólogo, por exemplo.

Este estudo apresentou algumas limitações. Por ser um estudo transversal, os resultados expressam o momento da avaliação. Lesões e traumas associados não foram anotados. Devido ao próprio perfil dessa população, alguns pacientes com baixa escolaridade não conseguiram responder à avaliação de funcionalidade e qualidade de vida por não apresentarem nível cognitivo suficiente para a compressão desses questionários. Contudo, este é um estudo pioneiro na região Nordeste que demonstra a importância da realização da fisioterapia desde o início do tratamento dos pacientes com LTPB, apresentando contribuições relevantes para que haja uma abordagem mais efetiva na prevenção de acidentes de trânsito e melhoria do acesso da população a serviços especializados de saúde.

CONCLUSÃO

A partir deste estudo, pôde-se concluir que a LTPB diminui a funcionalidade e qualidade de vida dos indivíduos adultos acometidos independentemente do nível de comprometimento nervoso e do tempo de lesão. As limitações físicas desses pacientes podem ser agravadas por complicações secundárias ao trauma, que por sua vez, podem ser minimizadas com um manejo inicial precoce e adequado. Reforçamos a importância de incluir os aspectos funcionais e de qualidade de vida na avaliação pré-operatória, pois possibilita o planejamento de um tratamento personalizado e abrangente.

Ressalta-se, ainda, que o grande impacto social e econômico na vida dos indivíduos e suas famílias requer uma maior atenção do poder público a esse tipo de lesão, que deve ir desde a conscientização e prevenção do trauma a um tratamento adequado, sistematizado e multidisciplinar para esses pacientes.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Fernando Henrique Morais de Souza, por seu inestimável apoio e incentivo à realização da pesquisa; aos residentes e funcionários do Hospital da Restauração de Pernambuco pelo suporte na coleta de dados; e aos pacientes que colaboraram para o desenvolvimento do estudo e, consequentemente, para a implementação de melhorias no cuidado ao paciente com LTPB.

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  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE), Brasil.
  • Orgão financiador:
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001
  • Aprovado pelo Comitê de Ética: Parecer n° 3.443.002. CAAE (88852918.5.0000.5208).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2023
  • Aceito
    16 Jan 2024
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