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Fidedignidade da Spinal Alignment and Range of Motion Measure em crianças e adolescentes com paralisia cerebral

Confiabilidad de Spinal Alignment and Range of Motion Measure para niños y adolescentes con parálisis cerebral

RESUMO

A paralisia cerebral é a causa mais frequente de deficiência física na infância devido às desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura e aos problemas musculoesqueléticos secundários. Para avaliar desvios posturais e a extensibilidade do tronco, é possível utilizar a Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM). Com o objetivo de aferir a fidedignidade da SAROMM e validar seu uso na prática clínica, realizou-se um estudo transversal com amostra de conveniência. Participaram 50 crianças na Etapa 1 (avaliação por vídeo, sem e com o uso do manual de instrução) e 25 crianças na Etapa 2 (avaliação presencial). Na Etapa 1, a confiabilidade intraexaminador apresentou concordância quase perfeita em todos os domínios (κ entre 0,98 e 1,0), exceto tornozelo, que apresentou concordância moderada (κ=0,62). A confiabilidade interexaminadores sem uso do manual não apresentou concordância (κ entre −0,00 e 0,10) e, com uso do manual, concordância fraca em todos os domínios (κ entre 0,41 e 0,59), exceto tornozelo, que apresentou concordância mínima (κ=0,20). Na Etapa 2, a confiabilidade interexaminadores apresentou concordância quase perfeita em todos os domínios (κ entre 0,93 e 0,97). A SAROMM possui excelente confiabilidade intra e interexaminador, sendo importante haver uma avaliação presencial com uso do manual de instruções.

Descritores:
Paralisia Cerebral; Reprodutibilidade dos Testes; Fisioterapia

RESUMEN

La parálisis cerebral es la causa más frecuente de discapacidad física en la infancia debido a los trastornos permanentes en el desarrollo del movimiento y la postura y a los problemas musculoesqueléticos secundarios. Para evaluar las desviaciones posturales y la extensibilidad del tronco, se puede utilizar Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM). Con el fin de evaluar la confiabilidad de SAROMM y validar su uso en la práctica clínica, se realizó un estudio transversal con una muestra de conveniencia. Participaron 50 niños en la Etapa 1 (vídeo evaluación, con y sin uso de la guía instructiva) y 25 niños en la Etapa 2 (evaluación presencial). En la Etapa 1, la confiabilidad intraexaminador mostró concordancia casi total en todos los criterios (κ entre 0,98 y 1,0), excepto tobillo que mostró una concordancia moderada (κ=0,62). La confiabilidad interexaminadores sin uso de la guía no mostró una concordancia (k entre -0,00 y 0,10), con el uso de la guía tuvo una concordancia débil en todos los criterios (κ entre 0,41 y 0,59), excepto tobillo que mostró mínima concordancia (κ=0,20). En la Etapa 2, la confiabilidad interevaluadores mostró una concordancia casi total en todos los criterios (κ entre 0,93 y 0,97). SAROMM tuvo como resultado una excelente confiabilidad intra- e interexaminador, y es importante hacer una evaluación presencial basándose en la guía de instrucciones.

Palabras clave:
Parálisis Cerebral; Reproducibilidad de los Resultados; Fisioterapia

ABSTRACT

Cerebral palsy is the most frequent cause of physical disability in childhood due to permanent movement and posture development disorders and secondary musculoskeletal problems. The Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM) assess postural deviations and trunk extensibility. This is a cross-sectional study with a convenience sample to evaluate the reliability of SAROMM and to validate its use in clinical practice. In total, 50 children participated in Stage 1 (video evaluation, with and without the instruction manual), and 25 children participated in Stage 2 (in-person evaluation). In Stage 1, the intra-examiner reliability showed almost perfect agreement in all domains (κ ranging from 0.98 to 1.0), except ankle, with a moderate agreement (κ=0.62). Inter-examiner reliability without using the manual showed no agreement (κ ranging from −0.00 to 0.10); with the use of the manual showed weak agreement in all domains (κ from 0.41 to 0.59), except ankle, which showed a minimal agreement (κ=0.20). In Stage 2, inter-examiner reliability showed almost perfect agreement in all domains (κ ranging from 0.93 to 0.97). SAROMM has excellent intra- and inter-examiner reliability, and in-person assessment with the instructions manual is essential.

Keywords:
Cerebral Palsy; Reproducibility of Tests; Physiotherapy

INTRODUÇÃO

A paralisia cerebral (PC) engloba um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura, que causa limitações nas atividades atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorrem no desenvolvimento fetal ou do cérebro infantil11. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:8-14., sendo a principal causa de incapacidade física em crianças22. Novak I. Evidence-based diagnosis, health care, and rehabilitation for children with cerebral palsy. J Child Neurol. 2014;29(8):1141-56. doi: 10.1177/0883073814535503.
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Estudos recentes de base populacional em todo o mundo relatam a prevalência da PC entre 1 e quase 4 a cada 1.000 nascidos vivos33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.. As grandes descobertas na última década para detecção precoce, prevenção e tratamento têm alterado a incidência, o prognóstico e a responsividade ao tratamento da PC22. Novak I. Evidence-based diagnosis, health care, and rehabilitation for children with cerebral palsy. J Child Neurol. 2014;29(8):1141-56. doi: 10.1177/0883073814535503.
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, cuja taxa caiu 30% em países de alta renda, como Austrália, reduzindo a prevalência para 1,4 por 1.00044. Galea C, Mcintyre S, Smithers-Sheedy H, Reid SM, Gibson C, Delacy M, et al. Cerebral palsy trends in Australia (1995-2009): a population-based observational study. Dev Med Child Neurol. 2019;61(2):186-93. doi: 10.1111/dmcn.14011.
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. Apesar de as taxas de prevalência serem fundamentais para orientação das políticas de saúde, há carência de estudos com dados específicos sobre a prevalência e a incidência da PC no Brasil55. Felice TMN. Associação dos fatores de risco para paralisia cerebral com os aspectos clínicos e funcionais [dissertation]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2021.. Em função da ausência de registros oficiais, alguns estudos têm sido conduzidos em localidades específicas, como Aracajú, em que foi identificada uma prevalência média de 1,37 a cada 1.000 habitantes. Entretanto, em bairros mais pobres da cidade, a prevalência foi de 4 a cada 1.00066. Peixoto MVS, Duque AM, Carvalho S, Gonçalves TP, Novais APS, Nunes MAP. Características epidemiológicas da paralisia cerebral em crianças e adolescentes em uma capital do nordeste brasileiro. Fisioter Pesqui. 2020;27(4):405-12. doi: 10.1590/1809-2950/20012527042020.
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.

As características clínicas da PC, embora envolvam predominantemente os distúrbios de movimento77. Vitrikas K, Dalton H, Breish D. Cerebral palsy: an overview. Am Fam Physician. 2020;101(4):213-20. doi: 10.1007/s12098-017-2475-1.
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, muitas vezes podem ter associados distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, epilepsia e problemas musculares secundários11. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:8-14.. Os problemas musculoesqueléticos, associados às alterações de tônus muscular, estabilidade postural e coordenação motora, podem levar à alteração da mobilidade funcional, como contraturas musculares e tendíneas, rigidez articular, deslocamento de quadril, mau alinhamento biomecânico e deformidades na coluna11. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:8-14.)-(33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013., podendo levar à diminuição da amplitude de movimento, da resistência e da força muscular88. Jeffries LM, Fiss AL, McCoy SW, Bartlett D, Avery L, Hanna S. Developmental trajectories and reference percentiles for range of motion, endurance, and muscle strength of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2019;99(3):329-38. doi: 10.1093/ptj/pzy160.
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. Portanto, o uso de instrumentos para avaliar e acompanhar as alterações das estruturas e funções do corpo, de acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)99. Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sáude. São Paulo: Edusp; 2003., é necessário.

Schiariti et al.1010. Schiariti V, Selb M, Cieza A, O'Donnel M. International Classification of Functioning, Disability and Health Core Sets for children and youth with cerebral palsy: a consensus meeting. Dev Med Child Neurol. 2015;57(2):149-58. doi: 10.1111/dmcn.12551.
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realizaram uma revisão sistemática para identificar as medidas de resultados na PC usando a CIF para Crianças e Jovens. Para as funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento, utilizaram avaliações da função motora grossa (GMFM - medida da função motora grossa), da função manual (QUEST - quality of upper extremity skills test) e da marcha (Questionário de Avaliação Funcional Gillette e a PRS - physician’s rating scale), e verificaram que nenhum desses instrumentos avaliava especificamente controle postural, alinhamento de tronco e amplitude muscular. Assim, seria essencial o desenvolvimento de uma ferramenta com esse objetivo, já que o monitoramento desses aspectos ao longo do tempo é importante para determinar as necessidades de intervenção e as estratégias de prevenção.

Desta forma, a Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM) foi desenvolvida como ferramenta discriminativa para ser usada em reabilitação e avaliar os desvios posturais comuns na PC, além da extensibilidade muscular de regiões que fazem ligação direta com tronco, quadril, ombro e extremidades como tornozelo1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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. É considerado um instrumento fidedigno, visto que os coeficientes de correlação intraclasse refletem a confiabilidade interobservador e teste-reteste para as subescalas de coluna e amplitude de movimento, além de os escores totais serem todos acima de 0,801111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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A SAROMM conta com quatro itens para avaliar o alinhamento da coluna vertebral e 11 para avaliar a amplitude de movimento e capacidade de extensão muscular, que são testados bilateralmente1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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. Cada item é pontuado em uma escala ordinal de cinco pontos, sendo: 0 - não há limitações de alinhamento e a correção é ativa; 1 - bom alinhamento com correção passiva; 2 - a limitação se reduz quase totalmente na correção passiva e há deformidade mínima; 3 - a limitação quase não é redutível de forma passiva e há uma deformidade moderada; 4 - a limitação não é redutível e a deformidade é grave no alinhamento da coluna ou há limitação na amplitude de movimento ou extensibilidade muscular1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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Em 2014, Lopes e Pfeifer1212. Lopes RR, Pfeifer LI. Adaptação transcultural e estudo preliminar da escala Spinal Alignment and Range of Motion Measure - SAROMM [master's thesis]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2014. realizaram a adaptação transcultural para a população brasileira e o instrumento foi denominado de SAROMM-Br. Uma das etapas do processo de validação do instrumento adaptado culturalmente é verificar a confiabilidade, sendo a capacidade de reproduzir um resultado de forma consistente no tempo e no espaço, ou com observadores diferentes, referente à estabilidade, consistência interna e equivalência1313. Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. doi: 10.5123/S1679-49742017000300022.
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. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a confiabilidade referente à consistência interna e à equivalência intra e interexaminadores da SAROMM-Br para nortear seu uso na prática clínica com crianças e adolescentes com PC em diferentes níveis motores.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo metodológico transversal, realizado em duas etapas, a partir de uma amostra por conveniência.

Participaram crianças e adolescentes com PC, idade de 3 a 16 anos, de ambos os sexos e com diferentes níveis de comprometimento motor de acordo com o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa expandido e revisado (GMFCS E&R)1414. Silva DBR, Pfeifer LI, Funayama CAR, translators. GMFCS - E & R: sistema de classificação da função motora grossa: ampliado e revisto [Internet]. Hamilton: McMaster University; 2010 [cited 2022 Dec 2]. Available from: https://canchild.ca/system/tenon/assets/attachments/000/000/075/original/GMFCS-ER_Translation-Portuguese2.pdf
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, recrutados no Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (CER - HCFMRP), no Centro Integrado de Reabilitação do Hospital Estadual de Ribeirão Preto (CIR - HERP) e na Clínica de Fisioterapia do Centro Universitário Barão de Mauá (CBM). Foram excluídas crianças e adolescentes que não compreendessem e respondessem a ordens simples e que apresentassem distúrbios associados, como surdez ou cegueira, a partir da informação dos terapeutas responsáveis pelos atendimentos de reabilitação. Os cuidadores assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e as crianças e adolescentes assentiram verbalmente.

Na etapa 1, realizada em 2015, participaram 50 crianças e adolescentes com PC. Na etapa 2, conduzida em 2019, participaram 25 crianças e adolescentes com PC. Os participantes das duas etapas eram distintos.

A aplicação da SAROMM durou em média 25 minutos para cada criança/adolescente. Para a avaliação dos itens 1 a 4 (alinhamento da coluna vertebral) e 25/26 (membros superiores), posicionava-se a criança/adolescente sentada sobre o tablado ou sobre um banco, sendo sempre necessário que estivesse em postura alinhada e posicionada com os pés no chão, com distância preservada, ângulo poplíteo a 90°, sem flexão de quadril maior que 90°, respeitando sempre caso a criança/adolescente apresentasse contratura muscular que a mantivesse acima de 90° de flexão de quadril. Em relação aos itens 1 a 4, o avaliador observava se a criança/adolescente era capaz de corrigir ativamente o alinhamento da coluna cervical, torácica e lombar, sem apresentar limitação no alinhamento da coluna vertebral nos planos frontal e transversal. Caso fosse necessário, o avaliador manuseava a criança/adolescente para verificar se a limitação era flexível ou fixa (classificada em leve, moderada ou severa). Para avaliar os itens 25/26, o avaliador solicitava que a criança/adolescente estendesse os membros superiores paralelamente às orelhas. Caso não conseguisse, o avaliador manipulava separadamente cada um dos membros superiores e classificava se a limitação era flexível, leve, moderada ou severa, em cada lado.

Para avaliação dos itens 5 a 24 (avaliação da amplitude de movimento e extensibilidade muscular), a criança/adolescente era posicionada em decúbito dorsal sobre o tablado. Nesta etapa, eram avaliadas a amplitude de movimento na extensão, flexão, abdução, adução, rotação externa e interna de quadril; a extensão de joelho e isquiotibiais; e a dorsiflexão e a plantiflexão do tornozelo. Nestes itens, o avaliador manuseava separadamente cada um dos membros inferiores da criança/adolescente para verificar a limitação e a classificava em flexível, leve, moderada ou severa em cada lado.

Na etapa 1, a confiabilidade intra e interexaminador foi realizada por meio de avaliação observacional e pontuação da SAROMM. As avaliações observacionais ocorreram de modo independente e foram realizadas por dois fisioterapeutas com experiência na área de neuropediatria (avaliador 1 e avaliador 2), os quais pontuaram por meio da análise dos vídeos os aspectos listados na SAROMM. O avaliador 1 participou do processo de adaptação cultural da SAROMM e já possuía experiência na utilização da escala, já o avaliador 2 não havia tido contato com a SAROMM antes desta etapa de análise e recebeu treinamento, com duração de 2 horas, que consistiu na apresentação da escala e realização conjunta da avaliação de duas crianças por meio de vídeo. Após a avaliação de toda a amostra, o avaliador 2 recebeu novamente o treinamento (de avaliação por meio de vídeo), incluindo, desta vez, leitura e esclarecimento do manual de aplicação, seguido de nova avaliação de toda a amostra, com intervalo de ao menos 30 dias entre a avaliação sem o manual e a avaliação com manual, para evitar viés de memória.

Cada criança/adolescente foi avaliada individualmente pelo avaliador 1, cujo procedimento foi filmado com uma câmera fixa em um tripé. O avaliador 1 pontuou o desempenho de cada criança/adolescente imediatamente após a avaliação (AV1) e, após 30 dias, novamente por meio dos vídeos (AV2), buscando evitar que a memória influenciasse os escores. O avaliador 2 assistiu aos vídeos de cada criança/adolescente e pontuou (AV3) após o primeiro treinamento (sem conhecimento do manual) e, após o segundo treinamento (AV4), com conhecimento e utilização do manual. A confiabilidade intraexaminador comparou a AV1 com a AV2 e a confiabilidade interexaminador comparou a AV1 com a AV3 (sem utilização do manual) e, em seguida. a AV1 com a AV4 (com utilização do manual).

Na etapa 2, a confiabilidade interexaminador foi realizada por meio de avaliação presencial e pontuação da SAROMM. As avaliações presenciais ocorreram de modo independente (com um intervalo de 2 a 7 dias) e foram realizadas por dois fisioterapeutas com experiência na área de neuropediatria (avaliador 1 e avaliador 3), os quais tiveram acesso ao manual da SAROMM. O avaliador 1 participou do processo de adaptação cultural da SAROMM e já possuía experiência na utilização da escala, já o avaliador 3 não havia tido contato com a SAROMM antes desta etapa, mas foi treinado e teve acesso ao manual para leitura e esclarecimentos.

Os resultados das avaliações foram organizados em planilhas do Excel e as análises de concordância foram realizadas utilizando o coeficiente de correlação intraclasse (ICC) e o coeficiente de correlação kappa de Cohen, pelo software Stata 15. Na etapa 1, foi analisada a confiabilidade intraexaminador (AV1×AV2), interexaminador, por meio de vídeo sem a utilização do manual (AV1×AV3) e interexaminador com a avaliação observacional por meio de vídeo com a utilização do manual (AV1×AV4). Na etapa 2, foi analisada a confiabilidade interexaminador com a utilização do manual de instrução e por meio da avaliação presencial (avaliador 1 e avaliador 3).

Para as análises de confiabilidade intraexaminador e interexaminado, adotaram-se os critérios propostos por Landis e Koch1515. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74. para interpretação do grau de concordância: quase perfeita (0,81 a 1,00); forte (0,61 a 0,80); moderada (0,41 a 0,60); regular (0,21 a 0,40); discreta (0 a 0,20); e pobre (<0).

A consistência interna foi analisada pelo alfa de Cronbach, obedecendo aos limites reconhecidos entre 0,70 e 0,901616. Nunnally JC. Psychometric theory. 2nd ed. New York: McGraw Hill; 1978..

RESULTADOS

Participaram deste estudo 75 crianças e adolescentes com PC, com idades entre 3 e 16 anos. A categorização da amostra nas duas etapas da pesquisa (etapa 1 - avaliação observacional; e etapa 2 - avaliação presencial) é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos participantes em cada etapa da pesquisa

A consistência interna da SAROMM foi avaliada pelo alfa de Cronbach, obtendo índices satisfatórios entre 0,74 e 0,76.

A análise de concordância foi realizada utilizando o coeficiente de correlação kappa de Cohen e os resultados demonstraram um índice de concordância quase perfeita em todos os domínios, exceto tornozelo, que apresentou concordância forte (Tabela 2).

Tabela 2
Kappa ponderado de análise intraexaminador

Foi realizada a análise interexaminador, sendo comparada a primeira avaliação do avaliador 1 (AV1) com a do avaliador 2 (AV3), por meio da análise dos vídeos sem o uso do manual. A análise de concordância foi realizada utilizando o coeficiente de correlação kappa de Cohen e os resultados demonstram um índice de concordância discreta e pobre nos domínios (Tabela 3).

Tabela 3
Kappa ponderado interexaminador sem manual e com manual

Em seguida, analisou-se a concordância interexaminador na comparação entre AV1 e AV4 (segunda avaliação do avaliador 2 por meio dos vídeos com o uso do manual), utilizando o coeficiente de correlação kappa de Cohen. Os resultados apresentaram melhora, com índice de concordância moderado em todos os domínios, exceto o tornozelo, que apresentou concordância leve1515. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74. (Tabela 3).

Desta forma, a etapa 2 buscou verificar se a confiabilidade estava relacionada ao meio de avaliação (por meio de vídeo ou presencial). Compreendendo que o sucesso de uma avaliação física pode ser influenciado pelo contato próximo do examinador com a criança/adolescente, foi verificada também a confiabilidade interexaminador, em que ambos os examinadores avaliaram pessoal e independentemente as mesmas crianças/adolescentes (avaliador 1 e avaliador 3). A análise de concordância foi realizada utilizando o coeficiente de correlação kappa de Cohen e os resultados demonstram um índice de concordância quase perfeita em todos os domínios (Tabela 4).

Tabela 4
Kappa ponderado interexaminadores (etapa 2 - presencial)

Verificou-se que houve uma melhora nos índices de concordância ao longo do processo e realizou-se uma nova análise por meio do coeficiente de correlação intraclasse. A Tabela 5 apresenta os resultados de todas as correlações.

Tabela 5
Coeficiente de correlação intraclasse das análises intra e interexaminador sem manual, com manual e presencial

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que a SAROMM apresenta índices adequados de consistência interna e confiabilidade de equivalência intraexaminador. Além disso, observou-se que a confiabilidade de equivalência interexaminador foi influenciada positivamente pelo uso do manual para aplicação da avaliação e compreensão dos critérios de classificação dos comportamentos apresentados pela criança/adolescente, assim como pela realização da avaliação de modo presencial (com manuseio do terapeuta), e não por análise de vídeos (observacional), independentemente da idade e do nível motor da criança/adolescente.

Crianças com PC frequentemente apresentam deficiências secundárias no alinhamento da coluna, na amplitude de movimento das extremidades, na resistência para atividades e na força muscular. Desta forma, a SAROMM é uma ferramenta útil na identificação das alterações posturais de crianças com PC, orientando a tomada de decisão clínica88. Jeffries LM, Fiss AL, McCoy SW, Bartlett D, Avery L, Hanna S. Developmental trajectories and reference percentiles for range of motion, endurance, and muscle strength of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2019;99(3):329-38. doi: 10.1093/ptj/pzy160.
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De acordo com Mancini e Horak1717. Mancini M, Horak FB. The relevance of clinical balance assessment tools to differentiate balance deficits. Eur J Phys Rehabil Med. 2010;46(2):239-48., o controle da postura é requerido para se obter o equilíbrio, que pode ser definido como manutenção, alcance e retorno do centro de massa dentro da base de suporte. Os objetivos funcionais na obtenção do equilíbrio e do controle da postura perpassam a manutenção de alinhamento postural adequado e a simetria, as quais são imprescindíveis para facilitar o movimento voluntário, as transferências posturais e, ainda, a restauração do equilíbrio sob a influência de distúrbios externos. Dessa maneira, acredita-se que as características posturais avaliadas pela SAROMM são requisitos fundamentais na manutenção das atividades de equilíbrio estático e dinâmico e da coordenação na postura sentada.

A consistência interna do instrumento apresentou bons resultados, já que os valores de alfa apontam limites reconhecidos entre 0,70 e 0,90, sendo que valores abaixo de 0,70 indicam a não consistência e valores acima de 0,90 podem indicar a redundância de itens do instrumento1616. Nunnally JC. Psychometric theory. 2nd ed. New York: McGraw Hill; 1978.. No estudo sobre o desenvolvimento e os testes psicométricos preliminares da SAROMM1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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, não há informações acerca da consistência interna, o que impossibilita a comparação com nossos resultados. Embora o estudo de Chen et al.1818. Chen CL, Wu KP, Liu WY, Cheng HY, Shen IH, Lin KC. Validity and clinimetric properties of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2013;55(8):745-50. doi: 10.1111/dmcn.12153.
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tenha tido como objetivo avaliar validade, capacidade de resposta e propriedades psicométricas da SAROMM, não foi realizada a análise da consistência interna.

Ainda são poucos os estudos que utilizam a SAROMM, entretanto, verifica-se que seu uso tem se ampliado nos últimos anos. Seu processo de adaptação transcultural foi desenvolvido na China1818. Chen CL, Wu KP, Liu WY, Cheng HY, Shen IH, Lin KC. Validity and clinimetric properties of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2013;55(8):745-50. doi: 10.1111/dmcn.12153.
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, no Brasil1212. Lopes RR, Pfeifer LI. Adaptação transcultural e estudo preliminar da escala Spinal Alignment and Range of Motion Measure - SAROMM [master's thesis]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2014. e na Turquia1919. Arikan Z, Mutlu A, Lïvanelïoğlu A. An evaluation of spinal alignment and musculoskeletal system influence at different functional levels of children with cerebral palsy. Turkish Journal of Physiotherapy and Rehabilitation. 2020;31(2):171-9. doi: 10.21653/tjpr.517950.
https://doi.org/10.21653/tjpr.517950...
. Lima et al.2020. Lima JLS, Negreiros ASV, Lima AKP. Postural alignment and muscle extensibility assessment's by the SAROMM scale in children and teenagers with cerebral palsy. Research, Society and Development. 2021;10(15):e54101522502. doi: 10.33448/rsd-v10i15.22502.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i15.2250...
utilizaram a SAROMM como medida para descrever o alinhamento postural e a extensibilidade muscular de oito crianças/adolescentes com PC, possibilitando um diagnóstico funcional ampliado dos casos avaliados.

Outros estudos buscaram verificar correlações entre variáveis e o comprometimento musculoesquelético, o alinhamento de coluna e a amplitude de movimento (medidos pela SAROMM). Wright e Bartlett2121. Wright M, Bartlett DJ. Distribution of contractures and spinal malalignments in adolescents with cerebral palsy: observations and influences of function, gender and age. Dev Neurorehabil. 2010;13(1):46-52. doi: 10.3109/17518420903267101.
https://doi.org/10.3109/1751842090326710...
avaliaram 225 adolescentes com PC para verificar a correlação entre a funcionalidade e a presença de contraturas e desvios na coluna. Chen et a al.2222. Chen CM, Hsu HC, Chen CL, Chung CY, Chen KH, Liaw MY. Predictors for changes in various developmental outcomes of children with cerebral palsy-a longitudinal study. Res Dev Disabil. 2013;34(11):3867-74. doi: 10.1016/j.ridd.2013.08.007.
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2013.08.0...
examinaram se algumas variáveis, entre elas o alinhamento de coluna e a amplitude de movimento, são preditores potenciais do desenvolvimento infantil em 78 crianças com PC, com idade média de 3 anos e 8 meses. Já McDowell, Duffy e Lundy2323. McDowell BC, Duffy C, Lundy C. Pain report and musculoskeletal impairment in young people with severe forms of cerebral palsy: a population-based series. Res Dev Disabil. 2017;60:277-84. doi: 10.1016/j.ridd.2016.10.006.
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2016.10.0...
avaliaram 123 jovens (classificados nos níveis GMFCS IV e V) quanto a qualidade de vida, intensidade de dor e comprometimento musculoesquelético.

Silva et al.2424. Silva EM, Silva TAS, Balk RS, Lopes RR, Santos CC, Lara S, et al. Avaliação do alinhamento postural e extensibilidade muscular pela escala SAROMM em crianças com paralisia cerebral após fisioterapia aquática. Fisioter Bras. 2017;18(6):719-26. doi: 10.33233/fb.v18i6.2054.
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avaliaram o alinhamento postural e a extensibilidade muscular em crianças com PC após fisioterapia aquática. Jeffries et al.88. Jeffries LM, Fiss AL, McCoy SW, Bartlett D, Avery L, Hanna S. Developmental trajectories and reference percentiles for range of motion, endurance, and muscle strength of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2019;99(3):329-38. doi: 10.1093/ptj/pzy160.
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avaliaram 708 crianças com PC em todos os níveis do GMFCS, com idades entre 18 meses e 12 anos, a cada 6 meses ao longo de 2 anos, com o objetivo de criar trajetórias longitudinais de desenvolvimento para amplitude de movimento em relação ao nível motor. Cominetti, Gerzson e Almeida2525. Cominetti EPA, Gerzson LR, Almeida CS. Aplicação da escala Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM) em crianças e adultos com paralisia cerebral, em uma instituição de abrigagem de Porto Alegre (RS). Fisioter Pesqui. 2020:27(3):277-86. doi: 10.1590/1809-2950/19024427032020.
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avaliaram as alterações musculoesqueléticas, o alinhamento da coluna vertebral e a amplitude de movimento de 28 crianças e adultos institucionalizados com PC, com o objetivo de traçar estratégias para minimizar o avanço das deformidades já instaladas.

Os estudos citados demonstram a importância da utilização da SAROMM como medida diagnóstica da funcionalidade do tronco de crianças/adolescentes com PC, possibilitando um diagnóstico clínico e contribuindo com a definição de objetivos terapêuticos. Neste sentido, é fundamental que se definam os procedimentos de aplicação para a obtenção de resultados fidedignos. Até onde se sabe, apenas o estudo original avaliou a confiabilidade de equivalência interexaminador e de reprodutibilidade teste-reteste com uma amostra de apenas 25 participantes1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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, o que justificou a realização deste estudo para avaliar a equivalência da SAROMM (confiabilidade intra e interexaminador) e a influência do uso do manual e da avaliação presencial do terapeuta para nortear seu uso na prática clínica com crianças e adolescentes com PC, demonstrando o grau de fidedignidade desse instrumento.

Na etapa 1, a confiabilidade intraexaminador obteve altos índices de concordância, demonstrando que o instrumento é fidedigno e, embora o avaliador 1 tenha realizado a primeira avaliação de modo presencial e a segunda por meio de vídeos, que os resultados apresentaram índices de concordância quase perfeita, segundo Landis e Koch1515. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74..

Para a análise interexaminador, foi realizada uma capacitação prévia do avaliador 2 por meio da análise de vídeos. Este procedimento de capacitação também foi utilizado por Jeffries et al.88. Jeffries LM, Fiss AL, McCoy SW, Bartlett D, Avery L, Hanna S. Developmental trajectories and reference percentiles for range of motion, endurance, and muscle strength of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2019;99(3):329-38. doi: 10.1093/ptj/pzy160.
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, sendo considerada uma estratégia eficaz. Porém, em nosso estudo, os índices de concordância interexaminador iniciais (sem a utilização do manual de instruções) variaram de discreto a pobre, segundo Landis e Koch1515. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.. Isso permitiu discutir a necessidade de um treinamento mais intenso e com o uso do manual de instruções da escala. Este segundo treinamento se assemelhou ao ocorrido no estudo de Chen et al.1818. Chen CL, Wu KP, Liu WY, Cheng HY, Shen IH, Lin KC. Validity and clinimetric properties of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2013;55(8):745-50. doi: 10.1111/dmcn.12153.
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, no qual os avaliadores foram treinados por um fisioterapeuta certificado sênior para administrar a SAROMM por meio de revisão cuidadosa das instruções escritas e da prática repetida. Após este segundo treinamento e com o uso do manual, houve uma melhora dos resultados, com índice de concordância moderado em todos os domínios, exceto o tornozelo, que apresentou concordância regular, segundo Landis e Koch1515. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74..

Por haver esta grande diferença entre os índices de concordância intra e interexaminador, foi levantada a hipótese de que a discrepância entre os examinadores se devia à diferença do modo de avaliação (observacional×presencial). Portanto, buscou-se verificar se o meio de avaliação (filmagem) utilizado nesta etapa influenciou os resultados. Os estudos localizados que utilizam a SAROMM relatam que as avaliações foram feitas por terapeutas capacitados, entretanto, não especificam se elas ocorreram por meio de vídeo ou presencialmente, mas acredita-se que tenham ocorrido de modo presencial88. Jeffries LM, Fiss AL, McCoy SW, Bartlett D, Avery L, Hanna S. Developmental trajectories and reference percentiles for range of motion, endurance, and muscle strength of children with cerebral palsy. Phys Ther. 2019;99(3):329-38. doi: 10.1093/ptj/pzy160.
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.

Na etapa 2, então, ambos os examinadores avaliaram presencialmente os mesmos participantes em momentos diferentes. Os resultados encontrados demonstram que a concordância interexaminador foi considerada quase perfeita, com valores acima de 0,98. Esses valores estavam acima dos obtidos por Barlett e Purdie1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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, que realizaram o estudo de confiabilidade da versão original da SAROMM e obtiveram valores entre 0,81 e 0,93.

A comparação entre os resultados das etapas 1 e 2 demonstrou a importância clínica do examinador avaliar o paciente presencialmente, por meio do contato. Na etapa 1, apontou-se a dificuldade de avaliar alinhamentos e movimentos mais discretos de rotação interna de quadril e amplitudes de tornozelo em vídeos, por apresentar apenas um plano de filmagem. Embora a SAROMM não tenha sido projetada para avaliar detalhadamente amplitudes de movimento e espasticidade, níveis diferentes de espasticidade podem influenciar a pontuação de alguns itens1111. Bartlett D, Purdie B. Testing of the Spinal Alignment and Range of Motion Measure: a discriminative measure of posture and flexibility for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005;47(11):739-43. doi: 10.1017/S0012162205001556.
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. Sendo assim, acredita-se que o avaliador não é apenas observador e sim atuante direto no manuseio clínico, e o fator espasticidade, que exige contato direto com a criança, é necessário para mensurar a rigidez encontrada no paciente durante a avaliação.

Diante dos resultados, verificou-se que a avaliação realizada de forma presencial apresentou melhores resultados. Isso nos faz refletir sobre a importância de um exame físico presencial, que permite manuseios e percepções do terapeuta que avalia seguindo os procedimentos propostos no instrumento de medida, associado às suas habilidades profissionais desenvolvidas ao longo de sua experiência clínica.

Esta pesquisa apresenta como limitações uma amostra restrita, pois, devido à variabilidade de quadros clínicos e comprometimentos possíveis na clínica dos casos de PC, poderia ser mais ampla para contemplar maior diversidade. A ausência de homogeneidade da distribuição de participantes nos cinco diferentes níveis motores não possibilitou a análise da influência da gravidade motora na confiabilidade interexaminador.

Não houve manutenção do segundo avaliador entre a etapa 1 e 2, o que pode ter gerado outra variável (a habilidade procedimental do avaliador) que não foi considerada neste estudo. Recomenda-se que sejam realizados novos estudos para verificar a confiabilidade da versão brasileira da SAROMM por estudantes e profissionais da área de reabilitação (fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais), com diferentes níveis de habilidade procedimental avaliativa.

CONCLUSÃO

A SAROMM pode ser útil como método de avaliação para caracterização da população/sujeito, definição de objetivos terapêuticos e como medida de desfecho em crianças/adolescentes brasileiros com PC.

Apresenta concordância alta ou quase perfeita, mas com diferença de fidedignidade entre os modelos de avaliação, sendo recomendada a avaliação presencial ao invés da observacional por vídeo, ter devido à influência da alteração de tônus e reflexos da população avaliada.

Desta forma, conclui-se que a versão brasileira adaptada da SAROMM (SAROMM-Br) possui excelente confiabilidade intra e interexaminador e demonstra a importância clínica da avaliação presencial do paciente com base no manual do instrumento.

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  • Fonte de financiamento: CNPq
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    Aprovado pelo Comitê de Ética: Parecer nº 14822/2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2022
  • Aceito
    03 Nov 2022
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