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Força de preensão manual prediz moderadamente a recuperação sensório-motora avaliada pela escala Fugl-Meyer

Fuerza de prensión manual predictiva moderada en la recuperación sensoriomotora evaluada por la escala de Fugl-Meyer

RESUMO

O acidente vascular encefálico pode deixar sequelas neurológicas, motoras e sensitivas. Para avaliar e acompanhar o prognóstico do paciente, são usados diversos instrumentos funcionais de medida, como a escala de Fugl-Meyer, que apesar de amplamente utilizada para estimar a recuperação sensório-motora, é uma avaliação longa e que exige treinamento. Diante disso, o objetivo deste estudo é analisar se a força de preensão manual, o timed up and go e a medida de independência funcional podem predizer os resultados da escala Fugl-Meyer, com o intuito de otimizar o tempo de avaliação da recuperação sensório-motora, tanto para o acompanhamento da resposta ao tratamento quanto para pesquisas científicas. Para tanto, avaliou-se a força de preensão manual de 35 hemiparéticos crônicos, e em seguida foram aplicadas à escala Fugl-Meyer, que avalia a recuperação motora, a medida de independência funcional nas atividades motoras e o timed up and go, indicativo de mobilidade funcional. Para análise estatística utilizou-se a regressão linear múltipla (r2). A força de preensão manual mostrou-se preditora da recuperação motora (r2=0,46; p=0,001), enquanto a mobilidade (r2=0,255; p=0,007) e a independência funcional (r2=0,054; p=0,2) não foram capazes de predizer os resultados da escala Fugl-Meyer. Após análise, pôde-se inferir que a força de preensão manual é preditora moderada da recuperação motora pós-acidente vascular encefálico, enquanto mobilidade e a independência funcional, não.

Descritores
Acidente Vascular Cerebral; Hemiplegia; Força Muscular, Dinamômetro de Força Muscular

RESUMEN

El accidente cerebrovascular puede ocasionar secuelas neurológicas, motores y sensoriales. Para evaluar y monitorear el pronóstico del paciente, se utilizan diversos instrumentos funcionales, como la escala de Fugl-Meyer, que aunque es ampliamente utilizada para estimar la recuperación sensoriomotor, presenta una evaluación larga y que requiere entrenamiento. Teniendo en cuenta lo anterior, este estudio pretende analizar si la fuerza de prensión manual, el timed up and go y la medición de independencia funcional pueden predecir los resultados de la escala de Fugl-Meyer para que se mejore el tiempo de evaluación de la recuperación sensorial y motora, tanto para monitorear la respuesta al tratamiento como para estudios científicos. Por tanto, se evaluó la fuerza de prensión manual de 35 hemiparéticos crónicos, y luego se aplicaron a la escala de Fugl-Meyer, que evalúa la recuperación motora, las medidas de la independencia funcional en las actividades motoras y el timed up and go, indicativo de movilidad funcional. Para el análisis estadístico se utilizó la regresión lineal múltiple (r2). La fuerza de prensión manual ha demostrado ser predictiva de la recuperación motora (r2=0,46; p=0,001), mientras que la movilidad (r2=0,255; p=0,007) y la independencia funcional (r2=0,054; p=0,2) no fueron capaces de predecir los resultados de la escala de Fugl-Meyer. Del análisis se puede inferir que la fuerza de prensión manual es una predictora moderada en la recuperación motora posaccidente cerebrovascular, mientras que no lo son la movilidad y la independencia funcional.

Palabras clave
Accidente Cerebrovascular; Hemiplejía; Fuerza Muscular, Dinamómetro de Fuerza Muscular

ABSTRACT

Cerebrovascular accidents can leave neurological, motor and sensory sequelae. To assess and monitor the patient’s prognosis, several functional measuring instruments are used, such as the Fugl-Meyer scale, which, although widely used to estimate the sensorimotor recovery, is a long evaluation that requires training. Therefore, the objective of this study is to analyze if the handgrip strength (HGS), the Timed up and Go test (TUG) and the Functional Independence Measure (FIM) can predict the results of the Fugl-Meyer scale, in order to optimize time during sensorimotor recovery assessment, both to monitor treatment responses and for scientific research. Thus, the HGS of 35 chronic hemiparetic patients was evaluated and then applied to Fugl-Meyer Scale, which evaluates motor recovery, the FIM, which evaluates motor activities and the TUG, which is an indicative of functional mobility. Statistical analysis was performed using multiple regression (r2). The HGS was predictive of motor recovery (r2=0.46; p=0.001), while mobility (r2=0.255; p=0.007) and functional independence (r2=0.054; p=0.2) were not capable of predicting the results of the Fugl-Meyer scale. After analysis, it was concluded that HGS is a moderate predictor of motor recovery after cerebrovascular accident, while mobility and functional independence are not.

Keywords:
|Stroke; Hemiplegia; Muscle Strength; Muscle Strength Dynamometer

INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) possui um índice de mortalidade anual de aproximadamente 5,5 milhões de pessoas em todo o mundo11. Mukherjee D, Patil CG. Epidemiology and the global burden of stroke. World Neurosurgery. 2011;76(65):585-590. doi: 10.1016/j.wneu.2011.07.023
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. No Brasil, constitui a quarta causa de morte22. GBD 2016 Brazil Collaborators. Burden of disease in Brazil, 1990-2016: a systematic subnational analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2018;392(10149):760-775. doi: 10.1016/S0140-6736(18)31221-2
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, sendo considerado a terceira causa líder de incapacidade no mundo33. Murray CJL, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990-2010: a systematic analysis for the global Burden of disease study 2010. Lancet. 2012;380:2197-23. doi: 10.1016/S0140-6736(12)61689-4
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, gerando grande impacto econômico e social. Provocado pela oclusão ou rompimento de um vaso sanguíneo local, o AVE refere-se a alterações neurológicas que resultam em lesões encefálicas. Cerca de 90% dos indivíduos acometidos lidam com sequelas44. Fernandes MB, Cabral DL, Souza RJP, Sekitani HY, Salmel LFT, Laurentino GEC. Independência funcional de indivíduos hemiparéticos crônicos e sua relação com a fisioterapia. Fisioter Mov. 2012;25(2):333-41. doi:10.1590/S0103-51502012000200011
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, caracterizadas por déficit psicológico, cognitivo e sensório-motor, tais como: hemianopsia e diplopia, afasia, e principalmente, comprometimento motor unilateral, afetando a independência funcional e, consequentemente, as atividades da vida diária55. Franceschini M, La Porta F, Agosti M, Massucci M. Is health-related quality of life of stroke patients influenced by neurological impairments at one year after stroke? Eur J Phys Rehabil Med. 2010;446:389-99..

Diversos instrumentos de medida funcional e de recuperação motora foram desenvolvidos ao longo do tempo para avaliar e acompanhar o prognóstico pós-AVE. Dentre estes, destaca-se a escala de Fugl-Meyer (EFM), que prediz a recuperação sensório-motora em pacientes acometidos por AVE baseando-se nos estágios de Brunnstrom66. Fugl-Meyer AR, Jaasko L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke hemiplegic patient: 1. A method for evaluation of physical performance. Scand J Rehab Med. 1975;7:13-31.. Apesar de amplamente utilizado em pesquisas clínicas77. Sullivan KJ, Tilson JK, Cen SY, Rose DK, Hershberg J, Correa A, et al. Fugl-Meyer assessment of sensorimotor function after stroke: standardized training procedure for clinical practice and clinical trials. Stroke. 2011;42(2):427-32.), (88. Singer B, Garcia-Vega J. The Fugl-Meyer Upper Extremity Scale. J Physiother. 2017;63(1):53. doi: 10.1016/j.jphys.2016.08.010
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, trata-se de um teste de aplicação muito longa, que demora em média de 30 a 45 minutos para ser finalizado, sobrepondo uma carga excessiva tanto no paciente quanto no avaliador, que deve ser bem preparado99. Hou WH, Shih CL, Chou YT, Sheu CF, Lin JH, Wu HC, et al. Development of a computerized adaptive testing system of the Fugl-Meyer motor scale in stroke patients. Arch Phys Med Rehabil. 2012;93:1014-20. doi: 10.1016/j.apmr.2011.12.005
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. Assim, torna-se necessário investigar se outras medidas clínicas são capazes de predizer os resultados de recuperação sensório-motora da EFM.

Neste contexto, pode-se utilizar a avaliação da força de preensão manual (FPM), que é mais utilizada para mensurar o grau de morbidade em membros superiores e pode indicar a força muscular global, sendo uma forma de intervenção para função motora e mobilidade funcional1010. Silva SM, Corrêa JCF, Braga CS, Silva PFC, Corrêa FI. Relação entre a força de preensão manual e capacidade funcional após acidente vascular cerebral. Rev Neurocienc. 2014;23(1):74-80. doi: 10.4181/RNC.2015.23.01.986.7p
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. Destacam-se ainda os testes timed up and go (TUG) e a medida de independência funcional (MIF), que avaliam, respectivamente, a mobilidade funcional e o equilíbrio por meio da marcha1010. Silva SM, Corrêa JCF, Braga CS, Silva PFC, Corrêa FI. Relação entre a força de preensão manual e capacidade funcional após acidente vascular cerebral. Rev Neurocienc. 2014;23(1):74-80. doi: 10.4181/RNC.2015.23.01.986.7p
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e o desempenho das atividades de vida diária e a independência funcional na reabilitação pós-AVE. Ambos os instrumentos são de grande importância por sua fácil aplicabilidade e manejo, favorecendo uma rápida avaliação1010. Silva SM, Corrêa JCF, Braga CS, Silva PFC, Corrêa FI. Relação entre a força de preensão manual e capacidade funcional após acidente vascular cerebral. Rev Neurocienc. 2014;23(1):74-80. doi: 10.4181/RNC.2015.23.01.986.7p
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.

Neste estudo, buscou-se analisar se a FPM, o TUG e a MIF podem predizer os resultados da EFM, com o intuito de otimizar a avaliação da recuperação sensório-motora, tanto para acompanhar as respostas ao tratamento quanto para desenvolver pesquisas científicas.

METODOLOGIA

Participantes

Este é um estudo observacional, de corte transversal, que recrutou indivíduos com hemiparesia crônica decorrente de AVE atendidos pelo serviço de Fisioterapia Ambulatorial da Universidade Nove de Julho. Foram estabelecidos como critérios de inclusão: ter diagnóstico clínico de AVE primário ou recorrente há mais de seis meses, apresentar fraqueza e/ou espasticidade no dimídio afetado e ter capacidade de deambular, ainda que com auxílio de dispositivo, exceto andador. Foram excluídos do estudo indivíduos que tivessem outra condição clínica associada à hemiparesia decorrente do AVE, que tivessem afasia motora ou de compreensão e que apresentassem comprometimento cognitivo rastreado por meio do mini exame do estado mental, sendo os pontos de corte considerados conforme descrito por Bertolucci1111. Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52:1-7. doi: 10.1590/S0004-282X1994000100001.
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.

Cálculo amostral

Para determinar o número de indivíduos da amostra, foi realizado um cálculo a partir dos resultados de correlação entre a FPM e o escore do total da EFM, obtidos no estudo-piloto com os 10 primeiros indivíduos avaliados, considerando α=0,05 e β=0,2 (poder de 80%) e assumindo r=0,70, resultante do estudo-piloto. Para esse cálculo foi utilizada a seguinte fórmula:

n = 4 + { ( 1 , 96 + 0 , 84 ) / [ 0 , 5 × ln ( 1 + r ) / ( 1 r ) ] } 2

Na equação, 1,96 corresponde ao Z de α/2 (α=0,05) e 0,84 corresponde ao Z do erro β (β = 0,2), ln = logaritmo natural e r = correlação baseada no r entre os escores do estudo-piloto. Assim, foi obtido o valor de n=15 sujeitos, e acrescentando-se 30% de possíveis perdas durante o estudo obteve-se o n final de no mínimo 19 indivíduos.

Aspectos éticos

Este estudo obedeceu aos princípios da Declaração de Helsinque e às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, formulados pelo Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde estabelecida em outubro de 1996, no Brasil. Todos participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e foram informados da possibilidade de se retirarem da pesquisa em qualquer fase, sem penalização. Este estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Nove de Julho (CoEP-UNINOVE), São Paulo, Brasil (protocolo nº 362.861/10).

Instrumentos de avaliação

Escala de Fugl-Meyer

Para mensurar a recuperação sensório-motora foi utilizada a versão brasileira da EFM1212. Michaelsen SM, Rocha A, Knabben RJ, Rodrigues LP, Fernandes CGC. Tradução, adaptação e confiabilidade interexaminadores do manual de administração da escala de Fugl-Meyer. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):80-8. doi: 10.1590/S1413-35552011000100013
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, que se baseia no exame neurológico e na atividade sensório-motora dos membros superiores e inferiores, utilizando um sistema de pontuação numérica acumulativa que avalia seis aspectos: amplitude de movimento, dor, sensibilidade, função motora da extremidade superior e inferior, equilíbrio e coordenação e velocidade, totalizando 226 pontos. Uma escala ordinal de três pontos é aplicada em cada item: 0 - não pode ser realizado, 1 - realizado parcialmente e 2 - realizado completamente. Esta escala tem um total de 100 pontos para a função motora normal, em que a pontuação máxima para o membro superior (MS) é 66 e para o membro inferior (MI) 34 pontos66. Fugl-Meyer AR, Jaasko L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke hemiplegic patient: 1. A method for evaluation of physical performance. Scand J Rehab Med. 1975;7:13-31.), (1212. Michaelsen SM, Rocha A, Knabben RJ, Rodrigues LP, Fernandes CGC. Tradução, adaptação e confiabilidade interexaminadores do manual de administração da escala de Fugl-Meyer. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):80-8. doi: 10.1590/S1413-35552011000100013
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. A avaliação motora inclui mensuração do movimento, coordenação e atividade reflexa de ombro, cotovelo, punho, mão, quadril, joelho e tornozelo. Fugl-Meyer et al. (66. Fugl-Meyer AR, Jaasko L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke hemiplegic patient: 1. A method for evaluation of physical performance. Scand J Rehab Med. 1975;7:13-31. determinaram uma pontuação de acordo com o nível de comprometimento motor, em que menos que 50 pontos indicam um comprometimento motor severo; 50-84 marcante; 85-95 moderado; e 96-99 leve66. Fugl-Meyer AR, Jaasko L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke hemiplegic patient: 1. A method for evaluation of physical performance. Scand J Rehab Med. 1975;7:13-31.), (1212. Michaelsen SM, Rocha A, Knabben RJ, Rodrigues LP, Fernandes CGC. Tradução, adaptação e confiabilidade interexaminadores do manual de administração da escala de Fugl-Meyer. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):80-8. doi: 10.1590/S1413-35552011000100013
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Força de preensão manual

A FPM foi mensurada em ambos os membros superiores (MMSS), por meio do dinamômetro Jamar® (Enterprises Inc., Irvington, New York, USA), com a empunhadura do aparelho no segundo espaço. Para realização do teste, o participante manteve-se sentado em uma cadeira sem apoio de braço, com o ombro em adução, rotação neutra, cotovelo fletido a 90º, antebraço em posição neutra e punho em ligeira extensão (entre 0 a 30º) (1313. Barbosa MA, Camassuti SA, Tamanini G, Marcolino MA, Barbosa IR, Fonseca RCM. Confiabilidade e validade de um dispositivo de célula de carga para avaliação da força de preensão palmar. Fisioter Pesqui. 2015;22(4):378-85. doi: 10.590/1809-2950/14143922042015
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. Foram registradas três medidas de cada lado para cálculo da média aritmética, respeitando-se um período de 20 segundos de repouso entre duas medidas do mesmo lado1313. Barbosa MA, Camassuti SA, Tamanini G, Marcolino MA, Barbosa IR, Fonseca RCM. Confiabilidade e validade de um dispositivo de célula de carga para avaliação da força de preensão palmar. Fisioter Pesqui. 2015;22(4):378-85. doi: 10.590/1809-2950/14143922042015
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Medida de independência funcional

Para análise da independência funcional foi utilizada a MIF, uma escala de mensuração quantitativa de incapacidade em indivíduos com restrições funcionais. A avaliação é feita por meio de autorrelato em que o indivíduo expõe seu grau de dependência em relação a terceiros na realização de tarefas de vida diária. São avaliados um conjunto de 18 tarefas referentes às subescalas de autocuidados, controle esfincteriano, transferência, locomoção, comunicação e cognição social. Cada atividade recebe uma pontuação que varia de 1 (dependência total) a 7 (independência completa); a pontuação total varia de 18 a 126 pontos. Neste estudo foi utilizado o escore da MIF motora, que varia de 13 a 91 pontos. Quanto maior a pontuação, maior a independência funcional1414. Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Potiguara P, Pinto N, et al. Validação da versão brasileira da medida de independência funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-76. doi:10.5935/0104-7795.20040003
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. A MIF é um instrumento clinicamente válido, com propriedades psicométricas adequadas1414. Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Potiguara P, Pinto N, et al. Validação da versão brasileira da medida de independência funcional. Acta Fisiatr. 2004;11(2):72-76. doi:10.5935/0104-7795.20040003
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Timed up and go

O TUG, utilizado como indicativo de mobilidade funcional, apresenta adequadas propriedades de medida em indivíduos com história de AVE e abrange importantes atividades do dia a dia, que apresentam grande risco de quedas. O teste consiste em levantar-se de uma cadeira, andar 3 metros, girar 180° e retornar à cadeira. Para aplicar o TUG foi utilizado o protocolo proposto por Podsiadlo et al1515. Podsiadlo D, Richardson S. The timed "up & go": a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39(2):142-8. doi:10.1111/j.1532-5415.1991.tb01616.x
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. Foi medido o tempo médio de três repetições com cronômetro digital. Tempo no TUG igual ou superior a 14 segundos é um indicativo de maior risco de quedas1616. Barry B, Galvin R, Keogh C, Horgan F, Fahey T. Is the timed up and go test a useful predictor of risk of falls in community dwelling older adults: a systematic review and meta- analysis. BMC Geriatrics. 2014;14(1):14. doi:10.1186/1471-2318-14-14
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Procedimentos para coleta de dados

Os voluntários passaram por entrevista individual e avaliação física a fim de assegurar o controle dos critérios de inclusão e exclusão. A avaliação foi realizada por dois examinadores devidamente treinados com uma abordagem teórica e prática dos instrumentos. Durante a entrevista, os voluntários responderam a um questionário sobre variáveis sociodemográficas e clínicas para caracterização da amostra quanto a sexo, idade, tempo após o AVE, tipo de AVE, quantidade de episódios de AVE e hemicorpo acometido. Posteriormente, os indivíduos foram avaliados com os instrumentos citados anteriormente.

Análise estatística

Para caracterizar a amostra utilizou-se estatística descritiva, por meio de média e desvio-padrão para as variáveis quantitativas e frequência para as variáveis categóricas, caracterizando a amostra em relação ao gênero e hemicorpo acometido. As variáveis não paramétricas foram sumarizadas em mediana e intervalo interquartílico.

Para processamento da regressão múltipla, verificou-se inicialmente se as variáveis cumpriam os pressupostos necessários para elaboração de um modelo de regressão válido. Para tanto, foi analisado o coeficiente de correlação entre as variáveis, sendo incluídas no modelo as variáveis com coeficiente de Spearman (r) ≥ a 0,2. A FPM, a mobilidade e independência funcional foram consideradas como variáveis independentes, enquanto a recuperação sensório-motora (resultado da EFM) foi considerada dependente. A correção de Bonferroni para comparações múltiplas não foi realizada por se tratar de uma análise exploratória e para evitar um erro de tipo II1717. Rothman K. No adjustments are needed for multiple comparisons. Epidemiology. 1990;1:43-6..

RESULTADOS

Foram recrutados 56 indivíduos com hemiparesia crônica; destes, 9 foram excluídos por terem afasia, 8 por apresentarem ponto de corte positivo para rastreio de déficit cognitivo e 4 por apresentarem outra doença associada ao AVE. Assim, a amostra final foi composta por 35 indivíduos, avaliados nos ambulatórios de fisioterapia da Universidade Nove de Julho. Suas características clínico-demográficas são elucidadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características clínico-demográficas dos voluntários do estudo

A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva das variáveis de desfecho principal do estudo. Nesta tabela, pode-se observar ainda que houve diferença estatística entre a FPM do hemicorpo parético e não parético.

Tabela 2
Valores de tendência central e dispersão das variáveis analisadas no estudo

No modelamento de predição, analisado por meio da regressão múltipla, pode-se observar que a FPM foi capaz de predizer moderadamente o comprometimento motor tanto do MS quanto do MI acometido, representada pelo escore da EFM. Entretanto, os resultados da MIF e do TUG (mobilidade funcional) não foram capazes de predizer a recuperação sensório-motora (Tabela 3).

Tabela 3
Análise da regressão múltipla entre a recuperação sensório-motora (EFM) e as variáveis independentes: força de preensão manual, independência funcional (MIF) e mobilidade (TUG)

DISCUSSÃO

A escolha do instrumento de medida apropriado é determinante para o sucesso de qualquer estudo que visa avaliar a eficácia de uma proposta de tratamento e, diante da alta prevalência do AVE, é fundamental que os fisioterapeutas tenham conhecimento adequado de instrumentos de avaliação funcional pós-AVE. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar se a FPM, o TUG e a MIF podem predizer os resultados da EFM. Após análise dos resultados, pôde-se observar que a FPM foi preditora moderada de recuperação sensório-motora, enquanto o TUG e a MIF não foram capazes de predizer a recuperação sensório-motora avaliada pela EFM.

Os desfechos clínicos analisados na EFM são baseados no exame neurológico e na atividade sensório-motora de membros superiores e inferiores, buscando identificar a atividade seletiva e os padrões sinérgicos de pacientes que sofreram AVE. A EFM parte do pressuposto de que, em um paciente com hemiparesia, a volta dos reflexos precede a ação motora voluntária, seguida por completa dependência de sinergias, e o movimento ativo será progressivamente menos dependente de reflexos e reações primitivas e, finalmente, a completa função motora voluntária com reflexos motores normais poderá ser alcançada6. Assim, a FPM e a força muscular global exercem influência importante na função sensório-motora. Neste estudo, a FPM mostrou-se preditora moderada da recuperação sensório-motora, avaliada por meio do escore total da EFM (r 2 =0,46; p=0,001), o que significa que a FPM explica em 46% a recuperação sensório-motora após o AVE, demonstrando que quanto maior a FPM, maior será a recuperação sensório-motora após AVE.

A EFM tem sido empregada tanto para descrever a recuperação sensório-motora dos pacientes que sofreram AVE1818. Duncan PW, Propst M, Nelson SG. Reliability of the Fugl-Meyer assessment of sensorimotor recovery following cerebrovascular accident. Phys Ther. 1983;63(10):1606-10.) como para classificá-los quanto à gravidade da sequela1919. Plummer P, Behrman AL, Duncan PW, Spigel P, Saracino D, Martin J, et al. Effects of stroke severity and training duration on locomotor recovery after stroke: a pilot study. Neurorehabil Neural Repair. 2007;21(2):137-51. doi: 10.1177/1545968306295559
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. Trata-se de um instrumento amplamente utilizado para avaliar o efeito de diferentes modalidades de tratamento, entretanto é necessário um avaliador treinado para aplicá-lo, e a avaliação é longa, levando de 30 a 45 minutos2020. Salter K, Jutai JW, Teasell R, Foley NC, Bitensky J. Issues for selection of outcome measures in stroke rehabilitation: ICF Body Functions. Disabil Rehabil. 2005;27(4):191-207. doi: 10.1080/09638280400008537
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.Dessa forma, identificar que a FPM, que é uma medida de avaliação confiável2121. Mercier C, Bourbonnais D. Relative shoulder flexor and handgrip strength is related to upper limb function after stroke. Clin Rehabil. 2004;18:215-21. doi: 10.1191/0269215504cr724oa
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e de fácil aplicabilidade clínica, é capaz de indicar a recuperação sensório-motora, pode auxiliar o diagnóstico funcional e acelerar a resposta ao tratamento, poupando tempo do profissional.

A mobilidade funcional, avaliada por meio do TUG, é utilizada para estimar o nível funcional do indivíduo e o risco de quedas1515. Podsiadlo D, Richardson S. The timed "up & go": a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39(2):142-8. doi:10.1111/j.1532-5415.1991.tb01616.x
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. O teste envolve quatro atividades básicas: levantar, andar, girar 180 graus e sentar. Essas atividades dependem não só da recuperação da força muscular, mas também de outras condições, como tonicidade muscular, mobilidade articular e equilíbrio. Provavelmente por esse motivo somente o TUG não foi capaz de predizer a recuperação sensório-motora avaliada pela EFM.

A independência funcional não foi preditora da recuperação sensório-motora. Deve-se levar em consideração que a MIF não analisa aspectos qualitativos das tarefas, desconsiderando estratégias compensatórias normalmente utilizadas por indivíduos na fase crônica pós-AVE. A partir deste período, o indivíduo aprende a lidar com suas limitações, ainda que sem recuperar totalmente a força muscular ou a sensibilidade, ganhando independência por utilizar o membro não parético ou tecnologia assistiva ou por desenvolver as tarefas com compensações.

É importante destacar a limitação deste estudo, que se refere à composição da amostra estudada, formada por indivíduos com hemiparesia em fase crônica, o que pode ter influenciado os resultados em relação à não associação da MIF e do TUG com a recuperação sensório-motora. Apesar de tal limitação, os resultados obtidos são de extrema relevância para a área da fisioterapia e da neurologia, pois contribuem com estratégias efetivas para avaliar a recuperação sensório-motora e para otimizar o tempo do profissional.

Em síntese, considerando os principais resultados do presente estudo, observou-se que a FPM é preditora moderada da recuperação sensório-motora pós-AVE, enquanto a mobilidade e a independência funcional não predizem a recuperação sensório-motora.

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  • Universidade Nove de Julho (Uninove) - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nada a declarar
  • Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Nove de Julho sob o parecer nº 362.861/10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018
  • Data do Fascículo
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2017
  • Aceito
    20 Set 2018
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