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Fisioterapia em Oncologia e seu impacto na redução da mortalidade: o exemplo do câncer de mama

O câncer se configura como um dos grandes problemas de saúde pública em todo o mundo, devido ao aumento de sua incidência e à morbimortalidade associada a seu diagnóstico, tratamento e evolução. No Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca)11. Santos MO, Lima FCS, Martins LFL, Oliveira JFP, Almeida LM, et al. Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil, 2023-2025. Rev Bras Cancerol. 2023;69(1):e-213700. doi: 10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3700.
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, estimam-se 704 mil novos casos para cada ano do próximo triênio (2023-2025), sendo o câncer de mama o mais frequente na população feminina, representando 15% dos casos.

Entretanto, principalmente em razão do envelhecimento populacional e da exposição a fatores de risco, a previsão é de que a incidência de câncer aumente substancialmente nos próximos anos. Segundo dados do Observatório Global de Câncer22. International Agency for Research on Cancer. Global Cancer Observatory: estimated number of new cases from 2020 to 2040, both sexes, age [0-85+], all cancers, Brazil [Internet]. Lyon: IARC; c2023 [cited 2023 July 29]. Available from: https://gco.iarc.fr/tomorrow/en/dataviz/isotype?populations=76&single_unit=50000
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, na população brasileira, em ambos os sexos e em qualquer faixa etária, é estimado, para 2040, um aumento de 68% dos casos previstos em relação ao ano de 2020. Considerando o câncer de mama, para 2040 são estimados 130.498 novos casos no Brasil, representando um aumento de 47%.

A mortalidade decorrente do diagnóstico de câncer depende da biologia tumoral, do acesso da população às estratégias de detecção precoce e tratamento, das condições clínicas preexistentes e das complicações advindas do próprio tratamento do câncer. No Brasil, o diagnóstico de câncer ainda é realizado, na maioria das vezes, em estádios avançados da doença, nos quais o tratamento se torna mais agressivo e as chances de cura são menores.

Ao analisar os casos de câncer de mama tratados na rede pública de saúde do Brasil, entre os anos de 2000 e 2009, foi observado que, entre 59.317 mulheres, 53% foram diagnosticadas em estádio avançado da doença (≥IIB)33. Abrahão KS, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Determinants of advanced stage presentation of breast cancer in 87,969 Brazilian women. Maturitas. 2015;82(4):365-70. doi: 10.1016/j.maturitas.2015.07.021.
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. Outro fator que chama a atenção é que, ao diagnóstico de câncer de mama, muitas mulheres já apresentam comorbidades que podem impactar seu prognóstico. Em estudo realizado no Inca, ao se analisarem 953 mulheres no momento do diagnóstico de câncer de mama, 84,1% apresentavam alguma comorbidade, sendo que em 10,8% dos casos o sistema cardiovascular era o afetado e em 48,2% o vascular44. Aguiar SS, Rodrigues GM, Santos LN, Lucena RN, Medina JMR, et al. Qualidade de vida relacionada à saúde e risco de comorbidade cardiovascular ao diagnóstico de câncer de mama. Rev Bras Cancerol. 2019;65(3):e-12713. doi: 10.32635/2176-9745.RBC.2019v65n3.713.
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É interessante observar que tanto o diagnóstico de câncer de mama em fase avançada como a presença de comorbidade nesse momento estão associados a pior qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). Ao avaliar 302 pacientes tratadas no Inca, observamos que 59% foram diagnosticadas em estádio avançado e que estas apresentaram pior qualidade de vida nos domínios de função global, dor e sintomas na mama55. Medina JMR, Trugilho IA, Mendes GNB, Silva JG, Paiva MAS, et al. Advanced clinical stage at diagnosis of breast cancer is associated with poorer health-related quality of life: a cross-sectional study. Eur J Breast Health. 2018;15(1):26-31. doi: 10.5152/ejbh.2018.4297.
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. Em relação às comorbidades, as mulheres com doenças cardiovasculares apresentaram pior QVRS em relação à função física, sexual e satisfação sexual, às perspectivas futuras e às escalas de sintomas (dor, dispneia e sintomas na mama)44. Aguiar SS, Rodrigues GM, Santos LN, Lucena RN, Medina JMR, et al. Qualidade de vida relacionada à saúde e risco de comorbidade cardiovascular ao diagnóstico de câncer de mama. Rev Bras Cancerol. 2019;65(3):e-12713. doi: 10.32635/2176-9745.RBC.2019v65n3.713.
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A QVRS é um importante preditor de mortalidade. Em nossa população, ao acompanhar mulheres com câncer de mama, constatamos que aquelas com melhor qualidade de vida após quatro anos do diagnóstico de câncer de mama tiveram menor risco de morte nos dois anos subsequentes66. Aguiar SS, Bergmann A, Mattos IE. Quality of life as a predictor of overall survival after breast cancer treatment. Qual Life Res. 2014;23(2):627-37. doi: 10.1007/s11136-013-0476-8.
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Portanto, a Fisioterapia pode contribuir para a redução da mortalidade e o aumento da sobrevida ao reduzir as complicações do tratamento, ao favorecer a adesão e a completude da terapêutica proposta contra o tumor e ao melhorar a qualidade de vida em todos os domínios de função e de sintomas. Esses fatores podem beneficiar e otimizar a resposta tumoral e o controle da doença sistêmica e loco-regional.

Entretanto, para atingir esses objetivos da Fisioterapia na redução da mortalidade, é importante garantir o acesso da população à prática a partir do diagnóstico de câncer, durante todas as etapas do tratamento oncológico, no seguimento e nos cuidados paliativos. As condutas a serem empregadas devem considerar o custo-efetividade de cada intervenção e se basear na melhor evidência científica disponível e na nossa melhor experiência clínica, considerando sempre o ambiente, a cultura, as expectativas e as experiências de cada paciente.

Atualmente, o modelo ideal de assistência fisioterapêutica em Oncologia se inicia na fase de pré-habilitação, que é o período compreendido entre o diagnóstico e o início do primeiro tratamento contra o câncer. A proposta dessa fase é realizar intervenções direcionadas para a melhora da saúde do paciente, visando a redução da incidência e da gravidade das deficiências presentes e das eventuais complicações relacionadas ao diagnóstico e tratamento do câncer.

A fase de habilitação fisioterapêutica ocorre durante todo o tratamento oncológico, seja no pré e pós-operatório, seja na vigência da quimioterapia, da radioterapia, da hormonioterapia ou da imunoterapia. Nesse período, as intervenções fisioterapêuticas buscam realizar a prevenção, a detecção precoce e o tratamento oportuno dos possíveis efeitos adversos agudos e crônicos das terapias anticâncer.

A reabilitação fisioterapêutica pode ser necessária em qualquer fase após o diagnóstico do câncer, a partir da instalação de uma sequela crônica. O objetivo nessa fase é melhorar as condições de saúde do paciente, reduzir os sintomas e melhorar sua funcionalidade. Portanto, a reabilitação não deve ser o principal foco da Fisioterapia, pois reabilitar significa que as etapas anteriores de prevenção e tratamento precoce não foram efetivas.

Os cuidados paliativos oncológicos devem ser instituídos com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento dos pacientes e de seus familiares ao identificar e tratar precocemente os sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais, promovendo, assim, melhor qualidade de vida a essa população.

Ainda temos um longo caminho a percorrer para incorporar, de fato, o modelo ideal de assistência fisioterapêutica e avaliar o impacto dessa assistência na redução da mortalidade dos pacientes oncológicos.

A Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia (ABFO) foi fundada em 2008, e em 2009 a Oncologia foi reconhecida como especialidade fisioterapêutica pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito). Ao longo desses quase 15 anos de especialidade, vários avanços foram obtidos, mas os desafios ainda são enormes. Precisamos de estratégias que envolvam a inclusão do ensino em Fisioterapia em Oncologia na graduação e na pós-graduação lato e stricto sensu. Recursos são necessários para a implementação de protocolos de pesquisa que visem avaliar a segurança, a eficácia, a efetividade e a eficiência dos recursos fisioterapêuticos, para que possamos garantir uma assistência de qualidade a nossa população. A inserção do fisioterapeuta com experiência em Oncologia se faz premente em todos os níveis de complexidade e em todos os ambientes de prática fisioterapêutica.

Embora o caminho seja longo e muitas vezes difícil, já avançamos muito. Com o conhecimento científico atualmente disponível, é possível propor a inserção do fisioterapeuta em todas as fases já a partir do diagnóstico do câncer, a fim de melhorar o prognóstico dos pacientes oncológicos.

REFERENCES

  • 1
    Santos MO, Lima FCS, Martins LFL, Oliveira JFP, Almeida LM, et al. Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil, 2023-2025. Rev Bras Cancerol. 2023;69(1):e-213700. doi: 10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3700.
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  • 3
    Abrahão KS, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Determinants of advanced stage presentation of breast cancer in 87,969 Brazilian women. Maturitas. 2015;82(4):365-70. doi: 10.1016/j.maturitas.2015.07.021.
    » https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2015.07.021
  • 4
    Aguiar SS, Rodrigues GM, Santos LN, Lucena RN, Medina JMR, et al. Qualidade de vida relacionada à saúde e risco de comorbidade cardiovascular ao diagnóstico de câncer de mama. Rev Bras Cancerol. 2019;65(3):e-12713. doi: 10.32635/2176-9745.RBC.2019v65n3.713.
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  • 5
    Medina JMR, Trugilho IA, Mendes GNB, Silva JG, Paiva MAS, et al. Advanced clinical stage at diagnosis of breast cancer is associated with poorer health-related quality of life: a cross-sectional study. Eur J Breast Health. 2018;15(1):26-31. doi: 10.5152/ejbh.2018.4297.
    » https://doi.org/10.5152/ejbh.2018.4297
  • 6
    Aguiar SS, Bergmann A, Mattos IE. Quality of life as a predictor of overall survival after breast cancer treatment. Qual Life Res. 2014;23(2):627-37. doi: 10.1007/s11136-013-0476-8.
    » https://doi.org/10.1007/s11136-013-0476-8

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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