Open-access Perspectiva de alunos, professores e preceptores dos cursos de graduação e pós-graduação em fisioterapia sobre ensino remoto emergencial em período de distanciamento social: um estudo transversal- survey eletrônico

RESUMO

Durante o período de ensino remoto emergencial (ERE), tornou-se crucial compreender as percepções dos envolvidos no cenário pedagógico nacional. Este estudo visou descrever as perspectivas de alunos, professores e preceptores de fisioterapia sobre o ERE durante o distanciamento social devido à covid-19. A pesquisa foi divulgada por meio de mídias digitais e registrou 995 acessos aos formulários, resultando em 709 respostas válidas. A amostra incluiu 59 professores e preceptores e 650 alunos de graduação e pós-graduação. A maioria dos participantes era do sexo feminino (80,2%), com idades entre 20 e 34 anos para os alunos e entre 20 e 49 anos para os professores e preceptores, predominantemente vinculados a Instituições de Educação Superior (IES) privadas (92%) e da região Sudeste do país (82,9%). A confiança no uso de plataformas digitais variou entre os grupos, com 81,4% dos professores e preceptores relatando alta confiança, enquanto para os alunos 58,3%. Os resultados destacaram o impacto financeiro (86,6%), as dificuldades de acesso às aulas (76,6%) e a preferência pelo uso contínuo de plataformas digitais (79,5%). A participação e interação durante as aulas foram afetadas (83,2%), assim como o desempenho acadêmico e profissional (79,4%), especialmente entre os professores e preceptores (79,5%). A correlação entre a confiança no uso de plataformas digitais e o desempenho acadêmico/profissional foi significativa para professores e preceptores (r=0,323) e insignificante para alunos e grupo total. A confiança na utilização de tecnologias se mostrou fundamental para o sucesso do ERE. Apesar dos impactos negativos observados nas variáveis analisadas, a preferência pelo ensino remoto foi alta.

Descritores
Educação a Distância; Pesquisas e Questionários; Pandemia; Fisioterapia

ABSTRACT

During the period of emergency remote teaching (ERT), it became crucial to understand the perceptions of those involved in the national pedagogical scenario. This study aimed to describe the perspectives of students, professors, and physical therapy preceptors on ERT during social distancing due to COVID-19. The survey was distributed through social media and registered 995 visitors, resulting in 709 valid responses. The sample included 59 professors and preceptors as well as 650 undergraduate and graduate students. Most participants were female (80.2%), students were aged from 20 to 34 years and professors and preceptor from 20 to 49 years; the latter were predominantly linked to private higher education institutions (92%), mostly in the Brazilian Southeast (82.9%). Confidence in digital platforms use varied between groups: 81.4% of professors and preceptors reported high levels of confidence, while only 58.3% of students reported the same. The results highlighted the financial impact (86.6%), the difficulties in accessing classes (76.6%) and the preference for the continued use of digital platforms (79.5%). Engagement and interaction during classes were affected (83.2%), as well as academic and professional performance (79.4%), especially among professors and preceptors (79.5%). The correlation between confidence in digital platforms use and academic/professional performance was significant for teachers and preceptors (r=0.323) and not significant for students and the overall sample. Confidence in technology use proved to be vital to the success of ERT. Despite the negative effects observed in the variables analyzed, the preference for remote learning was high.

Keywords
Education; Distance; Surveys and Questionnaires; Pandemic; Physical therapy

RESUMEN

Durante el periodo de enseñanza remota de emergencia (ERE), se volvió crucial comprender las percepciones de las personas involucradas en el escenario pedagógico nacional. Este estudio tuvo el objetivo de describir las perspectivas de estudiantes, profesores y preceptores de fisioterapia sobre la ERE durante el alejamiento social debido a la COVID-19. Se difundió la investigación a través de medios de comunicación digitales y registró 995 accesos a los formularios, resultando en 709 respuestas válidas. La muestra estuvo compuesta por 59 profesores y preceptores y 650 estudiantes de curso de grado y posgrado. La mayoría de los participantes era del sexo femenino (el 80.2%), con edad entre 20 y 34 años para estudiantes y entre 20 y 49 años para profesores y preceptores, predominantemente vinculados a Instituciones de Educación Superior (IES) privadas (el 92%) y de la región Sudeste del país (el 82.9%). La confianza en el uso de plataformas digitales osciló entre los grupos, con el 81.4% de los profesores y preceptores relatando una alta confianza, mientras que para los estudiantes, el 58.3%. Los resultados resaltaron el impacto financiero (el 86.6%), las dificultades de acceso a las clases (el 76.6%) y la preferencia por el uso continuo de plataformas digitales (el 79.5%). La participación y la interacción durante las clases se vieron afectadas (el 83.2%), así como el rendimiento académico y profesional (el 79.4%), principalmente entre los profesores y preceptores (el 79.5%). La correlación entre confianza en el uso de plataformas digitales y rendimiento académico/profesional fue significativa para profesores y preceptores (r=0.323) e insignificante para estudiantes y el grupo total. La confianza en el uso de tecnologías resultó ser fundamental para el éxito de la ERE. A pesar de los impactos negativos observados en las variables analizadas, la preferencia por la enseñanza remota fue alta.

Palabras-clave
Educación a Distancia; Encuestas y Cuestionarios; Pandemias; Fisioterapia

INTRODUÇÃO

Em 2020, a utilização das ferramentas digitais para o ensino teve um crescimento exponencial devido às adaptações que se fizeram necessárias após as restrições de aulas presenciais em todo o mundo por conta do novo coronavírus (covid-19) causado pelo vírus SARS-CoV-21. A estimativa é que 70% da população estudantil do mundo tenha sido afetada diante dessa situação catastrófica em 20202. No Brasil, a estratégia para esse enfrentamento foi o ensino remoto emergencial (ERE)3, e as adaptações e ajustes necessários foram sendo feitos ao longo do período letivo4. Para os cursos da área da saúde, foram necessárias adaptações para aulas práticas e atendimentos3 , 5. Um exemplo é a fisioterapia, que possui uma carga horária de treinamento prático e contato manual bastante frequentes em suas condutas6, e a mudança do ambiente presencial para o ambiente virtual pode trazer à tona diversas questões e dificuldades, como o comprometimento da saúde mental7, dificuldades para a adaptação dos estudantes para a metodologia de ensino utilizando ferramentas digitais8 , 9, seguidas de questões de limitações tecnológicas, baixo engajamento dos alunos durante as aulas10 e baixa participação nas atividades em grupos propostas pelos professores11, dificuldades de comunicação, tanto com os alunos, quanto com a instituição onde trabalhavam, déficit e até ausência de suporte institucional8.

A vigência do ensino remoto emergencial e manutenção de aulas e avaliações dos alunos por meio de ferramentas digitais durou até dezembro de 2021. Entretanto, por se tratar de um momento único para o cenário pedagógico nacional, compreender e descrever as percepções de alunos, professores e preceptores das áreas da fisioterapia a respeito do ensino remoto emergencial durante o período de distanciamento social devido à covid-19 nos níveis de graduação e pós-graduação no Brasil é importante para propor apontamentos e sugestões de melhorias e adaptações em momentos futuros. Assim, o objetivo geral deste estudo foi descrever as percepções de alunos, professores e preceptores das áreas da fisioterapia a respeito do ensino remoto emergencial durante o período de distanciamento social devido à covid-19 nos níveis de graduação e pós-graduação no Brasil.

Para este estudo, utilizamos cinco hipóteses baseadas na literatura12 - 14 e experiencia acadêmica e profissional dos autores envolvidos no estudo, sendo: 1) para ambos os grupos, o ERE resultaria em maior impacto financeiro, impacto negativo no ensino por dificuldades tecnológicas, na participação e interação dos participantes, menor desempenho acadêmico e profissional durante o ensino remoto emergencial semelhante ao presencial e percepção negativa em relação à manutenção do uso das plataformas digitais e ensino remoto mesmo após período de ERE; 2) o tempo de experiência lecionando ou o semestre cursando interfeririam negativamente na percepção de impacto na participação e interação dos participantes no meio acadêmico durante o ERE; 3) o nível de confiança dos participantes para utilizar plataformas e recursos digitais interferiria positivamente no desempenho acadêmico e profissional durante o ERE e na manutenção do uso das plataformas digitais e ensino remoto mesmo após o período de ERE; 4) a falta de acesso a um treinamento para o uso de ferramentas digitais por uma Instituição de Ensino Superior (IES) no início do ERE influenciaria negativamente na percepção dos participantes em relação ao impacto no ensino por dificuldades tecnológicas durante o ensino remoto emergencial; e 5) trabalhar em somente em uma instituição de ensino influenciaria negativamente na percepção de impacto financeiro durante o ensino remoto emergencial.

METODOLOGIA

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo transversal conduzido através de uma pesquisa eletrônica survey. Este estudo utilizou o Consensus-Based Checklist for Reporting of Survey Studies (CROSS) para direcionar e auxiliar a descrição do trabalho.

População

Alunos de graduação e pós-graduação (lato e stricto sensu) ou professores ou preceptores de graduação e pós-graduação do curso de fisioterapia (lato e stricto sensu).

Local

A disseminação do estudo foi feita por meio de uma estratégia para engajamento de divulgação de vídeo em mídias sociais. Tais estratégias de divulgação foram realizadas simultaneamente, com repetições mensais, entre maio e agosto de 2021. As coletas foram encerradas em dezembro de 2021. Por se tratar de uma pesquisa de divulgação pública, não foi possível limitar o acesso de uma mesma pessoa ao link mais do que uma vez. O controle de duplicidade de participantes foi feito por duplicidade de e-mail preenchido no momento do aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Critério de seleção

Os critérios de inclusão do estudo foram: pessoas com idade mínima de 18 anos, de qualquer gênero, que estivessem cursando fisioterapia como alunos de graduação e pós-graduação (lato e stricto sensu), ou que fossem professores ou preceptores de graduação e pós-graduação do curso de fisioterapia (lato e stricto sensu), de IES públicas ou particulares de todas as regiões do país. Já os critérios de exclusão foram: alunos ou professores e preceptores de outras áreas do conhecimento não relacionadas à fisioterapia e pessoas que não compreendessem o idioma português brasileiro para leitura.

Definição da amostra

Para este estudo, foi estimada uma amostra de no mínimo 84 indivíduos, após realização de cálculo amostral por meio da calculadora G*Power versão 3.1.9.4. Foram considerados poder estatístico de 80% para detectar coeficiente de correlação de 0,30 e um valor de alfa de 5%.

Coleta de dados

Utilizou-se uma pesquisa eletrônica constituída por um formulário para professores e preceptores e outro para alunos de cursos de graduação em fisioterapia e fisioterapeutas alunos de pós-graduação (lato e stricto sensu), distribuídos em todo o Brasil. Para o gerenciamento e disseminação dos dados desta pesquisa, foi utilizado o Research Electronic Data Capture (REDCap)15. O período de coleta de dados se deu entre maio e dezembro de 2021. Os formulários utilizados na pesquisa são compostos por 44 questões cada um, sendo cinco sobre dados sociodemográficos, cinco sobre características acadêmicas dos alunos ou características profissionais dos professores e preceptores e 34 sobre percepções dos alunos e professores e preceptores em relação ao impacto do ensino remoto emergencial. O modelo dos formulários está disponível no Apêndice 1 (versão alunos) e no Apêndice 2 (versão professores e preceptores). Para a mensuração das respostas, utilizamos a escala Likert contendo cinco opções de resposta, sendo elas: 1) discordo totalmente; 2) discordo parcialmente; 3) indiferente; 4) concordo parcialmente e; 5) concordo totalmente.

Para este estudo, as percepções dos participantes em relação ao impacto do ensino remoto emergencial foram organizadas em cinco variáveis dependentes (desfechos finais), as quais estão descritas a seguir, e as questões que as compõem podem ser verificadas no Apêndice 3: impacto financeiro durante o ensino remoto emergencial; impacto no ensino por dificuldades tecnológicas durante o ensino remoto emergencial; manutenção do uso das plataformas digitais e ensino remoto mesmo após período de ensino remoto emergencial; impacto na participação e interação dos participantes no meio acadêmico durante o ensino remoto emergencial; e desempenho acadêmico e profissional durante o ensino remoto emergencial semelhante ao presencial.

Análise estatística

Foram analisadas médias e valores percentuais para a descrição da população e para descrever as percepções dos participantes. As categorias do survey e medidas na escala Likert de um a cinco foram categorizadas em dois opções: “não” (valores de um a três), representando que os participantes não concordam com a afirmação da pergunta e como “sim” para as respostas quatro e cinco, demonstrando que os participantes concordam com a afirmação da pergunta. Apenas após a categorização, foram criadas as cinco variáveis dependentes que podem ser consultadas no Apêndice 3.

Para analisar a primeira hipótese, foram conduzidas análises descritivas, reportadas como número e percentual. Para as demais hipóteses, foram conduzidas análises de correlação de Pearson. A força e direção da correlação foram interpretadas como insignificante positiva ou negativa (r=0.00 to 0.30), baixa correlação positiva ou negativa (r=>0.30 to 0.50), correlação moderada positiva ou negativa (r=> 0.50 to 0.70), alta correlação positiva ou negativa (>0.70 to 0.90) e correlação muito alta positiva ou negativa (>0.90 to 1.0)16. O nível de significância estatística foi definido como p<0,05 e considerado para todas as análises. O software SPSS® (Statistical Package for the Social Science) foi utilizado para todas as análises.

Aspectos éticos

Os participantes foram informados quanto aos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) eletronicamente. Cada participante recebeu uma via do TCLE por e-mail. Dessa forma, a participação de cada participante no estudo foi de livre e espontânea vontade. A segurança e confidencialidade dos dados foi feita por meio da plataforma REDCap15, que não permite compartilhamento e nem visualização dos dados a quem não estiver cadastrado e autorizado na pesquisa. O acesso aos dados somente foi permitido para a pesquisadora responsável deste estudo e para a responsável técnica da REDCap da FCMSCSP, seguindo as recomendações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)17.

RESULTADOS

Um total de 995 acessos aos links dos formulários foram identificados na plataforma REDCap. Um total de 709 formulários foram finalizados, representando 71% de taxa de respostas válidas. A amostra final deste estudo foi composta por 709 participantes, sendo 59 professores e preceptores (graduação e pós-graduação) e 650 alunos (graduação e pós-graduação).

Variáveis descritivas da amostra

A maior prevalência da amostra do estudo foi do sexo feminino (80,2%) com faixa etária entre 20 e 34 anos para o grupo alunos e (86,7%) e entre 20 e 49 anos para o grupo professores e preceptores (83,1%), que têm vínculo, principalmente, com IES particulares (92%). A maioria dos participantes era da região Sudeste do país em ambos os grupos (82,9%). A respeito da utilização de plataformas digitais antes do período de pandemia, a maioria das respostas foi para material complementar/material de suporte (material teórico com slides) (57,4%). A maioria dos participantes dos dois grupos respondeu não ter recebido nenhum treinamento para ferramentas digitais (56%). As estratégias de estágio com atendimento presencial foram predominantes nas respostas, seja com atendimento presencial com alternância de grupos de alunos (42,6%), seja com atendimento presencial com redução de pacientes (38,2%). A percepção de confiança para utilizar as plataformas digitais foi prevalente no grupo professores e preceptores (81,4%), porém, esteve bastante dividida no grupo alunos (sim=58,3% vs não=41,7%). A caracterização da amostra pode visualizada na Tabela 1.

A maior parte da amostra do grupo alunos foi composta por alunos de graduação (87,4%), cursando entre o sétimo e décimo semestre (57,7%), cursando aulas teóricas e estágio (27,2%) ou cursando aulas teóricas, aulas práticas e estágio (25,3%) (Tabela 2). O grupo dos professores e preceptores apresentou maior prevalência para graduação como ambiente de atuação profissional (59,3%), ministrando aulas teóricas, aulas práticas e estágio (37,3%) e trabalhando em apenas uma IES (67,8%). A titulação mais prevalente no grupo professores e preceptores foi mestrado (35,6%), seguido de doutorado (32,6%). O grupo dos professores e preceptores apresentou média de 11 ou mais anos lecionando (40,7%) e em em diversas áreas de atuação, como pode ser verificado na Tabela 3.

Tabela 1.
Características gerais da amostra (n=709)

Todos os dados foram categóricos e apresentados em número e percentual (%).

Tabela 2.
Características acadêmicas dos alunos (n=650)

Todos os dados foram categóricos e apresentados em número e percentual (%).

Tabela 3.
Características profissionais dos professores e preceptores (n=59)

Principais resultados

A respeito das categorias analisadas, nossa primeira hipótese foi confirmada. Identificamos que houve em ambos os grupos uma percepção majoritária a respeito do impacto financeiro durante o ensino remoto emergencial (86,6%), impacto no acesso às aulas por dificuldades tecnológicas (76,6%) e uma preferência pela manutenção do uso das plataformas digitais e ensino remoto mesmo após o período de ensino remoto emergencial (79,5%). Além disso, observamos que a participação e interação durante as aulas foi afetada (83,2%), sendo maior no grupo de alunos (83,5%), bem como o desempenho acadêmico e profissional durante o período do ensino remoto emergencial (79,4%), sendo maior no grupo de professores e preceptores (79,5%) (Tabela 4). Para as demais hipóteses deste trabalho, analisadas por meio de análises de correlação, apenas a terceira foi confirmada e descrita adiante. Os resultados das análises de correlação podem ser visualizados na Tabela 5.

Encontramos valor estatisticamente significante (p<0.05) na análise da hipótese referente ao nível da confiança em relação a lidar com plataformas digitais interferir positivamente no desempenho acadêmico e profissional. Os valores encontrados revelaram uma correlação positiva baixa para o grupo de professores e preceptores (r=0,323), e uma correlação positiva insignificante para o grupo de alunos (r=0,246) e para o grupo total (r=0,258). A análise do nível de confiança para lidar com plataformas digitais estar positivamente relacionada com a preferência dos grupos para a manutenção do ensino remoto mesmo após a pandemia também demonstrou um valor estatisticamente significante para os grupos de alunos e para o grupo total, com coeficientes de correlação positiva e insignificante (r=0,297 e 0,280, respectivamente). Já para o grupo professores e preceptores (−0,164), os valores encontrados não confirmaram a terceira hipótese.

Tabela 4.
Categorias analisadas a respeito da percepção de impacto dos participantes durante o ensino remoto emergencial

Dados categóricos apresentados em número e percentual (%).

Tabela 5.
Análises de correlação entre variáveis descritivas e variáveis dependentes

DISCUSSÃO

Principais resultados e comparações com outros estudos

Na análise descritiva, encontramos a percepção de impacto financeiro, impacto no ensino devido a dificuldades tecnológicas, preferência para manutenção das plataformas digitais e ensino remoto após o período de ERE. Além disso, identificamos impacto negativo na participação e interação no meio acadêmico durante o período de ERE e desempenho acadêmico e profissional durante o ERE semelhante ao presencial para ambos os grupos da pesquisa. Resultados muito semelhantes foram descritos por Chesterton et al.14, que utilizaram um questionário com alunos de fisioterapia e encontraram que a maioria sentia estar em desvantagem no modelo remoto quando comparado ao presencial e não se sentiam igualmente motivados para o estudo, influenciando negativamente no desempenho acadêmico dos alunos.

Já nas análises de correlação, encontramos valor estatisticamente significante (p<0.05) para a variável confiança interferir positivamente na perspectiva do desempenho acadêmico e profissional, demonstrando uma correlação positiva baixa para o grupo de professores e preceptores (r=0,323) e uma correlação positiva insignificante para o grupo de alunos (r=0,246) e para o grupo total (r=0,258). A variável confiança também demonstrou valor estatisticamente significante quando relacionada à preferência de manutenção do uso de plataformas digitais após o período do ERE, com correlação positiva e insignificante para o grupo alunos (r=0,297) e grupo total (r=0,280). O grupo professores e preceptores apresentou valores que não confirmaram a terceira hipótese (r=-0,164). Acreditamos que não foi possível confirmar essa mesma hipótese para o grupo professores e preceptores pelo número reduzidos de acesso e respostas, fatores que interferem no poder da análise estatística. Embora não tenhamos encontrado outros estudos que avaliassem o nível de confiança para lidar com ferramentas e plataformas digitais, encontramos que o nível de satisfação e desempenho dos alunos não apresentou diferença em estudo publicado por Rossetini et al.18 que comparou dois grupos de alunos na mudança das aulas para o ambiente virtual durante a pandemia, onde um recebeu treinamento e apresentação do ambiente virtual e o outro não recebeu nenhum treinamento específico.

Não encontramos valores estatísticos significativos para o tempo de experiência lecionando ou se estar cursando os semestres iniciais teriam uma influência negativa para a participação e interação no meio acadêmico, resultado semelhante ao encontrado por Büker et al.13, que investigou a aceitação e as atitudes dos alunos dos cursos de fisioterapia de todos os anos (n=620) para as adaptações impostas pela situação pandêmica mundial. Os autores encontraram uma boa aceitação para a utilização de plataformas digitais em todos os semestres investigados, principalmente para os semestres iniciais, cujo currículo é composto por mais matérias teóricas e, acreditam os autores, a adaptabilidade foi mais fácil. Entretanto, os autores ressaltam que o senso de comunidade profissional e os níveis de ansiedade podem ser afetados negativamente pela manutenção do ensino remoto de modo permanente13. No estudo de Ng et al.19, os autores descreveram as etapas do processo de transição de um programa de educação para fisioterapeutas para o ambiente virtual durante o período de pandemia e encontraram relatos de boa participação e interação dos alunos, semelhante ao nosso resultado.

O impacto negativo no ensino da falta de treinamento para lidar com plataformas digitais durante o ERE não foi confirmado em nosso estudo, demonstrando não haver correlação positiva para essa hipótese, ou seja, a existência ou não do treinamento por parte de uma IES não demonstrou influência na perspectiva de impacto negativo para o ensino. No estudo realizado por Rajab et al.20, os autores encontraram resultados que demonstram que, para alunos e professores do curso de medicina, embora a presença de treinamento para lidar com a tecnologia seja importante, não houve impacto negativo na perspectiva e confiança para a execução das tarefas dos participantes.

Rossetini et al.21 publicaram um comentário que traz aspectos importantes a serem considerados pelas IES para a proposição dos cursos de fisioterapia após o período de pandemia. Dentre os pontos apresentados pelos autores estão a mudança cultural na formação de professores da fisioterapia, com treinamentos e formação para o ensino remoto, utilizando ferramentas e plataformas digitais como aliadas na formação de profissionais fisioterapeutas. Além disso, os autores defendem que a pandemia apresentou imitações do ensino remoto e educação a distância pela falta de preparo das IES. Os autores trazem, ainda, sugestões encontradas na literatura para a avaliação dos estudantes por meio de ferramentas digitais, reforçando aspectos importantes para a formação técnica dos alunos. E, por fim, reforçam que as IES devem considerar as desigualdades sociais enfrentadas pelos alunos e as barreiras de acesso ao ambiente virtual, a fim de promover que todos os estudantes tenham acesso às mesmas experiências educacionais21.

Relevância deste estudo para a fisioterapia

Apesar da percepção de impacto negativo nos aspectos financeiros, tecnológicos e de interação durante as aulas, nossa amostra demonstrou preferência pela manutenção do uso de plataformas e ferramentas digitais após o período de ensino remoto emergencial. Esse ponto demonstra uma oportunidade para a construção de novos caminhos de ensino e aprendizagem na formação de profissionais fisioterapeutas. Porém, também pode representar que os participantes desta pesquisa ressignificaram suas experiências, buscando identificar potencial positivo numa situação atípica e inusitada e, apesar dos pontos negativos, enxergaram um futuro promissor na utilização de plataformas digitais.

A investigação feita neste trabalho traz pontos que podem ser discutidos para beneficiar a formação de profissionais fisioterapeutas não só durante o ensino remoto emergencial, como também após esse período. As ferramentas digitais possibilitam o protagonismo do aluno e, se as ferramentas utilizadas forem bem exploradas, esse protagonismo pode refletir nos aspectos profissionais dos alunos, reforçando o senso de pertencimento e comunidade que são tão importantes na formação de profissionais da saúde. E, como este estudo também demonstrou, a percepção de confiança para lidar com plataformas digitais é benéfica para influenciar positivamente os resultados de alunos, professores e preceptores dos cursos de fisioterapia. Sendo assim, a implementação de treinamentos adequados e periódicos por parte das IES pode potencializar tais benefícios descritos neste estudo.

Pontos fortes e fracos do estudo

A pesquisa apresenta uma amostra robusta, embora tenha havido uma participação menor do que a esperada por parte dos professores e preceptores. As análises realizadas forneceram insights detalhados sobre as percepções dos participantes em relação ao ensino remoto e às plataformas digitais, contribuindo significativamente para a compreensão dos desafios e oportunidades do ERE na formação de fisioterapeutas.

Entretanto, é importante destacar que a redução no número de participantes do grupo de professores e preceptores afetou o poder estatístico das análises. Além disso, as respostas dos participantes podem ter sido influenciadas por restrições locais e pelo processo de vacinação contra a covid-19. Adicionalmente, a natureza autorrelatada dos dados e a falta de controle sobre variáveis externas podem ter introduzido vieses nos resultados. O tempo de coleta da pesquisa foi longo e, devido a diferentes fases de restrições ou liberação das atividades presenciais em cada cidade ou estado, a percepção dos participantes pode ter sofrido influência para a resposta dos formulários. O acesso ou a falta de acesso à vacina para a covid-19 também pode ter interferido nas respostas dos participantes aos questionários, principalmente para as questões referentes às atividades presenciais. Pessoas que se enquadrassem nos grupos de risco ou convivessem com pessoas do grupo de risco podem ter tido influência nas respostas dos formulários, principalmente nas questões referentes às atividades presenciais.

CONCLUSÃO

Concluímos que este estudo abordou questões cruciais relacionadas ao ERE durante a pandemia de covid-19. Identificamos percepções significativas sobre o impacto financeiro, desafios tecnológicos e uma redução na participação e interação no ambiente acadêmico durante o período de ERE. De forma interessante, o desempenho acadêmico e profissional durante a ERE mostrou-se comparável ao da educação presencial para ambos os grupos pesquisados. Além disso, observamos uma correlação positiva, embora não significativa, entre o nível de confiança no uso de plataformas digitais e o desempenho acadêmico/profissional, tanto para alunos quanto para educadores. Também foi evidente uma correlação positiva entre a confiança no uso de plataformas digitais e a preferência pela manutenção dessas plataformas e do ensino remoto, especialmente entre os alunos e o grupo total.

Recomendamos, para estudos futuros, a ampliação do escopo para incluir a coleta de dados sobre sintomas psicossomáticos, com uma amostra maior focada em educadores e preceptores. Além disso, a realização de estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados, com controle de viés e aderência às diretrizes de escrita científica, proporcionaria insights valiosos e aumentaria a robustez dos resultados. Tais abordagens contribuiriam significativamente para o avanço do conhecimento nessa área.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos professores Vera Lucia Alves, Leandro Fukusawa e Ana Carolina Manzoni pelo suporte para a realização deste trabalho.

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  • Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) – São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento:
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
  • Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local sob CAAE nº 40808420.3.0000.5479.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2022
  • Aceito
    21 Abr 2024
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