RESUMO
A circunferência do pescoço (CP) é um indicador do estado nutricional e uma medida indireta da gordura subcutânea da parte superior do corpo, e identificada como um preditor independente de doenças cardiometabólicas. O objetivo deste estudo foi analisar a acurácia da CP como medida de avaliação do excesso de peso corporal em crianças de dois a nove anos de idade, segundo o sexo. Participaram 435 crianças integrantes do Estudo PREDI, um estudo de coorte de nascimentos realizado no Brasil nas residências dos participantes. Este utilizou dados coletados entre janeiro de 2012 e outubro de 2021. Foram obtidas medidas antropométricas, dados demográficos e socioeconômicos. Houve correlação positiva (p<0,05) entre CP e peso, estatura e índice de massa corporal em homens e mulheres ao longo dos acompanhamentos. Exceto para a faixa etária de um a dois anos (AUC=0,73; IC 95% 0,65-0,81 para meninos e meninas), a precisão da CP em identificar o excesso de peso corporal foi de 0,80 ou superior (AUC=0,80-0,95; IC 95%: 0,71-1,00). Nossos achados mostraram que a CP pode ser utilizada para rastrear crianças brasileiras de dois a nove anos quanto ao excesso de peso corporal. No entanto, mais estudos envolvendo tamanhos amostrais maiores e outras populações são necessários para complementar os dados aqui relatados.
Descritores
Sobrepeso; Pescoço; Criança; Índice de Massa Corporal; Antropometria
ABSTRACT
Neck circumference (NC) indicates nutritional status and indirectly measures upper body subcutaneous fat, an independent predictor of cardiometabolic diseases. This study aims to analyze the accuracy of NC as a measure to assess excess body weight in children aged from two to nine years according to sex. Sampling included 435 children from the Predictors of Maternal and Infant Excess Body Weight Study, a birth cohort study carried out in Brazil in participants’ homes. Data were collected from January 2012 to October 2021. Participants were subjected to anthropometric assessments. Their demographic and socioeconomic data were obtained. A positive correlation (p<0.05) occurred between NC and weight, height, and body mass index in boys and girls in follow-ups. Except for the one-two-year age group (AUC=0.73; 95%CI 0.65–0.81 for boys and girls), the accuracy of NC in indicating excess body weight in boys and girls equaled 0.80 or higher (AUC: 0.80–0.95; 95%CI: 0.71–1.00). Our findings showed that NC can screen Brazilian children aged two-nine years for excess body weight. However, further studies involving larger sample sizes and other populations are necessary to complement the data in this study.
Keywords
Overweight; Neck; Child; Body Mass Index; Anthropometry
RESUMEN
La circunferencia del cuello (CC) es un indicador del estado nutricional y una medida indirecta del tejido adiposo de la parte superior del cuerpo, además de ser un predictor independiente de enfermedad cardiometabólica. El objetivo de este estudio fue evaluar la exactitud de la CC como medida de evaluación del exceso de peso corporal en niños de 2 a 9 años de edad, según el sexo. Participaron 435 niños en el Estudio PREDI, un estudio de cohorte de nacimiento realizado en Brasil en los hogares de los participantes. Se recogieron datos entre enero de 2012 y octubre de 2021. Se obtuvieron mediciones antropométricas, datos demográficos y socioeconómicos. Hubo una correlación positiva (p<0,05) entre la CC y el peso, la altura y el índice de masa corporal en niños y niñas durante los seguimientos. Excepto para el grupo de edad de 1 a 2 años (AUC=0,73; IC 95% 0,65-0,81 para niños y niñas), la precisión de la CC para estimar el exceso de peso corporal fue de 0,80 o más (AUC=0,80-0,95; IC 95%: 0,71-1,00). Los hallazgos revelaron que la CC se puede utilizar para detectar el exceso de peso corporal en niños brasileños de 2 a 9 años. Sin embargo, se necesitan más estudios que involucren tamaños de muestra más grandes y otras poblaciones para complementar los datos de este estudio.
Palabras clave
Sobrepeso; Cuello; Niño; Índice de Masa Corporal; Antropometría
INTRODUÇÃO
A obesidade é uma doença multifatorial1 que atualmente se configura como um importante problema de saúde pública em crianças e adolescentes2. Fatores como hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, distúrbios neuroendócrinos, além de características genéticas, sociais, comportamentais, culturais e psicológicas estão associados ao excesso de peso corporal3. Em todo o mundo, cerca de 340 milhões de crianças e adolescentes de cinco a 19 anos apresentam sobrepeso2. Considerando que crianças com sobrepeso e obesidade têm maior propensão a desenvolver obesidade na vida adulta4 e, consequentemente, a apresentar doenças não transmissíveis, como diabetes e doenças cardiovasculares5, indicadores que possam determinar de forma eficiente o estado nutricional infantil são essenciais.
Medidas antropométricas como peso, circunferências e espessura de dobras cutâneas6 constituem os indicadores mais utilizados para avaliar o estado nutricional de crianças e adolescentes devido a sua praticidade, baixo custo e forte correlação com a gordura corporal7. Embora o índice de massa corporal (IMC) seja o indicador antropométrico mais amplamente empregado7, a circunferência do pescoço (CP) tem se mostrado recentemente um parâmetro antropométrico satisfatório em diferentes faixas etárias7 - 10, principalmente porque o IMC não fornece informações precisas sobre a distribuição da gordura corporal7. Além disso, o IMC não distingue entre a quantidade de massa magra e massa gorda, tampouco considera o acúmulo de gordura na região abdominal.
A circunferência do pescoço (CP) mostra-se como um indicador consistente de adiposidade corporal, uma vez que a gordura cervical está associada a fatores de risco cardiovascular, síndrome metabólica, hipertensão e alterações no metabolismo da glicose em crianças e adultos11,12. Quanto ao uso de um índice antropométrico para avaliar o estado nutricional de crianças menores de cinco anos, um fator importante a ser considerado é o estirão de crescimento que ocorre nessa fase13. Esse estirão provoca um desenvolvimento desigual entre peso e estatura e revela diferenças conforme o sexo14. Embora a estimativa do IMC para crianças menores de cinco anos leve em conta idade e sexo, a CP parece sofrer menos influência da variação etária – um aspecto positivo para melhorar a qualidade da avaliação do estado nutricional infantil15.
Infelizmente, estudos longitudinais que avaliam simultaneamente a CP e o IMC em crianças continuam escassos, em parte porque o uso da CP para avaliar o estado nutricional ainda é incomum na maioria dos países e também devido à falta de um padrão de referência. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a precisão da CP como medida para avaliar o excesso de peso corporal em crianças de dois a nove anos de idade, de acordo com o sexo.
METODOLOGIA
Design de estudo e participantes
Os dados foram obtidos do Estudo PREDI (Preditores de excesso de peso corporal materno e infantil), um estudo de coorte realizado em uma maternidade pública de Joinville, o maior município do estado de Santa Catarina, Brasil. Foram utilizados dados de crianças com dois (2013-14; n=315), quatro (2016-17; n=221), seis (2018; n=181) e nove (2021; n=144) anos de idade durante o acompanhamento (Figura 1). No último acompanhamento, duas crianças não moravam mais com suas mães e não foi possível coletar seus dados antropométricos.
Os participantes foram incluídos neste estudo de coorte prospectivo entre 14 de janeiro e 16 de fevereiro de 2012. Os detalhes do processo de convocação foram descritos anteriormente16. Em suma, todas as mulheres com mais de 18 anos de idade que deram à luz um único filho nascido entre 37 a 42 semanas de gestação foram convidadas a participar do estudo com seus filhos na linha de base. Foram escolhidos como critérios de exclusão: planos de adoção imediatamente após o parto, doenças infectocontagiosas (síndrome da imunodeficiência adquirida, hepatite, sífilis e toxoplasmose), malformações congênitas, síndrome de Down e pré-eclâmpsia (Figura 1).
Este estudo foi conduzido em conformidade com a Declaração de Helsinki. O desenho do estudo seguiu as diretrizes do Standards for Reporting of Diagnostic Accuracy Studies (STARD). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Coleta de dados
Todos os acompanhamentos foram realizados nas residências dos participantes. Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado e previamente testado, aplicado, na maior parte dos casos, pelos mesmos profissionais de saúde (das áreas de fisioterapia, nutrição, enfermaria e psicologia) em todos os acompanhamentos. Medidas antropométricas e informações clínicas, biológicas, demográficas e socioeconômicas foram coletadas por meio do questionário. Em todos os acompanhamentos, os dados foram coletados individualmente em um cômodo privativo da residência da família.
No primeiro acompanhamento, o comprimento da criança foi medido com precisão de 0,1 cm com um antropômetro pediátrico (WCS®, modelo Wood, Curitiba, Brasil) e o peso foi medido com precisão de 10 g com uma balança pediátrica digital (Beurer®, modelo BY20, Ulm, Alemanha). O estado do peso da criança foi dividido em três categorias com base nos padrões de crescimento de IMC por idade, específicos para o sexo, da OMS de 2006: percentil ≤85, >85 e <97, e ≥9717. A circunferência do pescoço foi medida com uma fita flexível de 150 cm (adições de 1 mm). As crianças estavam em pé e a medida foi obtida no nível da cartilagem tireoide, com cuidado para que a fita não comprimisse a pele8.
No segundo, terceiro e quarto acompanhamentos, a estatura da criança foi medida com precisão de 0,1 cm utilizando um estadiômetro portátil (WCS®, modelo Compact, Curitiba, Brasil) fixado em uma parede sem rodapé. O participante permaneceu em posição ortostática, vestindo roupas leves, sem sapatos e com peso corporal distribuído uniformemente. O peso foi aferido em balança digital (G-Tech®, modelo Glass 7, Zhongshan, China) com capacidade para 180 kg e precisão de 0,1 kg, enquanto o participante vestia roupas leves sem sapatos ou acessórios (joias, relógios, casacos). Todas as medidas antropométricas foram realizadas em duplicata. A média das duas medidas foi utilizada para análise. A CP foi medida com os mesmos equipamentos e procedimentos do primeiro acompanhamento. O estado do peso das crianças foi classificado em três categorias (percentil ≤85, >85 e <97, e ≥97) com base nos padrões de crescimento de IMC por idade específicos por sexo da OMS de 2006 no segundo acompanhamento17 e de acordo com os Dados de Referência de Crescimento da OMS de 2007 para crianças e adolescentes de cinco a 19 anos no terceiro e quarto acompanhamentos18.
Análise de dados
O tamanho amostral do Estudo PREDI foi calculado no OpenEpi 3.02, conforme descrito anteriormente19. Os dados foram analisados utilizando o IBM SPSS Statistics for Macintosh (Versão 27.0. Armonk, NY: IBM Corp.). Para avaliar as diferenças entre os pares mãe-bebê incluídos na linha de base e aqueles não incluídos em cada acompanhamento, compararam-se: escolaridade materna, renda familiar mensal, estado civil, peso ao nascer e sexo da criança. Utilizou-se o teste t de Student para variáveis contínuas e o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas, respectivamente (Material Suplementar 1).
As distribuições das medidas antropométricas foram avaliadas por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Como as variáveis apresentaram distribuição não normal, o teste U de Mann-Whitney foi utilizado para comparar medianas e intervalos interquartis. O coeficiente de correlação de Spearman foi empregado para analisar a relação entre a CP e idade, peso corporal, estatura e IMC. Os melhores pontos de corte da CP para indicar aqueles com sobrepeso/obesidade (excesso de peso corporal) foram determinados usando a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) de acordo com o sexo e a faixa etária em cada acompanhamento e com base em estudos anteriores7 , 9 , 15 , 20. Os melhores pontos de corte foram selecionados quando o maior valor de sensibilidade correspondeu ao maior valor de especificidade para cada faixa etária e sexo. As áreas sob a curva (AUC – Area Under the Curve) e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% foram determinados.
A curva ROC foi usada para mostrar o potencial discriminatório geral do teste de diagnóstico e a AUC, como uma medida do grau de diagnóstico do teste (ou seja, CP). Quanto maior a AUC, maior o poder discriminatório da CP. O IC de 95% não deve incluir 0,50. Posteriormente, foram determinadas a sensibilidade (a probabilidade de um indivíduo classificado com excesso de peso corporal com base na CP, de acordo com a idade e o sexo, ser classificado como tendo excesso de peso corporal com base nos valores de IMC; verdadeiros positivos) e a especificidade (a probabilidade de um indivíduo classificado sem excesso de peso corporal com base na CP, de acordo com a idade e o sexo, ser classificado como tendo excesso de peso corporal com base nos valores de IMC; falsos positivos). O IC de 95% das medidas antropométricas também foi estimado; todos os testes foram considerados significativos com p<0,05.
O índice de Youden (sensibilidade + especificidade − 1) foi calculado para demonstrar a relação entre sensibilidade e especificidade para o ponto de corte ideal de cada medida antropométrica no prognóstico de adiposidade. Valor 1 indica ausência de falsos positivos ou negativos. A razão de verossimilhança (RV) também foi calculada. A RV+ foi calculada como "sensibilidade dividida por 1 – especificidade", indicando a chance de uma condição aumentar diante de um teste positivo. A RV-, calculada como "1 - sensibilidade dividida por especificidade", indica a chance de uma condição diminuir diante de um teste negativo. Uma razão >1 aponta que o resultado do teste tem maior probabilidade de ocorrer em indivíduos com a condição do que sem ela; por outro lado, uma razão <1 indica maior probabilidade em indivíduos sem a condição. Quanto maior a razão, mais provável que o resultado ocorra em indivíduos com a condição; ao mesmo tempo, quanto menor a razão, é mais provável em indivíduos sem a condição. Os valores preditivos positivo e negativo descrevem o desempenho do teste diagnóstico. O valor preditivo positivo representa a probabilidade de um indivíduo com teste positivo realmente apresentar o desfecho [verdadeiro-positivo / (verdadeiro-positivo + falso-positivo)]: excesso de peso corporal. O valor preditivo negativo representa a probabilidade de um indivíduo com teste negativo realmente não apresentar o desfecho [verdadeiro-negativo / (verdadeiro-negativo + falso-negativo)].
RESULTADOS
Com exceção da renda familiar mensal, não encontramos diferenças significativas (p<0,05) nos anos de escolaridade materna, peso ao nascer, estado civil ou sexo da criança entre as mães/crianças incluídas na linha de base e aquelas consideradas perdas no quarto acompanhamento (Material Suplementar 1). A prevalência de excesso de peso corporal (>percentil 85) foi de 41,9; 30,4; 25,7; e 27,1% nas idades de um-dois, cinco-seis, sete-oito e nove anos, respectivamente. A Tabela 1 mostra as características das crianças segundo sexo e período da coorte. A mediana de idade de meninos e meninas foi similar em todos os acompanhamentos (p>0,05). Embora pouco expressivas, observamos maiores diferenças no peso, estatura e IMC em meninos entre dois e seis anos de idade. As medianas da CP diferiram significativamente (p<0,001) nos meninos entre os acompanhamentos. A prevalência de excesso de peso corporal entre as meninas totalizou 39,4; 27,0; 22,4; e 20,6% no primeiro, segundo, terceiro e quarto acompanhamento, respectivamente. Nos meninos, a prevalência de excesso de peso corporal também diminuiu no mesmo período, exceto no último acompanhamento: 44,0; 33,3; 29,0; e 32,9%, respectivamente.
A Tabela 2 mostra a correlação entre CP e idade, peso, estatura e IMC por sexo e acompanhamento. CP, peso, estatura e IMC apresentaram correlação positiva (p < 0,05) em meninos e meninas ao longo dos acompanhamentos. Observamos também que a essa correlação aumentou com o envelhecimento de meninos e meninas.
A Tabela 3 mostra as AUCs, incluindo pontos de corte ideais, sensibilidades, especificidades, índice de Youden, valores preditivos positivos e negativos e razões de verossimilhança (RV+/RV-) para as associações entre CP e excesso de peso corporal de acordo com a faixa etária e sexo. Os pontos de corte do CP aumentaram com a idade em meninos (de 23,9 cm na idade de um a dois anos para 29,6 cm na idade de nove anos) e meninas (de 23,2 a 28,9 cm nas mesmas idades). Exceto para a faixa etária de um a dois anos (AUC = 0,73; IC95% 0,65-0,81 para meninos e meninas), a precisão do CP em encontrar excesso de peso corporal em meninos e meninas totalizou 0,80 ou mais (AUC: 0,80-0,95; IC95%: 0,71-1,00). Os pontos de corte de CP escolhidos conseguiram encontrar corretamente de 74,4% a 92% dos meninos e de 81,1% a 90% das meninas em risco de excesso de peso corporal. Os falsos positivos variaram de 53,8% a 84,3% nos meninos e de 49,4% a 85,2% nas meninas (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Este estudo mostrou que a CP apresenta correlação positiva com peso, estatura e IMC em meninos e meninas brasileiros de um a nove anos. A associação da CP com essas medidas em todos os acompanhamentos e a AUC de 0,73-0,95 indicam que a CP mede com precisão o excesso de peso corporal em crianças menores de 10 anos. As sensibilidades e especificidades são consistentes com estudos com crianças no Brasil15 , 21 e em outros países7.
O IMC varia consideravelmente ao longo da vida22. Estudos têm demonstrado que a taxa de crescimento em crianças é particularmente alta do nascimento aos dois primeiros anos de vida23 – quando ocorre a maior variação no ganho de peso corporal – o que pode configurar-se como um fator de risco para o excesso de peso corporal ao longo dos anos. Alguns autores relataram que o IMC aumenta rapidamente durante o primeiro ano de vida, diminuindo posteriormente e atingindo um valor mínimo entre quatro e oito anos24. Um segundo aumento ocorre após o último IMC mínimo, um período denominado rebote da adiposidade24. Esse período está associado à obesidade no final da infância, adolescência e idade adulta24.
Apesar dessa variação na infância, o IMC serve como indicador padrão global para avaliar o estado nutricional, independentemente da classificação etária. No entanto, faixas etárias com variações consideráveis nas medidas de estatura, bebês, por exemplo, merecem atenção especial quanto ao indicador mais adequado do estado nutricional. O IMC também é limitado na determinação de alterações na gordura ou massa magra. Mesmo havendo excesso de gordura corporal, o IMC é incapaz de avaliar a distribuição do tecido adiposo25. Embora a avaliação adequada e frequente do estado nutricional seja essencial para a promoção da saúde e prevenção de doenças26, um indicador preciso é ainda mais importante para garantir o desenvolvimento de intervenções bem-sucedidas. Como a CP não considera a estatura (principal medida responsável pela variabilidade do IMC na infância), ela oferece uma excelente alternativa para prognosticar o estado nutricional, especialmente durante esse período de intensas mudanças corporais.
A circunferência do pescoço apresenta as vantagens de não exigir múltiplas medições de precisão e confiabilidade; não sofrer influência do período de aferição (período pré e pós-prandial); ser facilmente aplicada em clima frio, pois dispensa a necessidade de despir a criança; causar menos constrangimento (especialmente em meninas, pois o teste dispensa a necessidade de levantar a camisa/casaco para medir a circunferência abdominal ou da cintura); não requer equipamentos que necessitem de calibração, como balanças e réguas/estadiômetros antropométricos7 - 9 , 12, e pode ser empregada em pacientes acamados ou amputados. Além disso, a circunferência do pescoço demonstrou prognosticar de forma independente o sobrepeso e a obesidade em diversas faixas etárias8 - 10 , 25.
Outra característica importante da CP como indicador do estado nutricional refere-se à medição indireta da gordura subcutânea da parte superior do corpo, um prognóstico independente de doenças cardiometabólicas10. O tecido adiposo do pescoço é depositário de algumas moléculas lipídicas importantes, configurando-se como um depósito ectópico independente de tecido adiposo branco, com prováveis funções distintas nos compartimentos profundos e superficiais, incluindo artérias carótidas, principais vasos para o cérebro que são propensos a alterações ateroscleróticas fatais27. O aumento da CP tem sido associado a um maior risco de síndrome metabólica e pode, portanto, ser usado como um marcador adicional de risco cardiovascular28 - 30. Alguns autores também descobriram que a CP pode encontrar excesso de gordura androide em crianças21. Considerando tais aspectos, pode ser possível identificar crianças com risco cardiovascular já na pré-escola, prevenindo o desenvolvimento de doenças crônicas associadas no futuro.
Do ponto de vista da saúde pública, a CP oferece medidas precisas para avaliar o estado nutricional e para triagens precoces, economizando tempo e aumentando o número de crianças avaliadas. Além disso, a acurácia da CP permite identificar o excesso de peso corporal em crianças antes do início do sobrepeso/obesidade, o que poderia reduzir drasticamente os custos do tratamento de muitas doenças associadas9. Apesar dos altos valores de AUC para a CP neste estudo (73,0-95%), sugerindo sua alta precisão na avaliação do estado nutricional, a baixa especificidade e o baixo índice de Youden obtidos para as idades de 1 a 4 anos decorrem do rápido crescimento e das características de desenvolvimento dos primeiros anos8. Portanto, a CP como medida do estado nutricional deve ser usada com cautela nessa faixa etária. Por fim, a alta sensibilidade e os valores preditivos positivos em nosso estudo indicam que a CP configura uma boa medida para diagnosticar o excesso de peso corporal e selecionar crianças para intervenções específicas.
Este estudo tem vários pontos fortes. Seus dados base vieram de um estudo de coorte de nascimentos, oferecendo oportunidades para pesquisas futuras nesse campo. Todos os dados, inclusive as medidas antropométricas, foram coletados usando o mesmo equipamento e foram feitos, em maior parte, pelos membros do mesmo grupo de pesquisa, o que reduz possíveis vieses. Entretanto, devemos mencionar algumas das limitações do estudo. Primeiro, a falta de estudos longitudinais sobre a CP em crianças prejudicou a comparação de dados. Em segundo lugar, nossos resultados foram obtidos em um corte relativamente pequeno de mães e filhos que vivem no Brasil, o que exige cautela ao comparar esses resultados com outras populações. Por fim, reconhecemos as perdas significativas no acompanhamento desde a linha de base até o quarto acompanhamento. Entretanto, a amostra foi semelhante desde a linha de base e as perdas foram quase randômicas.
CONCLUSÃO
Os resultados mostraram que a CP pode avaliar crianças brasileiras de 2 a 9 anos de idade quanto ao excesso de peso corporal. Entretanto, são necessários mais estudos envolvendo amostras maiores e outras populações para complementar os dados obtidos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Hospital Maternidade Darcy Vargas de Joinville por permitir a coleta de dados em suas instalações, à Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) pelo apoio financeiro, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida a DS (88887.148097/2017-00) e ao Programa de Bolsas Universitárias do Estado de Santa Catarina (UNIEDU) pela bolsa concedida a CBC (16654/471/SED/2021).
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Estudo realizado no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) – Joinville (SC), Brasil.
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Fonte de financiamento:
Fundo de Apoio à Pesquisa da Universidade da Região de Joinville
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Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de Joinville [Protocolo nº. 40242620.4.0000.5366].
Editado por
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Editor responsável:
Sônia LP Pacheco de Toledo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
23 Fev 2023 -
Aceito
25 Jan 2025


