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Impacto do grau de obesidade nos sintomas e na capacidade funcional de mulheres com osteoartrite de joelhos

Impact of the degree of obesity on symptoms and functional capacity of women with knee osteoarthritis

Resumos

As mulheres apresentam risco aumentado para a osteoartrite (OA) de joelhos e obesidade. Associadas, essas doenças podem gerar dor e prejuízos funcionais, principalmente em atividades de locomoção. Este estudo visou comparar o impacto do grau de obesidade nos sintomas e capacidade funcional de mulheres com OA de joelhos. Foram selecionadas 13 mulheres obesas (com índice de massa corporal - IMC>30 kg/m²) e 15 com obesidade mórbida (IMC>40 kg/m²), todas com OA bilateral de joelhos. Os sintomas de dor, rigidez e dificuldades funcionais foram avaliados pelo questionário The Western Ontario and McMaster Osteoarthritis Index (Womac). A capacidade funcional foi verificada por quatro testes de velocidade: marcha usual, marcha rápida, subir e descer escadas. Os dois grupos apresentaram um impacto moderado da obesidade na OA de joelhos, sem diferença quanto aos sintomas. As obesas se saíram melhor do que as obesas mórbidas nos testes de marcha usual e subir escadas, mas não nas atividades de marcha rápida e descer escadas, mais complexas e estressantes para a articulação do joelho. Conclui-se que o grau de obesidade não teve impacto nos sintomas de dor, rigidez e dificuldades funcionais associadas à OA de joelhos entre mulheres obesas e obesas mórbidas. E, em dois testes de capacidade funcional, as obesas dos dois grupos tiveram desempenho semelhante, sugerindo que outros fatores podem influenciar o desempenho funcional de obesas com OA de joelhos.

Análise e desempenho de tarefas; Obesidade; Obesidade mórbida; Osteoartrite do joelho


Women are at higher risk to knee osteoarthritis (OA) and obesity. Together, these diseases may ensue pain and functional limitations, mainly during locomotion. The purpose of this study was to compare the impact of the degree of obesity in symptoms and functional capacity of women with knee osteoarthritis. The sample studied was made up by 13 obese women (body mass index - BMI>30 kg/m²) and 15 morbid obese women (BMI>40 kg/m²), all with bilateral knee OA. The symptoms of pain, stiffness and functional difficulty were measured by the questionnaire The Western Ontario and McMaster Osteoarthritis Index (Womac). Functional capacity was evaluated by four speed tests: usual gait, fast gait, climbing and descending stairs. Both groups presented a moderate impact of obesity on knee osteoarthritis, with no differences between them concerning symptoms. Obese women had better results in the usual gait and climbing stairs tests than morbid obese ones, but not in fast gait and descending stairs, which are more complex and stressful tasks for the knee joint. It may be said that the degree of obesity had no impact on knee OA symptoms of pain, stiffness and functional difficulty; and, in two functional capacity tests, both obese women and women with morbid obesity showed similar performances, thus suggesting that other factors may influence functional capacity of obese women with knee osteoarthritis.

Obesity; Obesity; Osteoarthritis; knee; Task performance and analysis


PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

Impacto do grau de obesidade nos sintomas e na capacidade funcional de mulheres com osteoartrite de joelhos

Impact of the degree of obesity on symptoms and functional capacity of women with knee osteoarthritis

Karina Simone de Souza VasconcelosI; João Marcos Domingues DiasII; Rosângela Correa DiasII

IFisioterapeuta Ms.

IIProfs. Drs. Adjuntos do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da EEFFTO/UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Karina S. S. Vasconcelos R. Zenite 470 apto. 101 Caiçara 30720-530 Belo Horizonte MG e-mail: karinasimone@hotmail.com

RESUMO

As mulheres apresentam risco aumentado para a osteoartrite (OA) de joelhos e obesidade. Associadas, essas doenças podem gerar dor e prejuízos funcionais, principalmente em atividades de locomoção. Este estudo visou comparar o impacto do grau de obesidade nos sintomas e capacidade funcional de mulheres com OA de joelhos. Foram selecionadas 13 mulheres obesas (com índice de massa corporal - IMC>30 kg/m2) e 15 com obesidade mórbida (IMC>40 kg/m2), todas com OA bilateral de joelhos. Os sintomas de dor, rigidez e dificuldades funcionais foram avaliados pelo questionário The Western Ontario and McMaster Osteoarthritis Index (Womac). A capacidade funcional foi verificada por quatro testes de velocidade: marcha usual, marcha rápida, subir e descer escadas. Os dois grupos apresentaram um impacto moderado da obesidade na OA de joelhos, sem diferença quanto aos sintomas. As obesas se saíram melhor do que as obesas mórbidas nos testes de marcha usual e subir escadas, mas não nas atividades de marcha rápida e descer escadas, mais complexas e estressantes para a articulação do joelho. Conclui-se que o grau de obesidade não teve impacto nos sintomas de dor, rigidez e dificuldades funcionais associadas à OA de joelhos entre mulheres obesas e obesas mórbidas. E, em dois testes de capacidade funcional, as obesas dos dois grupos tiveram desempenho semelhante, sugerindo que outros fatores podem influenciar o desempenho funcional de obesas com OA de joelhos.

Descritores: Análise e desempenho de tarefas; Obesidade; Obesidade mórbida; Osteoartrite do joelho

ABSTRACT

Women are at higher risk to knee osteoarthritis (OA) and obesity. Together, these diseases may ensue pain and functional limitations, mainly during locomotion. The purpose of this study was to compare the impact of the degree of obesity in symptoms and functional capacity of women with knee osteoarthritis. The sample studied was made up by 13 obese women (body mass index - BMI>30 kg/m2) and 15 morbid obese women (BMI>40 kg/m2), all with bilateral knee OA. The symptoms of pain, stiffness and functional difficulty were measured by the questionnaire The Western Ontario and McMaster Osteoarthritis Index (Womac). Functional capacity was evaluated by four speed tests: usual gait, fast gait, climbing and descending stairs. Both groups presented a moderate impact of obesity on knee osteoarthritis, with no differences between them concerning symptoms. Obese women had better results in the usual gait and climbing stairs tests than morbid obese ones, but not in fast gait and descending stairs, which are more complex and stressful tasks for the knee joint. It may be said that the degree of obesity had no impact on knee OA symptoms of pain, stiffness and functional difficulty; and, in two functional capacity tests, both obese women and women with morbid obesity showed similar performances, thus suggesting that other factors may influence functional capacity of obese women with knee osteoarthritis.

Key words: Obesity; Obesity, morbid; Osteoarthritis, knee; Task performance and analysis

INTRODUÇÃO

A prevalência de obesidade vem aumentando não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em transição socioeconômica como o Brasil, tornando-se um problema de saúde pública1,2.

Além dos riscos cardiovasculares e metabólicos associados, indivíduos obesos são mais propensos a apresentar doenças articulares como a osteoartrite (OA) de joelhos3. A OA é uma doença degenerativa que acomete a cartilagem sinovial e estruturas periarticulares, associada a sintomas de dor, rigidez articular e crepitações4. Tanto a obesidade5,6 quanto a OA de joelhos7 estão associadas a diversas incapacidades funcionais, principalmente em atividades de locomoção como a marcha e o uso de escadas. Estudos apontam uma relação crescente entre o grau de excesso de peso e as incapacidades, levando a maiores prejuízos entre as pessoas com obesidade grave ou mórbida, isto é, com índice de massa corporal (IMC) maior que 40 kg/cm28,9.

Dentre a população em geral, as mulheres apresentam maior risco para desenvolver tanto obesidade10 quanto OA de joelhos3,7. Uma vez que não há cura para essas doenças crônicas, compreender suas inter-relações e impactos sobre a capacidade funcional é essencial para que os profissionais de saúde possam direcionar suas intervenções e planejar as estratégias de tratamento mais adequadas a essa população de risco.

O objetivo deste estudo foi comparar o impacto do grau de obesidade nos sintomas e capacidade funcional de mulheres com OA de joelhos. Dois grupos foram comparados: obesas e obesas mórbidas. A hipótese inicial era de que o maior excesso de peso entre as mulheres com obesidade mórbida estaria associado a maiores prejuízos funcionais e sintomas mais intensos.

METODOLOGIA

A realização deste estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. Todas as voluntárias assinaram e receberam uma cópia do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os dados referentes a este estudo são provenientes de uma pesquisa sobre dor e capacidade funcional em obesos com OA de joelhos11,12. A amostra foi selecionada por conveniência, com pacientes de ambulatórios de tratamento de obesidade ou de serviços de reabilitação de hospitais universitários da cidade de Belo Horizonte, MG. Para o presente estudo, foram analisados os dados referentes a 28 mulheres, de acordo com a ordem de entrada no estudo, sem cálculo amostral específico. Elas foram divididas em dois grupos: grupo I, 13 mulheres obesas (IMC>30 kg/m2); e grupo II, 15 mulheres com obesidade mórbida (IMC>40 kg/m2).

Todas as mulheres apresentavam diagnóstico clínico e radiográfico de OA em ambos os joelhos, segundo os critérios do Colégio Americano de Reumatologia4 e deambulavam sem auxílios para a marcha. Foram excluídas as voluntárias que apresentassem: dor no joelho ou incapacidade funcional referente a essa articulação devido a lesões ligamentares, meniscais ou musculares não inerentes à OA; prótese total ou parcial em um ou ambos os joelhos ou quadris; artrite reumatóide, fibromialgia, lúpus eritematoso sistêmico e doenças reumáticas sistêmicas; cardiopatias descompensadas; défices auditivos ou visuais que impedissem a realização dos testes e medidas; agudização da OA de joelho; doenças neurológicas que afetassem a locomoção.

Para a classificação da OA das participantes, um examinador que desconhecia seu estado clínico examinou as radiografias das articulações tibiofemorais em imagens anteroposteriores, com carga sobre os membros inferiores, e classificou cada imagem de acordo com os critérios de Kellgren-Lawrence (K-L), nos graus I a IV13. Cada articulação do joelho era analisada separadamente e, para efeito de análise dos dados, considerava-se a classificação do joelho com o maior grau de acometimento.

Procedimentos

Sintomas da OA de joelhos: foi utilizado o questionário The Western Ontario and McMaster Osteoarthritis Index (Womac) para avaliar a intensidade de dor, rigidez articular e dificuldades funcionais decorrentes da OA de joelhos. O questionário, com três seções, foi aplicado na sua versão traduzida e validada para o Brasil14, por meio de entrevista assistida. As respostas de cada seção foram assinaladas em uma escala do tipo likert, nos níveis nenhuma, pouca, moderada, intensa e muito intensa. Para análise dos dados, esses níveis foram transformados respectivamente nos escores 0, 25, 50, 75 e 100. As respostas de cada seção eram somadas e obtinha-se uma média para cada sintoma avaliado. A mesma escala likert do Womac foi adaptada para avaliar a dor, sendo as voluntárias questionadas durante cada teste de capacidade funcional. Foi registrado, ainda o tempo de duração dos sintomas da OA de joelhos, considerando a época de aparecimento das dores articulares.

Testes de capacidade funcional: a capacidade funcional foi avaliada por quatro testes de velocidade: marcha usual (MU), marcha rápida (MR), subir escadas (SE) e descer escadas (DE). Os testes de marcha foram realizados em um corredor plano e sem obstáculos, com distância percorrida de 25 m. Os três primeiros e os dois últimos metros foram desprezados como aceleração e desaceleração. Para medir a velocidade foram utilizadas células fotoelétricas que marcavam a passagem da voluntária ao início e ao final dos 20 metros mensurados (Kit Multisprint®, Inserra Ind. Mec. Ltda., Belo Horizonte, MG). Para familiarização, cada voluntária percorreu o corredor uma vez. Para o teste MU, elas eram orientadas a "caminhar em um ritmo normal". Para o teste MR, a "caminhar o mais rápido possível", com o estímulo verbal "rápido, rápido".

Os outros testes foram realizados em uma escada comum de prédio, de seis degraus, com corrimão. Para familiarização, cada voluntária subia e descia os seis degraus uma vez. Para os testes, foram instruídas a realizar a atividade "em um ritmo normal, da maneira como tivessem costume de fazer no dia-a-dia", sendo permitido o uso do corrimão. Também era permitido realizar os testes colocando os dois pés em cada degrau, ou alternando o apoio com cada pé em um degrau. O mesmo padrão quanto ao uso do corrimão e o tipo de apoio era utilizado durante todo o teste. As voluntárias iniciavam os testes ao comando "já" do examinador, momento em que era disparado o cronômetro. A contagem de tempo era interrompida quando era alcançado o último degrau com os dois pés, com a voluntária sempre olhando para frente.

A ordem dos testes foi aleatorizada por sorteio e todas as voluntárias foram instruídas a utilizar um calçado usual, que considerassem confortável e seguro. Foram realizadas três medidas para cada teste, com intervalo de 15 a 30 segundos entre cada medida e 30 a 60 segundos entre cada tipo de teste. A coleta de dados foi realizada em uma única sessão, no horário entre as 14 e 17 horas.

Análise estatística

Foi realizada a análise descritiva da amostra, com medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão) das variáveis idade, duração dos sintomas e IMC, além dos sintomas da OA de joelhos e resultados nos testes de capacidade funcional. A classificação radiográfica foi descrita em termos de distribuição de freqüência. Foi utilizado o teste t para amostras não-relacionadas para comparar os grupos I e II em termos de idade, duração dos sintomas e resultados nos testes de velocidade. Para comparar os resultados da classificação radiográfica, do questionário Womac e do nível de dor durante a realização dos testes de capacidade funcional, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, não-paramétrico. O nível de significância foi estabelecido como a=0,05.

RESULTADOS

Os dois grupos não apresentaram diferença quanto à idade ou duração dos sintomas (Tabela 1).

Quanto à classificação da OA, a maioria das mulheres apresentaram nível II ou III na classificação K-L. No grupo I, quatro apresentavam nível II e cinco, nível III. No grupo II, havia cinco mulheres com nível II e cinco com nível III. Não foi possível obter as radiografias de duas mulheres do grupo II. Com o teste de Mann-Whitney, não foi observada diferença estatisticamente significante entre a classificação dos dois grupos (p=0,433).

Em relação aos sintomas da OA, avaliados pelo Womac (onde o escore varia de 0, nenhum, a 100, muito intenso), no grupo I os resultados médios foram: 47,3±17,9 de intensidade de dor, 32,7±22,6 de rigidez e 32,4±21,6 de dificuldades funcionais. No grupo II, a média da intensidade de dor foi de 41,0±18,9, da rigidez, 30,0±33,0 e a de dificuldades funcionais foi de 40,4±18,2. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos quanto aos sintomas avaliados pelo questionário Womac (p=0,487 para dor, p=0,619 para rigidez e p=0,310 para dificuldades funcionais).

O nível de dor durante os testes também não apresentou diferença estatística entre os grupos. No teste MU, os níveis médios de dor foram de 25,0±27,0 no grupo I e 11,7±16,0 no grupo II (p=0,196). No teste MR, 34,6±31,5 e 20,0±23,5 para os respectivos grupos (p=0,216). No teste de subir escadas, os níveis médios de dor foram de 30,8±25,3 (grupo I) e 30,0±19,4 (grupo II), com p=0,941; e, no teste de descer escadas, 42,3±31,3 (grupo I) e 33,3±22,5 (grupo II), com p=0,391.

A Tabela 2 apresenta os resultados de cada grupo nos testes de capacidade funcional, avaliada pela velocidade desenvolvida. Pode-se observar que o grupo I obteve melhor desempenho nos testes MU e SE, alcançando maior velocidade. Nos outros testes, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos.

DISCUSSÃO

Este estudo procurou compreender como o grau de obesidade pode influenciar a capacidade funcional e o nível de sintomas em dois grupos de mulheres com OA de joelhos: obesas e obesas mórbidas. Considerando os sintomas da OA de joelhos, os resultados não confirmaram a hipótese inicial. Ambos os grupos apresentaram nível moderado de dor, rigidez e dificuldades funcionais e, na classificação radiográfica do grau de acometimento da articulação, sem diferenças estatisticamente significantes. Durante os testes de capacidade funcional, também não foram observadas diferenças quanto ao nível de dor.

Alguns estudos mostram que o IMC pode influenciar os sintomas da OA de joelhos, estando os obesos em maior risco de apresentar dor15,16 e dificuldades funcionais17,18 quando comparados a indivíduos com peso normal. Marks19 observou que indivíduos com OA de joelhos e maiores níveis de IMC apresentam dor mais intensa em relação àqueles com menor IMC, utilizando uma escala analógica-visual e outro instrumento diverso do Womac. Não foram encontrados na literatura estudos que comparassem o nível dos sintomas da OA de joelhos entre indivíduos com obesidade e obesidade mórbida utilizando o Womac.

No presente estudo, os resultados relativos aos sintomas apresentaram altos valores de desvio-padrão em ambos os grupos, o que já foi observado em outros estudos que utilizaram o questionário Womac20,21. Essa grande variabilidade pode ter influenciado a ausência de diferenças entre os grupos. Clinicamente, esses achados refletem a diversidade de respostas a doenças crônicas como a OA de joelhos e a obesidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde22, as doenças podem impactar a qualidade de vida e a capacidade funcional de diversas formas, com efeitos nas funções e estruturas do corpo, atividades funcionais e participação social. Fatores pessoais e ambientais também podem influenciar a funcionalidade e incapacidade22. Este estudo reforça a importância de se avaliarem as incapacidades de forma abrangente, considerando as diferenças e necessidades individuais dos pacientes.

Com relação à capacidade funcional, os grupos apresentaram resultados diversos. Era esperado que as mulheres com obesidade mórbida desenvolvessem as atividades em menor velocidade, devido à maior massa corporal a ser deslocada8. Browning e Kram23 também observaram que as forças compressivas nos joelhos durante a marcha são muito maiores em indivíduos obesos que naqueles com peso normal. Assim, uma menor velocidade de marcha pode ser uma estratégia utilizada pelos obesos para diminuir o impacto nessas articulações. Stenholm et al.24 confirmaram que o risco de limitações à velocidade de marcha aumenta a cada grau de obesidade, fato agravado pela presença de OA de joelhos entre as mulheres. No presente estudo, o maior grau de excesso de peso também teve impacto negativo na capacidade funcional das mulheres obesas mórbidas com OA de joelhos, considerando a velocidade de marcha usual.

Quanto ao teste de marcha rápida, por outro lado, as obesas não conseguiram alcançar melhores resultados quando comparadas às obesas mórbidas. A maior velocidade exigida nesse teste pode ter provocado força excessiva nas articulações dos joelhos, limitando seu desempenho. A marcha rápida também parece ser uma atividade mais complexa e pouco comum no dia-a-dia dessas mulheres11, fatores que podem ter contribuído para esse baixo desempenho.

Nas escadas, as obesas alcançaram maior velocidade no teste de subida, mas não no de descida. Atividades em escadas exercem maior estresse mecânico na articulação do joelho do que a marcha no plano25. Além disso, essas atividades estão associadas a altos níveis de dor e dificuldade funcional, tanto entre pessoas com OA de joelhos11,26 quanto entre obesos27,28. Descer ou subir escadas exigem angulações de movimento e produção de forças diferenciadas, o que pode explicar os resultados diferentes para cada teste29. A atividade de descer escadas parece ser mais complexa e estressante para a articulação do joelho do que a de subir escadas, de forma que a simples diferença de peso corporal não favoreceu as mulheres obesas no teste de velocidade deste estudo. É possível que, se o teste SE fosse realizado de forma mais complexa, por exemplo, com maior número de degraus ou sem o uso do corrimão, o desempenho das mulheres obesas também não fosse melhor.

Os grupos deste estudo apresentaram níveis semelhantes de dor durante os testes de velocidade, de forma que as diferenças encontradas em alguns testes parecem ser devidas a outros fatores. No entanto, os possíveis efeitos analgésicos de medicamentos não foram controlados neste estudo. Três mulheres do grupo II usavam antiinflamatórios não-esteróides no dia dos testes e as conseqüências disso não podem ser avaliadas nos presentes resultados.

Sabia-se que duas mulheres do grupo I e quatro do grupo II praticavam atividade física regular, não sendo possível estabelecer o papel do condicionamento físico nos resultados do presente estudo. Indivíduos obesos, em geral, tendem a se exercitar pouco, apresentando baixos níveis de atividade física. Os sintomas da OA de joelhos podem fazer com que os indivíduos evitem atividades que provoquem ou intensifiquem sua dor, o que levaria à piora do condicionamento físico e maior fraqueza muscular. Alterações biomecânicas, causadas pela obesidade e pela OA de joelhos, podem ainda aumentar os gastos energéticos durante atividades de locomoção, com maiores exigências de condicionamento físico. Sutbeyaz et al.30 observaram que, em relação a indivíduos obesos sem OA de joelhos, obesos com OA de joelhos apresentam pior condicionamento físico geral e pior desempenho de mobilidade com os membros inferiores. Um menor condicionamento físico entre as mulheres com obesidade mórbida pode ter contribuído para seu pior desempenho nos testes MU e SE. Nesse caso, poder-se-ia concluir que, nos testes de marcha rápida e descida de escadas, o condicionamento físico teria sido menos importante do que os efeitos deletérios da OA de joelhos sobre a capacidade funcional. Dessa forma, mesmo que apresentassem melhor condicionamento, as mulheres obesas não conseguiriam alcançar melhores resultados, como nos testes de marcha usual e subida de escadas.

O presente estudo analisou a obesidade apenas em termos do IMC, uma medida do excesso de peso para uma determinada altura. Outros fatores podem estar associados à obesidade, influenciando os sintomas e incapacidades associadas à OA de joelhos, como a composição corporal de massa gorda e massa magra31,32 e alterações metabólicas ou inflamatórias33,34. A força muscular também interage com a obesidade, podendo ser considerados os dois fatores mecânicos mais importantes na determinação da capacidade funcional de indivíduos com OA de joelhos35,36.

O presente estudo apresenta outras limitações. A escolha da amostra não se baseou em cálculo específico e contamos com um pequeno número de participantes. As participantes dos grupos apresentavam heterogeneidade quanto à idade e tempo de sintomas da OA de joelhos e não houve pareamento por essas variáveis.

Os resultados deste estudo demonstram que as inter-relações entre obesidade e OA de joelhos são complexas e agem de diferentes formas sobre a capacidade funcional de mulheres. Estudos explorando a funcionalidade dessa população devem levar em conta essas inter-relações e especificidades, a fim de contribuir para a compreensão dos impactos das doenças crônicas e os mecanismos de adaptação e reação a seus efeitos. Ainda há muito a ser explorado neste tema, com a observação de outras variáveis de influência e a ampliação das maneiras de se avaliar a capacidade funcional, incluindo não só a velocidade, mas outras características. A compreensão dos impactos das doenças crônicas sobre a funcionalidade humana pode levar à elaboração de estratégias de tratamento mais específicas e direcionadas às necessidades e possibilidades dos pacientes.

CONCLUSÃO

Os resultados permitem concluir que o grau de obesidade não teve impacto nos sintomas de dor, rigidez e dificuldades funcionais associadas à OA de joelho entre obesas e obesas mórbidas. No que se refere à capacidade funcional, o grau de obesidade teve influência diversa conforme o tipo de atividade: nos testes de marcha usual e subir escadas, as obesas mórbidas apresentaram pior desempenho, confirmando a hipótese do estudo. No entanto, nos testes de marcha rápida e descer escadas, atividades mais complexas e estressantes para a articulação do joelho, os dois grupos tiveram desempenhos semelhantes, sugerindo que outros fatores, além do grau de obesidade, podem influenciar o desempenho funcional de obesas com OA de joelhos.

Apresentação jul. 2007

Aceito para publicação abr. 2008

Estudo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da EEFFTO/UFMG - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2008
    • Recebido
      Jul 2007
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