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Editorial v. 29, n. 2 (2017) - Dossiê Corporeidade

A publicação do presente número da Fractal: Revista de Psicologia é motivo para celebração e resultado de um esforço de tessitura coletiva. Aqui celebramos parcerias: de amizades, práticas, saberes e instituições. Celebramos a universidade pública que resiste às adversidades políticas de nossos dias; celebramos uma academia que resiste a um modo soberano de produzir ciência, fazendo-se inventiva, porosa, apostando em alianças, militâncias e interfaces. Celebramos e ofertamos aqui, enfim, um modo de pesquisar e de produzir conhecimento que aposta na vitalidade de um pensamento-corpo que é tecido, necessariamente, na dobra entre teoria e prática, na transversalidade entre campos e saberes.

Apresentamos o Dossiê Corporeidade, uma celebração-partilha de textos de um coletivo de pesquisadores e instituições reunidos pelo Laboratório de Subjetividade e Corporeidade (CorporeiLabS) do Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em associação com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Faculdade Angel Vianna (FAV). O CorporeiLabS reúne professores e orientandos de três campi da UFF (Niterói, Rio das Ostras e Campos de Goytacazes), entre outros cursos, os de Dança (UFRJ, UFC, FAV) e de Terapia Ocupacional (UFRJ), constituindo-se não só interinstitucional, mas também, numa trama transdisciplinar.

Para este número, além de contarmos com a ampla participação de pesquisadores associados ao Laboratório, convidamos ainda, outros parceiros que pudessem enriquecer a discussão sobre o tema da corporeidade através de um enfoque teórico-prático, ampliando o diálogo com pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), do AND_Lab de Lisboa, e do Japão, alargando assim, nossas partilhas numa rede entre Psicologia, Dança, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva, Antropologia e Filosofia.

Que alegria tivemos em perceber que a maioria dos textos aqui apresentados narravam um conhecimento advindo da experiência, na urdidura de um saber encarnado. São textos que manifestam uma implicação comum com uma dimensão prática do pensamento inteligível-sensível sobre a corporeidade, articulado aos estudos da subjetividade. Nesta abordagem, consideramos que o ato de pesquisar demanda presença, contágio e intervenção, possibilitando novas narrativas. O Dossiê Corporeidade consolida, assim, uma das apostas do CorporeiLabS de constituir uma zona de interface entre processos de investigação da corporeidade e da subjetividade, consistindo um dispositivo de coletivização de pesquisas.

Neste sentido, o artigo de abertura do Dossiê, “Que lugar para a corporeidade no cenário dos saberes e práticas psis?”, começa a ser escrito coletivamente em meados de 2013, quando experimentamos dar um primeiro contorno às inquietações que nos aproximavam na época da formação CorporeiLabS: a necessidade de explicitar o tema da corporeidade nos saberes e práticas psis na contemporaneidade. No intuito de afirmar uma outra política de percepção a respeito da subjetividade, afirma-se nesse texto uma direção metodológica: incluir nos estudos da subjetividade sua relação intrínseca com os processos de corporeidade. Desde esta perspectiva se abre uma clínica e um modo de pesquisar como processualidades, em que a dimensão sensorial, ética, estética e política são convocadas. Em seguida, no artigo “Cabeça Dizpensa, corpo desvago: experimentações de um Laboratório de Sensibilidades”, é narrada uma experimentação com uma comunidade-corpo, que se modulou em uma performance, discutindo-se, dentre outras, as noções de intervenção e interferência. Em “Percepção e Ontogênese: modulações transdisciplinares da subjetividade”, o autor aborda a percepção a partir de uma perspectiva transdisciplinar onde o corpo emerge como sede dos processos cognitivos e foco das intervenções clínicas, como meio de constituição e transformação da subjetividade. As autoras do artigo “Arte, corpo, saúde e cultura num território de fazer junto” apresentam uma experiência que investe em estratégias de atenção e formação em Terapia Ocupacional em diálogo com as políticas públicas de saúde e cultura. O artigo “Práticas corporais e artísticas, aprendizagem inventiva e cuidado de si” apresenta também experimentações com o corpo, que envolvem a dança, a música, as artes e a escrita e discute as relações entre Aprendizagem Inventiva, experiência estética e o cuidado de si. Já no artigo “Volume Morto: performance e corporeidade”, assistimos uma descrição do processo de pesquisa e criação de um espetáculo que é campo de partida de um relato sobre performance, memória corporal e relações estético-políticas. O artigo “Corposições entre o ver, o dizer e o agir” enuncia as questões que mobilizam um coletivo de investigação entre dança e clínica, explicitando o “como”, “onde” e “quando” os campos de atuação de seus integrantes se imbricam para construir um corpo comum. A seguir, o artigo “A dança como política do encontro com pessoas e lugares” partilha experiências do projeto “Cartografias do Corpo na Cidade”, destacando os processos de errância e ocupação afetiva como prática artística de re-existência.

Em “O corpo cultivo da arte”, os autores discorrem sobre uma pesquisa aberta ao convívio acadêmico que consiste no compartilhamento dos corpos, seu poder de afetar e contrair memória, apostando no corpo cultivo da arte como dispositivo micropolítico de resistência. “O dispositivo de oficinas de corpo e a questão da recalcitrância” apresenta uma análise sobre as oficinas de sensibilização realizadas num Serviço de Psicologia Aplicada, a partir da seguinte pergunta metodológica: como gerar uma disponibilidade afetiva sem cair na docilidade?

Em “Pistas somáticas para um estudo da corporeidade: uma aprendizagem das sensações”, a autora apresenta algumas pistas para um estudo da corporeidade a partir da metodologia de aprendizagem somática evidenciando-a como uma aprendizagem do/pelo corpo vivido. Para tanto, se aproxima da abordagem somática Body Mind Centering. Em seguida, “Transversalidades corporais: o corpo entre clínica, educação e saúde” pretende mostrar que um corporalismo capaz de transversalizar clínica, saúde e educação irá implicar-se eticamente em produzir alegria, porém, tomando-a como afeto que norteia o exercício educacional e promotor de saúde de ampliar a capacidade de agir e ser afetado. Ainda, o artigo “Corpo, metamorfoses, cuidados: uma formação possível com profissionais de saúde” apresenta uma proposta de intervenção no campo da formação em saúde denominada “clínica da metamorfose”.

Por sua vez, a autora de “Modulações do existir: entre luzes e sombras” analisa que a partir de um sentido crítico sobre abordagens somáticas, pesquisadores contemporâneos apresentam sintonia com uma clínica que se constitui nos intervalos da comunicação linguageira, apresentando uma distância crítica das práticas de assujeitamento. Em “Performers sem Fronteiras, uma plataforma clínico-performativa de ações em arte relacional” os autores narram o trabalho da plataforma clínico-performativa que trabalha em contextos de pessoas em situação de trauma pontual ou crônico, bem como em ações de cultivo e promoção de saúde, abordando a interface arte/cura a partir do conceito de PARC (Performances de Arte Relacional como prática de Cura). No artigo “Por uma política do co-passionamento: comunidade e corporeidade no Modo Operativo AND”, são apresentadas as questões do comum e da comunidade, articulando a ferramenta-conceito co-passionamento e as consequências que tomam (e fazem) corpo através da sua frequentação.

Finalizando este Dossiê, “Corporeidade e violações de direitos humanos: saúde e testemunho” traz uma reflexão a partir da experiência profissional dos autores como coterapeutas de um grupo, abordando a especificidade da violência praticada por agentes do Estado em suas dimensões ético-estético-políticas. Na sessão “Depoimento”, “Conversas precisamente incertas com Kuniichi Uno” trata de conversas com o filósofo japonês Kuniichi Uno, feitas presencialmente e por mensagens eletrônicas, a respeito de seu trabalho, que envolve pesquisa sobre delineações do corpo na dança e na filosofia.

Por fim, nossa aposta na feitura afetiva desse Dossiê se sustenta num gesto de afirmação de uma micropolítica da dimensão sensível do corpo e de um modo coletivo de produzir conhecimento nos campos por onde passeia nossa escrita: a arte, a clínica, a política e os processos de formação.

Desejamos que os leitores possam ser tocados por nossas inquietações e que tenham uma boa leitura!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017
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