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A psicologia ampliando a visão de mundo das e para as coletividades

Chegamos ao final de 2022 trazendo a público o volume 34 da Fractal: Revista de Psicologia. Aproveitamos para informar, com grande satisfação, que neste ano aderimos à modalidade de “publicação contínua” de artigos, uma tendência que vem ganhando força no Brasil. Trata-se de uma modalidade que acelera os processos de comunicação das pesquisas, não sendo necessário esperar que se feche um número do periódico para publicar os artigos; os trabalhos aprovados podem ser imediatamente publicados, o que disponibiliza, de imediato, sua leitura e citação. Assim, não há mais uma frequência determinada, como trimestral, semestral ou quadrimestral - é importante registrar que, no Brasil, a publicação contínua já é indicada pela coleção SciELO desde 2015 e, em 2016, 12 periódicos já adotavam essa modalidade de publicação (PERIÓDICOS..., 2022PERIÓDICOS DE MINAS. Saiba tudo sobre publicação contínua. Página modificada em 12 nov. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.periodicosdeminas.ufmg.br/saiba-tudo-sobre-publicacao-continua/ . Acesso em: 12 nov. 2022.
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).

Dito isso, comunicamos, com não menos satisfação, que a Fractal recebeu, como tem sido recorrente, um grande volume de manuscritos em 2022, não só de pesquisadores das várias regiões e instituições do País, como também do exterior. A variedade temática das pesquisas demonstra o vasto campo de possibilidades da Psicologia como área de estudo científico e como profissão. Os autores, engajados no labor da investigação e resilientes diante das adversidades, revelam-se dispostos a fortalecer a qualidade da pesquisa acadêmica, ampliando, consequentemente, a visão de mundo das e para as coletividades. Como é próprio das Ciências Humanas, são estudos que compreendem o ser humano a partir de suas produções e relações sociais e que reforçam a importância da construção do pensamento; estudos que se valem, dentre outros métodos, “da dialética ou confrontação de perspectivas teóricas do mundo em seu processo de desenvolvimento” (MIRANDA, 2020MIRANDA, Léo. Ciências humanas para quê?. Hoje em dia, 27 ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/educa%C3%A7%20%C3%A3o-1.333457/ci%C3%AAncias-humanas-para-qu%C3%AA-1.801428 . Acesso em: 12 abr. 2022.
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). Como relatou a cientista política Danielle Allen, professora da Universidade de Harvard, “sem os conhecimentos das Ciências Humanas não é possível entender a sociedade” (BARIFOUSE, 2019BARIFOUSE, Rafael. ‘Ciências humanas são tão importantes quanto exatas e biológicas’, diz professora de Harvard. BBC News Brasil, 30 abr. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48070180 . Acesso em: 11 mar. 2022.
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).

Encerramos este ano bastante satisfeitos com a qualidade das reflexões e com o que elas representam para o avanço dos debates no campo da Psicologia, em diálogo com diferentes áreas do conhecimento.

Agradecemos a todas(os) as(os) autoras(es) que, neste ano de 2022, colaboraram conosco, permitindo-nos garantir o privilegiado espaço para a discussão e disseminação do saber.

O presente volume se abre com o artigo Linguística e produção de subjetividade: relações esboçadas, de Veronica Gurgel. Tomando como base os estudos de Saussure, Austin, Deleuze e Guattari, a autora investiga as concepções formalista e pragmática da linguagem, buscando apontar as possíveis consequências dessas concepções para a forma como a literatura é abordada e compreendida e como se vincula à produção de subjetividade.

Entre o esbelto e o obeso: narrativas de mulheres que fizeram cirurgia bariátrica, de Janaide Moreno e Karina Moutinho, apresenta um estudo no campo de abordagem narrativista, utilizando o conceito de “posição” para auxiliar a compreensão da construção de sentidos de si por parte das mulheres que fizeram cirurgia para redução de peso.

Acessibilidade no ensino superior: percepções de funcionários com deficiência, de Ana Paula Siltrão Bacarin e Nilza Sanches Tessaro Leonardo, objetiva verificar as condições de acessibilidade de uma instituição pública de ensino superior, localizada no Paraná, a partir da percepção de funcionários com deficiência.

Epistemologia e formação do psicólogo: discussões contemporâneas, de George Moraes De Luiz e Thiago Araújo Bezerra de Sousa, discute a formação do psicólogo a partir de seu campo epistemológico e de seus desafios contemporâneos. O estudo parte da constituição histórica e teórica da psicologia para investigar as complexas demandas da formação e da atuação profissional.

Formação generalista: a percepção de egressos de psicologia, de Fabrício Magalhães Santana, Geusa de Amorim Sousa e Marcelo Silva de Souza Ribeiro, objetiva identificar a percepção dos egressos de um curso de graduação em psicologia, numa universidade federal nordestina, acerca da formação generalista, considerando a sua história “recente” junto à expansão universitária no Brasil e a sua conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais.

Práticas em psicologia, formação e resistência da vida, de Tânia Maia Barcelos, reflete sobre possibilidades de resistência da vida na universidade e no processo de formação dos estudantes, a partir de duas práticas desenvolvidas no Curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão: o Sarau Psi (ação de extensão e cultura) e a Roda de Cantoria no CAPS (atividade do estágio supervisionado específico).

A Psicologia em ‘Doença Mental’ e Psicologia de Michel Foucault, de Fernando de Almeida Silveira, Ana Paula Vicente de Oliveira e Richard Theisen Simanke, estuda a ordem do discurso foucaultiano sobre a psicologia no livro Doença Mental e Psicologia. O objetivo é oferecer subsídios para a compreensão da história dos discursos da psicologia, no que se refere à edificação do sujeito e do objeto psicológicos e aos seus efeitos subjetivadores e contemporâneos.

Arte ambiente alteridade: formação inventiva entre universidade e escola básica, de Ana Luiza Gonçalves Dias Mello e Rosimeri de Oliveira Dias, apresenta uma perspectiva ética-estética-política de formação realizada entre universidade e escola básica. Os três eixos em questão emergem da experiência de professoras que optaram por práticas inventivas em seus territórios de trabalho e criaram um coletivo, propondo análises e intervenções em uma escola pública da periferia do estado do Rio de Janeiro.

Spinoza e práticas clínicas em psicologia: algumas considerações, de Anelise Lusser Teixeira, é um ensaio teórico que pretende elencar algumas questões acerca das possíveis contribuições de Spinoza para a compreensão dos modos de subjetivação e, consequentemente, para as práticas clínicas de psicologia nos dias de hoje.

Mães de bebês em UTIN: rede de apoio e estratégias de enfrentamento, de Carolina Daniel Montagner, Nadja Guazzi Arenales e Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues, demonstra como a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, embora seja um ambiente de cuidados especiais para garantir a sobrevivência de recém-nascidos, tende a suscitar, nas mães e familiares, percepções e sentimentos ambíguos sobre os eventos relacionados à internação e, ainda, alterar a saúde emocional dos envolvidos.

Cidade de Deus em 360º, de Samanta Antoniazzi e Amadeu de Oliveira Weinmann, investiga, com base em uma pesquisa psicanalítica, como o filme de Fernando Meirelles denuncia a barbárie das periferias brasileiras e o genocídio da juventude negra do país. Ao apontar o filicídio na cultura e o extermínio de novas gerações, orquestrado por estruturas de poder que visa sustentar posições de gozo, o estudo descreve o que se repete regularmente, mas também aponta as possibilidades de inscrição de uma diferença.

Visita a exposições artísticas: considerações acerca da recepção estética, de Liah Cavalcante, Flavia Liberman e Maurício Lourenção Garcia, é o resultado de uma pesquisa anterior, que explorou a recepção estética e a experiência de visitar exposições de arte com usuárias de um Núcleo de Apoio Psicossocial da cidade de Santos. O estudo aponta como a recepção estética se produz de modo singular para cada sujeito, de acordo com suas histórias de vida, experiências e conhecimentos particulares, entre outros fatores.

Vida e trabalho de refugiado: a imagem como experiência do olhar a partir de uma obra de Escher, de Laura Alves Scherer e Carmem Ligia Iochins Grisci, discute a experiência do olhar frente à imagem. O estudo tomou como objeto de estudo a xilogravura “Dia e Noite”, de Maurits Cornelius Escher, e utilizou como base teórica os conceitos de espaço liso e estriado, de Deleuze e Guattari, imbricados em referencial relativo à situação de refugiado.

Todo mundo tem história?”: experiências de ex-internos em hospital psiquiátrico, de Gláucia Miranda e Gustavo Zambenedetti, realizou um estudo qualitativo, utilizando-se do método de História de Vida Focal e de realização de entrevistas, para compreender a experiência de pessoas em sofrimento psíquico grave nos períodos de internação e pós-internação no extinto Hospital Psiquiátrico Franco da Rocha (HPFR-SP).

Michael White: marcos teóricos da Prática Narrativa, de Maria Salete Matheus e Simone Dill Azeredo Bolze, objetiva reconhecer, integrar e organizar as várias informações dispersas na literatura sobre a Prática Narrativa. Para tanto, realiza uma revisão de literatura com destaque para a caracterização do panorama teórico da pós-modernidade e para a interlocução de Michael White com Bruner, Bateson, Foucault, Vygotsky e Derrida. A ideia é a de que o estudo teórico pode favorecer o terapeuta a criar contextos propiciadores de mudança, o que pode contribuir para o processo psicoterapêutico.

¿Quién gobierna? Gobernamentalidad en la intervención de adolescentes infractores en el sur de Chile, de Jimena Carrasco Madariaga, Camila Vaga-Mosquera e Gonzalo Bustamante-Rivera, objetiva compreender a articulação entre tecnologias governamentais e práticas de subjetivação de adolescentes com violação da lei em um programa de Liberdade Assistida no sul do Chile. Para tal, utilizou a metodologia qualitativa de estudo de caso de um programa que considerou entrevistas com intervenientes, observação de oficinas, análise de documentos e perfis de Facebook.

Intervenções riso-clínicas: entre palhaços e trabalhadores na educação permanente em saúde mental, de Rita Pereira Barboza e Analice de Lima Palombini, traz uma pesquisa em psicologia social e institucional a partir dos encontros entre a pesquisadora, como palhaça e como psicóloga, e os trabalhadores, discutindo as relações da palhaçaria com a saúde mental e investigando os diferentes modos de trabalhar e de cuidar nesse contexto.

A medicalização do sofrimento psíquico na cultura do hiperconsumo, de Marcio Acselrad e Davi Barros Tavares, investiga os fatores da cultura do hiperconsumo que funcionam como dispositivos que favorecem o processo da medicalização generalizada, considerando que o enfraquecimento da capacidade ordenadora de instituições como igreja e escola levou o sujeito a buscar no consumo de bens e serviços uma fonte de segurança, além do uso de medicamentos que aliviam o sofrimento psíquico gerado pelo sentimento de desamparo.

O território, as redes e suas (im)potências: o cuidado aos usuários de álcool e outras drogas em um CAPSad, de Mayara Aparecida Bonora Freire e Silvio Yasui, analisa as potencialidades e possibilidades do CAPS ad como oferta de cuidado às pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas e sua atuação junto à rede, a partir do relato de uma experiência em um CAPS ad de um município do interior do estado de São Paulo.

Psicanálise e linguística: intersecções e cortes, de Maria Lúcia da Silva Bueno, Carlos Henrique Kessler e Rodrigo Wieczorek, revisita alguns conceitos linguísticos, como linguagem, língua, discurso, signo linguístico e significante, e suas articulações com o campo lacaniano no que diz respeito, principalmente, à lógica do significante. O estudo analisa referências da linguística em Saussure, Jakobson e Benveniste, além de textos de Lacan e leituras contemporâneas afins, com o objetivo de mostrar alguns pontos do caminho teórico percorrido por Lacan sob a influência da linguística, considerando, porém, seu modo singular de apreender e utilizar esses conhecimentos.

Vazios do Trabalho, de Tanise Kettermann Fick e Rosane Azevedo Neves da Silva, investiga os sentidos do trabalho e o lugar da psicologia em um órgão público voltado para a qualificação profissional e a geração de emprego e renda. O artigo aponta que o vazio de sentido vivenciado no cotidiano de trabalho se abre em imagens/cenas que, narradas na forma escrita, transformam o vazio em experiência.

Repetir, repetir - até ficar diferente: cartografia de um cuidado, de Isaac Linhares de Oliveira e Juliana Sampaio, resulta de uma pesquisa sobre o cuidado em saúde mental em uma Unidade Integrada de Saúde da Família (USF) do município de João Pessoa-PB. O estudo discute as potencialidades da atenção básica na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e os ainda persistentes equívocos da centralidade do saber-poder psiquiátrico na reprodução de práticas manicomiais.

Horta comunitária e Psicologia Social: um relato de experiência, de Marília Alves dos Santos, Wellinton Daniel Baptista da Silveira Bonaci e Laís Sandi Foganholo, reporta-se a uma atividade desenvolvida junto a um grupo intergeracional de horta comunitária em uma instituição de assistência social de um município do interior do estado de São Paulo, com o objetivo de promover o desenvolvimento humano e fomentar a formação grupal entre seus participantes.

Os sentidos de trabalho e escola construídos por adolescentes trabalhadores, de Ramiro Rodrigues Coni Santana e Marilena Ristum, utiliza-se da Teoria da Subjetividade para compreender a produção de sentidos de trabalho e escola entre adolescentes de ambos os sexos que vivenciam a experiência de trabalhar e estudar em zonas urbanas e rurais do estado da Bahia.

Juventude, contexto social e medidas socioeducativas: trajetórias de (des)proteção social?, de Erlayne Beatriz Félix de Lima Silva, Maria de Fatima Pereira Alberto e Cibele Soares da Silva Costa, analisa o contexto social de jovens do gênero masculino que cumpriram medidas socioeducativas de internação no estado da Paraíba. O estudo aponta como as questões sociais advindas do conflito de classe, centrado no modo de produção capitalista, configura um espaço que não garante as condições plenas para o desenvolvimento biopsicossocial desses jovens.

A mãe de Hans ou a versão edipiana da mãe, de Cristina Moreira Marcos e Carla de Abreu Machado Derzi, investiga, a partir do caso Hans, relatado por Freud, a relação da mãe com a sua criança, quando a mãe se situa no lugar do falo imaginário, e as consequências vislumbradas nessa relação.

Espaço de conversa sobre o trabalho e o trabalhar: breve análise de uma prática de psicodinâmica do trabalho em uma instituição de ensino, de Vivian Heringer Pizzinga, Rafaela Gonçalves e Gustavo Marchiori, apresenta um relato de experiência realizada em uma das unidades de uma instituição da rede federal de educação, no Rio de Janeiro, em que se propôs uma atividade inspirada no espaço de discussão sobre o trabalho, com base na psicodinâmica do trabalho de Christophe Dejours.

O ensaio Leitura de textos literários como subversão à linguagem do poder, de Marlo Lopes, Francisco Wellington de Sousa Barbosa Jr. e José Clerton Martins, propõe apontamentos sobre as especificidades da leitura de textos literários como experiência potencialmente formadora de novos sentidos para o leitor, uma vez que se revela como um âmbito de produção de singularidades, e subversiva à linguagem normatizada e normatizadora do cotidiano, instigando no leitor a interrogação sobre o mundo concreto ao seu redor e seus discursos hegemônicos.

Desejamos a todos(as) um bom proveito das leituras!

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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