Open-access Governamentalizando a liberdade e o gênero: pequenas notas genealógicas sobre a reforma psiquiátrica brasileira no seu cotidiano

Governmentalizing Freedom and Gender: Brief Genealogical Notes on Brazilian Psychiatric Reform in Everyday Life

Gubernamentalizando la libertad y el género: pequeñas notas genealógicas sobre la reforma psiquiátrica brasileña en su cotidiano

Resumo

Este artigo tem como objetivo inicial tomar o conceito de governamentalidade para compreender os modos de gestão presentes nas práticas psi, especialmente as presentes em dispositivos da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Essa análise será empreendida por meio do exame de prontuários que registram os modos cotidianos de condução dos casos que se passam no interior dos CAPS. Considerando a possível existência de distintos modos de governamentalidade, discutiremos seus sentidos, apontando para formas muito singulares de gestão moduladas segundo as divisões de gênero. A partir deste ponto, destacaremos como as divisões de gênero têm sido objetos de intervenção e orientação nos modos de governo por parte das práticas psi ao longo da história. Concluiremos, por fim, com uma retomada da discussão dos dispositivos da sexualidade de modo singular a partir das questões levantadas pela pesquisa.

Palavras-chave:
governamentalidade; reforma psiquiátrica brasileira; liberdade; gênero; sexualidade

Abstract

The initial objective of this article is to use the concept of governmentality to understand the modes of management present in psychiatric practices, especially those present in Brazilian Psychiatric Reform devices such as the Psychosocial Care Centers (CAPS). This analysis will be carried out by examining medical records which record the daily ways in which cases are managed within the CAPS. Considering the possible existence of different modes of governmentality, we will discuss their meanings, pointing to very unique forms of management modulated according to gender divisions. From this point on, we will highlight how gender divisions have been objects of intervention and guidance in the modes of government by psy practices throughout history. Finally, we will conclude with a discussion of the devices of sexuality in a unique way based on the issues raised by the research.

Keywords:
governmentality; brazilian psychiatric reform; freedom; gender; sexuality

Resumen

El objetivo inicial de este artículo es utilizar el concepto de gubernamentalidad para comprender los modos de gestión presentes en las prácticas psiquiátricas, especialmente en los dispositivos de la Reforma Psiquiátrica Brasileña, como los Centros de Atención Psicosocial (CAPS). Este análisis se realizará a partir del examen de historias clínicas que registran los modos cotidianos de gestión de los casos dentro de los CAPS. Considerando la posible existencia de diferentes modos de gubernamentalidad, discutiremos sus significados, apuntando a formas muy singulares de gestión moduladas según las divisiones de género. A partir de ahí, haremos hincapié en cómo las divisiones de género han sido objeto de intervención y orientación en los modos de gobierno por parte de las prácticas psi a lo largo de la historia. Finalmente, concluiremos con una discusión sobre los dispositivos de la sexualidad de forma singular a partir de las cuestiones planteadas por la investigación.

Palabras clave:
gubernamentalidad; reforma psiquiátrica brasileña; libertad; género; sexualidad

Governamentalidade e técnicas de segurança: o brilho eterno de conceitos efêmeros

A breve existência do conceito de governamentalidade está em consonância com a trajetória dos demais conceitos propostos por Foucault ao longo dos seus escritos. Este rápido trânsito reforça o aspecto estratégico das formulações deste autor, sempre voltadas para as problematizações e lutas quanto à alguma questão presente, como indica Goldman (1998). Assim, buscaremos, como regra fundamental de análise do conceito de governamentalidade, o destaque dos seus trânsitos contingentes, plurais e efêmeros, contornando a tentação de unificá-lo e de encaixá-lo em uma espécie de sistema filosófico. Quais transformações podemos acompanhar no conceito se seguirmos os cursos Segurança, Território e População (Foucault, 2006), proferido em 1977-1978, e Nascimento da biopolítica (Foucault, 2007), proferido em 1978-1979, nos quais o autor trabalha, de distintos modos, o tema da governamentalidade?

O curso Segurança, Território e População (Foucault, 2006) se inicia apontando para a singularidade das chamadas técnicas de segurança, identificadas como manifestação essencial da biopolítica, em oposição às práticas soberanas e disciplinares, de forma distintas da apresentada no curso Em defesa da Sociedade (Foucault, 2010), onde o biopoder coligava biopolítica e disciplina (ou anatomopolítica). Assim, são tomados alguns temas - como os modos de justiça, as estratégias de combate a doenças infecciosas, os modelos de cidades, as formas de combate à fome e circulação de grãos -, por meio dos quais são destacadas as formas de atuação da técnicas de segurança/biopolítica, sendo estas: a operação por meio das contingências (e não regras ou leis), a máxima atenção às variações do meio (e não a busca de atributos nos indivíduos), a busca de um funcionamento ótimo através de médias e dispositivos estatísticos (e não cálculos ou valores precisos) e a consideração aguçada das multiplicidades e dos acontecimentos (contrário a princípios unificantes). A proposta inicial do curso estava, então, voltada para a definição destas técnicas de segurança acopladas a alguns temas que, finalmente, conduziriam à noção e à realidade da população como sujeito e objeto destas técnicas (Foucault, 2006, p. 27).

Muitos comentadores confundem estas técnicas de segurança com um conceito que surge no mesmo curso na sua quarta aula: o de “governamentalidade”. No entanto, mais do que uma simples identidade, entre ambos haveria um corte, dado nesta aula de primeiro de fevereiro de 1978, em que Foucault restabelece a direção deste curso e do seguinte (Foucault, 2006, 2007). Assim, há uma mudança radical de questão e de tema do curso; a pergunta central passa a ser: como o Estado se governamentaliza, voltando-se para a população? Quanto à mudança de tema, esta se faz perceptível nas próprias palavras do autor, quando diz: “se tivesse querido dar ao curso proposto este ano um título mais exato… não haveria escolhido ‘Segurança, território e população’. O que queria fazer agora, se tivesse verdadeiro interesse em fazê-lo é algo que chamaria uma história da ‘governamentalidade’” (Foucault, 2006, pp. 135-136).

É exatamente isso que Foucault faz a partir desta aula, representando uma guinada na sequência do curso: saem as técnicas de segurança e a biopolítica e entram a governamentalidade como conceito central, junto às outras condições de possibilidade (o “poder pastoral”), as outras formas de manifestação (o “Estado de Polícia” e a “Razão de Estado”, por um lado, e as formas liberais e neoliberais de governo, por outro) e, até mesmo, uma nova definição de poder embasado, não mais em um modelo bélico-guerreiro, mas nas ações livres (Caliman, 2002). Governamentalidade, aqui, é proposta como uma arte, ou “a maneira meditada de fazer o melhor governo e também [...] sobre a melhor forma possível de governar” (Foucault, 2007, p. 17). Posteriormente, o conceito ganha formulações mais simplificadas como “maneira de condução da conduta dos homens” (Foucault, 2007, p. 208).

Em alguns trabalhos (Ferreira; Santos, 2021; Ferreira et al., 2024), descrevemos um modo mais detalhado os trânsitos do conceito de governamentalidade no curso Segurança, Território e População (Foucault, 2006), destacando a sua condição de possibilidade (o poder pastoral), os seus modos históricos e, principalmente, as manifestações da forma liberal de governo. Neste texto, de maneira mais reduzida apresentaremos apenas o trânsito das formas clássicas às liberais, e, principalmente, às neoliberais (esta no curso Nascimento da biopolítica, Foucault, 2007). No curso Segurança, território e população, Foucault (2006) trabalha genealogicamente modos com que a governamentalidade se implementa como forma estatal na Europa ocidental, especialmente a partir do século XVI. Desse modo, a governamentalidade moderna se estabeleceria no conjunto partilhado entre três figuras: (1) uma Razão de Estado, que buscaria determinar as definições e necessidades essenciais deste enquanto entidade singular; (2) o ajuste diplomático das forças entre os estados; e (3) os dispositivos de polícia, enquanto conjunto de objetivos, objetos e instrumentos internos do Estado a fim de controlar homens e riquezas (e não apenas a segurança). Esta racionalidade governamental se manifestaria através de uma série de manuais como os de La Perrièrre, Bottero, Palazzo e outros, e não estaria presente nos tratados políticos clássicos, como os textos de Maquiavel.

Na sequência, essas formas governamentais do Estado de Polícia são postas em questão através de alguns grupos como os fisiocratas, especialmente a partir do século XVIII. Estes modos de gestão são problematizados em nome do mercado (Foucault, 2006) ou, ainda, da sociedade civil (Foucault, 2007). Ao longo do tempo, esse processo é invertido: o mercado, a partir do século XX, torna-se não apenas um instrumento crítico do governo, mas a própria racionalidade do modo de funcionamento deste, que passa a regular outros domínios, como a família, a natalidade, a delinquência e a política penal (Foucault, 1997, p. 96). Inaugura-se aqui um modo de governo liberal, embasado no acompanhamento do movimento das populações enquanto processos naturais por meio de saberes diversos. Esta atuação já não se trata de uma regulamentação do Estado: a intervenção estatal artificial pode se tornar prejudicial, na medida em que a natureza dos mais diversos processos deve ser autorregulada A liberdade, aqui, não seria tanto um conceito, mas passa a ser uma técnica de governo.

No curso seguinte, Nascimento da biopolítica (Foucault, 2007), são buscadas formas mais contemporâneas de condução da conduta, nas quais termos como a empresa e o capital humano se oferecem como figuras-chave na compreensão de fenômenos coletivos, como a organização familiar ou o controle das drogas, trabalhados agora a partir de possíveis condições artificiais de regulação (e não mais de fluxos naturais, como na fisiocracia). De forma sutilmente semelhante às técnicas de segurança, tais fenômenos são avaliados por vetores como relações com o ambiente, custos econômicos, riscos, investimento e benefícios. Feitas estas análises que conduzem à proliferação de novas analíticas do poder, perguntamo-nos: como, entre as novas formas apresentadas neste texto (técnicas de segurança, estado de polícia, formas liberais e neoliberais de governo), podem ser pensadas tecnologias de poder presentes em práticas psicológicas contemporâneas?

Formas de governo e práticas psi: novas historiografias críticas para a Reforma Psiquiátrica Brasileira

As pistas para pensar a relação entre a psicologia e as formas de governo são raras nos dois cursos. Estas poucas pistas podem ser encontradas exclusivamente no curso Nascimento da biopolítica, no qual Foucault (2007) estabelece paralelos entre o anarcoliberalismo de Chicago e o behaviorismo radical de Skinner. Por meio da análise do Homo economicus, a conduta é vista como o produto de uma interação contingente com o meio, orientada em função de um conjunto de ganhos e perdas. Seria esta gestão complexa a partir de vetores do meio que marcaria uma série de estratégias comuns. Sigamos Foucault (2007, p. 308-309):

Todos estes métodos cujas formas mais puras, mais restritas ou mais aberrantes, como prefiram, encontramos em Skinner, e que consistem justamente em não analisar a significação das condutas, mas em saber, nada além, de como poderá um dado jogo de estímulo[s], através dos mecanismos de reforço, provocar respostas cuja sistematicidade seja possível notar, e a partir das quais podem se introduzir outras formas de comportamento; todas estas técnicas comportamentais mostram com claridade que, de fato, a psicologia, entendida desta maneira pode entrar na definição da economia tal como propõe Becker.

Para pensar de forma mais decisiva esta articulação entre os modos de governo e o surgimento dos saberes psicológicos, o trabalho inicial de Nikolas Rose, durante os anos 1980 e 1990, foi crucial. No trabalho Inventing our selves (1998), vemos a discussão de temas como os modos de se fazer a história da psicologia, a história do self, a psicologia social, dentre outros. No capítulo três deste livro, Rose estabelece a articulação entre práticas psicológicas e as artes de governo liberal de uma dupla maneira: (1) através das técnicas de inscrição que permitiram que as subjetividades se tornassem acessíveis às técnicas de governo; e (2) através da constituição de políticas múltiplas que visariam conduzir a conduta de indivíduos, não somente através do controle, da disciplina e da norma, mas principalmente através da sua liberdade e da atividade, instigando-os a se tornarem mais inteligentes, empreendedores, dóceis, produtivos e dotados de alta autoestima.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, nota-se que as técnicas de inscrição, conceito tomado de Bruno Latour, permitem, antes de tudo, a tradução entre “os objetivos e aspirações daqueles que se encontram em um determinado ponto - departamentos de estado, comitês de experts, profissionais, gerentes” (Rose, 1998, p.76) e “os cálculos e as ações daqueles que estão distantes deles no espaço e no tempo, como agentes de saúde, professores, trabalhadores, pais e cidadãos” (Rose, 1998 p. 77). Um exemplo deste primeiro aspecto vem da área dos testes mentais, considerada a primeira área bem-sucedida na inscrição das diferenças individuais vinculada aos atributos da alma humana. Trata-se de um alcance bem distinto do alçado pela psiquiatria no século XIX, que buscava traços diferenciais dos indivíduos mentalmente enfermos em histórias de vida, parentescos, imagens fisionômicas, posturas e traços diversos.

Quanto ao segundo sentido, Rose (1998, p. 73) supõe que uma das marcas da psicologia no seu percurso histórico foi a de se disseminar maciçamente em sociedades liberais e democráticas; ainda que tenha estado presente em governos autoritários, nestes ela não teria se perpetuado na mesma escala. Ela teria esta distribuição maciça em sociedades liberais uma vez que governar cidadãos neste contexto não significa governá-los apesar de suas liberdades e escolhas, e sim através destas. Assim, por um lado, o indivíduo é livre e autônomo, mas, por outro, precisa governar a si mesmo, sendo controlado por sua própria responsabilidade e conforme sua natureza psicológica. Sigamos Rose (1998, p. 77): “Somente quando tais práticas autorregulatórias se instalaram nos sujeitos, tornou-se possível desmantelar a massa de prescrições e proibições detalhadas relativas às minúcias da conduta, que se mantiveram apenas em instituições limitadas e especializadas: penitenciárias, casas corregedoras, escolas, reformatórios e fábricas”. As formas de liberdade que nós vivemos hoje estão intimamente ligadas a um regime de individualização no qual os sujeitos já não são meramente livres para escolher, mas são obrigados a serem livres, ainda que sejam controlados pelas suas formas de responsabilidade e por suas supostas naturezas.

Ainda que Rose (2007) tenha mais diretamente tomado o conceito de governamentalidade em alguns dispositivos psiquiátricos, não encontraremos referências desta noção na análise de tais dispositivos em Foucault, ainda que pese a análise seminal deste autor em alguns livros como História da loucura (1978) e cursos como O poder psiquiátrico (2010). A divisão entre razão e desrazão com o triunfo do alienismo (Foucault, 1978) e a análise do surgimento da psiquiatria orgânica (Foucault, 2010) seguramente poderia ser descrita conforme termos de dispositivos policiais e disciplinares de governo (Ferreira et al., 2012). Mas e quanto a mecanismos mais complexos no domínio das reformas psiquiátricas atuais, baseadas em termos como liberdade e cidadania? Em uma entrevista concedida no ano de 1983 a Dreyfuss e Rabinow, assim o pensador francês fornecia um exemplo interessante da problematização do presente:

Acho que a escolha ético-política que devemos fazer a cada dia é determinar qual é o principal perigo. Tomemos como exemplo a análise de Robert Castel sobre a história do movimento da antipsiquiatria (A Gestão dos Riscos). Eu concordo inteiramente com a posição de Robert Castel, mas isto não quer dizer, como alguns supõem que os hospitais psiquiátricos são melhores do que a antipsiquiatria; isto não significa que não possamos criticar estes hospitais. Penso que seria bom fazê-lo, pois eles eram o perigo. E agora está bastante claro que o perigo mudou. Por exemplo, na Itália, fecharam todos os hospitais para doentes mentais, e há mais clínicas particulares etc. - novos problemas surgiram (Foucault, 1995, p. 256).

De maneira mais específica, pensando em um cenário nacional, como seria possível trazer algumas problematizações genealógicas a nossos dispositivos reformistas? Em geral, estes processos, apesar de cunhados como “reforma”, são celebrados como uma espécie de “revolução” que teria libertado a “loucura” das cadeias da velha psiquiatria. Para tal, se produziram grandes narrativas históricas com estilo historiográfico revolucionário na luta entre as forças libertadoras de trabalhadores, familiares e usuários contra as forças conservadoras da psiquiatria e da indústria farmacêutica (cf. Amarante, 1995; Santos, 2023). De forma um pouco diversa, pensamos que uma abordagem genealógica (ao tentar dar conta dos problemas atiais) possa fornecer armas potentes para esta batalha. Nesta perspectiva, destacada por Huertas (2001), Wadi (2014) e Venâncio e Cassilia (2000), buscaremos estudar o processo da RPB por meio de uma série de práticas cotidianas e estratégias presentes em sua implementação nas novas instituições (e não tanto em personagens, leis e grandes movimentos). Com isto, buscaremos abrir espaço para a problematização de processos específicos, operando de formas distintas das narrativas de caráter mais revolucionário (e mesmo celebratório).

Uma história da Reforma psiquiátrica brasileira através do cotidiano: o que os prontuários podem contar

Como esta análise genealógica, em termos de modos de governamentalidade, poderia ganhar formas concretas de análise histórica? A estratégia utilizada nesta pesquisa consistiu na leitura, transcrição e análise de prontuários de usuários(as) de dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade do Rio de Janeiro: o CAPS Rubens Corrêa e o CAPS Clarice Lispector. A escolha desses dois serviços especificamente se deu de forma conectada aos objetivos da própria pesquisa: rastrear as mudanças e continuidades nos regimes de condução de conduta que se deram no cotidiano da implantação dos dispositivos da RPB desde os anos 1980, considerando que os prontuários, em alguns casos, seguiam junto com cada usuário(a) em seu percurso entre instituições pré e pós reformistas.

A escolha do CAPS Rubens Corrêa, localizado no bairro de Irajá, ocorreu por ter sido o primeiro CAPS do Rio de Janeiro, fundado em 1996. Por esse motivo, o acesso aos seus prontuários mais antigos permite acompanhar, de forma mais detalhada, os processos de transformação das práticas terapêuticas asilocêntricas em estratégias psicossociais. Já a escolha do CAPS Clarice Lispector, localizado no bairro do Engenho de Dentro, deu-se por ter sido este um serviço criado para auxiliar no atendimento dos usuários desospitalizados do antigo Hospital Psiquiátrico Dom Pedro II - atualmente Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMASNS). Por esse motivo, é grande a probabilidade de serem encontrados prontuários que retratem a transição do modelo terapêutico asilar para dispositivos de portas abertas.

À primeira vista, os prontuários podem ser vistos como meros documentos administrativos para o controle interno e externo nos CAPS. Contudo, a riqueza encontrada nos registros está conectada com a diversidade de informações que dizem respeito ao usuário e ao modo de condução de sua conduta em acordo com os novos dispositivos reformistas, retraçando as práticas cotidianas realizadas nos e pelos CAPS desde o seu momento inicial, em contraste com os antigos serviços. Apesar de conter uma escrita em geral breve, eles nos possibilitam ter acesso a dados singulares: o modo como as várias estratégias terapêuticas (medicamentos, grupos terapêuticos, psicoterapia individual, visitas domiciliares, etc.) são articuladas nos serviços, quais os diferentes discursos presentes (médico, farmacológico, psicológico, psicanalítico, da assistência social, etc.) e quais os diferentes valores (de cidadania, de liberdade, de saúde, de bem-estar, etc.) que funcionam como reguladores das práticas. Assim, para nossa investigação que busca atingir as práticas cotidianas, efetivas e específicas, os prontuários são muito mais interessantes e detalhados para compreender a RPB do que os documentos oficiais desta ou os textos-guia de autores-chave.

A pesquisa com prontuários foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Sua operacionalização se deu por meio de idas frequentes aos CAPS supracitados, nas quais foram feitas transcrições de trinta e dois prontuários. Nestas, foram mapeadas, mais do que histórias clínicas individuais, linhas gerais transversais a tais narrativas, de modo a indicar pistas sobre as formas de condução de condutas no interior destes dispositivos. Como parte da negociação feita com os diretores dos CAPS, optou-se por guardar a identidade dos(as) usuários(as) em sigilo, representando-os por nomes fictícios. Ademais, no que diz respeito a questões éticas, o trabalho documental foi realizado sobre o chamado “arquivo morto” dos dois CAPS mencionados, ou seja, sobre arquivos de ex-usuários(as) do serviço, os quais não mais fazem tratamento nele, por motivos como transferência para outro serviço, mudança de residência, abandono, alta, óbito, etc.

Conduzindo condutas pelos labirintos dos CAPS

Seguindo análises anteriores feitas com os prontuários (Ferreira et al., 2024), constatamos formas distintas (mas não incompatíveis) de condução de conduta nos diferentes casos analisados, algumas se pautando por uma condução pela liberdade e autonomia e outras pelo que poderíamos definir como uma dependência e condução pelo meio. Estas formas estariam de acordo com os dois mecanismos governamentais liberais descritos na parte inicial do artigo: (1) a gestão pela liberdade dos dispositivos psi destacada por Rose (1998); e (2) as formas de gestão pelo meio-ambiente presentes no anarcoliberalismo e no condutivismo destacadas por Foucault (2007).

A opção pelo uso mais frequente de estratégias de um ou de outro tipo em determinado caso parece depender de marcas a partir das quais os usuários eram reconhecidos de forma predominante no decorrer dos seus atendimentos. Assim, alguns usuários eram avaliados pelos profissionais do serviço como mais organizados (na fala, vestimentas e relações pessoais) e tomados como mais responsáveis por si e, até mesmo, pelos outros. Tal avaliação se dava na medida em que esses usuários apresentavam, por exemplo, proatividade, não apenas em atividades consideradas importantes (higiene, alimentação, locomoção, etc.), como também com os seus compromissos, sem a necessidade de controle maior. Conseguir administrar o uso de sua medicação sozinho e não gastar seu dinheiro de forma considerada indevida, por exemplo, também surgia como indicativo dessa referida organização. Nestes casos, o tratamento se pautaria essencialmente pelo que denominamos como condução pela liberdade: incremento de acordos ou objetivos pessoais, busca de trabalho, possibilidade de morar sozinho ou de circular sozinho pela cidade, engajamento em cursos, oficinas, estudos, interesses profissionais, etc.). Desta forma, os projetos do próprio usuário e o recurso às suas capacidades para além dos suportes que recebe passam a ser os protagonistas de seu próprio tratamento.

Um bom exemplo desta forma de condução estaria no prontuário de Márcia, que se apresenta como uma usuária com bastante autonomia, segundo os marcadores reformistas, inclusive sendo um exemplo de caso em que um usuário do CAPS não possui cuidador. Entre os fatores que evidenciam a considerada independência da usuária, vê-se no prontuário menções positivas acerca de seu temos o protagonismo sobre a administração do próprio tratamento e de sua realização de curso técnico e estágio - ambos especialmente valorizados pela equipe do CAPS - e de seus laços sociais bem estabelecidos. Os estudos e o trabalho são valorizados pela equipe; e é evidente no caso a relevância de ambos para a autonomia da usuária, além do entendimento de tais atividades como sinais de estabilidade no quadro psicopatológico. “Quadro compensado. Assintomática. Prossegue cursando escola técnica de enfermagem com bom rendimento (boas notas)” e “Prossegue em seu estágio de enfermagem. Transtorno do humor estabilizado.”.

Diferente deste último perfil, alguns usuários eram reconhecidos pelos profissionais do serviço como menos organizados e estáveis, além de não conseguirem desempenhar tarefas sem serem estimulados, por necessitarem vigilância; por não tomarem a sua medicação de forma considerada responsável e autônoma; por não cumprirem os acordos, etc. Nestes casos, a condução se dava predominantemente por vetores do meio, de modo que outros temas (o controle dos remédios, cuidados de higiene, arregimentação da família, etc.), da mesma maneira que outros personagens (família, cônjuges, etc.) passam a protagonizar o tratamento.

Um exemplo de caso predominantemente na condução pela dependência é o de Danilo. Diagnosticado com esquizofrenia e considerado pela família e equipe como dependente, o caso é demonstrativo de uma condução pela via da dependência, que passa pela participação da família e pelo acompanhamento institucional, incluindo internações. O nível de dependência atribuída ao usuário é notório pela dinâmica familiar: ele depende de familiares, especialmente da irmã, para tarefas básicas como alimentação. Percebe-se, claramente, neste caso, como o enquadramento do usuário como mais dependente baliza uma condução específica, como quando o usuário está internado, mas sua alta e consequente ida para casa é condicionada pela presença da irmã: “pontuo que Danilo não tem indicação de ficar em casa na ausência da irmã e busco levantar possibilidade de alta para a semana que vem, data em que a irmã disse retornar”, apontando uma condução pela dependência. Nota-se que a articulação entre família e equipe exclui a opinião do usuário sobre a própria alta e internação, sem contudo considerá-lo como indivíduo com agência e capacidade de opinar sobre si.

Ademais, a medicação aparece no caso como ponto de tensão entre autonomia e dependência, uma vez que o usuário se recusa a ser auxiliado no uso da medicação e não segue as orientações da equipe. Além de auxílios da equipe sobre uso da medicação, também foram feitas negociações sobre questões financeiras, com orientação de como o usuário deveria gastar o dinheiro, apontando para um modo de gestão da conduta a partir do outro: “Irmã diz que Danilo bebe e, por isso, não disponibiliza seu dinheiro”. Portanto, a gestão ocorre majoritariamente a partir do meio (família), com pouca valorização da autonomia do usuário.

A divisão dos casos entre tipos ideais procede apenas em poucos casos; na maioria dos casos, há a transição e oscilação entre os dois modos de governamentalidade destacados, a depender do momento do tratamento e do quadro do usuário em questão. Desse modo, cabe dizer que a divisão entre estes tipos está relacionada principalmente a estratégias conduzidas pelos profissionais de saúde da equipe em distintos momentos do tratamento, podendo o mesmo usuário vivenciar ambos os tipos de condução em momentos diversos. A análise microfísica das formas de governo deve ser complementada por uma cinemática com uma análise da trajetória dos desvios nos processos de gestão ao longo do tempo.

Uma economia dos cuidados: governando pelo gênero

A partir da pesquisa empreendida direcionada para as formas de governamentalidade dos usuários, um marcador inesperado se destacou nas duas formas de gestão, perceptível nos exemplos anteriores: o gênero como um organizador das figuras de cuidado (se mulheres ou homens1). Tanto pela via da autonomia quanto da dependência, foi possível notar o gênero como fator estruturante na gestão de condutas, com a naturalização e reprodução de determinados papeis de gênero, que eram, inclusive, entendidos pela equipe como indicativos de melhora ou estabilidade do caso. Nesse bojo, o cuidado enquanto responsabilidade feminina aparece como um forte balizador das condutas de mulheres e aponta para a generificação de determinados modos de condução de condutas, organizados a partir de papeis ou roteiros de gênero, como pôde ser notado no caso da irmã de Danilo, citado anteriormente.

Nos achados da pesquisa, é evidenciado um processo de feminização do cuidado (Grammatikopoulos, 2024) no qual mulheres (usuárias ou familiares) são responsabilizadas pelo cuidado. Nota-se que ao longo do processo de desospitalização é criado um novo modelo de cuidado presente nos CAPS, estruturado a partir de uma noção de responsabilidade que inclui o ambiente familiar (Silva, 2004) e incide diretamente sobre a percepção do cuidado. Desse modo, as redes de cuidado ampliaram-se para além do hospital e adentraram a esfera doméstica, corporificadas em mulheres que se ocupam de cuidar. Para Silva (2004), a ideia de responsabilidade atua para reunir e mobilizar diferentes atores sociais externos ao dispositivo, sendo o cuidado com o usuário uma destas atividades. Assim, percebe-se a presença de um duplo movimento de responsabilidade: sobre si e sobre o outro, sendo o segundo majoritariamente direcionado a mulheres, sejam elas usuárias ou parte da rede de apoio de um usuário.

Esse processo de feminização aponta para como, no caso de usuárias, o desempenho satisfatório de funções de cuidado doméstico, de terceiros ou de si mesmas, é entendido pela equipe dos CAPS como indicativo de melhora como o caso de Mônica, que “está muito bem”, “voltou a ajudar em casa e tem gostado do filho”. Seu desvio, por outro lado, é entendido como signo de piora, como no caso de Neusa, que estaria “andando para trás”, quando “não consegue fazer os afazeres domésticos”. A categoria do cuidado, portanto, emerge como dimensão indispensável na condução de condutas, funcionando como um analisador potente, ao apontar para o gênero como fator constituinte de tal gestão. Assim, nota-se que a produção de uma conduta ideal pelo serviço passa pela postulação de uma norma de gênero. Neste espectro, a mulher considerada saudável segue sendo aquela que tem como conduta natural cuidar do lar e da família.

Tomemos como exemplo dois tipos comuns de casos: o primeiro refere-se a usuárias de quem se espera o desempenho de alguma função de cuidado e para quem autonomia é cuidar, isto é: se ela cuida, o serviço a entende como autônoma e capaz porque está seguindo uma conduta normal e sendo isso, inclusive, entendido como indicativo de melhora. Por outro lado, tem-se casos de usuários(as) cuja condução se dá majoritariamente pela via do entorno e requerem maior participação familiar, de modo que tal responsabilidade recai desigualmente sobre mulheres da família e/ou rede de apoio. A seguir, focaremos nos casos em que notou-se a centralidade do gênero e, consequentemente, do cuidado - foco de nossa análise - para a condução dos casos. Objetivando exemplificar os modos de condução supracitados e os atravessamentos de gênero, traremos mais casos em que o cuidado e o gênero são orientadores centrais das condutas.

Tomemos como exemplo o caso de Keila, em que a usuária do CAPS é uma mulher casada e com uma filha. Essas informações são importantes, pois ser esposa e mãe incluem-se nos papéis de gênero designados às mulheres, com responsabilidades, tarefas e expectativas que lhes são destinadas. Nesse sentido, há uma expectativa de desempenho de maternidade e tarefas domésticas, entendidos pela equipe do CAPS como indicativos de melhora, como pode-se perceber em um relato do psiquiatra sobre a paciente no prontuário: “Tranquila. Assintomática. Sem queixas. Bom padrão de sono e alimentação. Desempenhando tarefas domésticas em sua residência.”. Também no relato de outro médico, podemos encontrar a seguinte passagem no mesmo sentido: “Mantendo quadro estável, fala sobre o quanto tem se esforçado para dar conta dos afazeres domésticos”. Nestes discursos, o cumprimento de tarefas domésticas aparece algo que, ao ser realizado, evidencia melhora ou estabilidade no quadro. Nesse exemplo, para além de ser um indicador de melhora, nota-se um estímulo à autonomia da usuária, inclusive, por meio da realização das tarefas de cuidado.

Ainda que entendidas como uma preocupação com a autonomia do usuário, na qual o desempenho de tarefas (quaisquer) podem ser indícios de um quadro estável, tais constatações apontam a diferença entre a centralidade ocupada pela realização de tarefas domésticas para mulheres e homens: nos prontuários de homens, fazer tarefas domésticas não aparece como algo a ser celebrado ou indicador de uma melhora, na verdade, percebe-se que, no caso de homens, o trabalho não doméstico ocupa esse espaço de indicativo de melhora, o que aponta para um modo de condução de condutas a partir de determinada expectativa de gênero.

Esse fator é interessante, pois remete à lógica de divisão social por gênero na qual às mulheres é destinado o espaço privado, doméstico (e consequentemente as responsabilidades que o acompanham, como o cuidado de terceiros) e aos homens é destinado o espaço público do trabalho, com as devidas ressalvas quanto às especificidades contextuais do Brasil em termos de raça e classe.2 Nesse sentido, a maneira como a equipe, especialmente os médicos, valorizam o trabalho doméstico nos casos de mulheres, evidencia a reprodução de performances de gênero no modo governo constituído nos casos.

No caso de Maria, também há uma condução pelo gênero, em que há uma equivalência entre ser mulher e ocupar o posto do trabalho doméstico, com toda a responsabilidade que isto envolve. Vê-se em seu prontuário: “atualmente, assintomática, animada, cuida da casa e da neta tranquilamente” e “[Maria] vem assintomática. Tem cuidado de sua neta de um ano em tempo integral, além dos afazeres domésticos”. Ao longo do caso, é possível notar que o desempenho de tais tarefas aparece sempre acompanhado de anotações sobre melhora ou estabilidade no quadro, sinalizando que o desempenho dessas funções é uma pista tanto na compreensão quanto na condução do caso. A associação estabelecida entre o trabalho doméstico e uma suposta melhora de quadro aponta para a naturalização entre ser mulher e desempenhar o trabalho doméstico, uma vez que coloca essas tarefas no patamar de algo esperado e normativo.

Outro ponto interessante nesse caso é que também são considerados como indicativos de melhora episódios em que paciente começa a estudar e trabalhar como cuidadora de idosos, demonstrando valorização dessas atividades, como nos indica o prontuário: “trabalhando como acompanhante de senhora idosa e em funções domésticas em sua residência. Compensada e assintomática”. Nesse sentido, o presente caso também se apresenta como um exemplo em que a conduta é gerida a partir de um determinado grau de autonomia da usuária.

Além das questões relacionadas ao gênero, este caso exemplifica um dos modelos de governamentalidade já citados: o governo pela liberdade. Assim, estamos diante de uma confluência de categorias envolvidas no governo dos corpos. É nítido que a usuária é considerada pela equipe como alguém com grande autonomia - associada à capacidade de autogestão -, portanto, capaz de administrar o próprio cuidado, desempenhar o cuidado doméstico e de terceiros, estudar e trabalhar. Nesse sentido, também fica evidente nos casos como a noção de responsabilidade sobre si surge como condição para a responsabilidade sobre outro, podendo apontar para a associação entre cuidado e indicativo de melhora.

Nesses casos, é notória um tipo específico de condução de condutas que opera sobretudo pela via da liberdade, por uma gestão das vontades e escolhas, a partir do referencial de sujeito ideal, especialmente perceptível quando a equipe instiga o cuidado à saúde, reforça a importância de estudar, ou entende o trabalho e o cuidado doméstico como indicativos de melhora.

Os CAPS foram essenciais para a efetivação de um cuidado em liberdade, fora dos moldes e espaços asilares. Tal cuidado, porém, gerou um deslocamento de responsabilidades, com sua transferência para o âmbito familiar e doméstico, recaindo de forma desigual sobre as mulheres. Nesse sentido, o cuidado aponta para um modo de governo pelo gênero, com impactos sobre as usuárias e mulheres familiares de usuários.

Práticas psi, governo e gênero: uma aliança histórica

Ora, os ensejos de Grammatikopoulos (2024) - nos quais o gênero passa a interpelar as análises dos modos de governo presentes nos dispositivos reformistas não só como uma categoria útil (Scott, 1989), mas como uma categoria indispensável - apontam, portanto, para uma forma de gestão particular ao contexto reformista ou, segundo as pistas foucaultianas, para um novo perigo: a responsabilização da mulher pelo cuidado como contraparte necessária3 à desinstitucionalização antimanicomial. Em tal processo de duas faces - por um lado, cidadanização da loucura no território e, por outro, dependência da função doméstica feminina para tal -, identifica-se, conforme visto, como consequência radical e última, uma reificação de papeis de gênero operada pelas práticas psi.

Diante de tal cenário, seguindo uma perspectiva historiográfica foucaultiana, um balanço entre descontinuidades e continuidades, novos e velhos perigos, torna-se evidente. Por um lado, a condução de condutas na direção da reiterada feminização do cuidado como peça fulcral na gestão da loucura é uma novidade. De modo mais aprofundado, nota-se que, ainda que o pareamento entre o gênero feminino e a função cuidadora remonte a uma antiga história, sua reificação acrítica na elaboração de uma nova gestão da dita loucura trata-se de um perigo novo e contingente à RPB.

Por outro lado, o embasamento no gênero - principalmente o feminino - por parte das práticas psi em seus modos de governo trata-se de um processo histórico mais antigo, contínuo e recorrente, reatualizado mesmo em uma gestão que pretende romper radicalmente com as amarras do passado. Esta articulação histórica entre psiquiatria, governo e gênero, por sua vez, foi sublinhada por autoras de peso no campo da História da Psiquiatria atenta ao gênero, sempre de maneira crítica, como por Cunha (1989), Engel (2004), Venâncio e Cassilia (2009) e Almeida e Torres (2014). Seus trabalhos servirão de base para a realização, pelo presente artigo, de uma narrativa histórica em que confluem as práticas psi e um governo generificado no período anterior à RPB.

Ainda que as autoras se debrucem sobre períodos distintos, inegavelmente repletos de singularidades, dentre o longo cenário denominado como manicomial, todos os trabalhos convergem na seguinte constatação: parece estar colocado, de modo relativamente contínuo, um certo modus operandi da psiquiatria, em aliança com o Estado, em relação ao que, por tal articulação, foi constituído como loucura. Seja na Primeira República (Cunha, 1989; Engel, 2004), seja no período varguista (Venâncio; Cassilia, 2009; Almeida; Torres, 2014), ainda que sob diferentes prerrogativas, a psiquiatria emergia, convocada por um Estado tecnocrata, como instrumento de controle social em direção à formação de uma nação ideal, sendo este saber capaz de operar por sua legitimidade enquanto saber científico. Esta operação encontrava na interferência na família, como célula mínima representante desse todo social maior, um meio de lograr tal objetivo de composição nacional ideal.

Estabelecer algum tipo de gestão sobre a família, sob uma mirada atenta ao gênero, passa necessariamente por levar em consideração e ditar condutas de acordo com tal categoria, dado que a família ideal seria composta por homem, mulher e prole, esta a ser devidamente educada, de acordo com os ideais civilizatórios, pela figura feminina. Disso decorre que a construção de uma nação ideal passava necessariamente pela construção de homens e mulheres dentro dos conformes da norma, isto é, passava por um governo segundo o gênero.

Em termos analíticos, as relações de poder em jogo e suas respectivas formas de governo podem ser lidas de acordo com o quadro conceitual “biopolítico” proposto por Foucault (2010) e atualizado como técnicas de segurança (Foucault, 2006). Isso porque identifica-se, nesta forma de atuação, uma tomada da vida e da saúde como objetos do poder, essenciais ao desenvolvimento de uma população ideal. E, para tanto, é também necessária uma intervenção anatomopolítica ou disciplinar nos corpos, produzindo sujeitos segundo a norma.

No entanto, complementando este quadro conceitual com as ferramentas de Preciado (2011) e, assim, dando visibilidade ao gênero como categoria de governo, percebe-se uma gestão também “sexopolítica”. Esta opera uma condução de condutas com base no gênero, constituindo um governo que recorre a esta categoria de modo indispensável para o seu exercício, como já explorado. Outrossim, é também este autor que aponta para uma gestão biopolítica que privilegiaria, historicamente, o corpo dito feminino como alvo de controle, produção e condução de condutas, dado sua centralidade na reprodução da população e da espécie.

Neste amálgama de saberes e práticas articulados em nome da saúde, saúde esta pautada numa norma generificada, a psiquiatria (e, atualmente, um campo discursivo e prático ainda mais múltiplo) subscrevia a um governo dos corpos com base no gênero, de caráter, portanto, bio e sexopolítico. Nesse sentido, segundo seus crivos, o cumprimento do papel de gênero aparecia como estando associado à normalidade, e o seu desvio à patologia, à loucura e, nas últimas consequências, à internação e à tentativa de normatização. E, ainda que tal governamentalidade psi normatizadora e generificada tenha sofrido variações importantes, ela aparece como constante do período manicomial ao período reformista, como destacado pelo presente artigo.

Tal governo pelo gênero, entretanto, pode ser desdobrado em alguns aspectos, que consistem em atributos esperados para um determinado gênero, os quais constituem-se como campos de atenção e produção na condução de condutas generificada. Um governo psi que opera com base no gênero - e também o produz reiteradamente -, por exemplo, supõe e inscreve certos papeis, condutas, atributos, através dos quais o gênero se inscreve em um dado corpo.

No período manicomial, por exemplo, evidencia-se uma atenção pronunciada ao casamento, à reclusão no lar, à maternidade e à sexualidade comedida no que diz respeito ao gênero feminino, de modo que tais atributos parecem orientar um governo psi segundo o gênero: se presentes, indicam normalidade; se ausentes, indicam patologia, apontando para a necessidade de uma condução de condutas corretiva. Nesse sentido, são diversos os casos registrados em que desvios no papel de gênero da época conferiram às mulheres estatuto de loucas.

No período reformista, alguns atributos considerados essenciais ao gênero feminino para a aferição de uma conduta normal e saudável parecem se manter em alguma medida, enquanto outros parecem emergir como novidades.4 Os prontuários indicam, como padrões de normalidade e/ou indicativos de melhora, o cumprimento da função materna e marital, sublinhando uma expectativa de gênero historicamente contínuo. No entanto, os discursos reformistas aparecem como consideravelmente descontínuos em relação aos psiquiátricos manicomiais, dado que tais funções são valorizadas segundo ideais de responsabilidade e autonomia, conforme analisado pelo presente artigo quanto ao caso emblemático do cuidado. O atributo da estética, por outro lado, constitui uma novidade, presente nos prontuários e ausente nos casos relativos ao período manicomial analisados. Nos casos em que este aparece como horizonte, há uma expectativa de magreza e cuidado com o próprio corpo em relação às mulheres, apontando para uma produção de saúde que se dá segundo o gênero.

Por fim, sublinhando a operação das relações de poder por meio da produção, nota-se, no período reformista, um inculcamento de tais atributos muito mais por um discurso positivo, baseado na saúde, na liberdade e em valores, do que por um mecanismo corretivo disciplinar. Tal mecanismo, por sua vez, corresponderia às práticas de governo psi generificado manicomiais, evidenciando descontinuidades extras quanto às estratégias.

O atributo da sexualidade, por sua vez, aparece como quase que inerentemente constitutivo do gênero, por exemplo: para que alguém esteja enquadrado ao gênero feminino em seus moldes normativos, é necessário que se tenha uma determinada sexualidade, como uma sexualidade voltada ao seu oposto, o masculino. Este atributo aparece como ponto de constante atenção no governo psi dos corpos, principalmente dos corpos femininos, ao longo da história. No período manicomial, as autoras citadas no início da seção apontam para uma associação entre sexualidade recatada e normalidade feminina e, evidentemente, como seu avesso, entre sexualidade excessiva e patologia. Nos prontuários reformistas, a sexualidade segue sendo objeto privilegiado como sinal de saúde ou patologia, principalmente no caso de usuárias mulheres.

No entanto, o que as fontes históricas nos mostram é que tais atributos não são esperados da mesma maneira para todos os corpos, sequer são esperados da mesma maneira para os corpos femininos em geral. No período manicomial, enquanto, das mulheres brancas e burguesas se esperava tal sexualidade recatada, entendida como a da mulher ideal; das mulheres negras e populares, se esperava, enquanto atributo de uma natureza julgada como inferior, uma sexualidade excessiva, animal (Cunha, 1989). Tal distinção nas condutas esperadas aponta, de modo importante, para um governo psi que opera não somente segundo a categoria de gênero por meio de seus atributos, mas também segundo outras categorias imbricadas ao gênero, como a categoria de raça e a de sexualidade, explorada inicialmente por Foucault.

Pensar o Gênero com Foucault?

Tendo em vista, por um lado, a presença do gênero enquanto fator importante nos prontuários tanto antigos quanto atuais analisados e, por outro lado, a análise realizada com base na obra de Foucault, resta considerarmos a possibilidade de se realizar uma reflexão acerca do gênero partindo da obra de Foucault e qual a postura adotada no presente artigo frente a esta relação.

A obra de Foucault é certamente um marco para a repensar a questão do sexo e da sexualidade no Ocidente. Em seu História da sexualidade I: a vontade de saber, Foucault (1999) propõe uma historicização da “sexualidade”, postulando-a como um objeto que emerge apenas no fim do século XIX enquanto parte constitutiva de um novo regime de poder, o “biopoder”, composto por uma “anatomopolítica” e por uma biopolítica”.5

No essencial, a proposta de tal livro é evidenciar a “sexualidade” como um âmbito que é configurado e delimitado, a partir do século XIX, como de grande interesse, na medida em que uma disciplina dos corpos (uma anatomopolítica) no que concerne aos fenômenos ligados à sexualidade (natalidade, casamento, relações sexuais, fertilidade, contracepção, etc.) possibilita uma regulação da população (uma biopolítica). Para que tal circuito de controle da população opere, o sexo se torna, então, objeto de saber científico: o Ocidente formula, nesse momento, uma scientia sexualis (ciência da sexualidade), isto é, uma busca pela verdade do sexo, que implica um verdadeiro modo de uso do sexo. E a verdade do sexo é a tal ponto elevada que passa, por sua vez, a ser identificada com a verdade do eu: o modo como alguém se vale de sua sexualidade (entendida amplamente, e não apenas enquanto intercurso genital) define a verdade do praticante enquanto sujeito.

A História da sexualidade I: a vontade de saber foi, certamente, um livro de grande impacto para um certo número de autoras e autores posteriores que pensaram a partir da noção de “gênero”. Contudo, embora tal noção já tenha sido utilizada e estivesse disponível à época da escrita do livro, é no mínimo disputável afirmar que Foucault propriamente teorizou sobre o “gênero” ou se valeu de tal conceito; e, mesmo que ele tenha o feito, em absoluto não utilizou o termo em sua extensa obra. A partir deste cenário, é possível delimitar certas posturas frente a obra de Foucault no que diz respeito à sua relação com a noção de “genêro”.

Uma primeira postura consiste em considerar a história da sexualidade de Foucault válida, útil, porém insuficiente, na medida em que não trata propriamente do “gênero” e de suas implicações. Esta é a postura do filósofo Paul Preciado, que expressamente - porém não sem discordâncias fundamentais - se coloca como herdeiro de parte da obra foucaultiana: “Foucault denomina ‘biopolítica’ a um conjunto de práticas governamentais dirigidas a racionalizar a vida da espécie: práticas de saúde, de higiene, de natalidade, de classificação e de depuração racial. Entretanto, Foucault nunca se interessou pela noção de gênero” (Carrillo; Preciado, 2010, p. 55-56, grifos nossos). De modo a remediar tal desinteresse, Preciado propõe que “à história da sexualidade iniciada por Foucault devemos acrescentar vários capítulos” (Preciado, 2011, p. 12), pois a mesma não teria adentrado no século XX, desconsiderando os efeitos impactantes nos modos de controle da sexualidade desencadeados pelo desenvolvimento de novas tecnologias sexuais próprias de tal século e pela postulação médica da noção de “gênero”, principalmente pelo médico John Money.

Uma segunda postura consiste em considerar a história da sexualidade de Foucault válida, útil e - em vez de insuficiente - fundadora de um campo específico de estudos irredutível ao feminismo ou à noção de gênero, o campo dos estudos sobre a sexualidade. Esta é a postura de Eve Sedgwick (1990), uma das autoras consideradas (retrospectivamente) como fundadoras da “teoria queer”. Tomando como “axiomáticas” (p. 3) as postulações de Foucault acerca da centralidade da sexualidade a partir do século XIX, Sedgwick postula que, mais especificamente, o aspecto da sexualidade que será principalmente destacado - chegando a confundir-se com sua definição - é o aspecto da “orientação sexual”, isto é, a qual gênero pertence o objeto de escolha sexual (1990, p. 8). Nesse sentido, segundo Sedgwick (1990, p. 9), um dos pontos principais da história da sexualidade de Foucault foi mostrar a “condensação repentina, radical das categorias sexuais [nas categorias de orientação sexual]”, isto é, como categorias sexológicas como, dentre outras, a mulher histérica, a criança masturbadora e o zoófilo perderam sua autonomia e potência definidora para a categoria do “homossexual”. Como consequência de tal processo, a definição diferencial em termos de heterossexual e homossexual teria se estabelecido como fundamento condicionante do “entendimento de virtualmente qualquer aspecto da cultura ocidental moderna” (Sedgwick, 1990 p. 1). Porém, apesar de tal distinção homo/heterossexual, implicar, de algum modo, a noção de “gênero”, a autora toma o campo da sexualidade como possuindo tanta autonomia quanto tal noção: “Na cultura ocidental do século XX, o gênero e a sexualidade representam dois eixos analíticos que podem produtivamente ser imaginados como sendo tão distintos um do outro quanto, digamos, gênero e classe, ou gênero e raça” (1990, p. 30). E, nesse sentido, o campo de problemas inaugurado com a história da sexualidade de Foucault teria certo grau de autonomia em relação ao campo do feminismo, que se vale da noção de gênero como ferramenta principal.

Por fim, uma terceira postura consiste em considerar que, embora Foucault não tenha utilizado o termo “gênero”, se não fez propriamente análises nas quais a concepção de gênero estava implicada, ao menos proporcionou ferramentas para pensar - e, mesmo, repensar - a noção de gênero do feminismo. Esta é a postura de Judith Butler (2004, p. 11), para quem “o primeiro volume de História da Sexualidade de Foucault [...] possui consequências improváveis, mas significantes, para a teoria feminista”. Para a autora, tais consequências seriam decorrentes principalmente da historicização do “sexo” realizada por Foucault, na medida em que este “rejeita o ‘sexo natural’ como um dado primário e tenta entender como ‘o uso da sexualidade … foi o que estabeleceu essa noção de ‘sexo’” (2004, p. 11). A consequência de tal historicização para o feminismo consistiria em uma reformulação radical da concepção de “gênero”: do mesmo modo que Foucault não concebe a sexualidade como algo que se segue de um sexo natural, dado, mas sim que, pelo contrário, é o sexo enquanto algo natural que é produzido pelo discurso acerca da sexualidade; do mesmo modo, o gênero não deve ser concebido - como até então - como uma apropriação cultural ou social de um sexo natural, dado, mas sim, pelo contrário, é o sexo enquanto algo natural que é produzido pelo gênero, entendido enquanto cultura.

Tendo em vista essas três posturas já desenvolvidas frente a obra de Foucault, podemos especificar a postura desenvolvida neste artigo. Ela consiste em: (1) não exatamente apontar a insuficiência do conceito de “governamentalidade” e reivindicar uma complementação pela noção de gênero, mas sim apontar o modo pelo qual a “governamentalidade” opera, nos períodos históricos analisados, por meio de gênero, de modo que há uma governamentalização do gênero; (2) não exatamente reivindicar a fundação de um novo campo de investigação autônomo, mas sim chamar a atenção, dentro do próprio campo de estudos em «governamentalidade», para o gênero como um fator constitutivo em casos envolvendo o diagnóstico de loucura e seu tratamento; e (3) não exatamente tirar novas conclusões acerca do conceito de gênero a partir da análise realizada, mas sim tirar novas conclusões acerca do modo como opera a governamentalidade a partir da análise de sua relação com o gênero.

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  • 1
    Demarca-se, aqui, o gênero dos usuários ou usuárias como mulheres ou homens não por ignorar outras possibilidades de identidade de gênero, reduzindo-as a um esquema binário, mas sim pois estas foram as duas identidades encontradas nos documentos analisados.
  • 2
    No Brasil, o trabalho foi dividido a partir de aspectos de raça e gênero, o que levou ao estabelecimento de uma dinâmica desigual de trabalho em ambos os termos, sendo os trabalhos mais precarizados ou o subemprego comuns entre a população negra (Costa; Passos; Gomes, 2017). Nesse contexto, as mulheres negras sempre trabalharam, seja na colônia sendo forçadas ao trabalho escravo ou em trabalhos formais e informais. Desse modo, vale destacar que, a depender de quem são as destinatárias de tais discursos (mulheres brancas ou negras), o incentivo ao trabalho pode carregar não somente uma dimensão de gênero, mas também de classe e raça.
  • 3
    Cabe enfatizar de modo importante que, ainda que historicamente, o processo de desinstitucionalização da loucura no cenário reformista brasileiro tenha, no movimento de descentralização do asilo, transferido o cuidado de modo desigual e generificado às mulheres, o presente artigo de maneira alguma defende uma posição em que esta seja a única via possível para a desinstitucionalização. Ao utilizar o adjetivo “necessário” em “contraparte necessária”, não se busca postular uma necessidade geral, universal, mas apontar para o cuidado feminino, principalmente em relação aos usuários, como peça fundamental à Reforma, tal qual esta se deu em nosso momento histórico.
  • 4
    Para uma análise mais detalhada acerca das continuidades e descontinuidades nos papeis de gênero entre a gestão manicomial e a gestão reformista, conferir Goldbach (2024).
  • 5
    Para uma análise do conceito de “Biopolítica” na obra de Foucault e da passagem deste para os conceitos de “técnicas de segurança” e de “governamentalidade”, conferir Ferreira e Santos (2021).

Editado por

  • Editora responsável pelo processo de avaliação
    Cláudia Castanheira de Figueiredo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2025

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2024
  • Revisado
    25 Mar 2025
  • Revisado
    29 Mar 2025
  • Aceito
    12 Maio 2025
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