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Epistemologia e formação do psicólogo: discussões contemporâneas

Epistemology and psychologist formation: contemporary discussions

Epistemología y formación de psicólogos: discusiones contemporáneas

Resumo

Este ensaio teórico discute a formação do psicólogo a partir de seu campo epistemológico e de seus desafios contemporâneos. O tema é problematizado a partir da constituição histórica e teórica da psicologia até as complexas demandas da formação e da atuação profissional, considerando as diretrizes da graduação e da pós-graduação. Para isso, são apresentados aspectos relativos à constituição epistemológica da psicologia - a sua história, a associação de seus pressupostos teóricos e a configuração atual, cujos limites são determinados nos espaços de intersecção com outras áreas da ciência -, bem como relativos à formação profissional. Aspectos históricos e políticos, abordagens, ênfases, áreas, interfaces, objetos, teorias, pressupostos, prática, complexidade, disciplinaridade, paradigmas e interdisciplinas são elementos que atravessam essa discussão. A psicologia se caracteriza como uma ciência de epistemologia plural, de currículo integrador, que visa a formar um profissional generalista. Espera-se que as provocações apresentadas subsidiem outras pesquisas sobre as conexões entre a formação e as formas de pensamento emergentes nas ciências.

Palavras-chave:
psicologia; abordagem; interdisciplinaridade; formação; complexidade

Abstract

This theoretical essay discusses the psychologist formation from its epistemological field and its contemporary challenges. The theme is problematized from the historical and theoretical constitution of psychology to the complex demands of training and professional performance, considering the graduation and postgraduate guidelines. For this, aspects related to the epistemological constitution of psychology are presented - its history, the association of its theoretical assumptions and the current configuration, whose limits are determined in the spaces of intersection with other areas of Science - as well as those related to professional training. Historical and political aspects, approaches, emphases, areas, interfaces, objects, theories, assumptions, practice, complexity, disciplinarity, paradigms and interdisciplines are elements that cross this discussion. Psychology is characterized as a science of plural epistemology with an integrative curriculum that aims to train a generalist professional. It is expected that the provocations presented will support other researchs on the connections between training and emerging forms of thinking in the sciences.

Keywords:
psychology; approach; interdisciplinarity; formation; complexity

Resumen

Este ensayo teórico discute la formación del psicólogo desde su campo epistemológico y sus desafíos contemporáneos. El tema es problematizado desde la constitución histórica y teórica de la psicología hasta las complejas demandas de formación y actuación profesional, considerando las orientaciones de los estudios de pregrado y posgrado. Para eso, se presentan aspectos relacionados con la constitución epistemológica de la psicología - su historia, la asociación de sus presupuestos teóricos y la configuración actual en la que se determinan los límites de su campo en los espacios de intercambio con otras áreas de la ciência -, así como la constitución y el estado de la formación de este profesional. Aspectos históricos y políticos, enfoques, énfasis, ámbitos, interfaces, objetos, teorías, presupuestos, práctica, complejidad, disciplinaridad, paradigmas e interdisciplinas son elementos que atraviesan esta discusión. La psicología se caracteriza como una ciencia de epistemología plural, con un currículo integrador, que tiene como objetivo formar un profesional generalista. Se espera que las provocaciones presentadas apoyen futuras investigaciones sobre las conexiones entre la formación en psicología y las formas emergentes de se pensar en las ciencias.

Palabras clave:
psicología; enfoque; interdisciplinaridad; formación; complejidad

Introdução

No início da formação academica em psicologia, os graduandos têm contato, entre outras disciplinas, com a história dessa ciência e da profissão. Seguem, de maneira geral, a cronologia dos feitos de James e Wundt, até construírem um quadro relativamente atual da psicologia, composto por diversas abordagens teóricas, como o behaviorismo, a psicanálise, a existencial, a sócio-histórica e a humanista, entre outras, abrindo-se a possibilidades de atuação em campos diversos, como o clínico, o jurídico, o trânsito, o ecológico etc.

De acordo com Figueiredo (2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.), esses estudantes seguem na expectativa de que os caminhos inicialmente divergentes sejam sistematizados em uma “linha comum”, utilizada por todos os profissionais. No decorrer do curso, porém, eles percebem que não haverá essa linha comum, mas uma orientação para a escolha de abordagens ou matrizes de pensamento, que lhes servirão de base teórica, com foco na atuação profissional por meio dos estágios supervisionados.

Psicólogos são formados passando por roteiros mais ou menos semelhantes ao exposto no parágrafo anterior, características de uma situação evidenciada por Figueiredo (2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004., p. 17), um dos maiores epistemólogos do campo:

[...] algo que merecia ser prontamente tematizado é a relação entre o estado um tanto caótico e inevitavelmente desarticulado de qualquer currículo de formação em psicologia e as condições históricas dessa área. Essa já seria uma boa razão para atribuirmos ao estudo da história da psicologia, ou das psicologias, um lugar privilegiado na formação do psicólogo.

Para a compreensão da relação entre a formação do psicólogo e a impressão de desarticulação e caos dos aspectos epistemológicos e curriculares da psicologia, deve-se considerar o percurso histórico de seu desenvolvimento até os desafios impostos pela contemporaneidade, que envolvem o crescimento e a diversificação de abordagens, bem como áreas de atuação, atravessados por outros fatores, por exemplo, político e metodológico. Nesse mesmo sentido, “cada vez mais o processo de produção do conhecimento científico será social, político-institucional, matricial, amplificado. Nesse cenário, a produção competente da ciência viabilizará abordagens totalizantes, apesar de parciais e provisórias, sínteses transdisciplinares dos objetos da complexidade” (ALMEIDA FILHO, 2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
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, p. 47).

No primeiro momento da constituição de um saber como ciência, seus teóricos preocupam-se com o estabelecimento do conteúdo e a atuação no campo recém-constituído. Suas reflexões sobre as formas de produção de conhecimento, isto é, sua epistemologia, caracterizam uma preocupação secundária, no sentido de que é própria do momento posterior a esse primeiro momento de estabelecimento e legitimação do campo, que só pode ser pensado e analisado por meio daquilo que foi concretizado.

Nessa perspectiva, este artigo configura-se como ensaio teórico que visa à discussão dos aspectos epistemológicos que atravessam a formação do psicólogo na contemporaneidade. Primeiramente, trata dos aspectos históricos e teóricos de constituição da psicologia como determinantes do seu percurso epistemológico, a partir de diferentes estudos - principalmente os de Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
), Burell e Morgan (1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979.) e Serbena e Raffaelli (2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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). Em seguida, são apresentados os desdobramentos desses aspectos na atualidade, que considera a complexidade da realidade por meio da metodologia interdisciplinar, como discutida por Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
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) e Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
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).

De acordo com Morin (1996MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITAMAN, Dora Fried (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.) e Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
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), o termo complexidade é utilizado por diversos autores e áreas de conhecimento para caracterizar uma visão, ou até mesmo um paradigma, que nega a premissa reducionista do positivismo de modo a considerar relações como sistemas complexos, permeados por distintos fenômenos emergentes que agregam outros conceitos, como sistemas dinâmicos, complexidade de redes, não linearidade, retroação, teoria do caos, fractais e capacidade de auto-organização.

Por fim, é discutido o modo como esses aspectos articulam-se na formação do psicólogo, a partir das orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de psicologia, na graduação e na pós-graduação, segundo interfaces e discursos a ela inerentes. Para tanto, considera-se o documento do Ministério da Educação (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
) e os apontamentos de Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
), Rudá (2015RUDÁ, Caio. Formação em Psicologia no Brasil: história, constituição e processo formativo. 2015. 191 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, 2015. Disponível em Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/18384/1/Dissertac%CC%A7a%CC%83o%20Final%2014dez.pdf . Acesso em: 28 ago. 2016.
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) e Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
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).

1. Epistemologia da psicologia

1.1 Aspectos históricos e políticos

Modernamente, o campo teve início no final do século XIX, com o projeto sistematizado por Wilhelm Wundt e William James, que marcou a diferenciação da psicologia como ciência da psicologia como metafísica (ABIB, 2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
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). Influenciado pelo idealismo alemão, Wundt acreditava em uma psicologia empírico/filosófica, defendendo sua “causalidade psíquica”, ligada à fisiologia, porém próxima das ciências da cultura, enquanto James defendia uma psicologia racional, orientando seu esforço para torná-la uma ciência natural, assentada em uma causalidade física e fatores de predição e controle.

A ligação dos dois teóricos a aspectos mensuráveis não corresponde a uma semelhança, mas à influência do modelo científico da época.

O modelo empirista de ciência foi central na definição da episteme moderna. [...] [seus] agentes eram de acordo que a única coisa passível de conhecimento pelo homem eram aquelas acusadas pelos sentidos, a partir das experiências concretas e particulares, de modo que não fazia sentido buscar as leis universais [...] A experimentação cria novas realidades. Assim, a nova ordem era buscar as leis naturais específicas que governavam os experimentos. (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
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, p. 40, grifos do autor).

Apesar da postura positivista de ambos os autores, Wundt orientou suas investigações pela distinção entre ciências da natureza e ciências da cultura, posicionando-se contra a submissão da ciência psicológica às ciências naturais (como a física e a biologia). Para ele, a psicologia deveria compreender fenômenos complexos, como “linguagem, mito, religião, arte, sociedade, lei cultura e história” (DANZIGER, 1979 apud ABIB, 2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
, p. 201). Todavia, o pragmatismo radical de James foi melhor aceito no contexto norte-americano, lançando as bases para a psicologia moderna, por meio do funcionalismo (ABIB, 2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
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).

Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
) e Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) mostram que, em seu início como ciência, a psicologia apresentava uma epistemologia caracterizada pelo posicionamento divergente entre esses dois teóricos responsáveis por sua gênese. E essa característica não cedeu à conformidade ao longo de sua história (ABIB, 2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
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). Serbena e Raffaelli (2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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) indicam outro ponto em relação às tensões epistemológicas no campo, afirmando que elas são influenciadas pelas esferas políticas (gestões e instituições), de ensino e prática, que no caso dos autores se restringem à discussão da prática clínica.

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2008BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.), a psicologia se propõe a estudar o humano em todas as suas expressões, visíveis (comportamentos, atitudes...), não visíveis (sentimentos, inconsciente...), singulares e genéricas, fazendo com que cada abordagem se dedique, de acordo com o seu enfoque nesses aspectos, à delimitação de seus objetos.

Assim, Serbena e Raffaelli (2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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) fazem críticas à definição de psicologia por uma das suas maiores associações, a Associação Americana de Psicologia (APA), chamando atenção para o costume de conceituá-la como uma “ciência do comportamento”. Afirmam que a definição não faz referência à palavra, pois evidencia uma definição enviesada, com predomínio positivista, comportamental e observável, em detrimento de uma subjetiva, distante inclusive de sua gênese filosófica e da etimologia da palavra. Os autores citam, ainda, outros teóricos que sinalizavam essa contradição.

Existe um projeto contraditório para a psicologia (GANGUILHEM, 1958/1999), entre uma ciência natural, segundo os moldes tradicionais, e um saber sobre a subjetividade mais afim com a filosofia, sendo desta forma radicalmente diferentes. Entretanto, essa contradição está presente no próprio projeto de constituição da psicologia como ciência separada da filosofia e de outras ciências, como a sociologia e a medicina (FIGUEIREDO, 1991 apud SERBENA; RAFAELLI, 2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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, p. 33).

A partir do behaviorismo e da psicanálise, Serbena e Raffaelli afirmam que a psicologia se debate, desde seus primórdios, entre a prática científica e a prática acadêmica/clínica. A primeira mais ligada aos fundamentos e métodos das ciências naturais, e a segunda à realidade interna e subjetiva de cada indivíduo. Sobre tais aspectos eles afirmam:

Isto origina duas linguagens, dois modos de descrição, representados principalmente pelo behaviorismo e pela psicanálise. Estes se localizam nos extremos e refletem algumas das próprias contradições da existência humana, tais como a tensão entre a universalidade e a individualidade, entre o espírito e a matéria, entre a liberdade e o determinismo, além de outras. (SERBENA; RAFFAELLI, 2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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, p. 34).

Essa classificação dos debates em termos polarizados é uma maneira didática de ilustrar e apresentar as questões epistemológicas inerentes à psicologia, que tem dificuldade em estabelecer e limitar seus domínios teóricos, em função da complexidade do objeto à qual suas abordagens teóricas pretendem dar conta. O que repercute em instituições representativas dessa ciência.

1.2. Aspectos teóricos

Além dos fatores históricos e políticos que atravessam a epistemologia da ciência psicológica, há o fator teórico, representado por suas abordagens, chamadas por Figueiredo (2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.) de matrizes do pensamento psicológico. Essa compreensão pode não ser clara, principalmente para o graduando que está apenas iniciando a formação a partir da produção científica. Para esclarecer esse aspecto será utilizado o estudo de Burell e Morgan (1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979.).

Com a intenção de chegar aos limites paradigmáticos da sociologia, esses autores fundamentam sua análise em pressupostos metateóricos organizados em duas dimensões: a do subjetivo-objetivo e a da regulação-mudança radical. Neste trabalho será utilizada apenas a primeira dimensão. Seus pressupostos servem de base e referência às teorias que constituem o campo da sociologia e o modo como elas são utilizadas. Ao identificar quatro pressupostos, eles sugerem que é possível analisar e caracterizar a produção de uma área teórica específica das ciências sociais empregando os mesmos parâmetros da sociologia, quais sejam, o ontológico, o epistemológico, a natureza humana e o metodológico (BURELL; MORGAN, 1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979.).

Cada pressuposto configura um campo de debate entre teóricos que defendem posições divergentes. Assim, cada pressuposto é um conjunto composto por dois conceitos polarizados que identificam as possíveis opiniões opostas que o compõem. É importante ressaltar que existem posições intermediárias cujos limites são balizados por dois conceitos polares que organizam os conjuntos de pressupostos em duas dimensões: uma objetivista e uma subjetivista (BURELL; MORGAN, 1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979.).

Tabela 1
Dimensão objetivo-subjetivo dos pressupostos.

Os conceitos de cada conjunto são discutidos e organizados pelos autores de modo a formar um esquema composto pelas duas dimensões citadas, que definem os paradigmas da sociologia. O esquema proposto pelos autores enriquece o entendimento das questões teóricas referentes às abordagens da psicologia, como discutidos inicialmente por Serbena e Raffaelli (2003SERBENA, Carlos Augusto; RAFFAELLI, Rafael. Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 31-37, 2003. https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
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) e ilustrados pela Psicanálise e pelo Behaviorismo.

De acordo com esses autores, as questões de cunho “ontológico” tratam da essência do fenômeno investigado, considerando que a realidade é externa ao indivíduo, objetiva, composta por estruturas concretas e tangíveis (realismo); ou constituída por nomes e rótulos, produtos da consciência, um conceito da mente e da cognição individual (nominalismo).

O conjunto “epistemológico” diz respeito à maneira de compreender a realidade. Essa epistemologia pode ter um caráter hard, isto é, real, concreto, tangível e passível de transmissão, como nas ciências naturais, que buscam regularidades e relações causais entre os elementos do objeto (positivismo); ou um caráter soft, subjetivo, espiritual, que decorre da experiência interna e pessoal, de forma que a realidade é relativa e só pode ser compreendida a partir do indivíduo envolvido no estudo (antipositivista) (BURELL; MORGAN, 1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979.).

Outro conjunto de pressupostos está ligado à “natureza humana” e diz respeito à relação dos humanos com o ambiente. Nesse conjunto os autores fazem uma observação importante: “É óbvio que as ciências sociais como um todo têm que estar embasadas em tais pressupostos, uma vez que o Homem é o sujeito e o objeto da sua indagação” (BURELL; MORGAN, 1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979., p. 3). E isso também ocorre na psicologia. Em relação à natureza humana, considera-se que o humano e sua experiência são frutos de circunstâncias externas caracterizadas pelo ambiente (determinismo), pressuposto que se aproxima de uma abordagem sócio-histórica. Ou uma visão em que o humano tem maior parte nesse papel, por meio de sua própria vontade e criatividade, sendo criador de seu ambiente e dotado de livre arbítrio (voluntarismo) - neste caso, mais próximo da perspectiva existencialista.

As posições adotadas nos pressupostos anteriores (objetivista ou subjetivista) determinam as implicações “metodológicas”. A respeito desse último pressuposto, afirmam os autores:

As possibilidades de escolha são, de fato, tão numerosas que o que é considerado como CIÊNCIA pelos cientistas tradicionais cobre apenas uma parcela restrita das opções possíveis. Por exemplo, podemos identificar metodologias nas ciências sociais que tratam dos fenômenos sociais como se fossem fenômenos do mundo da natureza: como dados “hard”, reais, externos; e outras metodologias que atribuem a esses fenômenos qualidades “soft”, pessoais e mais subjetivas (BURELL; MORGAN, 1979BURELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Paradigmas sociológicos e análise organizacional. London: Heinemann, 1979., p. 3-4).

Assim, caso um teórico considere uma realidade externa e objetiva, ele tenderá a fazer análises das relações e regulações entre seus elementos constitutivos, ou seja, buscar leis que expliquem e regulem a realidade em foco. Isso exige uma metodologia sistemática e padronizada, como nas ciências que estudam fenômenos da natureza (nomotético), característica metodológica que se aproxima do behaviorismo, da psicologia experimental ou do uso de testes psicológicos. Por outro lado, se ele explora a experiência subjetiva de criação da própria realidade a ênfase será sobre as formas do indivíduo criar, modificar e interpretar o mundo. Tal pressuposto implica uma metodologia com foco na vivência direta do indivíduo investigado, das impressões geradas e de sua história de vida (idiográfico), o que se aproxima de uma abordagem psicanalítica do sujeito.

A utilização desses pressupostos ilustra como uma abordagem se diferencia de outra no que diz respeito a seus pilares de sustentação teórica. Ao aproximar matrizes psicológicas, como a psicanálise, o behaviorismo, a sócio-histórica e o existencialismo, a intenção foi tornar visível as diferenças teóricas que configuram o campo epistemológico da psicologia e caracterizam suas tensões.

Ao modo de Wundt e James, os debates contemporâneos em torno dos posicionamentos teóricos podem ser ilustrados (mas não reduzidos) às duas posições polarizadas: de um lado a objetiva, tendo o positivismo como pressuposto sintetizador; de outro, a subjetiva, influenciada pelo idealismo alemão e sintetizada pelo antipositivismo.

Teorias formadas por aspetos antagônicos desses pressupostos não conseguirão alinhar a própria teoria com a teoria do aspecto oposto. Figueiredo (2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.) afirma que esses são os pontos de tensão que podem levar às armadilhas do dogmatismo ou ecletismo de abordagens, bloqueando a capacidade de experienciar, seja pelo estreitamento da visão pesquisador/ator, seja pela falta de rigor.

No primeiro caso, o psicólogo em formação ou já formado tranca-se dentro de suas crenças e ensurdece para tudo o que possa contestá-las. No segundo, adota indiscriminadamente todas as crenças, métodos, técnicas e instrumentos disponíveis, de acordo com a sua compreensão do que lhe parece necessário para enfrentar unificadamente os desafios de sua prática (FIGUEIREDO, 2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004., p. 18).

Assim, essa tensão teórica não afeta apenas o aspecto propriamente teórico das abordagens psicológicas, mas também a concretização de sua prática, uma vez que determina o conhecimento daquele que estará apto a exercê-la como técnica em seu campo de atuação. Desse modo o profissional sujeita-se aos riscos inerentes às atitudes e posições dogmáticas ou ecléticas.

2. Epistemologia e desafios contemporâneos

Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
) afirma que uma das possibilidades do projeto de constituição científica da psicologia é a de que ela já nasceu dividida, e que a diversidade de abordagens que lhe é característica constitui sua epistemologia como “pluralizada”.

Logo no ponto de partida, o projeto científico da psicologia se bifurca, pois Wundt e James apresentam concepções diferentes de ciência psicológica, e, na sequência, o que o século XX testemunhou foi uma multiplicação de acepções de psicologia científica. Diante da proliferação da psicologia moderna, a reflexão epistemológica sobre a psicologia pertence ao gênero epistemologia pluralizada, ou teoria pluralizada do conhecimento, o que significa dizer que a psicologia é conhecimento plural. (ABIB, 2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
, p. 196).

Bock, Furtado e Teixeira (2008BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.) aproximam-se da epistemologia pluralizada de Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
) ao afirmarem que a psicologia é uma ciência que não possui paradigmas, devido à sua complexidade. Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) acrescenta que o século XX foi marcado por uma proliferação de linhas de pensamentos psicológicos: a gestalt, o construtivismo, a sócio-histórica, a psicologia pós-moderna e a psicologia sistêmica, entre outras.

Para ultrapassar o modelo laboratorial biológico da psicofisiologia dos processos mentais básicos, Foucault explana como, no intervalo de cem anos (1850 a 1950), a psicologia se renovou, adotando novos modelos epistemológicos para abordar as dimensões simbólicas, históricas, culturais e políticas na compreensão de um novo status do homem (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
. p. 149).

A autora ainda pontua que Foucault possui uma compreensão semelhante à de Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
https://doi.org/10.1590/S1678-3166200900...
), também citado por Japiassu, outro grande epistemólogo da psicologia, que em sua tese de doutorado, publicada em 1976, já chamava atenção para o contexto de “desagregação epistemológica” em relação aos domínios, métodos utilizados e objetos investigados pelas ciências humanas.

Esses autores mostram que o campo psicológico, em seu processo de devir, não é estático nem está finalizado, sequer busca unificação. Ele se caracteriza mais pela necessidade de reformular os limites de seus domínios, os parâmetros de métodos, levando à ampliação de suas fronteiras para atender às demandas da sociedade:

[...] ao se deparar com os problemas da prática, a psicologia reatualiza os próprios domínios, fechando-se, para lidar com a realidade dos problemas sem perder sua especificidade. Assim uma nova psicologia se forma sempre que é preciso entender o homem em um contexto particular. Nesse movimento é que se pode identificar o processo da multiplicação disciplinar da psicologia (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
, p. 44-45).

É interessante pensar essa proliferação como um sinal, como algo que diz respeito ao esforço de uma área do conhecimento para dar conta da multiplicidade de fenômenos que ela passa a perceber e abarcar em sua evolução enquanto ciência. Segundo Foucault (1996FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1996.), a história de uma disciplina é a história da constante reatualização das regras que definem e delimitam seus domínios. Nessa direção, toda ciência que possui seu domínio bem definido não apresenta problemas em realizar intercâmbios com outras áreas. A psicologia, porém, se constitui justamente nesses espaços de intercâmbio, não tendo, desse modo, um domínio bem determinado (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
).

A complexidade dos desafios de intercâmbios com outras áreas ou para delimitar sua própria área tem sido discutida também por outros campos do conhecimento. Logo, é importante considerar que essa transformação epistemológica esteja acontecendo não apenas com a psicologia, mas nas ciências como um todo.

Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
https://doi.org/10.1590/S0104-1290200500...
) afirma que a articulação de aspectos metodológicos e epistemológicos, em diferentes graus e sob o título de “novos paradigmas”, tem sido proposta como saída para os desafios da ciência contemporânea, o que tem sido chamado, por diversos autores, de ciência pós-moderna1 1 De acordo com Nicolaci-da-Costa (2004), é uma linha emergente de pensamento e concepção da realidade com características opostas às do período moderno, marcado por teorias absolutas e detentoras de uma verdade universal, fronteiras, hierarquias e poderes bem definidos e estruturados; rigor preciso, objetivo e concreto; e lentidão e burocracia em seus processos. Características estas questionadas pela pós-modernidade que considera a instabilidade, a imprevisibilidade, a permeabilidade de fronteiras físicas e culturais, a instantaneidade, diferentes interpretações de verdades, poderes extraterritoriais, e tecnologias que conferem fluidez a uma estrutura sistêmica (NICOLACI-DA-COSTA, 2004). . Trata-se de um movimento recente, em pleno desenvolvimento, que demanda novas lógicas de análise e novos modelos teóricos, bem como de epistemologias próprias, como o conceito de complexidade, apresentado anteriormente.

Na tentativa de superar intervenções padronizadas, a articulação sistemática de diferentes campos de conhecimento faz com que seus teóricos criem áreas interdisciplinare2 2 O termo “interdisciplinaridade”, longe de possuir uma definição bem delimitada, pode ser compreendido, em primeiro lugar, como uma perspectiva ou metodologia que se expressa de três formas: primeiro como uma interface entre diferentes saberes (por exemplo, psicologia jurídica); em segundo, como uma fusão de saberes, cujos objetos também se fundem (caso da bioinformática); e, por último, como uso articulado de múltiplas abordagens de diferentes campos de conhecimento para elaboração de ação ou conhecimento a respeito de um problema (ALENCAR, 2015). e de fronteiras. Tal movimento visa a atender esses espaços não como novas disciplinas, mas como um campo que se organiza para formar racionalidades em torno das especificidades daquela realidade temática (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
).

Para uma abordagem congruente desses novos elementos da complexidade e suas propriedades é necessário superar as fronteiras das disciplinas convencionais da ciência por meio de metodologias de síntese que permitam a “[...] polissemia resultante do cruzamento de distintos discursos disciplinares” (ALMEIDA FILHO, 2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
https://doi.org/10.1590/S0104-1290200500...
, p. 38), para processá-los adequadamente. A metodologia interdisciplinar - com as variações que a precedem (multi, pluri e meta) e a sucede (trandisciplinariedade) - é apontada como uma das soluções para esse contexto. Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) e Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
https://doi.org/10.1590/S0104-1290200500...
) discutem a sistematização da noção de transdisciplinaridade postulada por Janttsch e organizada por Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
https://doi.org/10.1590/S0104-1290200500...
) da seguinte forma:

  • multidisciplinaridade - justaposição de disciplinas isoladas a respeito de um campo temático, em um mesmo nível, sem cooperação entre os saberes;

  • pluridisciplinaridade - justaposição de disciplinas a respeito de um campo temático, ainda em um mesmo nível, mas com um grau de cooperação mútua e complementaridade entre as disciplinas;

  • metadisciplinaridade - justaposição de disciplinas organizadas em torno do campo de uma metadisciplina, ou seja, uma disciplina em nível epistemológico superior às demais, de modo a integrá-las (é aquela sobre a qual as demais se pronunciam);

  • interdisciplinaridade - justaposição de disciplinas conexas em uma axiomática comum determinada por uma delas, que funciona como integradora, mediadora e coordenadora do campo interdisciplinar e

  • transdisciplinaridade - integração de disciplinas em uma base axiomática geral compartilhada, com finalidade comum, horizontalização do poder, diversos níveis e objetivos, em geral corresponde a um novo campo que tem autonomia teórica e metodológica em relação às disciplinas que o constituem.

A partir dessa sistematização de Almeida Filho (2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
https://doi.org/10.1590/S0104-1290200500...
) o autor propõe uma sequência gradual das formas de articulação entre disciplinas, considerando o grau de juntura, de objetivos, de objetos e da axiomática em comum, e um tipo de hierarquia que define a existência, ou não, de uma disciplina coordenadora ou integradora das demais. Esses arranjos vão desde um simples agrupamento disciplinar sem relações entre si até a construção e compartilhamento de um saber produzido por meio da integração das disciplinas que o compõem, em diversos níveis e para além delas, na transdisciplinaridade. A interdisciplinaridade representaria melhor o estado atual de novos espaços de articulação de saberes, pesquisadores e áreas; a transdisciplinaridade seria um estágio mais avançado de integração destes por meio da consciência da interdependência das relações.

O saber psicológico é convocado a apresentar soluções para problemas concretos da realidade social na atenção à saúde pública, para pessoas em situação de vulnerabilidade social, violência e drogas e temas ambientais, ao passo que o psicólogo

[...] compartilha espaços de produção do saber com profissionais e pesquisadores de áreas e domínios disciplinares diversos, construindo paralelamente seus objetos epistemológicos e modos de atuação. Esses espaços impõem a adoção de uma perspectiva que articule diversos objetos para uma apreensão complexa da realidade, o que prepara terreno fértil para a reprodução dos discursos sobre a necessidade de construção da interdisciplinaridade (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
, p. 55).

A autora apresenta artigos que retratam a diversidade de algumas interfaces da linha de frente da psicologia. Cada delas remete à aproximação dessa área do conhecimento com outras, de modo que cada uma apresenta um contexto específico de desafios não apenas no nível da práxis, mas também de articulação nos níveis epistemológicos e metodológicos. A caracterização do uso da metodologia interdisciplinar junto à psicologia foi relatada pela autora em oito interfaces partindo do estudo das produções científicas dessas áreas, que estão resumidas a seguir, de acordo com suas especifidades:

  1. a psicologia ambiental trata da relação pessoa-ambiente e apresenta necessidade de se construir como uma interciência, em perspectiva transdisciplinar;

  2. a psicologia social se ocupa da relação da pessoa com a sociedade, reformulando seu aspecto teórico-prático pela importação de modelos conceituais de áreas semelhantes;

  3. a psicologia do desenvolvimento, assim como a ambiental, demanda uma estrutura que lhe permita “[...] abordar de forma mais sistêmica e complexa o tema do desenvolvimento humano” (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
    https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
    , p. 70);

  4. na psicologia escolar/educacional há dois movimentos de articulação da interdisciplinaridade - um no sentido de ampliar o sujeito epistêmico e outro no sentido de integrar o psicólogo na equipe escolar;

  5. na psicologia jurídica existem desafios que mostram a dificuldade do profissional em ajustar sua competência - relações de poder e apoio em pressupostos sistêmicos, de modo a requerer um campo que pense sua complexidade;

  6. a psicologia da saúde, assim como no campo jurídico, trata da articulação do psicólogo nos aparelhos de saúde coletiva, bem como da superação da clínica de intervenção para uma clínica ampliada;

  7. a psicologia organizacional e do trabalho é semelhante à do campo da saúde, apesar de sua abertura à interdisciplinaridade, sendo seu maior desafio a superação da visão clínica para realmente tratar da saúde do trabalhador; e

  8. na psicologia cognitivo-comportamental o desafio recai sobre o esforço para encontrar “[...] uma abordagem complexa que reúna por complementaridade as perspectivas naturalistas e construtivistas” (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
    https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
    , p. 80).

A autora mostra que com a metodologia interdisciplinar cada interface se apropria de um discurso específico, de acordo com suas necessidades e possibilidades de resolução. Algumas com demandas relativas à articulação dos atores envolvidos e outras, cogitando propostas de novos campos disciplinares. Isso demonstra o caráter contextual dos desafios de cada interface ao considerar a interdisciplinaridade enquanto modo de produção de conhecimento, metodologia prática e estratégia de ação. Essa perspectiva indica que os novos caminhos sendo trilhados e contribui para o entendimento e superação da “fragmentação” da psicologia: um mosaico que se caracteriza não só por suas questões teóricas e disciplinares, mas também pela atuação em diferentes interfaces dos diversos contextos sociais.

3. Formação em psicologia

Para entender como a dimensão epistemológica relaciona-se com a formação do psicólogo é preciso conhecer a história da constituição da profissão, que trata necessariamente da constituição curricular.

Em 1962, a área foi regulamentada como profissão no Brasil, e, de acordo com Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
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), junto foi legitimado seu currículo mínimo. O primeiro curso iniciou suas atividades em 1953, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, cuja grade curricular preconizava a passagem direta dos graduandos da fase teórico-conceitual nas salas de aula para a experimentação nos estágios básicos. Esse perfil formativo levava o acadêmico a tomar os saberes da psicologia como bem definidos e suficientes para a aplicação em campo, situação teórica e de formação que gerou uma prática intransigente e limitada, com problemas para ser fidedigna às diversas demandas da sociedade. Um exemplo de fator motivador por novas formas de abordar o problema, contribuindo para a dispersão da psicologia, na segunda metade do século XX, como apontado por Abib (2009ABIB, José Antônio Damásio. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 195-208, 2009. https://doi.org/10.1590/S1678-31662009000200002
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) e Figueiredo (2004FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.).

Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
) afirmam que nas décadas seguintes à regulamentação da profissão, a área clínica foi a prevalecente nos currículos e na atuação profissional, gerando diversas críticas dos estudiosos e descontentamentos dos graduandos. A respeito disso, segundo os autores, já na década de 1970 as produções no campo indicavam a necessidade de revisão dos rumos curriculares e, na década seguinte, o Conselho Federal de Psicologia promoveu iniciativas nesse sentido que resultaram na Carta de Serra Negra, divulgada em 1992. Nessa mesma época, um segundo documento, elaborado pela Comissão de Especialistas de Ensino em Psicologia, tratou, com base em pesquisas do CFP e, de forma mais consensual, entre os envolvidos, das dez diretrizes gerais para a formação do psicólogo. Tal documento:

Retomava o conhecido diagnóstico de que havia uma formação fragmentada, excessivamente dominada pela área clínica com enfoque psicanalítico, que não contemplava, de modo adequado, a pluralidade da Psicologia. [...] Do ponto de vista qualitativo, ambos os documentos sugerem a ampliação da diversidade de oferta de outras concepções de Psicologia, tanto nas disciplinas quanto nos estágios, visando superar a centralidade da formação em clínica (CURY; FERREIRA NETO, 2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
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, p. 503-504).

Assim, na década de 1990, o debate sobre a necessidade de repensar um currículo que contemplasse a dimensão plural e complexa dos diversos aspectos da psicologia, enquanto campo de saber na formação profissional, foi legitimado pelos órgãos responsáveis e seus respectivos documentos. Esse movimento foi concomitante à emergência da metodologia inter/transdisciplinar (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
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) e à concepção de pensamento complexo - cujo conceito foi apresentado em 1984 por Morin (ALMEIDA FILHO, 2005ALMEIDA FILHO, Naomar. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saúde e Sociedade [online], v 14, n. 3, p. 30-50, 2005. https://doi.org/10.1590/S0104-12902005000300004
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).

Segundo Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
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), em 1997 o Ministério da Educação iniciou o processo de elaboração das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação. A principal mudança “[...] foi substituir a tradição formativa fundamentada na transmissão de conteúdos nas disciplinas, para uma formação baseada em ‘competências e habilidades” (CURY; FERREIRA NETO, 2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
, p. 504), o que contribuiu para mudar o foco de uma formação que visava à transmissão e reprodução de conteúdo para uma formação que tornava o profissional capaz de atuar em contextos diversos, indo ao encontro das interfaces da prática psicológica apresentada por Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
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).

De acordo Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
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), porém, algumas críticas foram apontadas durante a confecção do documento. A caracterização do psicólogo como um profissional exclusivo da área da saúde foi criticada pela Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp), pelo CFP, pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep) e pelo Conselho Nacional das Entidades Estudantis em Psicologia (Conep). Não obstante, as três últimas ainda criticaram: os três perfis profissionais existentes nos cursos, defendendo que isso poderia promover uma separação entre prática profissional e produção científica; as ênfases curriculares, pelo risco de segmentação, indo contra a própria proposta generalista e integradora das DCN, uma vez que essa especialização deveria ocorrer posteriormente, na pós-graduação (CURY, FERREIRA NETO, 2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
; RUDÁ, 2015RUDÁ, Caio. Formação em Psicologia no Brasil: história, constituição e processo formativo. 2015. 191 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, 2015. Disponível em Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/18384/1/Dissertac%CC%A7a%CC%83o%20Final%2014dez.pdf . Acesso em: 28 ago. 2016.
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream...
).

Esses autores evidenciaram, ainda, que a proposta generalista seria consolidada em sala de aula e no estágio supervisionado. Estes seriam os dispositivos integradores das competências, habilidades e conhecimentos em situações de complexidade diversas, representativas da atuação profissional. Segundo Cury e Ferreira Neto (2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
, p. 507), esse trecho das diretrizes curriculares faz alusão ao

[...] fato da pluralidade, por vezes antagonista, que compõe a Psicologia, não encontrar possibilidade integrativa no verbalismo das exposições teóricas, mas sim no manejo de situações nas atividades práticas integrando nesse movimento o diálogo entre teorias e práticas. [...] Entretanto, a mesma definição poderia ser aplicada às atividades de sala de aula. Nessa nova lógica, estas também deveriam ser instadas ao compromisso de promoção de um “saber em uso” mediante discussões reflexivas e situacionais, nas quais conhecimentos dialogam e problematizam com realidades e experiências atuais, e não apenas com os contextos de produção das teorias e metodologias desenvolvidas.

Eles alertaram, também, para a necessidade de não se negar a formação plural ao campo da prática, que deve assumir o compromisso de preparar o discente para o discurso e a percepção interdisciplinar desde a sala de aula. Uma conclusão semelhante foi apresentada por Guareschi et al. (2014GUARESCHI, Neuza Maria de Fátima et al. Formação em psicologia: o princípio da integralidade e a teoria da autopoiese. Revista Psicologia e Saúde, Campo Grande, v. 6, n. 1, p. 18-27, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2014000100004&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 30 mar. 2020.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), em seu trabalho sobre a formação em psicologia e o princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde. A autora defende que a formação deve apontar não apenas novos posicionamentos, mas fazer com que o graduando de fato caminhe por diferentes nuances e constructos da realidade para que tenha maior habilidade nas práticas.

Assim, a aprovação final das DCN de psicologia pelo MEC ocorreu de forma atrasada, em 2002, com sua publicação oficial apenas em 2004. Mas não foram atendidos dois itens: a determinação do número de alunos por supervisor no estágio, que poderia impactar negativamente a qualidade da formação, e a retirada da proposta de ênfases curriculares (CURY; FERREIRA NETO, 2014CURY, Bruno de Morais; FERREIRA NETO, João Leite. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: os estágios na formação do psicólogo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 20, n. 3, p. 494-512, 2014. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/v20n3a06.pdf . Acesso em: 12 out. 2021.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n3/...
).

3.1. Diretrizes Curriculares Nacionais

Atualmente as DCN estão contidas em um documento elaborado, em 2011, pelo Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. Em seus 26 artigos encontram-se todos os pilares, normas, condições e princípios que orientam a construção dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPC) dos cursos de psicologia em todas as Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil. O MEC (2011) afirma que os princípios e compromissos da formação do psicólogo estão diretamente relacionados ao desenvolvimento científico e às competências e habilidades a serem desenvolvidas pelo futuro psicólogo. Esses devem ser pautados na atuação em diferentes contextos, a partir do reconhecimento da diversidade de perspectivas e múltiplos referenciais de compreensão do fenômeno psicológico. Desse modo, o graduando pode reconhecer e compreender a diversidade que envolvem as manifestações psicológicas, bem como trabalhar no sentido da aproximação e do diálogo entre essas referências e perspectivas (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
).

Destarte, de acordo com o documento, o desenvolvimento dessas habilidades e competências e o reconhecimento arcabouço conceitual do campo ocorre a partir de fatores como: conhecimento das linhas de pensamento em psicologia, por meio de seus fundamentos históricos e epistemológicos; conhecimento de técnicas e formas de produção de conhecimento científico da psicologia; aptidão em relação à prática do profissional, sendo capaz de selecionar, adaptar e utilizar métodos e instrumentos de avaliação e intervenção adequados a cada contexto; capacidade de promover a interlocução entre a investigação científica e a atuação profissional; capacidade de perceber e analisar em campo os objetos da investigação da psicologia, seus fenômenos e processos em suas dimensões comportamental, cognitiva e afetiva, bem como seus principais conceitos, atributos e teorias explicativas; e relacionamento com outras áreas da ciência de forma interdisciplinar, de modo a reconhecer particularidades dos fenômenos psicológicos e daqueles estudados por outras áreas (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Cada um desses fatores contribui para a produção científica da psicologia, o desenvolvimento dos aspectos técnicos do psicólogo e a articulação destes com os diversificados campos da prática, por meio da interdisciplinaridade. Na prática, eles devem permear as disciplinas do curso, as orientações dos professores e os estágios supervisionados.

Segundo Rudá (2015RUDÁ, Caio. Formação em Psicologia no Brasil: história, constituição e processo formativo. 2015. 191 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, 2015. Disponível em Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/18384/1/Dissertac%CC%A7a%CC%83o%20Final%2014dez.pdf . Acesso em: 28 ago. 2016.
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream...
), as diretrizes nacionais diminuíram a rigidez do primeiro currículo e contribuíram para a superação da metodologia disciplinar, por reconhecer a pluralidade epistemológica do campo. De acordo com o Ministério da Educação (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
), a disciplinaridade e a interdisciplinaridade devem ser contempladas na proposta de formação dos professores e nos estágios supervisionados. Estes, por sua vez, devem assegurar a concretização em ações profissionais dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes previstas nos núcleos comum e específico dos currículos, de forma que sejam, obrigatoriamente, orientados por ênfases curriculares.

Art. 10. Pela diversidade de orientações teórico-metodológicas, práticas e contextos de inserção profissional, a formação em Psicologia diferencia-se em ênfases curriculares, entendidas como um conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da Psicologia (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
, p. 4).

De acordo com o documento, os cursos devem apresentar no mínimo duas ênfases curriculares, deixar claro quais são elas e permitir a escolha do graduando por uma ou mais delas. Ele ainda orienta que os novos cursos devem priorizar a oferta daquelas mais consolidadas, devendo cada uma delas contar, necessariamente, com um estágio supervisionado para garantir o desenvolvimento de suas competências específicas. Cada ênfase diz respeito à articulação da psicologia com um dos domínios de ação citados, que podem ser resumidos em cinco processos: de investigação científica; educativos; de gestão; de prevenção e promoção da saúde; e clínicos e de avaliação diagnóstica (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 5, de 15 de março de 2011. Disponível em Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7692-rces005-11-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 14 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Assim, a graduação procura, desde os fundamentos históricos e epistemológicos da psicologia até os estágios supervisionados e suas ênfases, inserir os estudantes em diferentes contextos de ação no mercado de trabalho, propiciando-lhes a chance de articular teoria e prática.

Em 2018, cumpre destacar, foram submetidas as novas diretrizes curriculares da psicologia. Participaram da reformulação dessas DCN entidades organizadoras diversas, sendo estimulada a participação dos diferentes atores implicados na formação profissional. A discussão a respeito das bases da formação dá-se em um cenário de crescente mercantilização do ensino, afetando diretamente sua qualidade ética e teórica. Como exemplo de ameaças aos fundamentos da formação está a ampliação do ensino à distância (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2018CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Ano da formação em psicologia: revisão das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em psicologia. Brasília: CFP, 2018.). Posição semelhante a esta, que enfatiza a importância do ensino presencial, é sustentada pelo Conselho Nacional de Saúde, em sua Resolução CSN nº 597, de 13 de setembro do mesmo ano, em seu Art. 5º:

A formação em Psicologia deve ser presencial, generalista, multi e interdisciplinar, baseada na diversidade teórico- metodológica e na pluralidade dos seus campos de atuação, reconhecendo a identidade nacional, respeitando os contextos regionais e atendendo às diferentes necessidades dos indivíduos e populações, de forma inclusiva (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº 597, de 13 de setembro de 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/52748594/do1-2018-11-30-resolucao-n-597-de-13-de-setembro-de-2018-52748138 . Acesso em: 18 mar. 2022.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
).

Um ponto a considerarmos é o estranho atraso na homologação das DNCs, tal como reformuladas em 2018. Devemos nos questionar sobre as disputas de poder e as linhas de força que atuam de maneira a obstruir sua implementação, em nome de interesses ideológicos e econômicos, à revelia da qualidade técnica da formação em Psicologia. Trata-se aqui de resistir face à precarização da prática e saberes psicológicos, em um contexto de predomínio da lógica neoliberal e ataques aos diretos humanos, ao pensamento crítico e científico.

3.2. Pós-graduação

Ao concluir o bacharelado, os estudantes podem ingressar em pós-graduações (mestrados e doutorados), fomentando a produção do conhecimento brasileiro na área. A preocupação desses programas com a renovação científica foi legitimada em 1965, com a elaboração do Parecer Sucupira, resposta do Conselho Federal de Educação a respeito das mudanças necessárias na regulamentação da pós-graduação no Brasil, determinando que as universidades ampliassem seu escopo da transmissão do conhecimento, voltando-se para a inovação por meio de atividades de pesquisas (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
).

Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a Área de psicologia é integrada por 53 doutorados, 79 mestrados acadêmicos e 7 mestrados profissionais, totalizando 139 cursos de pós-graduação.3 3 Consulta em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultascoleta/programa/quantitativos/quantitativoAreaAvaliacao.jsf.

A diversidade das atividades pós-graduadas em psicologia foi registrada pela Capes em 2013, na avaliação trienal da área (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
). Tal relatório categoriza 14 subáreas, a saber: Psicologia Social; Psicologia Clínica, Psicanálise e Psicopatologia; Processos Psicológicos Básicos e Análise do Comportamento; Psicologia do Desenvolvimento; Psicologia da Saúde; História da Psicologia; Psicologia Comunitária; Psicologia Forense; Psicologia do Trânsito; Psicologia Organizacional e do Trabalho; Psicologia Educacional e Escolar; Avaliação, Métodos e Medida em Psicologia; Psicobiologia, Neurociências e Psicologia Evolucionista; e Temas Gerais, agrupando áreas de pesquisa menos expressivas, como a Psicologia Ambiental. Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) afirma que dentro dessas subáreas encontram-se 35 especialidades ou linhas de pesquisa.

Em seu estudo sobre a interdisciplinaridade nos cursos de pós-graduação, a autora constatou que as pesquisas que utilizavam as perspectivas metodológicas da interdisciplinaridade passaram a surgir entre 1990 e 2001. Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) acrescenta, ainda, que 40% da produção de mestrado e doutorado em psicologia encontravam-se, então, no campo da saúde, mostrando a força da psicologia nessa área. Por outro lado, as demais publicações (60%) apontavam a relação da psicologia com outros campos de conhecimento, demonstrando a força da inter-relação do saber psicológico. Isso é corroborado pela Capes (2013), quando afirma que a psicologia, enquanto ciência e profissão, não pode abrir mão da tenuidade das linhas que a separam de outras áreas do conhecimento.

De acordo com Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
), a produção científica na psicologia sempre fora permeada pela alteridade, que na contemporaneidade está em consonância com o conceito de interdisciplinaridade, principalmente nos espaços de pós-graduação. O que a reafirma como profissão e como campo de saber, que se define na relação com diversos outros campos que tangenciam suas fronteiras, distanciando-se do olhar simplista e insuficiente de uma realidade pronta e acabada. São exemplo disso os campos temáticos da pós-graduação categorizados pelo estudo de Alencar (2015), que remetem às interfaces a partir do desdobramento da psicologia em diversos contextos, semelhante às subáreas apontadas pela Capes: Social; Social e Institucional; Clínico; Clínico e Cultural do Trabalho e das Organizações; do Escolar e do Desenvolvimento da Aprendizagem; Experimental; Psicossociologia e Pesquisa. Rudá (2015RUDÁ, Caio. Formação em Psicologia no Brasil: história, constituição e processo formativo. 2015. 191 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, 2015. Disponível em Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/18384/1/Dissertac%CC%A7a%CC%83o%20Final%2014dez.pdf . Acesso em: 28 ago. 2016.
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) soma a elas outros espaços interdisciplinares, como a psicologia do trânsito, psicologia do esporte, psicologia comunitária e em situações de desastres. Todos estes são temas oriundos das diversas demandas de atuação do psicólogo e que contemplam e ampliam as ênfases orientadas pelas DCN para outros campos.

A análise dos programas de pós-graduação em psicologia também contemplou a discursividade produzida. Alencar (2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
) organizou em cinco categorias os discursos que fazem referência à metodologia inter/trans. Cada uma delas diz respeito às ações que influenciam a formação do psicólogo e a solução para os desafios atuais. Elas são referentes à formação para atuação interdisciplinar; às formas de flexibilização da grade curricular e do ensino em disciplinas, visando à interdisciplinaridade; aos processos inter/trans na produção científica; e à integração da pesquisa, ensino e intervenção. O desenvolvimento da metodologia inter/trans nas diversas áreas citadas acima e no campo da psicologia deve favorecer a superação dos limites da disciplinaridade, contribuir para a formação de profissionais conscientes das particularidades e da complexidade do próprio campo, aptos para uma atuação inter/transdisciplinar, uma exigência das demandas sociais, colaborando para a superação das fronteiras disciplinares e dos papéis pedagógicos que as subsidiam. A importância da interdisciplinaridade para diversificação e fortalecimento da formação científica e profissional, na relação entre graduação e pós-graduação, é apontada pela Capes (2013) como um desafio para os atores do campo, cujo palco são as práticas de pesquisa, ensino e extensão.

Considerações finais

Aqui retomamos os objetivos que conduziram este ensaio teórico, as discussões apresentadas, a forma como trabalhamos as informações no referencial teórico, nossas contribuições, limitações e sugestões para futuras investigações.

Como as diferentes teorias e abordagens da psicologia afetam a formação do psicólogo frente às demandas contemporâneas da ciência? Essa foi a questão norteadora deste trabalho. Partimos do princípio de que a formação do bacharel em psicologia é complexa desde a graduação, em função da epistemologia e de demandas contemporâneas do campo. Para discutir essas questões apresentamos aspectos relativos à constituição epistemológica da psicologia - a sua história, a associação de seus pressupostos teóricos e a configuração atual em que seus limites são determinados nos espaços de intercâmbio com outras áreas da ciência - bem como a constituição e situação da formação do profissional.

No que se refere à composição epistemológica, apresentamos um percurso atravessado por aspectos teóricos, metodológicos, históricos, institucionais, políticos e profissionais. Vimos que desde a sua constituição como ciência a psicologia é plural. Em função da complexidade de seu(s) objeto(s), diversas frentes se estruturam como referenciais teóricos a serem adotados para sua compreensão, os quais são tomados como abordagens que norteiam a prática. Cada conjunto de teorias é definido por pressupostos que orientam a metodologia a ser utilizada. Isso caracteriza a atuação do profissional de modo que, ao fazer parte de instituições, associações e órgãos, o psicólogo carrega consigo seu percurso de formação e a sua perspectiva teórica, e os emprestam à instituição. Por esse motivo não é possível uma linguagem comum a todas as abordagens psicológicas, principalmente diante do aumento de seu volume a partir de 1950.

Nesse cenário, a psicologia se mostra uma ciência de fronteira, contida nas ciências da saúde e com especificidades das ciências humanas, o que multiplica suas abordagens ao se deparar com cada questão particular da prática. Apesar de não possuir um paradigma norteador, é influenciada por novos paradigmas, como o pós-moderno, a partir do qual fronteiras bem definidas, previsíveis e isoladas dão lugar à noção de realidade instável, fluída e atravessada por diversos fatores.

Na busca por uma resposta fiel à essa realidade complexa, a utilização da metodologia interdisciplinar na psicologia tem desenvolvido interfaces de atuação com características muito específicas, de acordo com cada contexto. Assim, disciplinas cedem espaço à interdisciplinas, com discursos científicos, perspectivas e axiomas próprios, como a psicologia ambiental.

Enquanto formação profissional, mostramos que o campo, dez anos após sua constituição com ciência e profissão no Brasil, já se esforçava em flexibilizar seu currículo, de modo a evitar formações dogmatizantes. Esse processo esteve sujeito à organização de seus profissionais e às deliberações do Ministério da Educação.

Apesar das críticas às ênfases das Diretrizes Curriculares Nacionais, o novo currículo visa a desenvolver as competências e habilidades necessárias ao discente para articular o contexto epistemológico da psicologia com sua prática em seus diversos domínios, por meio de uma formação generalista e orientada por uma metodologia interdisciplinar, atenta ao o risco de ser eclética ou profissionalizante. Na formação graduada, as atuais DCN exigem uma formação interdisciplinar dos docentes atuantes na graduação, que seja eticamente comprometida com a compreensão epistemológica da psicologia e com o contexto de seus estágios. Tais fatores, em conjunto com as demandas sociais, influenciam a formação e conferem à psicologia uma das maiores diversidades profissionais, quando comparada a outras áreas do conhecimento. Uma diversidade manifestada em interfaces que influenciam as ênfases da graduação e a produção científica pós-graduada.

Os cursos de mestrado e doutorado integram as abordagens e as interfaces da psicologia em 14 subáreas e 35 especialidades, que confirmam a força da psicologia como área da saúde e a sua interlocução com outros campos da ciência, como o ambiental, esportivo e jurídico. A utilização da metodologia interdisciplinar na pós-graduação é marcada pela discursividade de temas, flexibilização da grade curricular, ensino de disciplinas, produção científica e práticas de intervenção.

No desenvolvimento desse ensaio encontramos aspectos históricos, políticos, abordagens, ênfases, áreas, interfaces, objetos, teorias, pressupostos, práticas, contextos, complexidade, disciplinaridade e seus prefixos (multi, inter, meta e trans), paradigmas, interdisciplinas e ciências de fronteiras, numa articulação que compõe uma trama mais próxima da complexidade, em detrimento de uma proliferação desarticulada. A relação entre epistemologia da psicologia e formação profissional não é complexo no sentido de tratar de um tema de difícil compreensão, mas cenário permeado pela associação de fatores e fenômenos emergentes que interagem de forma dinâmica e se retroalimentam.

Diante do apresentado, sugerimos algumas contribuições científicas e sociais decorrentes deste estudo. Ao sistematizar as informações referentes à epistemologia e à formação do profissional, percebemos que a produção científica deve assegurar ações cada vez mais abrangentes e, ao mesmo tempo, singulares. Essa abordagem viabiliza ações mais assertivas e comprometidas com a particularidade de cada contexto, de acordo com a variedade teórica e campo de atuação em psicologia. Tais atuações não devem ocorrer apenas no âmbito prático, mas também na produção de discursividades, como, por exemplo, as salas de aula, promovendo atitudes integradoras e articuladoras das abordagens e campos, em lugar daquelas que enaltecem ou protegem uma perspectiva, ou campo de atuação, em detrimento de outras. Diante de uma complexidade, a atitude mais esperada tende a ser a busca por segurança no isolamento de uma abordagem ou contexto, repetindo velhos hábitos, que remetem ao mal-estar vivenciado no passado, pela sociedade e por discentes, em função de atitudes com características dogmáticas. Dessa forma, acreditamos que devem ocorrer maiores questionamentos e discussões sobre o risco de se transformar abordagens teóricas e interfaces de atuação em totalidades isoladas, isto é, especialidades da psicologia, por parte dos psicólogos.

Nossa tentativa de discutir os elementos inerentes ao tema não visa esgotá-los ou delimitá-los, mas sim proporcionar uma leitura dos aspectos que atravessam o cotidiano formativo do psicólogo e fazer alguns questionamentos. Ao longo do texto, alguns aspectos foram apenas assinalados em sua relação com a psicologia - como a complexidade e a pós-modernidade -, favorecendo novas possibilidades de investigação. Esperamos que as provocações apresentadas subsidiem outras pesquisas sobre as conexões entre a formação em psicologia e as formas de pensamento emergentes nas ciências. Em seu processo permanente de construção e reinvenção, as forças teóricas e os campos práticos do fazer psicolológico, além do desenvolvimento da interlocução com outros campos da ciência, devem também considerar a necessidade de diálogo entre si para não correrem o risco de perder a perspectiva de seu objeto maior: o humano em si.

Referências

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    » https://doi.org/10.1590/S1413-73722003000100005
  • 1
    De acordo com Nicolaci-da-Costa (2004NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. A passagem interna da modernidade para a pós-modernidade. Psicologia: Ciência e Profissão [online], v. 24, n. 1, p. 82-93, 2004. https://doi.org/10.1590/S1414-98932004000100010
    https://doi.org/10.1590/S1414-9893200400...
    ), é uma linha emergente de pensamento e concepção da realidade com características opostas às do período moderno, marcado por teorias absolutas e detentoras de uma verdade universal, fronteiras, hierarquias e poderes bem definidos e estruturados; rigor preciso, objetivo e concreto; e lentidão e burocracia em seus processos. Características estas questionadas pela pós-modernidade que considera a instabilidade, a imprevisibilidade, a permeabilidade de fronteiras físicas e culturais, a instantaneidade, diferentes interpretações de verdades, poderes extraterritoriais, e tecnologias que conferem fluidez a uma estrutura sistêmica (NICOLACI-DA-COSTA, 2004NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. A passagem interna da modernidade para a pós-modernidade. Psicologia: Ciência e Profissão [online], v. 24, n. 1, p. 82-93, 2004. https://doi.org/10.1590/S1414-98932004000100010
    https://doi.org/10.1590/S1414-9893200400...
    ).
  • 2
    O termo “interdisciplinaridade”, longe de possuir uma definição bem delimitada, pode ser compreendido, em primeiro lugar, como uma perspectiva ou metodologia que se expressa de três formas: primeiro como uma interface entre diferentes saberes (por exemplo, psicologia jurídica); em segundo, como uma fusão de saberes, cujos objetos também se fundem (caso da bioinformática); e, por último, como uso articulado de múltiplas abordagens de diferentes campos de conhecimento para elaboração de ação ou conhecimento a respeito de um problema (ALENCAR, 2015ALENCAR, Helenira Fonsêca. A presença da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na psicologia brasileira. 2015. 233 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18640 . Acesso em: 22 abr. 2016.
    https://repositorio.ufba.br/handle/ri/18...
    ).
  • 3
  • 4
    Os dados completos dos autores encontram-se ao final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2017
  • Revisado
    29 Nov 2021
  • Revisado
    09 Dez 2021
  • Aceito
    24 Mar 2022
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