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Representações sociais da paternidade: um estudo comparativo

Social representations of fatherhood: a comparative study

Resumo

A paternidade pode ser compreendida como uma construção social, sofrendo modificações na forma como é vivenciada e exercida em virtude de transformações da sociedade. Este trabalho buscou comparar as representações sociais da paternidade no ano de 2004 e no ano de 2014. Foi utilizado conteúdo de 17 depoimentos apresentados na sessão ‘Conversa de Homem’ da revista do tipo magazine Pais & Filhos. O referencial escolhido para a análise dos dados foi o método de associação de ideias de Spink. Identificou-se que, em cada momento investigado, o pai apresenta preocupações diferenciadas, as quais são influenciadas pelas demandas sociais vigentes e por sua bagagem pessoal. O homem parece cada vez mais interessado pelo universo infantil, buscando conhecimentos para se inserir de forma participativa na vida dos filhos. Além disso, prepara-se internamente para exercer a paternidade. Esse maior envolvimento do pai contribui para a transformação subjetiva do homem como sujeito.

Palavras-chave:
teoria das representações sociais; paternidade; gênero

Abstract

Fatherhood can be understood as a social construction. It has been going through modifications in the way it is experienced and exercised due to social movements. This study aimed to compare social representations of fatherhood in the years of 2004 and 2014. 17 testimonies from ‘Conversa de Homem’ section of - Pais & Filhos, magazine were used. It was identified that in each socio-historical moment the father presents different types of preoccupations, according to the social demands and personal issues. Man seems increasingly interested in the children’s universe, seeking more knowledge in order to be inserted in a participatory role in the lives of children. Besides, the father prepares himself for fatherhood. This greater involvement contributes to a subjective transformation of man as a person.

Keywords:
social representation theory; fatherhood; gender

Paternidade: um breve percurso histórico

O objetivo do artigo é comparar as representações sociais de paternidade emergentes do conteúdo de um artefato cultural do tipo magazine nos anos de 2004 e de 2014.

O desenvolvimento do papel paterno na família apresenta transformações, em especial no que se refere ao envolvimento afetivo com os filhos e filhas (CÚNICO; ARPINI, 2013CÚNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. A família em mudanças: desafios para a paternidade contemporânea. Pensando famílias, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 28-40, jul. 2013. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2013000100004&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 13 abr. 2015.
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). Essas transformações podem sustentar uma paternidade mais sensível e participativa, contribuindo com o envolvimento do homem na vida cotidiana e na rotina familiar dos filhos e filhas (OLIVEIRA; SILVA, 2011OLIVEIRA, Aline Grazieli de; SILVA, Rosanna Rita. Pai contemporâneo: diálogos entre pesquisadores brasileiros no período de 1998 e 2008. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 29, n. 66, p. 353-360, jul./set. 2011. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20297 . Acesso em: 15 abr. 2015.
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; SUTTER; BUCHER-MALUSCHKE, 2008SUTTER, Christina; BUCHER-MALUSCHKE, Júlia S. N. F. Pais que cuidam dos filhos: a vivência masculina na paternidade participativa. PSICO, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 74-82, jan./mar. 2008. Disponível em: Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/%20revistapsico/article/viewFile/1488/2799 . Acesso em: 4 maio 2015.
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).

A participação e o comprometimento de forma positiva na vida dos filhos e filhas contribuem e maximizam o desenvolvimento de competências e habilidades sociais, além de diminuir os índices de hiperatividade e de problemas de comportamento (CIA; BARHAM, 2009CIA, Fabiana; BARHAM, Elizabeth Joan. O envolvimento paterno e o desenvolvimento social de crianças iniciando as atividades escolares. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 14, n. 1, p. 67-74, jan./mar. 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722009000100009
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). O envolvimento afetivo na criação dos filhos e filhas beneficia a criança em seu desenvolvimento e constituição, bem como favorece o próprio pai, na medida em que surge a oportunidade de este se desenvolver enquanto sujeito (ARRUDA; LIMA, 2013ARRUDA, Sérgio Luiz Saboya; LIMA, Manuela Caroline Ferreira. O novo lugar do pai como cuidador da criança. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 4, n. 2, p. 201-216, dez. 2013. http://dx.doi.org/10.5433/2236-6407.2013v4n2p201
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).

No entanto, deve-se considerar que os papéis associados à paternidade tradicional também fazem parte desta construção (OLIVEIRA; SILVA, 2011OLIVEIRA, Aline Grazieli de; SILVA, Rosanna Rita. Pai contemporâneo: diálogos entre pesquisadores brasileiros no período de 1998 e 2008. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 29, n. 66, p. 353-360, jul./set. 2011. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20297 . Acesso em: 15 abr. 2015.
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), encontrando-se a paternidade em fase de transição, uma vez que esta se movimenta entre valores novos e arcaicos, reinventando-se no processo (GOMES; RESENDE, 2004GOMES, Aguinaldo José da Silva; RESENDE, Vera da Rocha. O pai presente: o desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 20, n. 2, p. 119-125, mai./ago. 2004. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722004000200004
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).

Neste contexto, desenvolveu-se o interesse de investigar a paternidade e suas repercussões na família e no desenvolvimento da criança (BORSA; NUNES, 2011BORSA, Juliane Callegaro; NUNES, Maria Lucia Tiellet. Aspectos psicossociais na parentalidade: o papel de homens e mulheres na família nuclear. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 29, n. 64, p. 31-39, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19835 . Acesso em: 13 mar. 2015.
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).

A relevância do tema refere-se à possibilidade de reflexão por parte dos homens que exercem esse papel, assim como da sociedade em geral. As movimentações no desenvolvimento da paternidade podem influenciar a vivência e a subjetivação desta. Torna-se necessário um olhar que considere as demandas atuais, uma vez que as referências anteriores apresentam-se como insuficientes (BORNHOLDT; WAGNER; STAUDT, 2007SÁ, Celso Pereira de. As representações sociais na história recente e na atualidade da psicologia social. In: JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA, Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco Teixeira (Org.). História da psicologia: rumos e percursos. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nau, 2007. p. 587-602.).

Representações sociais e meios de comunicação

A teoria de Moscovici (2015MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2015.) emerge nas sociedades contemporâneas caracterizada por um cunho psicossocial, já que se configura como construção social com base na comunicação de um conjunto de pessoas sobre particularidades da vida cotidiana (SÁ, 2007SÁ, Celso Pereira de. As representações sociais na história recente e na atualidade da psicologia social. In: JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA, Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco Teixeira (Org.). História da psicologia: rumos e percursos. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nau, 2007. p. 587-602.). No processo da elaboração das representações sociais, a transformação se faz presente, pois, a partir desta produção, a imagem do objeto representado é modificada através dos múltiplos saberes envolvidos (MOSCOVICI, 2015MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2015.). As representações sociais estão implicadas na construção das formas de comunicação, além de estarem intrinsecamente associadas às ações sociais dos indivíduos (ARAUJO, 2008ARAUJO, Marivânia Conceição de. A teoria das representações sociais e a pesquisa antropológica. Revista Hospitalidade, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 98-119, jul./dez, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.revhosp.org/hospitalidade/article/view/155/180 . Acesso em: 5 fev. 2015.
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).

O objetivo primordial de estudar as representações sociais refere-se à compreensão de como um conjunto de pessoas elabora um composto de saberes e como essas ideias se organizam. Assim, torna-se possível apresentar a identidade de um grupo de pessoas e as representações sociais que tal grupo produz sob uma multiplicidade de objetos e o complexo aglomerado de códigos culturais que vem a elucidar as regras de uma população (OLIVEIRA; WERBA, 2002OLIVEIRA, Fátima O. de; WERBA, Graciela C. Representações sociais. In: JACQUES, Maria da Graça Correa et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2002. p. 104-117.).

Um dos objetivos da teoria das representações sociais é tornar familiar o não-familiar, uma vez que o ser humano tende a rechaçar aquilo que lhe é estranho e lhe traz incomodidade. Para que seja factível o processo de tornar aquilo que não repercute como familiar em algo intrinsicamente familiar, manifestam-se dois processos básicos que são caracterizados como formadores das representações sociais: ancoragem e objetivação (OLIVEIRA; WERBA, 2002OLIVEIRA, Fátima O. de; WERBA, Graciela C. Representações sociais. In: JACQUES, Maria da Graça Correa et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2002. p. 104-117.). Ambos operam de forma dialética na construção das representações sociais (FRANCO, 2004FRANCO, Maria Laura Puglisi Barbosa. Representações sociais, ideologia e desenvolvimento da consciência. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 121, p. 169-186, jan./abr. 2004. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742004000100008
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).

No processo de ancoragem, o indivíduo escolhe categorias já familiares, que permitem compreender o objeto social. Já na objetivação, o indivíduo transforma as crenças que possui em relação ao objeto social em informação. Ocorre a aproximação do conhecimento prévio da percepção sobre o objeto (DESCHAMPS; MOLINER, 2014DESCHAMPS, Jean-Claude; MOLINER, Pascal. A identidade em psicologia social: dos processos identitários às representações sociais. Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.).

Uma das fontes utilizadas nas pesquisas sobre representações sociais são os meios de comunicação em massa (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 2000GUARESCHI, Pedrinho Arcides; JOVCHELOVITCH, Sandra (Org.). Introdução. In: ______. Textos em representações sociais. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 17-24.). Buscar compreender como homens brasileiros constroem e elaboram ideias e associações a respeito da paternidade por meio da análise de um artefato cultural pode ampliar os estudos que se utilizam deste tipo de fonte, além de auxiliar na compreensão de como o homem constrói sua rede de significações sobre a paternidade.

As pessoas buscam informações sobre determinados fenômenos por meio de artefatos culturais. A partir das informações encontradas, são construídas as representações sociais. Uma vez que tais representações podem prescrever comportamentos (MOSCOVICI, 2015MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2015.), pode-se pensar que existe a probabilidade de os indivíduos se comportarem a partir das representações sociais construídas. Deste modo, pode-se pensar também que o comportamento dos indivíduos reflete, de alguma forma, as informações buscadas nas pesquisas realizadas em artefatos culturais, como as revistas do tipo magazine.

As mídias dispõem, em sua essência, de uma função social, uma vez que possuem competência para produzir a realidade e lhe outorgar considerações de valor. Essa extensão valorativa da mídia exerce influência sobre o comportamento e a motivação das pessoas. As mídias disponibilizam para a população os conteúdos que consideram pertinentes, uma vez que escondem e dissimulam informações e ideias às quais não lhes interessa, por algum motivo, que as pessoas tenham acesso. Assim, muitas vezes, em vez de exercer a sua função primordial de comunicar, a mídia pode rebuçar conteúdos e informações, caracterizando um paradoxo (GUARESCHI; ROMANZINI; GRASSI, 2008GUARESCHI, Pedrinho Arcides; ROMANZINI, Lisie Polita; GRASSI, Lúcia Biavaschi. A “mercadoria” informação: um estudo sobre comerciais de TV e rádio. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 18, n. 41, p. 567-580, dec. 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2008000300012
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).

No que se refere às mídias impressas, as matérias apresentadas em revistas exibem uma diversidade de atores sociais em torno de um tópico comum. Há uma integração de histórias e de informações, construindo-se um espaço tanto para a constituição de personagens quanto para a privacidade entre os personagens e o leitor. Deste modo, tais espaços criam possibilidades de apropriação do conteúdo da mídia por parte dos leitores, elaborando representações (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 2000GUARESCHI, Pedrinho Arcides; JOVCHELOVITCH, Sandra (Org.). Introdução. In: ______. Textos em representações sociais. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 17-24.).

Método

Para este trabalho, optou-se por um delineamento qualitativo em uma pesquisa exploratória e descritiva.

Como fonte foi utilizado um artefato cultural, no caso a seção Conversa de Homem, publicada na revista Pais & Filhos nos anos de 2004 e de 2014. Foram analisados 17 depoimentos, 10 referentes ao ano de 2004 e sete ao ano de 2014. Ressalta-se que esta seção manteve-se como parte integrante da revista. Porém, não foi publicada em todas as suas edições dentro do mesmo período. Os depoimentos foram coletados das versões impressas da revista. Estas foram adquiridas diretamente com a editora via contato por e-mail. Os exemplares foram enviados pela editora por transportadora.

A pesquisa realizada foi resultado de um trabalho de conclusão do curso de bacharelado em psicologia. Em virtude do escopo do trabalho e do tempo disponível para sua confecção, optou-se pelo intervalo de dez anos como recorte temporal, visto que a coleta de dados ocorreu em 2014, e este ano representava o período contemporâneo. Escolheu-se o ano de 2004 em virtude dos questionamentos a respeito das possíveis transformações das representações sociais ao longo do tempo. Pensou-se que, talvez, no período de uma década poderiam ser encontradas diferenças nas representações de paternidade.

A seção Conversa de Homem tem como conteúdo os depoimentos de homens a respeito de como se tornaram pais, abarcando experiências de paternidade ocorridas tanto no passado como no presente. Tal seção foi escolhida como objeto de análise porque apresenta relatos ricos em associações de ideias sobre a vivência da paternidade provenientes de homens que se dispuseram a compartilhar tal vivência com o grande público.

A revista Pais & Filhos foi criada em 1968 com o objetivo de elaborar conteúdos voltados para a família. Há 46 anos a revista vem sendo publicada de forma ininterrupta, tendo como público-alvo mulheres grávidas, mães e pais brasileiros.

Primeiramente, foi realizada a leitura flutuante de todas as edições da revista Pais & Filhos dos anos de 2004 e de 2014, com o intuito de identificar as matérias com conteúdo referente à paternidade. Após a leitura das edições, foram selecionadas aquelas que continham em seu índice a seção Conversa de Homem. Não foram utilizados descritores específicos na seleção do conteúdo ou critérios de inclusão e de exclusão. Isso porque a seção Conversa de Homem tem como escopo a publicação de relatos sobre paternidade. Deste modo, foram utilizados todos os depoimentos dos exemplares disponíveis da revista. Os textos, lidos na íntegra pelas autoras de modo conjunto, foram considerados pertinentes para análise.

Os depoimentos dos homens, publicados nessa seção, foram analisados a fim de se encontrar as significações referentes à paternidade e as associações de ideias feitas. Esta análise foi realizada a partir do referencial teórico da análise de associação de ideias (SPINK, 2013SPINK, Mary Jane P. Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise das representações sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho Arcides; JOVCHELOVITCH, Sandra (Org.). Textos em representações sociais. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2013. p. 95-118.).

Foram construídas representações gráficas contendo tais significações e associações com o intuito de apresentar a representação social emergente dos depoimentos de cada edição em separado. Finalizadas as representações gráficas dos depoimentos de cada edição, foram elaboradas duas representações gráficas unindo as significações e associações em cada ano pesquisado. Isto gerou duas representações sociais de paternidade, uma referente aos depoimentos do ano de 2004 e outra referente aos depoimentos do ano de 2014. Posteriormente, foi realizada a análise dos dados codificados nas representações gráficas, conforme os passos da análise associativa proposta por Mary Jane Spink (2013SPINK, Mary Jane P. Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise das representações sociais. In: GUARESCHI, Pedrinho Arcides; JOVCHELOVITCH, Sandra (Org.). Textos em representações sociais. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2013. p. 95-118.).

A análise dos dados fez emergir eixos associativos que compõem a representação social do ano de 2004 e a do ano de 2014. Destaca-se que os eixos associativos de cada ano são diferentes. Na representação social do ano de 2004 são encontrados os seguintes eixos: espiritualidade/transformação; emoções/sentimentos; mudanças; participação/cuidados; questionamentos/cobranças; dificuldades/lado negativo; gênero/estereótipo e casal/família (ver Figura 1). Já na representação social do ano de 2014 são encontrados os seguintes eixos: espiritualidade/transcendência; emoções/sentimentos; preparação/participação; questionamentos/dúvidas; gênero/desconstrução; conceitos e preconceitos casal/família (ver Figura 2).

Figura 1
Representação social do ano de 2004.

Figura 2
Representação social do ano de 2014.

A partir da análise dos dados levantados e inseridos nos eixos associativos, foi produzido o comparativo entre as representações sociais da paternidade nos anos de 2004 e de 2014 contidas na sessão Conversa de Homem da revista Pais & Filhos.

Resultados e discussão

Em relação aos depoimentos publicados na revista, deve-se considerar sua política editorial. Provavelmente os editores fazem um processo de seleção dos depoimentos a serem publicado entre os que foram enviados. No entanto, pode-se indagar: a escolha dos depoimentos seria apenas dos editores ou também os depoentes escolheriam a revista com o intuito de terem seus relatos publicados? Considera-se, então, que os depoimentos analisados refletem tanto as representações sociais elaboradas pelo público da revista quanto a diversidade encontrada neste.

Outro ponto a ser considerado são as transformações sociais e históricas ocorridas no Brasil entre os anos de 2004 e 2014, capazes de influenciar a construção de representações sociais e a elaboração de ideias sobre fenômenos do cotidiano (MOSCOVICI, 2015MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2015.). Um exemplo dessas transformações é o maior ingresso da mulher no mercado de trabalho, ocasionando mudanças no funcionamento, na estruturação da família e nas formas de exercer a parentalidade (CHAVES, 2011CHAVES, Ulisses Herrera. Família e parentalidade. In: CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira (Org.). Família e… narrativas, gênero, parentalidade, irmãos, filhos nos divórcios, genealogia, história, estrutura, violência, intervenção sistêmica, rede social. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. p. 47-62.).

O movimento feminista denuncia a divisão sexual do “labor”, incluindo a posição de afastamento das mulheres do âmbito público. As mulheres reivindicam redefinir o papel social que as confina à esfera doméstica e reprodutiva. Aos homens também é possibilitado questionamentos sobre os estereótipos vigentes a respeito do masculino, assim como sobre suas experiências como seres sociais (GIFFIN, 2005GIFFIN, Karen. A inserção dos homens nos estudos de gênero: contribuições de um sujeito histórico. Ciências & saúde coletiva, v. 10, n. 1, p. 47-57, 2005. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000100011
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).

Os conceitos culturais de classe, gênero, etnia, sexualidade e nacionalidade, entre outros que definiam a localização dos sujeitos na esfera social, encontram-se fragmentados (TEYKAL; ROCHA-COUTINHO, 2007TEYKAL, Carolina Macedo; ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. O homem atual e a inserção da mulher no mercado de trabalho. PSICO, Porto Alegre, v. 38, n. 3, p. 262-268, set./dez. 2007. Disponível em: Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/revistapsico/ojs/index.php/revistapsico/article/view/2888 . Acesso em: 8 maio 2015.
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). Alia-se a isto o decréscimo da taxa de fecundidade nas famílias brasileiras, segundo os dados do censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010: País tem declínio de fecundidade e migração e aumentos na escolarização, ocupação e posse de bens duráveis. 16 nov. 2011. Disponível em: Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?busca=1&idnoticia=2018&t=censo-2010-pais-tem-declinio-fecundidade-migracao-aumentos-escolarizacao-ocupacao-posse-bens&view=noticia . Acesso em: 24 abr. 2015.
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). Os fatores relacionados a essa queda são: mulheres se tornando mães cada vez mais tarde; uniões consensuais; movimentos migratórios; maior número de crianças e adolescentes estudando e maior número de pessoas trabalhando, com registro na carteira de trabalho; residências com cada vez mais bens duráveis, como por exemplo o computador e o telefone celular.

Pode-se pensar, diante desse cenário multifatorial e mutável, que um número menor de filhos por família geraria um maior investimento parental nessas crianças. Investimento este que poderia ser compartilhado por mulheres e homens, interessados em experienciar modos diversos de cuidados parentais além daqueles sustentados pela divisão sexual do trabalho e pelos estereótipos de gênero.

Como modo de apresentar a diversidade dos depoimentos encontrados, em consonância com as considerações realizadas, optou-se pela apresentação dos perfis dos depoentes, disponíveis nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1:
perfis dos depoentes do ano de 2004
Tabela 2:
perfis dos depoentes do ano de 2014

As representações sociais do ano de 2004 e do ano de 2014 são apresentadas incluindo-se os eixos associativos e suas principais associações. Os eixos associativos estão representados por números romanos. As principais associações são aquelas que surgiram mais vezes na cadeia associativa dos depoentes. Quando mais forte a associação, mais próxima ela está do núcleo central da representação social, no caso a palavra paternidade.

Os resultados apontam diferenças nas redes de significações sobre a vivência da paternidade na representação social do ano de 2004 e do ano de 2014. No ano de 2004, as associações surgem com o foco na participação do pai nos cuidados com o filho ou a filha, em que o homem organiza seu tempo para poder participar principalmente do processo de educação destes, transmitindo valores e regras. Existe uma preocupação deste homem com a formação do filho ou da filha em termos de cidadania. Este homem vê a tarefa de passar valores ao filho como uma obrigação, responsabilizando-se em transmitir um bom exemplo. Desta forma, compreende-se que os conteúdos emergentes no Eixo IV - Casal/Família - estruturam-se mais como eixo central da representação social do ano de 2004 do que aqueles que compõem o Eixo I - Espiritualidade/Transcendência.

Já no ano de 2014, além da participação nos cuidados e na vida cotidiana dos filhos, o homem parece atentar mais para uma preparação subjetiva para que possa efetuar tal participação. Assim sendo, o pai parece ir além das preocupações relacionadas à participação/formação/educação dos filhos, buscando outras formas de se relacionar com estes e exercer a paternidade. Essa preparação se diferencia daquela do homem de 2004, uma vez que este se preocupa em preparar-se em termos de aprendizado das tarefas necessárias para cuidar de uma criança. No ano de 2014, o homem foca em uma preparação interna, em que se permite deixar ser, permite aflorar as emoções nesse processo de preparação.

A temática de gênero emerge nas representações sociais dos dois anos. As associações que surgem em 2004 trazem indagações focadas nos estereótipos de homem e mulher, refletindo e discutindo a respeito das diferenças alicerçadas pela sociedade a respeito do gênero e dos papéis de pai e de mãe.

Contudo, os depoentes do ano de 2014 trazem em seus discursos a importância da desconstrução desses estereótipos para que o homem possa exercer sua paternidade de forma mais afetiva e participativa. Os depoentes de 2014 trazem um sentimento de fraqueza e inutilidade comparado à mulher em seu papel de mãe, justamente pela maior importância dada pela sociedade ao papel materno em relação aos cuidados com a criança.

Nos depoimentos dos dois anos, os homens parecem estar abertos à experiência da paternidade, sendo tal abertura o único pré-requisito para exercê-la. Encontrando-se nesta posição, os homens têm a possibilidade de aprender a ser pai, visto que, de acordo com a nova perspectiva de gênero, a figura paterna é compreendida através do social e não mais somente do biológico (HENNIGEN; GUARESCHI, 2008HENNIGEN, Inês; GUARESCHI, Neusa Maria de Fátima. Os lugares de pais e de mães na mídia contemporânea: questões de gênero. Revista Interamericana de Psicologia, Porto Alegre, v. 42, n. 1, p. 81-90, mai./jan. 2008. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rip/v42n1/v42n1a09.pdf . Acesso em: 23 abr. 2015.
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). Desta forma, o homem pode vir a exercer a paternidade de uma forma mais afetiva e participativa, já que as questões de gênero vêm sendo compreendidas através de um olhar social. Com o passar das décadas, os estereótipos de gênero parecem estar sendo repensados e até mesmo descontruídos, dando ao homem e à mulher a chance de se reinventarem.

Percebe-se que, nas representações sociais dos dois anos, surge a preocupação dos pais na execução do seu papel, englobando as transformações vigentes de cada década. Na representação social do ano de 2004, as preocupações emergem relacionadas às demandas sociais, referentes à participação e ao envolvimento afetivo do pai. Estes dois aspectos são compreendidos pelos depoentes como demandas da sociedade, relacionadas ao comportamento do pai ideal naquele momento sócio-histórico, também relacionados às influências do próprio pai em seu percurso de vida.

Já na representação social do ano de 2014, as preocupações surgem relacionadas às demandas internas do próprio sujeito que se torna pai. Essa demanda implica uma maior introspecção do homem.

Em virtude de as representações sociais não descreverem a realidade em si, mas como as pessoas compreendem fenômenos a partir da sua perspectiva e realidade social, há de se perguntar se os depoentes do ano de 2004 realmente foram mais cobrados pela sociedade em relação à execução da paternidade ou se eles se colocaram em uma posição em que se sentiram mais cobrados. Pode-se refletir sobre isso, pois, na medida em que o homem recebe uma grande influência do seu pai e dá ênfase a ela, pode construir a imagem do que ele entende por pai ideal, a ele se comparando, aproximando-se ou distanciando-se.

Os eixos associativos espiritualidade/transformação, presentes na representação social do ano de 2004, trazem em suas associações conteúdos referentes à paternidade ligada ao contato com algo superior à racionalidade, que transcende a experiência da paternidade no plano material (SAFRA, 2005SAFRA, Gilberto. Espiritualidade e religiosidade na clínica contemporânea. In: AMATUZZI, Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005. p. 205-211.). Além disso, as múltiplas formas de transformação são apresentadas no sentido de modificar a vida cotidiana do homem, em seus comportamentos e hábitos, transformando-lhe a visão de mundo e a perspectiva de vida.

Na representação social do ano de 2004, a transformação aparece mais relacionada à mudança de comportamentos e hábitos do homem, além de englobar reflexões sobre a paternidade ideal, como o aprendizado de tarefas direcionadas ao universo infantil. Na representação social do ano de 2014, essa transformação aparece mais ligada à mudança do homem, abrangendo desde uma busca existencial e amadurecimento até seu renascimento como sujeito (SAFRA, 2005SAFRA, Gilberto. Espiritualidade e religiosidade na clínica contemporânea. In: AMATUZZI, Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005. p. 205-211.).

Como o modelo de paternidade participativa (SUTTER; BUCHER-MALUSCHKE, 2008SUTTER, Christina; BUCHER-MALUSCHKE, Júlia S. N. F. Pais que cuidam dos filhos: a vivência masculina na paternidade participativa. PSICO, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 74-82, jan./mar. 2008. Disponível em: Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/%20revistapsico/article/viewFile/1488/2799 . Acesso em: 4 maio 2015.
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) parece estar se alicerçando aos poucos na sociedade brasileira, a preocupação e a cobrança explicitada na representação social do ano de 2004 levaram esses homens a se questionarem sobre a possibilidade em se adequarem ao modelo emergente. Já a partir de 2014, o fato de esse modelo de paternidade estar relativamente mais consolidado, os homens desta década não demonstraram incômodo com tal adequação, de modo que eles tiveram a oportunidade de refletir e de se ocupar com outras questões, como as subjetivas. Portanto, parece ter ocorrido uma espécie de evolução, no que diz respeito à imagem e aos elementos simbólicos que os homens vêm construindo sobre a paternidade.

A paternidade é compreendida pelos depoentes do ano de 2014 como um estado de espírito, uma vivência em que incluem a esfera espiritual. Mais do que preocupados com a participação e com os cuidados inerentes aos filhos e filhas e à nova família que se constituiu, o homem é levado a refletir sobre como a paternidade transforma a si mesmo, sua forma de perceber e vivenciar o mundo.

A partir dessa transformação, é permitida ao homem a busca de um novo sentido em sua vida, relacionado a uma busca existencial, em que ele procura, a partir do exame de seu interior, assimilar e associar as novas dimensões que lhe são apresentadas. Essas dimensões referem-se ao seu novo eu e ao seu novo papel na sociedade a partir da paternidade. O homem transforma o modo como percebe alguns fenômenos e suas relações, passa por um renascimento. Além disso, por meio da transcendência, ele se permite questionar e desconstruir conceitos e preconceitos (SAFRA, 2005SAFRA, Gilberto. Espiritualidade e religiosidade na clínica contemporânea. In: AMATUZZI, Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005. p. 205-211.).

A espiritualidade caracteriza-se como um fenômeno em que o sujeito sai de si em busca de um sentido último, que se relaciona com uma abertura em direção ao outro, em que o devir em direção ao futuro se faz transcendente. Esse gesto do ser humano de sempre ir além, por ser compreendido como o registro espiritual do homem, faz com que este se expanda para fora de si a caminho da integralidade da existência (SAFRA, 2005SAFRA, Gilberto. Espiritualidade e religiosidade na clínica contemporânea. In: AMATUZZI, Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005. p. 205-211.). A espiritualidade e a transcendência surgem interligadas no discurso dos depoentes do ano de 2014.

O surgimento de conteúdos relacionados à espiritualidade e à transcendência, mais próximos ao núcleo central da representação social do ano de 2014, parece estar ligado ao desenvolvimento de estudos referentes à espiritualidade pela psicologia. Na medida em que estes conteúdos parecem ser desmistificados tanto pela sociedade quanto pela ciência, a população geral, assim como os pesquisadores, parece realizar uma maior abertura para refletir sobre esta temática e como ela está relacionada à vida das pessoas.

A transformação interna do sujeito é abordada por pesquisadores brasileiros que trabalham com a maternidade, que surge como uma possibilidade de aprendizado, em que a mulher pode refletir sobre sua vida e existência antes e após essa vivência, abarcando as transformações experimentadas. Os filho e filhas são compreendidos como aqueles que propiciam a mudança da mãe, uma vez que a ensina a exercer a maternidade. Retrata a transformação da mulher como mãe, filha, esposa, amiga e profissional. Desta forma, a maternidade é ligada ao desenvolvimento da mulher enquanto sujeito (MOREIRA; RASERA, 2010MOREIRA, Renata Leite C. Aguiar; RASERA, Emerson F. Maternidades: os repertórios interpretativos utilizados para descrevê-las. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 22, n. 3, p. 529-537, abr./set. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822010000300013
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).

Percebe-se que as transformações apontadas por Moreira e Rasera (2010MOREIRA, Renata Leite C. Aguiar; RASERA, Emerson F. Maternidades: os repertórios interpretativos utilizados para descrevê-las. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 22, n. 3, p. 529-537, abr./set. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822010000300013
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) perante a maternidade também estão relacionadas às transformações subjetivas dos depoentes diante da experiência da paternidade. Isto porque estes trazem em suas associações transformações externas (comportamento), internas (subjetivas) e decorrentes do contato com a espiritualidade.

Em termos de competência para os cuidados com os filhos, e na relação construída com eles, não há diferenças entre homem e mulher, visto que tanto os pais quanto as mães possuem sensibilidade para interpretar os sinais emitidos pelo bebê, respondendo com igual eficiência. Esta concepção contraria a ideia de instinto maternal, pois as competências para os cuidados com o bebê/criança são conquistadas a partir da experiência e prática (BALANCHO, 2012BALANCHO, Leonor Segurado. Ser pai hoje. Curitiba: Juruá, 2012.).

As competências para os cuidados com os filhos estão relacionadas também às transformações subjetivas e à disponibilidade do sujeito em se deixar afetar por tais transformações. Para tornar-se pai, o homem precisa estar aberto às novas experiências e, principalmente, estar disponível emocionalmente. A partir dessa abertura, tem a possibilidade de exercer a paternidade de forma satisfatória, na medida em que se dispõe a participar de forma ativa na vida dos filhos. A disponibilidade do homem de acolher e doar afetos é compreendida como impulsionadora desta transformação.

As associações completude, transformação, humanização, autopreservação, empatia, novo homem, novo sentido, renascimento, novo rumo, busca existencial, emoção, felicidade, satisfação, grávido, amor, sentir-se pai, carinho, afeto, preparação interna, apego, alegria, motivação, pai coruja, esforços, entusiasmo, intuição, sensação boa, preocupações, espelho (exemplo), obrigações, tempo integral, educação, ensinar, higiene, alimentação saudável, valores, cuidado, participação, responsabilidade, compreensão, levam a pensar na possibilidade de (re)construção subjetiva do homem frente à experiência da paternidade, gerando questionamentos sobre sua existência e seu papel no mundo enquanto sujeito social.

Possíveis percursos da paternidade

As mídias parecem estar relacionadas com a construção das representações sociais, já que seus conteúdos perpassam o cotidiano. Ideias e associações são constituídas e constituintes do imaginário social, no qual elementos simbólicos circulam.

No caso da psicologia, especificamente do profissional psicólogo, os estudos com representações sociais parecem contribuir para o desenvolvimento daquele profissional que se mantém em contato com diferentes públicos, trabalhando tanto em âmbito público como particular, tendo a possibilidade, a partir do acesso a estudos com embasamento na teoria das representações sociais, de compreender como se dão certos fenômenos das sociedades, abarcando as relações, a construção e a associação de ideias sobre determinado assunto da vida cotidiana.

Quanto ao processo de construção da paternidade, observa-se que o homem leva em consideração o modelo de paternagem que possui, além daquilo que entende como um modelo ideal de pai em seu imaginário. Tendo em vista que o homem traz consigo uma bagagem no que tange ao exercício da paternidade, englobando a vivência com o próprio pai e as demandas sociais, ele reflete sobre este papel. Desta forma, tem a possibilidade de (re) construir a sua própria paternidade de uma forma singular, de acordo com as experiências vivenciadas na circunstância em que a paternidade acontece e com a atmosfera disponível a ele para a execução deste papel (GABRIEL; DIAS, 2011GABRIEL, Marília Reginato; DIAS, Ana Cristina Garcia. Percepções sobre a paternidade: descrevendo a si mesmo e o próprio pai como pai. Estudos de Psicologia, Natal, v. 16, n. 3, p. 253-261, set./dez. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2011000300007
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).

Os eixos associativos centrais da representação social do ano de 2004 foram bastante sustentados pela literatura, uma vez que foi encontrado um número extensivo de trabalhos publicados sobre esta temática. A ideia do pai participativo e envolvido no desenvolvimento e na criação dos filhos está fundamentada nas mudanças sociais, abarcando a evolução da compreensão das questões relacionadas ao gênero. Já no que se refere aos eixos associativos centrais da representação social do ano de 2014, que apresentam a ideia de introspecção e espiritualização do homem que se torna pai, fazendo parte da construção da paternidade, não foram tão desenvolvidos pela literatura específica sobre o tema em comparação com os demais.

Portanto, percebe-se uma necessidade de mais pesquisas abarcando as transformações subjetivas do homem que se torna pai e a influência da espiritualidade neste processo. A transcendência emergiu mais próxima ao núcleo central da representação social nos depoimentos dos homens do ano de 2014. Assim, torna-se interessante que os pesquisadores atentem para este dado, mesmo levando em consideração as restrições deste trabalho, como, por exemplo, um número limitado de depoentes. Além disso, coloca-se como restrição o fato de as representações sociais sobre paternidade analisadas emergirem de um artefato cultural e, portanto, apresentarem as representações sociais de um público específico, possuidor de contato com a mídia citada, e a intervenção os editores da revista na seleção dos depoimentos publicados.

Assim, pode-se concluir que, em cada momento sócio-histórico, os homens irão encontrar novos desafios para a paternidade. Esta pesquisa apontou, ainda, que, a partir da abertura para a experiência da paternidade, o homem pode aprender a ser pai e exercer esse papel de forma satisfatória. Portanto, entende-se que é necessária uma abertura do homem para acolher a criança que virá e, consequentemente, os novos desafios e responsabilidades, assim como uma abertura para sua própria transformação. Com este trabalho, pode-se perceber a multiplicidade “das paternidades”, uma vez que, hoje, existem diferentes formas de exercer este papel.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2016
  • Revisado
    05 Nov 2018
  • Revisado
    11 Mar 2019
  • Aceito
    07 Jun 2019
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